DIVERGÊNCIA DA ESCOLHA DA VIA DE PARTO

Authors

  • Daniel Delatorre Kamijo Universidade do Oeste de Santa Catarina
  • Yago Moreira Pimenta
  • Luciano Schmoeller
  • Leonardo Ary Zardo
  • Elcio Luiz Bonamigo

Abstract

A escolha de via de parto é uma decisão pela qual a maioria das mulheres passará durante a vida, porém, algumas vezes, por razões diversas, a parturiente é desprovida de sua autonomia de escolha, ficando o médico a cargo de optar pela via de sua preferência, que muitas vezes pode não ser a mesma da paciente. O objetivo neste trabalho foi elencar as variáveis responsáveis pela divergência da escolha da via de parto entre o médico e a paciente. A metodologia utilizada foi a revisão da literatura corrente nas seguintes bases de dados: Scielo e OBJN, onde foram pesquisadas diferentes abordagens sobre a escolha da via de parto, bem como em leitura de resoluções do Conselho Federal de Medicina e capítulos do Código de Ética Médica. Nas revisões bibliográficas foi constatado que 73% das mulheres, em nível privado, já haviam decidido fazer cesárea, mesmo antes do evento da gravidez; as demais, quase o total, decidiram pela cirurgia logo no início da gestação (NAKANO; BONAN; TEIXEIRA, 2015). Em contraponto, um estudo transversal feito no Vale do Taquari, com 81 gestantes, teve como resultado o parto vaginal (75%) como preferência das gestantes. Nesse mesmo estudo, os dados obtidos mostram que as mulheres que escolhem parto normal, em sua maioria, recebem mais influência familiar (43%). Entretanto, as que escolheram o parto abdominal receberam mais influência do médico (31%). Foi encontrado também que as mulheres que preferem o parto vaginal são as primigestas, e que as que preferem parto cesáreo são as que possuem histórico de gestação anterior (WEIDLE, 2014). Uma análise sobre a preferência das pacientes e dos médicos sobre a via do parto mostrou que 74,1% das gestantes preferem o parto normal, porém 63,6% dos médicos obstetras preferem a cesárea (LEGUIZAMON JUNIOR; STEFFANI; BONAMIGO, 2013). Já em um estudo transversal em duas maternidades no Município do Rio de Janeiro, onde foram analisadas 909 gestantes, encontrou-se que 82,9% das mulheres informaram que não pediram para fazer cesárea, tanto aquelas que tiveram parto vaginal (81%) quanto as que foram submetidas à cesárea (85%). A escolha da via do parto, seja abdominal seja vaginal, está diretamente associada a diversos fatores, entre os quais podem ser mencionadas a gestação de alto risco e os fatores culturais ou sociais, pois pessoas que convivem com as mulheres no período gestacional influenciam diretamente na escolha da via de parto em decorrência de estas estarem em estado de maior vulnerabilidade (WEIDLE et al., 2014). Dessa forma, a presença e a opinião tanto da família quanto da sociedade em que a gestante está inserida são fatores muito importantes durante o decorrer da gestação (PINHEIRO et al., 2016). Além disso, foi observado que as operações cesarianas ocorrem, em maior proporção, na população de mulheres de maior poder aquisitivo, mulheres residentes de zona urbana, com planos de saúde e mulheres que possuem mais facilidade de acesso ao atendimento especializado em obstetrícia (WEIDLE et al., 2014). Assim, a familiaridade das mulheres com os serviços e tecnologias médicas abrange uma visão biomédica dos corpos e de suas possibilidades e da vivência da cesárea como evento de continuidade, e não de exceção. A vantagem atribuída às tecnologias médicas em relação à fisiologia – no sentido de diminuição de riscos, praticidade e controle da dor – e sua associação com a ideia de evolução é parte do cenário de utilização da cesárea como importante via de nascimento (NAKANO; BONAN; TEIXEIRA, 2015). Logo, as práticas de cesárea devem ser compreendidas de modo situado, considerando o local onde acontecem, as experiências das mulheres com cuidados em saúde e com tecnologias médicas e as influências de valores sociais compartilhados (NAKANO; BONAN; TEIXEIRA, 2015). A incorporação simbólica e material das tecnologias na cesariana atualiza as possibilidades corporais e sociais, inclusive esquivando imperativos da natureza: a “cesárea marcada” modifica intimamente a experiência do parto, excluindo da cena sinais e sintomas como cólicas, contrações, rompimento de bolsa, espasmos, gritos e o tempo de espera, com suas expectativas, incertezas e ansiedades. A técnica cirúrgica e seus usos reapresentam o parto às mulheres (NAKANO; BONAN; TEIXEIRA, 2015). Ademais, segundo a recente resolução do CFM n. 2.144/2016, é ético o médico atender à vontade da gestante de realizar parto cesariano, garantida a autonomia do médico, da paciente e a segurança do binômio materno fetal. E, segundo o Código de Ética Médica (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2009), no seu inciso II, do capítulo II, é direito dos médicos indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente, resguardando, assim, a opinião médica em relação ao procedimento cirúrgico como via de parto, apoiado em um número menor de complicações em razão do avanço tecnológico e das técnicas cirúrgicas (NAKANO; BONAN; TEIXEIRA, 2016). Entretanto, o parto normal é indicado pela OMS, pois traz várias vantagens para a mãe e para o bebê, como recuperação rápida, ausência de dor no período pós-parto, alta precoce e menor índice de infecção e de hemorragia; assim este deveria constituir 85% dos partos realizados nos municípios, porém na realidade, as taxas de cesáreas são maiores do que as de partos normais (LEGUIZAMON JUNIOR; STEFFANI; BONAMIGO, 2013). Segundo Matin Gülmezoglu (WHO, 2015), coordenador do Departamento de Saúde Maternal da OMS, o aumento da frequência de cesáreas deve-se ao avanço dos antibióticos e da anestesia, promovendo uma cirurgia mais segura. Ele também afirma que para um obstetra, as cesáreas facilitam o trabalho em razão de poder organizar melhor a rotina, e os hospitais puxam para essa direção para que tenham uma agenda determinada (WHO, 2015). Contudo, os médicos informam que a escolha da cesariana pelas pacientes por mera preferência pode trazer complicações para a mãe, como hemorragias e infecções, e ao recém-nascido, prematuridade e, consequentemente, problemas respiratórios (PINHEIRO et al., 2016). Figueiredo encontrou que 70% das mulheres são influenciadas pela opinião médica, por isso existe uma mudança da escolha da via de parto proporcionalmente ao tempo decorrido da gestação, uma vez que os médicos obstetras não esclarecem os reais riscos da cesárea e não estabelecem uma relação de segurança para o parto normal (PIMENTA et al., 2013). Barbosa (2003) complementa afirmando que uma “cultura da cesárea”, que considera esse tipo de parto a melhor forma de nascer, parece ainda não estar totalmente introjetada nas mulheres. A justificativa da “cesárea a pedido da mulher”, muitas vezes relatada pelos profissionais de saúde, parece refletir mais uma cultura médica do que uma real preferência das parturientes. De acordo com a World Health Organization (2015), nos últimos anos, autoridades governamentais e médicos têm se preocupado com o aumento no número de partos cesáreos e suas possíveis consequências negativas sobre a saúde materno-infantil. O custo também é um fator importante nessa questão, uma vez que recursos financeiros são necessários para melhorar o acesso aos cuidados maternos e neonatais para todos que necessitam, e as cesáreas representam um gasto adicional significativo para sistemas de saúde, que já estão sobrecarregados e muitas vezes enfraquecidos. Diante do exposto, conclui-se que o parto vaginal, embora cientificamente comprovado como melhor escolha tanto para a mulher quanto para o bebê, quando não há indicação formal de cesárea, é menos praticado, sobretudo nos planos privados de saúde. Isso ocorre por vários fatores, como opinião familiar e do médico, insegurança e medo da gestante em relação ao parto normal ou preferência da paciente. Ademais, o avanço da técnica cirúrgica e das tecnologias de assistência ao parto têm suportado e alavancado as decisões das gestantes pela cesárea. É evidente que existe uma diferença muito grande de escolha quando se analisa o âmbito privado e o público; no primeiro, a escolha pela cesárea é superior entre as gestantes, dessa forma, as influências das mulheres pela família e amigos, somado ao interesse do médico, facilitam essa escolha. No segundo, entre os fatores de influência, as mulheres podem estar sendo limitadas no seu direito de escolha, ou seja, em sua autonomia. Assim, ficam à mercê das legislações e dos profissionais da saúde, sem ter sua vontade devidamente analisada ou aceita pelos obstetras. Dessa forma, é preciso ter uma regulamentação sólida e condições estruturais que garantam a autonomia para as gestantes, após estarem suficientemente informadas para a escolha, tanto em caráter privado quanto público.

Palavras-chave: Autonomia pessoal. Cesárea. Preferência do paciente.

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Published

2016-10-26

How to Cite

Kamijo, D. D., Pimenta, Y. M., Schmoeller, L., Zardo, L. A., & Bonamigo, E. L. (2016). DIVERGÊNCIA DA ESCOLHA DA VIA DE PARTO. Anais De Medicina. Retrieved from https://periodicos.unoesc.edu.br/anaisdemedicina/article/view/12030

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Resumos Expandidos