LEITURA E CÁRCERE: (ENTRE)LINHAS E GRADES, UM PROJETO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E O LEITOR PRESO
Resumo
Esta pesquisa toma como objeto para a análise o Projeto de Extensão do curso de graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Direito e cárcere: remição de pena pela leitura, em parceria com o Presídio Regional de Xanxerê/SC e analisa discursivamente os gestos de leitura desses sujeitos, em posição de leitores em espaço de privação de liberdade, investigando a constituição dos processos de subjetivação. Analisa-se o funcionamento discursivo das condições de produção e os efeitos de sentido da literatura em área de cárcere como dispositivo de remição de pena, buscando compreender como se constituem, nesse processo, os sujeitos-leitores. A âncora teórica é a Análise do Discurso francesa. A partir de entrevistas efetuadas com apenados do Presídio Regional de Xanxerê-SC, analisa-se esses dizeres, a materialidade discursiva, e investiga-se a tensão entre o dito e o não dito, as marcas de heterogeneidade da língua (explícitas ou implícitas, como a negação, os pré-construídos, as interpelações do inconsciente), buscando acessar a memória discursiva e tornar menos opaco o discurso sobre a leitura como dispositivo de remição de pena no cárcere. No dizer de um entrevistado: “tem leitura, por exemplo, que traiz, assim, que me feiz entendê, assim, que a gente tem uma vida ainda pela frente”. Esse tema traz à tona uma profusão de problemas, entre eles, a desigualdade social e racial. Desse pano de fundo, emergem questões: sujeito preso é sujeito de direito sem direito, mas com o direito de ler literatura? Os direitos podem ser respostas às faltas produzidas pelo próprio sistema? O direito concedido pelo Estado pode ser o direito de remediar a falta? Há um efeito de sentido que faz sentido a literatura na prisão: nesse modo de ler, nesse lugar de ler, o sujeito assume uma posição-leitor ao se identificar com o personagem do livro lido, ao estabelecer relação com sua própria vida, de sua experiência no cárcere com sua experiência de leitura. Esta pesquisa auxilia a refletir que o sujeito-leitor preso é visto como uma posição vazia; não se considera a história do sujeito-leitor, não se consideram as leituras que efetuou antes de adentrar no cárcere; ele é constituído e moldado pela instituição prisional. O sujeito-leitor preso se manifesta como um estrategista que busca se amoldar às orientações em jogo para lidar com elas, para se adequar a elas e a um imaginário social de leitura. Uma leitura para atravessar os muros da prisão.