http://dx.doi.org/10.18593/r.v41i2.9566

GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

DEMOCRATIC SCHOOL MANAGEMENT: CHALLENGES AND PERSPECTIVES

GESTIÓN ESCOLAR DEMOCRATICA: DESAFÍOS Y PERSPECTIVAS

Sergio Brasil Fernandes*

Militar do Exército Brasileiro (subtenente); Integrante do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas e Gestão Educacional da Universidade Federal de Santa Maria

Sueli Menezes Pereira**

Professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria. Pesquisadora e líder do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas e Gestão Educacional da Universidade Federal de Santa Maria

Resumo: A gestão escolar democrática é vislumbrada como modelo ideal de gestão para as escolas públicas brasileiras. Essa idealização fomentou a elaboração deste estudo, com o qual se objetivou analisar, a partir de uma abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso, os modelos de gestão utilizados nas escolas da rede estadual localizadas em Santa Maria, RS. Neste trabalho, abordam-se concepções sobre gestão democrática, enfatizando-se a importância de priorizar-se uma consistente participação da comunidade escolar nos aspectos atinentes à gestão administrativa, pedagógica e financeira das escolas, e a necessidade de expressar todos esses aspectos em um projeto político-pedagógico (re)construído coletivamente.

Palavras-chave: Gestão escolar democrática. Participação. Comunidade escolar. Projeto político-pedagógico.

Abstract: The democratic school management is viewed as an ideal model management to Brazilian public schools. This idealization stimulated the elaboration of this study in which it was aimed to analyze, from a qualitative approach, study-case kind, the management models used in state schools localized in Santa Maria, RS. In this work, the conceptions about democratic management are approached, emphasizing the importance of prioritizing a consistent participation of school community in aspects related to the administrative, pedagogical and financial management of schools, and the need to express all these aspects in a political-pedagogical project (re)built collectively.

Keywords: Democratic school management. Participation. School community. Political-pedagogical project.

Resumen: La gestión escolar democrática es vislumbrada como modelo de gestión ideal para las escuelas públicas brasileñas. Esta idealización fomentó el desarrollo de este estudio, cuyo objetivo es analizar, desde un enfoque cualitativo, del tipo estudio de caso, los modelos de gestión utilizados en las escuelas de la red provincial ubicadas en Santa Maria, RS. En este trabajo, se desarrollan conceptos de gestión democrática, enfatizando la importancia de priorizar la participación consistente de la comunidad escolar en los aspectos referentes a la gestión administrativa, pedagógica y financiera de las escuelas; y la necesidad de expresar todos estos aspectos en un proyecto político-pedagógico (re)construido colectivamente.

Palabras clave: Gestión escolar democrática. Participación. Comunidad escolar. Proyecto político-pedagógico.

1 INTRODUÇÃO

A gestão democrática é, atualmente, vista como o caminho a seguir pelos gestores/professores para fazer a escola funcionar de forma a atender às expectativas da formação adequada dos alunos-cidadãos.

Esse modelo de gestão está legitimado pela Constituição Federal (CF/1988) da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, que estabelece, em seu art. 206, inciso VI, entre outros princípios, que o ensino público será ministrado com base na gestão democrática, e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996), promulgada em 20 de dezembro de 1996, que reforça essa determinação em seu art. 3º, inciso VIII.

Além disso, a LDBEN/1996 ratifica o prescrito no inciso VI, do art. 206, da CF/1988 ao estabelecer dois princípios que definem, de modo geral, a gestão democrática no ensino público:

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (BRASIL, 2010, p. 17).

Dessa forma, era de se esperar que a gestão democrática se estabelecesse nas escolas do Brasil, que os professores participassem da (re)construção dos projetos político-pedagógicos (PPPs), que os funcionários opinassem e fossem ouvidos, que os pais fossem mais à escola e participassem dos conselhos escolares, que os alunos fossem sujeitos da apreensão da cultura humana no ambiente escolar, etc. No entanto, estudos como os de Paro (2007), Luck (2010), Resende (2010), Padilha (2012) e Fernandes (2015) revelam que, excetuando-se alguns casos muito particulares, o que se vê são inúmeros obstáculos à participação coletiva e democrática na (re)construção dos PPPs e uma incipiente participação das comunidades escolar e local na gestão escolar.

Infere-se disso que os sujeitos partícipes do dia a dia da escola, principalmente os professores, precisam integrar teoria e prática, utilizando instrumentos didático-pedagógicos e/ou de gestão para estabelecer, efetivamente, a gestão escolar democrática que, além de estar garantida pela Legislação (CF/1988, LDBEN/1996), é defendida como fator essencial ao desenvolvimento da educação no Brasil.

Para realizar tal intento, todavia, faz-se necessário entender as dificuldades para se efetivar a gestão democrática na maioria das escolas públicas. A partir disso, quais seriam as propostas e/ou alternativas que possibilitam e/ou facilitam a participação dos professores, da comunidade escolar como um todo (pais, funcionários, alunos) e da comunidade local na gestão das escolas? Para elucidar tal questão, estabeleceu-se por objetivo a análise dos modelos de gestão utilizados nas escolas públicas da rede estadual do Rio Grande do Sul localizadas no Município de Santa Maria.

Para desenvolver o trabalho e atingir o objetivo proposto, optou-se pela pesquisa qualitativa, porque, entre outras características básicas, “[...] tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento [...]” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 11). Por isso, a coleta de dados, por meio de questionários, entrevistas, diálogos, participações em reuniões e observações, no ambiente escolar onde os professores desenvolvem seu trabalho, pode proporcionar aos pesquisadores uma análise mais precisa dos fenômenos que ocorrem na escola.

Como método de pesquisa, adotou-se o estudo de caso que, de acordo com Gil (2008, p. 79), “[...] se fundamenta na ideia de que a análise de uma unidade de determinado universo possibilita a compreensão da generalidade do mesmo ou, pelo menos, o estabelecimento de bases para uma investigação posterior, mais sistemática e precisa.”

Enfatiza-se que a escolha desse método de pesquisa foi influenciada pelo fato de o estudo de caso, segundo Gil (2010), possibilitar a realização de um estudo mais detalhado do(s) objeto(s) de pesquisa e apresentar as vantagens de estimular novas descobertas, enfatizar o todo e utilizar procedimentos simples.

Quanto à leitura do material bibliográfico para a realização do trabalho, adotaram-se as orientações propostas por Gil (2010): a leitura exploratória, cujo objetivo é verificar e definir as obras que realmente interessam à pesquisa; a leitura seletiva, que visa separar o que de melhor se enquadra ao estudo; a leitura analítica, que orienta a ordenação das informações, de modo a atender ao que os pesquisadores se propõem; e a leitura interpretativa, que é a mais complexa, pois relaciona o que os pesquisadores afirmam com o problema a ser respondido.

Como procedimento técnico para a coleta de dados, realizada no segundo semestre de 2012, utilizou-se a entrevista, a fim de permitir aos professores, sujeitos da pesquisa, manifestarem-se com naturalidade e fidedignidade sobre a realidade investigada.

É importante ressaltar que os professores entrevistados tiveram a identidade preservada. Portanto, neste estudo, seus nomes são fictícios, bem como os das três escolas públicas que fazem parte da rede estadual de educação e estão localizadas no Município de Santa Maria, RS, onde foi realizada a pesquisa.

Essas escolas receberam as denominações A, B e C e estão caracterizadas conforme descrito no Quadro 1. Ressalta-se que tais escolas foram definidas como universo de pesquisa, para a realização do estudo, em virtude de uma delas apresentar indícios de estar tendo sucesso na realização da gestão democrática, outra não estar conseguindo êxito nessa empreitada e a outra estar demonstrando interesse em implantar esse tipo de gestão na escola.

Quadro 1 – Instituições escolares pesquisadas

Escolas

Níveis de ensino

Área de abrangência

Alunos

Professores

Professores entrevistados

A

Educação básica

Urbana

678

33

9

B

Educação básica

Urbana

1383

78

13

C

Ensino fundamental

Rural

112

16

6

Total de professores entrevistados

28

Fonte: os autores.

Para atingir o propósito do trabalho, organizou-se este artigo em cinco seções. Na introdução, apresenta-se uma abordagem sobre as bases legais da educação brasileira e sobre a atualidade da participação dos professores na gestão democrática; expõe-se a temática, a justificativa para a realização do trabalho e o objetivo; detalha-se a metodologia utilizada na pesquisa, especificando o universo de pesquisa e, por fim, apresenta-se a estrutura do texto. Na segunda seção, apresentam-se conceitos sobre república, democracia, gestão e gestão escolar democrática, quando se abordam aspectos referentes à gestão democrática, considerando o processo de descentralização político-administrativa do Estado. Na terceira seção, ressalta-se a participação das comunidades escolar e local como fator essencial à afirmação da gestão democrática como modelo de gestão ideal a ser praticado nas escolas públicas. Na quarta seção, expõe-se a visão dos professores sobre a gestão democrática e, por amostragem e com base nas informações coletadas com os docentes, delineia-se um perfil dos modelos de gestão utilizados nas escolas estaduais de Santa Maria, RS. Nas considerações finais, apresentam-se outras abordagens concebidas pelos pesquisadores sobre a realidade investigada, a partir da análise das atuais formas de gestão praticadas nessas escolas.

2 NOÇÕES CONCEITUAIS: REPÚBLICA, DEMOCRACIA, GESTÃO E GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA

O Brasil – República Federativa do Brasil – adota o regime democrático, mas essa realidade ainda necessita de elucidação para a grande maioria da população brasileira, incluindo docentes e integrantes da comunidade escolar.

Vale esclarecer que aspectos relativos às formas de governo e aos regimes políticos e também a evolução histórica até a implantação do atual modelo vigente no Brasil não são detalhados neste trabalho, pois esses não são objetos do estudo. No entanto, é preciso abordá-los, mesmo que de forma superficial, para adentrar, posteriormente, o campo da gestão escolar democrática.

A priori, buscaram-se conceitos de república, democracia e gestão que, de modo geral, expressam a realidade do Brasil, principalmente no que se refere à forma de governo e ao regime político.

Por república, entende-se: “1. [...] Organização política de um Estado com vista a servir à coisa pública, ao interesse comum. 2. [...] Forma de Estado na qual os representantes são eleitos, de forma direta ou indireta, para o exercício de mandatos temporários.” (FERREIRA, 2010, p. 1822).

Etimologicamente, a palavra democracia origina-se do grego (demo = povo) + (kratos = poder), ou seja, poder do povo; e de acordo com Ferreira (2010, p. 653), significa:

[...] 1. Governo do povo; soberania popular; democratismo. [...] 2. Doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição equitativa de poder, ou seja, regime de governo que se caracteriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão dos poderes e pelo controle da autoridade, i. e., dos poderes de decisão e de execução; democratismo.

De posse desses dois conceitos, infere-se que em uma república que adota o regime democrático os cidadãos podem participar da vida política de um país (eleições, plebiscitos, referendos) e possuem liberdade de expressão e autonomia para manifestar suas opiniões.

No que se refere, particularmente, à gestão, Ferreira (2004, p. 1241) entende que: “[...] significa tomada de decisões, organização, direção. Relaciona-se com a atividade de impulsionar uma organização a atingir seus objetivos, cumprir suas responsabilidades.”

Vinculando essas noções conceituais à gestão das escolas públicas, entende-se que há necessidade contínua de se ampliarem os conhecimentos sobre a gestão escolar, em virtude da demanda dessas instituições.

Em uma perspectiva democrática, gestão escolar significa

[...] compreender, situar e realizar, com a devida abrangência e visão integradora, o processo e os procedimentos de planejamento da escola, de sua organização e de seu funcionamento para que alcance seus objetivos e cumpra sua tarefa socioeducativa, como organização de natureza social que é. (BUSSMANN, 2010, p. 39).

Explicitados esses conceitos, apregoa-se que a gestão escolar democrática se caracteriza pela tomada de decisões com a participação da comunidade escolar visando à qualidade da educação no âmbito da escola. Segundo Libâneo (2004, p. 139), “Participação significa a atuação dos profissionais da educação e dos usuários (alunos e pais) na gestão da escola.”

Nesse contexto de participação, regras precisam ser estabelecidas. Assim, a própria comunidade escolar pode e deve estabelecer essas regras, a fim de que essa participação ocorra com liberdade e autonomia e de que haja, de fato, uma gestão escolar democrática. Isso evita a anarquia, minimiza o descontentamento daqueles que não lograram êxito em suas sugestões – ou melhor, não conquistaram o apoio da maioria – e, o mais importante, traz à luz um processo com transparência e credibilidade.

Outrossim, entende-se que, para realizar uma gestão escolar democrática, é preciso assegurar, na prática, autonomia à escola; princípio esse que, vale dizer, já está garantido legalmente pela CF/1988 e pela LDBEN/1996. Segundo Paro (2010b, p. 11), “[...] conferir autonomia às escolas deve consistir em conferir poder e condições concretas para que ela alcance objetivos educacionais articulados com a camada trabalhadora. E isso não acontecerá jamais por concessões espontâneas dos grupos no poder.” Ou seja, a escola deve impor o seu desejo. Além disso, ressalta-se que: “A autonomia [...] pressupõe, pois, a alteridade, a participação, a liberdade de expressão, o trabalho coletivo na sala de aula, na sala dos professores, na escola e fora dela.” (PADILHA, 2008, p. 65).

Construir uma gestão democrática exige, então, autonomia para garantir cidadania. Desse modo, desenvolvem-se as capacidades de expressar-se, de opinar, de debater, de decidir. Nesse aspecto, é valiosa a contribuição de Freire (2013, p. 104): “É decidindo que se aprende a decidir.”

Traçar um caminho que leve à gestão democrática na escola não é tarefa fácil, não se obtém a participação da comunidade escolar da noite para o dia. É preciso transformar pensamentos em ações, é preciso coesão, dinâmica, força de vontade e comprometimento; enfim, exigem-se preparação e aperfeiçoamento constantes para se obter participação. Impõem-se as necessidades de se consultar a comunidade e de se tratar dos assuntos da escola de forma transparente, com honestidade e franqueza.

Nesse sentido, apresentam-se parâmetros da gestão democrática do ensino público que podem auxiliar a traçar esse caminho:

1. Capacitar todos os segmentos. Não basta pensar apenas nos professores. Os funcionários, os pais e os alunos também devem ser formados para a participação.

2. Consultar a comunidade escolar. A gestão democrática implica permanente consulta, divulgação de informações, realização de debates, seminários e assembleias etc. de modo a criar uma verdadeira cultura de participação.

3. Institucionalizar a gestão democrática. Para ser eficaz, a gestão democrática precisa ser regulamentada, deixando claro quais são as regras da participação [...]

4. Lisura nos processos de definição da gestão. A escolha dos dirigentes escolares precisa ser transparente. A fixação das normas, sua ampla divulgação e discussão do processo de escolha, bem como a fiscalização, por isso, são fatores decisivos.

5. Agilização das informações e transparência nas negociações. A negociação é fator importante do sucesso da gestão democrática. É um aprendizado constante, por meio do qual a administração pode até mesmo mostrar os limites – entre eles, os legais – da própria participação. (PADILHA, 2008, p. 63-64, grifo do autor).

Vale dizer que não é possível “receitar” um modelo pronto de gestão democrática, pois cada escola deve estabelecer o caminho a ser trilhado, considerando suas particularidades. O que necessita ficar claro é que esse caminho será traçado não em forma de trilhos, ou seja, reto, duro, sem flexibilidade, sem a possibilidade de ajustes, mas, sim, na forma de uma trilha, que vai se abrindo e se moldando de acordo com a necessidade dos alunos (atores principais no cenário da educação), transformando de forma positiva as condições de trabalho dos profissionais da educação.

A gestão democrática, como um processo de construção permanente, deve abarcar uma forte participação da comunidade escolar nos aspectos atinentes a todas as atividades desenvolvidas pela escola, instituindo um sistema organizativo mais horizontal que valorize ideias que visem ao aprimoramento da gestão e uma precisa elaboração das ações pedagógicas, principalmente por parte dos professores que, segundo Ferreira (2008, p. 183), são, “[...] em primeira instância, os gestores do pedagógico na escola”, e transparência na gestão financeira. Todos esses campos que envolvem a gestão democrática devem estar expressos no projeto político-pedagógico, nos seus diversos momentos/fases, inseridos nos sete elementos básicos apontados por Veiga (2010, p. 22): “[...] as finalidades da escola, a estrutura organizacional, o currículo, o tempo escolar, o processo de decisão, as relações de trabalho, a avaliação.” Por fim, enfatiza-se que o PPP deve ser disseminado para toda a comunidade escolar com o intuito de viabilizar a participação de todos os seus segmentos na execução prática de suas propostas, tornando-o, efetivamente, um instrumento da gestão escolar democrática.

3 GESTÃO DEMOCRÁTICA IMPLICA PARTICIPAÇÃO

No Brasil, nos dias atuais, é fundamental o aprimoramento da gestão escolar democrática visando à obtenção de uma educação de qualidade, propiciando meios para que as escolas sejam capazes de assegurar ao aluno o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais e, principalmente, de prepará-lo para conviver na comunidade como cidadão consciente de seu papel no trabalho, na política e na cultura.

A Legislação brasileira (CF/88; LDBEN/96) ampara e garante a gestão democrática nas escolas públicas como modelo de gestão a ser desenvolvido. Mas somente isso não basta. São indispensáveis vontade política e ação dos gestores escolares, dos professores, funcionários, pais e alunos, enfim, das comunidades escolar e local.

Em relação à LDBEN, logo após a sua promulgação, Demo (1999, p. 19) alertou que: “Como a lei não faz a realidade, é bem possível que, apesar desse texto, tudo continue como antes.” O mesmo ocorre com a gestão democrática, modelo de gestão legitimado pela Constituição Federal e pela LDBEN. Segundo Veiga (2012), não se conseguiu implantá-la nas escolas, a não ser em raras exceções, porque não há no Brasil, por diversos fatores, uma cultura de participação do povo nas decisões. Isso se explica considerando-se que a democracia no Brasil fica limitada ao ato de votar, de escolher os representantes do povo, mas não no sentido de participar das decisões de poder; ou seja, na prática, o que existe é uma democracia representativa, formal, distante de uma democracia participativa. Compreender essa realidade diz respeito à

[...] compreensão do Estado, hoje, [...] a um certo grau das virtudes da descentralização dos processos decisórios e de sua suposta identificação com a perspectiva de construção de um sistema político-democrático, tendo seu suporte principal na nova dinâmica de organização do trabalho, pela qual se interligam o poder global e o local. Isto explica a reestruturação mundial dos sistemas de ensino e educacionais como parte de uma ofensiva ideológica e política do capital neoliberal (HILL, 2003), do que resulta a política de descentralização de poder e, como consequência, institui a autonomia das instituições. Neste prisma, as mudanças estruturais no aparelho de Estado capitalista devem ser abordadas sob a ótica de uma “democracia formal” (BRUNO, 2003), determinando um modelo de organização administrativo-pedagógica que tem em práticas participativas e flexíveis a sua dinâmica, correspondendo ao que se propõe o Estado neoliberal. [...] (PEREIRA, 2008, p. 339).

Do exposto, evidencia-se a imprescindível necessidade de se criar uma cultura de participação das comunidades escolar e local nas decisões que definam bons rumos à educação, a fim de que haja uma quebra de paradigma, no sentido de realizar uma verdadeira gestão democrática na escola.

Paro (2010b, p. 16) valida essa inferência ao enfatizar que “[...] a gestão democrática deve implicar necessariamente a participação da comunidade [...]”, enquanto Veiga (2010, p. 18) acredita que “A busca da gestão democrática inclui, necessariamente, a ampla participação dos representantes dos diferentes segmentos da escola nas decisões/ações administrativo-pedagógicas [...]”

Compartilham dessas ideias Antunes e Padilha (2010, p. 61-62), ao afirmarem que:

Fazer uma gestão democrática significa contar com a participação dos representantes dos diferentes segmentos da comunidade escolar, significa compartilhar reflexões e ações, ter acesso a informações, contar com fóruns de diálogo, com descentralização do poder de decisão em relação ao projeto político-pedagógico [...]

Diante dessa argumentação, a escola, atendendo a parâmetros democráticos, deve promover sua autonomia, conforme defende Pereira (2007, p. 20):

Voltada para a construção de sua autonomia pedagógica, administrativa e financeira [...], a escola, na construção deste espaço, deverá envolver, diretamente, professores, alunos e comunidade. É o momento da participação. É o momento de construir a escola como espaço democrático, o que representa um grande desafio para a coletividade escolar que deve se valer das prerrogativas da descentralização na busca de uma identidade para a escola que seja representativa dos interesses sociais.

Dessa forma, avulta em importância realizar ações que busquem essa participação em todas as áreas da gestão escolar. No entanto, “[...] a gestão democrática não pode ficar restrita ao discurso da participação e às suas formas externas: as eleições, as assembleias e reuniões. Ela está a serviço dos objetivos do ensino, especialmente da qualidade cognitiva dos processos de ensino e aprendizagem.” (LIBÂNEO, 2004, p. 143-144).

Contudo, ao creditar a percepção de Veiga (2012) de que no Brasil não se tem uma cultura de participar das decisões, deve-se, então, propor alternativas que atraiam a comunidade para participar, de modo mais ativo, da gerência e da execução de atividades educativas e pedagógicas sempre orientadas e/ou coordenadas pelos professores que, afinal, são preparados para educar de forma global os alunos-cidadãos na escola.

4 A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA VISÃO DOS PROFESSORES

A realidade da gestão escolar democrática, na perspectiva dos professores que participaram da pesquisa, está longe da idealizada pela legislação e da abordada atualmente por autores/professores consagrados na área da Educação, o que não quer dizer, absolutamente, que não se está progredindo em direção a uma gestão com mais participação das comunidades escolar e local.

No que se refere, especificamente, à gestão democrática na escola, teve-se como base as respostas dos professores, sujeitos-partícipes da pesquisa, às seguintes perguntas: “De acordo com a LDBEN, a escola deve adotar um modelo de gestão democrática? Você acredita que a escola onde trabalha está enquadrada nesse tipo de gestão? Cite os aspectos positivos e os aspectos a serem melhorados no modelo de gestão utilizado em sua escola.”

Os resultados mostram que na Escola A 100% dos professores entrevistados acreditam que a instituição onde atuam adota o modelo de gestão democrática. Justificam a resposta citando como ponto forte a participação da comunidade escolar nas decisões (planejamento, proposição e realização de metas). De acordo com a professora Marina (vice-diretora), “[...] há consulta dos segmentos para a tomada de decisões e propostas de ação em todos os âmbitos: administrativo, financeiro e pedagógico.” (informação verbal).

Essa realidade vai ao encontro da concepção de Antunes e Padilha (2010, p. 62) sobre participação da gestão escolar: “Participar da gestão de forma democrática é participar da decisão sobre a organização pedagógica, financeira e administrativa da escola.” No entanto, esses autores expõem que, apesar de a escola ter avançado bastante em relação à obtenção de uma maior aproximação dos gestores com a comunidade escolar, faz-se necessário continuar investindo nesse ideal.

Verifica-se que há oportunidades diversas para uma participação maior e mais qualificada da comunidade escolar, principalmente dos pais dos estudantes, em todas as áreas de atividades desenvolvidas pela escola. Para isso, segundo a professora Anita (diretora), “[...] é preciso agregar cada vez mais as pessoas e ‘conquistá-las’ para a participação consciente.” (informação verbal).

No aspecto gerencial, percebe-se um posicionamento linear dos profissionais da educação na escola (equipe diretiva, professores e funcionários), ou seja, a hierarquização, o ocupar cargo, ocorre mais em razão da nomenclatura e da responsabilidade institucional perante a sociedade do que, efetivamente, em um distanciamento ou divisão de tarefas especializadas. Essa horizontalidade na gestão permite maior aproximação das pessoas e, consequentemente, facilita o diálogo entre direção, vice-direção, coordenação pedagógica, corpo docente, funcionários, etc.

No que se refere aos aspectos didático-pedagógicos, em reuniões mensais estabelecidas no calendário escolar, a equipe diretiva, a coordenação pedagógica e os professores planejam, discutem, debatem e trocam ideias a fim de (re)verem os caminhos que são trilhados durante o ano letivo, porque “[...] na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.” (FREIRE, 2013, p. 40).

Esse espaço conquistado, esse tempo destinado para pensar a educação na escola é essencial, pois viabiliza o surgimento de um maior número de ideias que podem surtir um bom efeito na construção do ato educativo. O professor que vai para a sala de aula deve ter essa preocupação, afinal é ele o “diretor” (coordenador/mediador) de um evento – a aula – do qual o “ator principal” é o aluno.

No entanto, apenas essa ação não é capaz de fazer com que os docentes se motivem a participar desse processo, pois alguns professores ainda não têm a dimensão da importância política de seu trabalho para a formação do aluno como sujeito-autor de sua aprendizagem. Sobre esse aspecto, a professora Vanessa (séries iniciais) acredita que “[...] é preciso mais envolvimento do grupo (responsabilizar-se, assumir compromissos), mais participação.” (informação verbal).

Nessa perspectiva, Paro (2010a, p. 32, grifo do autor) afirma que

[...] o professor precisa querer ensinar para conseguir fazê-lo. [...] é preciso saber como ensinar os conteúdos da cultura de modo a que se alcance a formação da personalidade do educando. Não basta gostar do trabalho que exerce, é preciso ter consciência política de sua função e do que ela representa na construção de seres democráticos para uma sociedade democrática.

Evidencia-se que, ao propor a formação de um aluno-cidadão – um ser democrático – capaz de transformar/influenciar, positivamente, a comunidade em que está inserido, por meio de seu trabalho e de sua postura crítico-construtiva, o professor precisa estar ciente do imprescindível papel que ele tem nesse processo.

No aspecto financeiro, a professora Anita (diretora) – que também é responsável pela gestão financeira – esclarece que os recursos recebidos do governo não alcançam dos objetivos estabelecidos pela escola. A busca e a obtenção de recursos originados na/pela própria comunidade escolar e/ou local auxiliam bastante na manutenção das instalações físicas, na aquisição de instrumentos didáticos e na participação dos alunos em eventos culturais fora dos muros da escola. Segundo a diretora, o fato de acumular a função de gestora financeira não implica centralização de poder. Ela explica que isso ocorre em virtude de o governo do Estado disponibilizar um Assistente Especial I para atuar no setor financeiro somente em escolas com mais de mil alunos, e esse não é o caso da Escola A, que tem 678 alunos. No entanto, as atribuições de receber, executar, prestar contas e aplicar os recursos financeiros recebidos pela escola são do Conselho Escolar, e não do diretor.

De acordo com a Lei n. 13.990, de 15 de maio de 2012, que introduz modificações na Lei n. 10.576 [Lei da Gestão Democrática do Ensino Público no Rio Grande do Sul], de 14 de novembro de 1995, ampliam-se as atribuições da comunidade escolar por intermédio do Conselho Escolar (CE), inclusive no que se refere à gestão financeira.

Art. 41. Os Conselhos Escolares, resguardados os princípios constitucionais, as normas legais e as diretrizes da Secretaria da Educação, terão funções consultiva, deliberativa, executora e fiscalizadora nas questões pedagógico-administrativo-financeiras.

[...]

Parágrafo único. Os Conselhos Escolares, entes sem fins lucrativos e devidamente inscritos no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, constituirão as Unidades Executoras das escolas da rede pública estadual do Rio Grande do Sul responsáveis pelo recebimento, execução, prestação de contas e aplicação dos recursos financeiros transferidos às escolas por órgãos federais, estaduais, municipais ou doações para a manutenção e o desenvolvimento do ensino. (RIO GRANDE DO SUL, 2012, grifo nosso).

Dessa forma, viabiliza-se legalmente a participação da comunidade escolar, via Conselho Escolar (CE) na gestão financeira, o que inibe a centralização do controle dos recursos financeiros “na mão do diretor”, que continua a ser um dos integrantes do CE (art. 45, da Lei n. 10.576/95), mas não pode ser o presidente e, portanto, não tem a palavra final sobre a aplicação desses recursos (RIO GRANDE DO SUL, 1995).

Sobre a gestão financeira, verifica-se que a Escola A, apesar de contar com a participação da comunidade escolar para decidir sobre a aplicação dos recursos recebidos, precisa se adequar, urgentemente, à nova condição estabelecida pela legislação sobre o modo de gerenciar os recursos financeiros recebidos pela escola.

A Escola B, por sua vez, apresenta dados distintos no que se refere ao modelo de gestão adotado/praticado nela. A pesquisa mostra que 61,5% dos professores desta escola entendem que, nela, há gestão escolar democrática.

Esses professores ressaltam aspectos que caracterizam uma gestão democrática. A professora Nina (diretora) argumenta que a autonomia no exercício da docência produz um efeito positivo na qualidade no trabalho que é realizado na escola, pois “[...] os professores são sabedores que seu trabalho não estará o tempo todo sob um olhar crítico, controlador e autossuficiente [...]” (informação verbal).

Acrescenta-se a essa autonomia que os professores têm para desempenhar seu trabalho a atuação de outros segmentos importantes para a consolidação da gestão escolar. A professora Hortência (vice-diretora), em suas declarações, enfatiza que o Círculo de Pais e Mestres (CPM) e o Conselho Escolar são atuantes, que há reuniões semanais com os professores, que os docentes, com os funcionários, participam das decisões inerentes à educação proposta pela escola. Além disso, ressalta que, mensalmente, há uma prestação de contas à comunidade escolar, no que diz respeito às finanças da escola.

No entanto, as observações realizadas durante esta pesquisa mostram aspectos divergentes quanto à atuação do CPM e do CE. Verificou-se, por meio de conversas informais e reuniões com os professores e com o Conselho Escolar, que a participação desses dois núcleos importantes na gestão escolar não tem sido efetiva, haja vista que a primeira reunião do CE no ano ocorreu em 03 de agosto de 2012. Isso demonstra, nitidamente, o pouco envolvimento com as questões educacionais desenvolvidas na escola e atenta contra o que determina o Art. 60 da Lei n. 10.576/95: “O Conselho Escolar deverá reunir-se ordinariamente 1 (uma) vez por mês e, extraordinariamente, quando for necessário, por convocação: I – de seu Presidente; II – do Diretor da escola; III – da metade mais um de seus membros.” (RIO GRANDE DO SUL, 1995, p. 19).

Validam essa constatação as afirmações da professora Nádia (gestora financeira) de que na “[...] gestão democrática, todas as atividades pedagógicas, financeiras e administrativas deveriam ter a participação dos representantes dos segmentos escolares e isso não ocorre [...]” e da professora Rosa (de História), que declara, em relação à gestão democrática na escola, que: “[...] não há comprometimento e nem envolvimento da comunidade escolar.” (informações verbais). Ainda sob esse enfoque, a professora Ana Maria (orientadora educacional) expõe, com propriedade, que:

A escola se posiciona no modelo democrático no que diz respeito aos fundamentos das ações, mas ainda não está estruturada metodologicamente para que esses fundamentos evidenciem linhas de ações democráticas coletivas num plano único e geral para todos, e que tenha um envolvimento harmônico e eficaz. O diálogo acontece reflexivamente, mas as ações se perdem na amplitude do trabalho (informação verbal).

Isso revela que não há uma integração entre equipe gestora, professores, funcionários, Conselho Escolar, Grêmio Estudantil e comunidades escolar e local na gestão da escola. Contrapondo essa realidade, uma proposta efetiva de construção da democracia na escola é a de que

[...] professores e funcionários da unidade educacional podem ser os grandes articuladores desse processo, já que estão todos os dias na unidade escolar e se encontram sempre com os alunos. A ideia é criar uma ambiência de permanente diálogo com a comunidade, de forma que [...] a partir das diversas falas, levantar os problemas, os êxitos, as expectativas e as demandas da própria comunidade. (PADILHA, 2012, p. 157-158).

Relevante citar que durante as reuniões – de professores e do Conselho Escolar – observaram-se muitas discordâncias em relação a assuntos administrativos e pedagógicos, o que não deixa de ter um lado positivo, porém o que não é o ideal é a indefinição que essas discordâncias têm gerado. Isso causa um desgaste muito grande ao processo de construção da gestão democrática, além de prejudicar o ambiente de trabalho e a definição de novos rumos a seguir com a (re)construção de um novo projeto político-pedagógico, uma vez que o PPP se encontra desatualizado desde 2008.

Por fim, os dados coletados na Escola C revelam que na opinião de 50% dos professores a escola trabalha orientada por um modelo de gestão democrática.

De modo geral, a equipe diretiva entende que está realizando uma gestão democrática. A professora Amália (diretora) afirma: “[...] procuramos proporcionar a participação de toda a comunidade escolar nos assuntos referentes à escola.” (informação verbal).

Porém, percebem-se incoerências nos depoimentos de alguns professores que afirmaram que a gestão que se pratica na escola é democrática. O professor João (coordenador de projetos agrícolas) relata como aspecto positivo o fato de que “[...] há liberdade de implantação dos projetos que interessam à Escola e à Comunidade, porém nem a Coordenadoria [8ª Coordenadoria Regional de Educação – 8ª CRE] nem a Direção da Escola têm se interessado na aplicação dos resultados.” De outro modo, a professora Marli (de Língua Portuguesa) deixa uma incerteza quanto à realidade da gestão democrática na escola ao ressaltar: “Em alguns aspectos do dia a dia existem ações democráticas [...]” (informações verbais).

Por outro lado, os professores que discordam das práticas de gestão realizadas na escola são enfáticos em suas críticas. A professora Verônica (das séries iniciais), por exemplo, é taxativa ao afirmar: “A Escola possui um modelo de gestão que deixa a desejar no que se refere a ser democrática [...]”; enquanto a professora Greice (das séries iniciais) argumenta: “Acredito que no papel sim, mas na prática não. Um aspecto importante a colocar é que o PPP foi realizado apenas pela equipe diretiva, estou há pouco tempo na escola (1 ano) e nunca tive acesso ao PPP.” Essa professora acrescenta, ainda, que há aspectos a serem melhorados: “[...] diálogo, autonomia de decisões; ouvir o corpo docente; integrar a comunidade escolar [...]” (informações verbais).

Cabe a observação de que, logo no primeiro dia de visitas à Escola C, os pesquisadores, após solicitarem à diretora, tiveram acesso à única via do projeto político-pedagógico da escola. Esse fato, aliado aos depoimentos das docentes, revela a falta de integração entre a equipe diretiva e os outros segmentos da comunidade escolar, principalmente os professores. Além disso, infere-se que não há avaliação das propostas constantes no PPP por parte da comunidade escolar, uma vez que o documento se encontra literalmente engavetado na mesa da diretora, conforme observação dos pesquisadores.

Diante desses problemas verificados na Escola C, apregoa-se que a convivência entre as pessoas que compõem os segmentos escolares deve ocorrer “[...] pelo diálogo – quando há a troca de impressões, a contraposição de interesses e de vontades, mas com a predominância da aceitação mútua e da negociação, ou seja, quando a convivência se faz com a afirmação da subjetividade de ambas as partes envolvidas [...]” (PARO, 2010a, p. 27). Acrescenta-se que especificamente em relação ao PPP os gestores escolares devem divulgar o projeto, a fim de proporcionarem à comunidade escolar a possibilidade de participar das ações que podem levar ao atingimento dos objetivos propostos.

Sobre a disseminação do projeto político-pedagógico à comunidade escolar e, também, à local, é necessário considerar que:

O projeto não é algo que é construído e em seguida arquivado ou encaminhado às autoridades educacionais como prova do cumprimento de tarefas burocráticas. Ele é construído e vivenciado em todos os momentos, por todos os envolvidos com o processo educativo da escola. (VEIGA, 2010, p. 12-13).

Apresentado o panorama sobre a gestão escolar democrática nas escolas universo da pesquisa, sob a ótica dos gestores/professores, interpreta-se que, de modo geral, os professores têm a clareza conceitual do que é e como deve ser executada uma gestão democrática, mas reconhecem que a participação nas decisões inerentes às atividades desenvolvidas na escola poderia ser maior (mais pessoas participando) e mais abrangente (atuando nas áreas administrativa, pedagógica e financeira).

Nas observações realizadas no ambiente escolar durante a realização da pesquisa, foi possível verificar que, entre outros, alguns fatores influenciam para que essa situação se perpetue: salários baixos, sobrecarga de trabalho, desprestígio social, pouco tempo para realização de cursos e participação em congressos e seminários, demasiada burocracia, comodismo e falta de comprometimento com a formação continuada.

Padilha (2012, p. 118-119) corrobora essa constatação:

O fato é que com salários achatados, com a saúde comprometida, com a falta de educação continuada, em serviço, ao longo dos anos, sem tempo efetivo para realizar um trabalho pedagógico coletivo na escola, que lhes permita participar verdadeiramente dos processos de gestão compartilhada e da elaboração do projeto político-pedagógico, com a ausência de um plano de carreira decidido e aperfeiçoado junto com a categoria e com a minguada aposentadoria depois de anos e anos de intensa atividade, muitos trabalhadores em educação se sentem quase totalmente desmotivados e perdidos em suas identidades profissionais e pessoais.

Destaca-se que, ao se considerarem apenas as respostas dos diretores, percebe-se claramente uma melhor abordagem, mais detalhada, mais comprometida, o que leva à reflexão, mais uma vez, sobre o compromisso. Ao estar na posição de líder, chefe, diretor, gestor, há uma tendência natural internalizada ao longo da vida de que é preciso estar preparado e comprometido para fazer um bom trabalho. Esse aspecto sugere que se as pessoas se sentirem corresponsáveis pela gestão, podem-se obter melhores resultados em termos de gestão democrática.

A gestão escolar proporciona diversas oportunidades de práticas efetivas de participação da comunidade escolar e local, como: eleição da direção, do conselho escolar, do grêmio estudantil, do CPM; o que se configura como democracia representativa. Além dessas práticas formais, de acordo com a característica de cada comunidade escolar, é possível participar ou como “amigo da escola”, ou sugerindo atividades desportivas e/ou de lazer, ou desenvolvendo atividades envolvendo outras instituições, como igrejas, Exército Brasileiro, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar, Organizações Não Governamentais, etc., ou atuando como “oficineiro”, por exemplo, no programa Mais Educação.

De modo geral, os docentes entendem que trabalham em escolas onde se realiza uma gestão democrática porque existe a participação dos professores nos processos eletivos. É preciso, no entanto, avançar muito para aperfeiçoar esse modelo de gestão, buscando-se, efetivamente, uma participação direta nos vários espaços de decisões da escola, de modo que os professores sejam corresponsáveis pela gestão da escola em termos administrativos-pedagógicos.

É difícil mensurar, mas é possível que os reflexos do regime autoritário ainda possam ser sentidos nos dias atuais. Isso explicaria o fato de haver grande dificuldade de as pessoas compreenderem que são parte da instituição, que também são gestores, principalmente os professores, que também são responsáveis pelo que de bom ou ruim acontece na escola. Esses reflexos podem estar, ainda, influenciando negativamente na forma como as pessoas encaram e reagem perante a abertura, a autonomia e a corresponsabilidade.

Esse fato pode ser confirmado na abordagem da professora Anita (diretora da escola A): “É difícil para muitos entenderem que são parte da gestão, que são responsáveis, também, por tudo o que acontece na escola, tanto de bom, como o sucesso dos alunos, quanto as coisas não tão boas que acontecem cotidianamente na dinâmica da vida escolar.” (informação verbal).

Apesar das dificuldades relatadas, depreende-se dessas abordagens que o processo de abertura para a participação das comunidades escolar e local na gestão das escolas está em franca ascensão. No entanto, muitas pessoas ainda estão descomprometidas com a escola e/ou inibidas para participarem ativamente da gestão escolar.

Contudo, de modo geral, verifica-se que os atuais gestores estão trabalhando para construir a gestão democrática nas escolas. Por vezes, observam-se grandes avanços; em outras oportunidades, recuos indesejáveis. Tudo isso faz parte de um processo em andamento e que depende de inúmeros fatores a fim de se alcançarem melhores resultados.

A educação pode e deve auxiliar a mostrar e a desenvolver o caminho do debate, das discussões produtivas, com o levantamento de ideias e possibilidades de melhoria de processos de desenvolvimento de inteligências múltiplas e de convívio social.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise a que se propôs neste estudo evidencia que, apesar de a gestão democrática estar garantida pela Legislação (CF/1988 e LDBEN/1996), ainda encontram-se muitas dificuldades para sua afirmação na prática das escolas. Entretanto, reconhecer, valorizar e, principalmente, difundir as práticas democráticas exitosas realizadas nas escolas pesquisadas pode servir de estímulo para o avanço desse modelo de gestão.

A gestão democrática nas escolas, com base nas pesquisas realizadas e expostas no decorrer deste trabalho, está distante da idealizada pela legislação brasileira e pelos autores/professores que defendem a democracia participativa nas escolas públicas como forma de alavancar a educação no País.

Tal afirmação comprova-se pela postura autocrática de alguns dos gestores na Escola C e pela precária participação da comunidade escolar, principalmente dos professores, nos processos de gestão e na (re)construção do projeto político-pedagógico evidenciada nas Escolas B e C.

Além disso, na Escola B, verificou-se a falta de integração entre os segmentos da comunidade escolar, o que gera discordâncias e indefinições sobre os caminhos a serem seguidos pela escola, e a quase inexistente participação dos professores, bem como do Conselho Escolar na gestão do educandário.

Esses aspectos, definitivamente, não contribuem para a realização da gestão democrática nas escolas e indicam um caminho que aponta para a direção oposta do que prescreve a Legislação brasileira.

Por outro lado, o trabalho que vem sendo desenvolvido na Escola A comprova que a gestão democrática é viável. Nesse caso, é importante ressaltar que a consolidação do modelo de gestão democrática na escola demandou anos de trabalho duro e de perseverança de grande parte dos gestores, dos professores, dos funcionários, dos pais e alunos, além da contribuição da comunidade local.

A participação da comunidade escolar nas decisões inerentes às áreas pedagógica, administrativa e financeira mostra-se como um dos principais aspectos contributivos para a gestão democrática realizada na Escola A.

Outros fatores considerados positivos são o diálogo permanente entre os segmentos escolares, o que demonstra uma horizontalidade nas relações, superando a divisão do trabalho, independentemente da função exercida, e a formação permanente dos docentes, resultado de atuação pró-ativa da equipe diretiva em conjunto com os professores.

Esses exemplos vivenciados pela Escola A devem ser disseminados como boas práticas inseridas na gestão democrática, comprovando ser possível transformar as propostas legais em realidade, observando sempre que a democracia deverá ser participativa e não apenas representativa.

Salienta-se que esse processo – gerir democraticamente uma escola – deve ser coordenado e liderado pelos gestores/professores, porque os profissionais da educação, são eles os coordenadores das ações na escola, os profissionais preparados para atuar como educadores, são eles os mediadores entre o aluno e o conhecimento no sentido de alcançar níveis mais elevados de aprendizagem, enfim, são eles os responsáveis por abrir as trilhas em direção à formação do aluno como cidadão, para compreender o contexto em que vive e se compreender dentro dele.

Quanto à escolha do diretor/gestor escolar, é preciso ser criteriosa, pois, às vezes, um bom professor, qualificado para a aplicação da pedagogia em aulas, se não estiver preparado para o exercício da função de diretor, poderá transformar a escola em um caos ou não terá condições de coordenar as mudanças necessárias para que a educação ocorra “[...] com vistas à constituição de sujeitos livres.” (PARO, 2010a, p. 46).

Ademais, o individualismo e a concentração de poder têm sido características observadas na ação de alguns gestores, como na Escola C, e devem ser combatidas em prol do aprimoramento da gestão escolar democrática.

Bussmann (2010) expõe que, na maioria dos casos, os gestores escolares não receberam preparo específico, pois julga que, para esses gestores, somente a formação administrativa não basta, é preciso conhecer os meandros da escola e da educação.

Ser um bom diretor exige conhecimento, não apenas de práticas administrativas, mas também da gestão pedagógica. Afinal, o diretor é um professor que, exercendo uma função de liderança, tem de garantir que a escola cumpra a função social que lhe é inerente.

Enfatiza-se que é preciso ter mais que pendor para dirigir uma instituição educativa. Ser gestor escolar, entre muitas outras atividades, implica estudar e pesquisar muito; aprimorar a arte de gerir, estimular a participação dos professores de modo geral e a atuação do Conselho Escolar, do Círculo de Pais e Mestres e do Grêmio Estudantil; fortalecer os vínculos com as comunidades escolar e local; estabelecer parcerias com outras instituições públicas e privadas, a fim de enriquecer o trabalho da escola e da comunidade local onde está inserida; e planejar e coordenar em conjunto com os professores e a comunidade escolar, como um todo, a (re)construção do projeto político-pedagógico, utilizando-o “[...] como uma ação estratégica para a conquista de uma verdadeira gestão democrática nas escolas públicas brasileiras.” (FERNANDES; PEREIRA, 2014, p. 1004).

Dessa argumentação, pode-se inferir que para exercer com eficiência e eficácia a função de gestor escolar, em uma perspectiva de democracia participativa, é preciso, entre outras competências, ter formação para gerir uma escola, conhecer as políticas educacionais, a realidade do educandário, a comunidade e o contexto político, econômico e cultural no qual se insere.

Por fim, com base nas experiências positivas desenvolvidas pela Escola A expostas neste estudo, afirma-se de maneira categórica que as escolas públicas têm de se valer de seus espaços de autonomia e “tomar as rédeas” de seus destinos, tendo no aluno o foco de seu trabalho.

Cabe, ainda, dizer que por meio deste estudo potencializa-se o desejo de se aprofundarem as pesquisas sobre o tema e se almeja difundir propostas e/ou alternativas que possibilitem e/ou viabilizem a prática da gestão escolar democrática nas escolas públicas do Brasil.

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Recebido em: 04 de novembro de 2015

Aceito em: 14 de abril de 2016

Endereço para correspondência: Avenida Roraima, 1000, Camobi, 97105-900, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil; sergiohaiti33@hotmail.com; sueli.ufsm@gmail.com

Roteiro, Joaçaba, v. 41, n. 2, p. 451-474, maio/ago. 2016