FATORES ASSOCIADOS À REALIZAÇÃO DE PARTO CESÁREO EM MULHERES BRASILEIRAS – UMA ANÁLISE DA PESQUISA NACIONAL DE SAÚDE

Autores

  • Silnara Aline Rossi UNOESC - Universidade do Oeste de Santa Catarina
  • Barbara Andreis UNOESC - Universidade do Oeste de Santa Catarina

Resumo

A tendência ao aumento das taxas de cesáreas ocorreu mundialmente, sobretudo no Brasil, a partir da década de 1970. A proporção aumentou de 15% em 1970 para 31% em 1980 (FAUNDES; CECATTI, 1991) e atingiu 50,1% dos nascidos vivos em 2009 (DATASUS, 2009). Isso se deve em parte ao avanço do respeito à autonomia das pacientes e ao novo papel da mulher na família e na sociedade que contribuíram para a progressiva participação feminina na escolha da via de parto (DIAS, 2006). De acordo com recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), as cirurgias cesareanas deveriam corresponder a, no máximo, 15% do total de partos e somente ser indicadas nos casos de risco para a mãe ou do nascituro, já que a ausência de indicação médica está associada a um maior risco de infecção puerperal, mortalidade e morbidade materna, prematuridade, mortalidade neonatal e consequente elevação de gastos para o sistema de saúde (VILLAR et al., 2006; WEISS et al., 2004).No presente estudo teve-se como objetivo identificar fatores que contribuem para o aumento e a redução das taxas de parto cesáreo. Tratou-se de estudo descritivo, utilizando dados da Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE, 2014), cuja amostra foi composta por 64.348 domicílios. Para a identificação dos fatores associados à realização de parto cesáreo foi realizada análise de regressão logística com cálculo do odds ratio (OR) e diferenças estatisticamente significativas no nível de 5% foram consideradas na ausência de sobreposição dos IC95%. Das mulheres entrevistadas, 995 tiveram parto cesáreo. A faixa etária mais prevalente foi aquela com idade entre 18 e 29 anos (51,52%); observou-se que 54,97% (n=478) eram casadas. Quanto à cor da pele autorreferida, 47,53% (n=391) eram brancas. Pardas representaram 42,5% (n=507) e tiveram um OR de 0,44 (0,31-0,62). Mulheres negras representaram 8% (n=81) dos indivíduos e tiveram um OR (IC95%) de 0,46 (0,26-0,81) para a ocorrência de cesárea. Em relação às regiões geográficas brasileiras, apenas a região Nordeste não evidenciou associação estatisticamente significativa para a ocorrência de cesárea. Ainda a região Sudeste, cujo OR (IC95%) foi de 2,48 (1,64-3,75), não diferiu em demasiado das regiões Sul e Centro-Oeste, cujos OR (IC96%) foram de 2,39 (1,39-4,09) e 2,01 (1,30-3,11), respectivamente, configurando fatores de risco para a ocorrência de parto cesáreo. A maioria das gestantes tinha ensino superior completo, o que corresponde a 62,80% (n=56), e esse fato corrobora para o aumento das cesáreas, já que o OR (IC95%) foi de 26,85 (6,57-109,6). Além disso, há aumento de risco para cesáreas quando a gestante é pós-graduada, pois o OR (IC95%) foi de 59,20 (3,55-984,75) ou naquelas que possuem ensino médico completo, já que o OR (IC95%) foi de 13,44 (3,05-59,18). Entre as mulheres entrevistadas, 98,66% (n=978) realizaram o pré-natal, visto que 44,26% (n=506) foram realizados na Unidade Básica de Saúde. Os realizados em consultório particular corresponderam a 43,45% (n=359) e tiveram um OR (IC95%) de 10,88 (7,43-15,94), sendo uma das principais variáveis associadas à cesárea. Gestantes que não tiveram nenhuma ou apenas algumas consultas do pré-natal pelo SUS apresentaram risco aumentado para a realização da cesárea, com OD (IC95%) de 4,02 (1,80-8,95) e OD (IC95%) de 9,28 (6,48-13,28), respectivamente. Não ter nenhuma consulta coberta por plano de saúde se configurou como fator de proteção, com OD (IC95%) de 0,09 (0,06-0,15). A presença de hipertensão gestacional foi considerada fator de risco, pois o OD (IC95%) foi de 1,78 (1,00-3,16). No que se refere ao profissional que fez o atendimento no pré-natal, no presente estudo mostrou-se que em 80,2% (n=743) dos casos foi feito pelo médico. Os atendimentos feitos por enfermeiras corresponderam a 18,97% (n=229) e tiveram um OD (IC95%) de 0,36 (0,26-0,52). Os partos não cobertos por plano de saúde chegaram a 62,68% (n=696), já os cobertos, que aumentam a probabilidade de o desfecho ser cesárea, foram 37,32% (n=295) e tiveram OR (IC95%) de 15,18 (9,51-24,21). Realizar o parto pelo SUS é um dos principais fatores de proteção, com OR (IC95%) de 0,10 (0,06-0,14). As outras variáveis categóricas não foram estatisticamente significativas. Quanto às variáveis numéricas, observou-se aumento do risco de parto cesáreo em 7%, conforme houve aumento da idade materna, em anos, bem como houve elevação do risco em 18% ao aumento unitário do número de consultas durante o pré-natal. Enquanto postergar o início do pré-natal foi considerado fator protetor, a cada semana a mais de idade gestacional no início do pré-natal reduziram-se 6% da chance de cesárea. Outros fatores que podem ser considerados protetores são: o número de nascidos vivos que, ao aumentar, reduz em 21% o risco de parto cesáreo; e o número de partos precedentes, que ocasiona redução de 22% no risco de parto cirúrgico se houve um maior número de partos prévios da gestante em questão. No entanto, quando o parto prévio a ser considerado tratava-se de uma cesárea, houve risco 126 vezes maior de realização do que parto cesáreo. A análise do número de nascidos vivos que morreram, do número dos filhos que nasceram vivos com menos de 2,5 kg e do número de filhos prematuros não foi estatisticamente significativa no presente estudo. D’Orsi (2003), em seu estudo, concluiu que a maior parte dos fatores associados à realização de cesárea são modificáveis, como se pôde observar nos resultados obtidos. Em relação à escolaridade, quanto maior o grau de instrução maiores as taxas de parto cirúrgico encontradas (CHACHAM, 1996). O tipo de hospital (público ou privado) em que é realizado o parto também se mostra uma variável que pode influenciar no aumento ou redução das taxas de partos cesáreos, estimando-se proporções muito mais elevadas nos hospitais privados, em que a população atendida, em geral, tem melhor padrão socioeconômico e nutricional, menor risco gestacional e maior acesso aos serviços de saúde (BELIZÁN, 2002). Também foi encontrada maior prevalência do parto cirúrgico em regiões de maior desenvolvimento socioeconômico (Sudeste, Sul e Centro-Oeste); para as mulheres com mais de seis consultas de pré-natal, com início precoce (no primeiro trimestre) ou que realizaram pré-natal e parto no mesmo hospital; na apresentação fetal não cefálica; quando houve desejo materno de parto cesáreo ou realização de laqueadura tubária durante o parto; e em casos de hipertensão ou hemorragia do terceiro trimestre (D’ORSI, 2003). Manteve-se a forte influência tanto da primiparidade quanto na cesárea previa sobre a maior chance de cesárea: as primíparas apresentaram chance 6,7 vezes maior de cesárea (IC 95%: 3,8-11,9), e as multíparas, cujo último parto foi cesárea, apresentaram chance 19,3 vezes maior de cesárea (IC 95%: 10,2-36,5) (D’ORSI, 2003).  Embora a institucionalização do parto e os avanços tecnológicos tenham proporcionado melhor controle dos riscos materno-fetais, houve incorporação de grande número de intervenções desnecessárias. Ademais, o parto hospitalar afasta a mulher de seu ambiente, colocando-a em local desconhecido e, na maioria das vezes, pouco acolhedor, tornando a experiência do nascimento alienante e desumana (JUNQUEIRA, 1987). Assim, vários procedimentos hospitalares têm sido questionados pela carência de evidências científicas que os suportem, a existência de evidências que os contraindiquem e por trazerem desconforto à mulher (BRASIL, 2001a). Dessa forma, o Governo brasileiro tem instituído vários projetos com o objetivo de resgatar a naturalidade do parto, entre eles a Rede Cegonha, que visa assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e a atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como à criança o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e desenvolvimento saudáveis (BRASIL, 2001b). Identificar, então, os fatores que contribuem para a realização de cesáreas, quando não há indicação de fazê-lo, faz-se necessário para guiar a instituição de políticas públicas e privadas que orientem corretamente quanto aos prós e contras de submeter-se a procedimentos cirúrgicos.

Palavras-chave: Cesárea. Procedimento cirúrgico. Parturientes. 

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Silnara Aline Rossi, UNOESC - Universidade do Oeste de Santa Catarina

CIÊNCIAS DA VIDA

Barbara Andreis, UNOESC - Universidade do Oeste de Santa Catarina

CIÊNCIAS DA VIDA

Referências

REFERÊNCIAS:

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília: Ministério da Saúde; 2001. p. 199.

BRASIL. MINISTERIO DA SAUDE. Saúde baseada em evidências. 2001. Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/>. Acesso em: 08 ago. 2016.

BELIZÁN, José M. Quo Vadis: Perinatal Medicine in Latin America. Obstetrics & Gynecology: Journal Clubs, Nova Iorque, v. 100, n. 2, p.383-384, ago. 2002. Disponível em: <http://journals.lww.com/greenjournal/Citation/2002/08000/Quo_Vadis__Perinatal_Medicine_in_Latin_America.40.aspx>. Acesso em: 10 ago. 2016.

CHACHAM, A. S.; PERPÉTUO, I. H. O. Determinantes sócio-econômicos da incidência de partos cirúrgicos em Belo Horizonte. Anais do X Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambu: associação Brasileira de Estudos Populacionais; v. 4, p. 2.587-2.610, 1996.

DATASUS. MINISTERIO DA SAUDE. (Org.). Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). 2009. Disponível em: <http://datasus.saude.gov.br/>. Acesso em: 26 ago. 2016.

D'ORSI, Eleonora. Fatores associados à realização de cesáreas e qualidade da atenção ao parto no Município do Rio de Janeiro. 2003. 106 p. Tese (Doutorado) - Curso de Ciencias na área de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: <http://arca.icict.fiocruz.br/handle/icict/4446>. Acesso em: 08 ago. 2016

FAUNDES A., CECATTI J.G.A. Operação cesariana no Brasil: incidência, tendências, causas, consequências e propostas de ação. Cad. saúde pública. 1991; 7(2): 150 - 173.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde: 2013. Percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2014.

JUNQUEIRA, S.M. Sentimentos, percepções e necessidades da parturiente na sala de parto. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem da USP; 1987.

VILLAR, José et al. Caesarean delivery rates and pregnancy outcomes: the 2005 WHO global survey on maternal and perinatal health in Latin America. The Lancet, [s.l.], v. 367, n. 9525, p.1819-1829, jun. 2006. Elsevier BV. Disponível em: <http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(06)68704-7/abstract>. Acesso em: 08 ago. 2016.

WEISS, Joshua L et al. Obesity, obstetric complications and cesarean delivery rate–a population-based screening study.American Journal Of Obstetrics And Gynecology, [s.l.], v. 190, n. 4, p.1091-1097, abr. 2004. Elsevier BV. Disponível em: <http://www.ajog.org/article/S0002-9378(03)01924-0/abstract>. Acesso em: 26 ago.2016.

Downloads

Publicado

2016-10-26

Como Citar

Rossi, S. A., & Andreis, B. (2016). FATORES ASSOCIADOS À REALIZAÇÃO DE PARTO CESÁREO EM MULHERES BRASILEIRAS – UMA ANÁLISE DA PESQUISA NACIONAL DE SAÚDE. Anais De Medicina. Recuperado de https://periodicos.unoesc.edu.br/anaisdemedicina/article/view/12079

Edição

Seção

Resumos Expandidos