Fatores associados à depressão em acadêmicos de Medicina
Resumo
Introdução: Estima-se que de 15 a 25% dos estudantes universitários apresentam algum tipo de transtorno psiquiátrico durante sua formação acadêmica. Dentre os transtornos mais frequentes, pode-se citar os depressivos e de ansiedade. Estudos de Cerchiari, Caetano e Faccenda (2005) evidenciam que os transtornos não psicóticos afetam particularmente o sexo feminino, com prevalências de até 14%. Estima-se que os Cursos superiores de Medicina, por possuírem características peculiares, podem se tornar uma das variáveis que desencadeiam a depressão entre jovens. As experiências vividas pelos estudantes de Medicina somadas às altas exigências e às elevadas cargas horárias são determinantes para que a prevalência da doença seja maior nessa população. Objetivo: Tendo em vista o questionamento acerca dos fatores relacionados à depressão, neste estudo objetivou-se identificar e compreender aspectos relacionados com as causas e consequências da depressão em acadêmicos de Medicina no Estado de Santa Catarina. Metodologia: Este estudo de abordagem qualitativa e com teor descritivo foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica. A pesquisa foi feita nos bancos de dados virtuais Google Acadêmico e Scielo, utilizando-se os descritores “depressão” e “acadêmicos de medicina”. Dos trabalhos encontrados excluíram-se aqueles que não abordavam especificamente os estudantes da educação superior e aqueles que não estavam disponíveis integralmente. A partir de leituras prelimitares, selecionaram-se 12 estudos biopsicossociais que discutiram a depressão como uma problemática da vida universitária. Portanto, analisaram-se dados secundários, coletados em pesquisas já desenvolvidas sobre a depressão em estudantes de Medicina. Resultados: Considerando os fatores relacionados, a abrangência dos conceitos, aspectos históricos e subjetivos que caracterizam a depressão, pode-se dizer que esse transtorno sofre influência genética, social, psíquica e ambiental. Segundo a Organização Mundial da Saúde (2017), a depressão é “A principal causa de problemas de saúde e incapacidade em todo o mundo.” Os primeiros sinais de alerta que o corpo apresenta e que caracterizam os sintomas de estresse são: tensão emocional, desgaste físico e mental e falha na memória (LIPP, 2005). O Curso de Medicina é um ambiente que propicia o estresse, e as variáveis que o circundam – como a falta de lazer, ambiente hospitalar e sobrecarga curricular – podem ser determinantes para o quadro depressivo. As fontes estressoras do Curso de Medicina tendem a se acentuar com o avançar das fases em razão do cumprimento de atividades obrigatórias e da maior responsabilidade exigida a cada semestre. A irregularidade de horários e o excesso de atividades que exigem grande adaptabilidade do aluno são exposições estressoras que trazem consequências negativas para o indivíduo (GUIMARÃES, 2005). Outros fatores como a falta de segurança em alguns procedimentos, medo de cometer erros, o contato com a morte e o medo de adquirir doenças podem acionar mecanismos de defesa psicológica nos estudantes, os quais podem desenvolver ou agravar diversos transtornos mentais e afetivos (FIOROTTI et al., 2010). Esse estado de estresse, quando não manejado adequadamente, pode evoluir para um quadro depressivo. Estudos sobre a depressão têm sido cada vez mais frequentes em trabalhos de conclusão de curso de estudantes de Medicina, visto o crescimento exponencial dessa doença na população em geral e em específico entre acadêmicos desse Curso. Dados retirados de pesquisas realizadas em faculdades de Medicina do Estado de Santa Catarina revelam que essa problemática é crescente, no entanto não se restringe à atualidade. Segundo o estudo de Oliveira (1995), realizado em Florianópolis (SC), quase 40% dos alunos entrevistados apresentavam indícios de depressão, sendo, dentre eles, 27,8% do gênero feminino. As avaliações foram feitas logo após o início das aulas, fora da época de provas. Em uma abordagem cronológica, verificou-se na pesquisa de Moro (2005), da Universidade da Região de Joinville (SC), que um total de 40,7% dos alunos entrevistados responderam positivamente para a sintomatologia depressiva. Entre estes, a maioria (53,4%) era do grupo feminino, revelando um aumento dessa categoria em comparação com o estudo realizado 10 anos antes. Por conseguinte, em Joaçaba (SC), na Universidade do Oeste de Santa Catarina, dos 23 acadêmicos questionados, 14 alunos apresentavam sintomas de estresse, dois quais dois se encontram na fase de alerta, 11 na fase de resistência e um na fase de exaustão (CHIOCHETTA; SEHNEM; ROSA, 2017). A fase de resistência, a qual obteve um total maior, confere o elevado desgaste psicológico que os alunos vivem durante o Curso. Segundo as autoras, a grande maioria se incluía no grupo feminino, somando sete dos 11 alunos. A comparação entre esses estudos revela uma sobrecarga cada vez maior para a conclusão do Curso de Medicina, seja por questões emocionais, sociais, dificuldades financeiras ou competição entre os alunos. Na relação feita entre os gêneros, a maior adesão da mulher no ensino superior e em especial no Curso de Medicina faz com que este seja o sexo predominante em estudos da doença; além disso, relaciona-se também com a dupla jornada de trabalho (que é o caso de muitas mulheres) e preocupações diárias sobre morte e violência que elevam o seu estado de ansiedade. Em geral, a depressão na vida acadêmica constitui-se de um estudo atemporal e que se acentua com o passar das décadas. A profissão médica é dotada de inúmeras gratificações que fazem com que o indivíduo que a executa se sinta útil no seu papel social. Sentir-se competente, aliviar a dor e o sofrimento do próximo, dar vida, ensinar e educar são características inerentes à profissão e que conferem reconhecimento e gratidão ao profissional. No entanto, o custo por criar altas expectativas e estas não serem correspondidas pode ser alto para aqueles que não estão devidamente preparados para lidar com os desafios da vida acadêmica e profissional (BOTEGA, 2002). Ao deparar-se com a insalubridade psicológica que permeia a graduação, o estudante de Medicina encontra-se rodeado por dificuldades que, dependendo da saúde mental do indivíduo, podem ser determinantes para a conclusão ou não do Curso. Entre elas, a grande responsabilidade atrelada à profissão, a fadiga durante o Curso, a privação de sono, o isolamento social e, muitas vezes, o afastamento da família são elementos que contribuem para as consequências negativas que a depressão, quando instalada, acarreta nos indivíduos. No conjunto das principais consequências da depressão em acadêmicos de Medicina estão presentes outros tipos de transtornos mentais, como burnout, crises conjugais, abuso de substâncias lícitas como álcool, uso de substâncias psicoativas como medicamento e outras drogas, assim como desistência do Curso e até mesmo suicídio. Além da faculdade, observa-se que o suicídio também ocorre entre médicos que já estão no exercício de sua profissão, e, segundo Meleiro (1998), a taxa de suicídio na população médica é superior à da população geral em todas as partes do mundo. Por apresentarem grande conhecimento farmacológico, o índice de estudantes e médicos que concluem sua tentativa de suicídio é alta. Nesse caso, o monitoramento dessa classe de indivíduos, principalmente os propensos a desenvolverem algum tipo de doença mental – os com predisposição genética, por exemplo – seja pela instituição de ensino seja por familiares e amigos próximos, é de extrema valia para evitar que esse índice aumente. Por meio do auxílio psicológico os acadêmicos poderiam encontrar métodos para aliviar ou até mesmo eliminar a pressão que lhes causa desconforto. A grande problemática é que, apesar de os estudantes desse Curso possuírem grande facilidade de acesso ao tratamento, apenas uma pequena parcela deles busca ajuda. Segundo estudo de Knezevic (2012), apenas 20 a 30% dos acadêmicos deprimidos pedem ajuda nos serviços de saúde e usam terapia adequada. A alta prevalência de sofrimento psíquico entre estudantes de Medicina indica a necessidade de apoio psicológico para melhoria na saúde mental dessa classe. Assim, de acordo com Zonta, Robles e Grosseman (2006), a escola médica deve estar preparada e focar no cuidado do estudante de Medicina, buscando sempre o respeitar, escutar e ajudar no desenvolvimento de estratégias que o preparem para lidar com a pressão que vivenciará no cotidiano acadêmico e profissional. Segundo Meleiro (1998), é de elevada necessidade que exista o preparo do estudante de Medicina diante das condições que ele enfrentará em seu futuro trabalho, tendo em vista o aconselhamento sobre o enfrentamento de situações das quais este não terá controle. Com isso, é esperada a redução das frustações geradas pelas idealizações e decepções durante o Curso e, consequentemente, casos de depressão e suicídio do estudante e dos profissionais médicos. Conclusão: Conclui-se que a incidência de quadros depressivos em estudantes de Medicina advém de diversos fatores e é maior do que a de acadêmicos de outros cursos e da população em geral, ratificando a exposição desses estudantes a fatores de estresse. Os resultados destacados fazem referência à maior prevalência de mulheres com sintomas depressivos nas amostras, fato que está relacionado à maior adesão de mulheres ao ensino superior e à dupla jornada de trabalho. Destaca-se a importância de as instituições de ensino superior estarem cientes de seu papel na formação do estudante, não somente técnica, mas também psicológica e social. Para tal, faz-se necessária a promoção de estratégias que favoreçam a resolubilidade de fatores associados ao dano da saúde mental, proporcionando apoio psicológico aos estudantes a fim de contribuir e melhorar a saúde e o bem-estar e, consequentemente, diminuir os índices de depressão.
Palavras-chave: Depressão. Acadêmicos. Medicina.
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Referências
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