http://dx.doi.org/10.18593/r.v40i0.9199

DESAFIOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA AVALIAÇÃO NOS PROCESSOS EDUCATIVOS

THEORETICAL AND METHODOLOGICAL CHALLENGES OF EVALUATION IN EDUCATIONAL PROCESSES

Altair Alberto Fávero*

Professor do Corpo docente permanente do Mestrado em Educação atuando na linha de Políticas Educacionais na Universidade de Passo Fundo

Resumo: O objetivo com este texto é realizar uma crítica às práticas avaliativas que ocorrem na Educação Superior que têm se pautado em procedimentos tradicionais de avaliação. O propósito dessa crítica é indicar alguns desafios teórico-metodológicos que poderão se mostrar produtivos para (re)pensar a avaliação dos processos educativos. Inicialmente, tratou-se do conceito de desenvolvimento profissional do docente universitário como um processo necessário para repensar as práticas avaliativas; em seguida, abordou-se a autoavaliação como possibilidade de uma avaliação autêntica; por fim, foram destacados alguns desafios teórico-metodológicos da avaliação dos processos educativos que podem se mostrar produtivos para analisar o atual cenário da expansão da Educação Superior.

Palavras-chave: Avaliação. Processos educativos. Políticas educacionais.

 

Abstract: The aim with this paper is to conduct a critical review on the evaluation practices occurring in Higher Education, marked by their traditional procedures. The purpose of this criticism is to point out some theoretical and methodological challenges that may prove productive to (re)think the educational process evaluation. Initially, the text will discuss the concept of the professor’s professional development as a necessary process to rethink the evaluation practices. Secondly, the discussion turns to the self-evaluation as a possibility of an authentic evaluation. Finally, it will be discussed some theoretical and methodological challenges concerning the evaluation of educational processes that may be productive to analyze the current scenario of higher Education Expansion.

Keywords: Evaluation. Educational processes. Educational policies.

“[...] faz-se necessário entender que a docência não é questão de dom, mas construída em um processo formativo que envolve todo um percurso pessoal e profissional.” (Wanderson Ferreira Alves, Docência universitária e avaliação, 2005).

1 INTRODUÇÃO E COLOCAÇÃO DO PROBLEMA

A Universidade vive, hoje, um cenário modificado em razão das diversas transformações ocasionadas pela expansão da Educação Superior, pelo ingresso de novas tecnologias e, principalmente, pela modificação do perfil das próprias instituições de Ensino Superior. Diante desse cenário, cabe alguns questionamentos: quem é o docente universitário? Ele está preparado para acompanhar as mudanças que estão emergindo neste início de século? Como ele compreende sua docência? Como utiliza os métodos avaliativos em seu trabalho como profissional acadêmico? De que forma concebe sua prática diante dos desafios apresentados pela emergência de um novo tipo de aluno? Ele consegue avaliar seu próprio trabalho? Que desafios teórico-metodológicos precisam ser enfrentados para avaliar com eficiência os processos formativos? A complexidade das questões implica múltiplas possibilidades de respostas.

Delimita-se, no presente texto, a temática da avaliação e suas múltiplas problemáticas na Educação Superior, pois se acredita que tal recorte pode se mostrar promissor para pensar os aspectos teórico-metodológicos dos processos educativos em seus amplos e complexos desafios. Um olhar sobre a revisão crítica dos procedimentos tradicionais de avaliação revela que tal temática se tornou uma das maiores preocupações que enfrentam os atuais programas de melhoria da qualidade da educação. De modo geral, os procedimentos tradicionais de avaliação revelam certas características que poderiam ser assim descritas: o professor, depois de ministrar o programa, ou parte dele, “aplica” uma prova escrita ou de múltipla escolha aos alunos; a “correção” da prova resulta na atribuição de uma “nota”, que é registrada no ambiente acadêmico e se torna a referência para que, no final de um ciclo (bimestre, semestre, trimestre ou ano letivo), o aluno seja promovido ou reprovado.

Esse procedimento tradicional é alvo de diversas críticas, não somente na educação básica, mas, também, no Ensino Superior. Para Condemarín e Medina (2005), tais críticas estão ancoradas nas seguintes razões: esse procedimento de avaliação não constitui uma instância promotora de melhora na qualidade das aprendizagens, pois seu objetivo é, simplesmente, certificar se o aluno sabe ou não e, geralmente, acontece no final do processo; a maneira como é aplicada a prova reduz as aprendizagens a um conjunto de saberes e habilidades isoladas e quantificáveis, em detrimento a saberes e competências considerados de igual ou maior importância; avaliar de forma estanque (por meio de uma prova, por exemplo) impede de considerar os benefícios pedagógicos dos erros, tão ou mais importantes que os acertos no processo de construção de aprendizagens; as provas uniformizadas não consideram as condições e o contexto em que transcorrem as aprendizagens, pois todos os alunos são tratados como “iguais”, com as mesmas capacidades e potencialidades; não comprometem os alunos para que consigam realizar um processo de avaliação de sua própria aprendizagem, observando que o que é considerado em última instância é o produto final.

Grosso modo, essa tem sido a maneira mais comum de acordo com o qual os professores universitários têm realizado as práticas avaliativas. O objetivo com este texto é realizar uma crítica a essas práticas avaliativas a partir da problematização da profissionalização do professor universitário e, com isso, indicar alguns desafios teórico-metodológicos que poderão se mostrar produtivos para avaliar os processos educativos no atual cenário da expansão da Educação Superior. Na primeira parte do texto, trata-se do conceito de desenvolvimento profissional do docente universitário como um processo necessário para repensar as práticas avaliativas; na segunda parte, aborda-se a autoavaliação como ferramenta de análise da profissionalização e possibilidade de uma avaliação autêntica. Por fim, são destacados alguns desafios teórico-metodológicos da avaliação nos processos educativos que podem se mostrar produtivos para analisar o atual cenário da expansão da Educação Superior.

2 CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

Atualmente, pensar em desenvolvimento profissional dos docentes na Educação Superior requer ultrapassar algumas concepções individuais, contextuais, políticas, estruturais, metodológicas e avaliativas. A profissionalização docente não pode ser compreendida sem se considerar a articulação entre essas múltiplas dimensões que perpassam o “fazer-se” professor.

Pode-se dizer que, para determinado grupo de docentes universitários, sua docência é, basicamente, técnica, pois está fundamentada na transmissão de conhecimentos e informações, tendo como meio de avaliação da aprendizagem de seus alunos a utilização de instrumentos e métodos já utilizados por seus “velhos” mestres. Outros docentes se veem como “atores”, cujas crenças e concepções determinam a forma como desempenham não somente o papel que precisam assumir cotidianamente, mas, também, as formas de condução bem-sucedidas das suas tarefas docentes, mesmo que suas ações nem sempre se manifestem concordantes com a visão dos teóricos da educação ou com a vontade prescritiva das autoridades educativas. E, para outros, ainda, ser professor é ser um profissional que procura dar respostas pedagógicas às situações com que se depara; é alguém que se move em circunstâncias muito complexas e contraditórias, mas reais, e que, por isso, é preciso respeitar, valorizar e, sobretudo, conhecer cada vez mais e melhor.

Apesar da exigência cada vez maior da capacitação permanente por parte dos docentes universitários em cursos de pós-graduação, o professor do Ensino Superior não parece didaticamente preparado para o exercício acadêmico, especialmente, para atuar de forma interativa em suas aulas. Fávero e Marques (2013) já referiram que o problema da improvisação docente tem sido considerado um fenômeno que precisa ser cuidadosamente abordado no atual cenário da Educação Superior. “A expressão improvisação docente tem a intenção de demarcar uma posição e indicar um sinal de alerta sobre as condições precárias como muitos se tornam professores sem as mínimas condições de formação pedagógica.” (FÁVERO; MARQUES, 2013, p. 155-156). Mesmo os que tiveram uma formação pedagógica, nem sempre são capazes de articular um trabalho docente que atenda às novas demandas que aportam nos bancos universitários. Prevalece em todo esse contexto uma espécie de “naturalização da docência”, como expõe Cunha (2005, p. 94) “[...] a naturalização da docência refere-se à manutenção dos processos de reprodução cultural como base da docência, ou seja, o professor ensina com base na sua experiência enquanto aluno, inspirado em seus antigos professores.”

Compreender a docência universitária na perspectiva da profissionalidade implica uma mudança de mentalidade em que o processo de dar aulas não pode ser tratado como um dom, ou como uma atividade qualquer executada por profissionais que, entre tantos afazeres, dão aula na Universidade. Concorda-se com Alves (2005, p. 236) quando ele ressalta que “[...] faz-se necessário entender que a docência não é questão de dom, mas construída em um processo formativo que envolve todo um percurso pessoal e profissional.” Ter excelência e autonomia em sua profissão não é garantia de que estejam preparados para conceber e implementar alternativas e soluções pedagógicas adequadas, diante dos problemas que surgem na aprendizagem e no ensino de seus alunos, nas salas de aula das instituições de Ensino Superior.

Sabe-se que, no Brasil, a grande maioria desses profissionais docentes ingressam nas instituições de Ensino Superior por meio de concursos ou por indicações de colegas. No entanto, os elementos utilizados para avaliar esse profissional não se referem, necessariamente, à competência para o processo de ensinar e aprender na sala de aula, não trazendo consigo elementos de formação inicial para o exercer de sua docência, e, portanto, tornam-se profissionais improvisados. Destaca-se a esse respeito o alerta de Sicardi (2005, p. 36) quando diz que “[...] o processo docente e a efetivação de uma profissão ficam entregues à própria sorte.” O profissional docente acaba por utilizar métodos e metodologias consideradas ultrapassadas para serem aplicadas em pleno século XXI, as quais remetem o ensino e a aprendizagem a parâmetros tradicionais, tornando sua relação com o aluno e com a educação algo do passado.

Têm-se, assim, como ressalta Sicardi (2005, p. 37):

[...] atuando nas salas de aulas, profissionais competentes em suas áreas específicas, com pleno domínio dos saberes científicos, mas sendo desafiados a constituírem-se como professores, a assumirem-se nessa nova profissão que tem estatuto, características, compromissos e procedimentos próprios, os quais necessitam serem apreendidos, questionados e constantemente reformulados pelos participantes dos colegiados institucionais da educação superior.

Baseando-se na colocação da autora, esses profissionais podem até ser competentes e autônomos em suas áreas de atuação, mas o que passa a ser questionado é a forma como desconsideram os elementos constitutivos dessa categoria profissional, que é a docência universitária, seus ideais, os objetivos que norteiam suas ações, os compromissos pessoais e sociais que essa profissão acarreta, a regulamentação profissional, o conceito de profissão e de profissional, o código de ética, as participações nas entidades de classe, os quais são fundamentais ao exercício competente de uma profissão, entre outros fatores.

Sabe-se que essa inquietude a respeito da profissionalização docente é o foco de vários estudos de diversos autores (ALTET; PAQUAY; PERRENOUD, 2003; PIMENTA; ANASTASIOU, 2002; ZABALZA, 2004, entre outros), os quais acreditam que as pesquisas sobre profissionalização do docente do Ensino Superior ainda são poucas e que se torna evidente, porém, que não pode haver profissionalização do ensino sem as alavancas essenciais que constituem a formação-inicial e contínua e sem a profissionalização dos ofícios de formador. Tais questões norteiam a problemática da profissionalização docente em diversos países. Em tais estudos o ofício de professor está na encruzilhada entre uma possível forma de proletarização e um engajamento decisivo na via da profissionalização docente.

De fato, todas essas questões podem ser consideradas desafiadoras para determinar ou especificar um perfil e, até mesmo, um conceito de profissional docente. No entanto, sabe-se que o professor está longe de ser um profissional acabado e amadurecido no momento em que recebe a sua habilitação profissional. Os conhecimentos e as competências adquiridos antes e durante sua formação inicial são, manifestadamente, insuficientes para o exercício das suas funções ao longo de toda a carreira. Por outro lado, ainda, o professor não pode ser visto como um mero receptáculo de informações; ao contrário, deve ser caracterizado como um ser humano com potencialidades e necessidades diversas, que importa descobrir, valorizar e ajudar a desenvolver. Conforme salienta Sicardi (2005, p. 42), “[...] o desenvolvimento profissional é assim uma perspectiva em que se reconhece a necessidade de crescimento e de aquisições diversas, processo em que se atribui ao próprio professor o papel de sujeito fundamental.” Percebe-se que há diversos fatores que contribuíram para a emergência dessa “nova” visão de profissional docente: fatores decorrentes das mudanças nas condições sociais; mudanças no sistema educativo; emergência de novos objetivos e finalidades educacionais; currículos reformados e novas diretrizes no funcionamento dos cursos; alunos com novos perfis e interesses diversificados; modificações nas concepções avaliativas e novas metodologias. Todas essas transformações acabaram interferindo nas teorias educacionais, as quais passaram a proporcionar novas orientações didáticas e novas perspectivas para fundamentar a ação do professor. Por fim, cabe destacar, também, as mudanças na própria visão do papel do docente universitário, reconhecendo-se agora a complexidade e a dificuldade de sua função dentro do contexto das instituições de ensino superior.

Essa complexidade é que efetiva a necessidade de se ter nas instituições de Ensino Superior profissionais que sejam capazes de ser conhecedores de seu exercer pedagógico, tendo plena capacidade de refletirem sobre seu posicionamento profissional e, assim, possuírem a autonomia de tomar uma nova postura no equacionar e resolver os problemas que se colocam no seu dia a dia do exercício da docência. Dessa maneira, é possível obter plenas capacidades de desempenhar suas funções de docente com competência, sabedoria e qualidade, sem ser um profissional que por acaso improvisa o seu ato de ensinar.

3 COMPREENDER A DOCÊNCIA COMO PROFISSÃO

Sabe-se que, atualmente, pesquisas relacionadas ao campo da formação docente provocam a necessidade de uma reflexão a respeito da profissionalização. Esse discurso não é assunto “novo”, pois iniciou anos atrás, tomando corpo em vários países, inclusive no Brasil, onde tal questão, em meados de 1980, tornou-se balisadora das propostas das reformas educacionais, as quais foram legitimadas pelas políticas educacionais e vinculadas aos informes de pesquisas, que, muitas vezes, atribuem aos docentes consideráveis responsabilidades em relação ao fracasso e ao baixo desempenho escolar. Nesse contexto, a profissionalização da docência surge como uma proposta para contribuir para o desenvolvimento didático e pedagógico dos professores, hoje, chamados a apresentar uma solução para os problemas das instituições de ensino.

A educação formal é assolada, então, por uma crise, a qual tem profundas repercussões na definição do papel de seus docentes. Como diz Cunha (2005, p. 6), “[...] o professor é hoje posto em xeque principalmente pela sua condição de fragilidade em trabalhar com os desafios da época.” Referente à colocação da autora, é possível dizer que o docente, com tantas mudanças relativas às tecnologias de informação, transferência de função familiar para a escola, lógica de produtividade nas quais mercados passam a definir os valores da política educacional, além da perda de identidade docente, está diante de novas exigências em todo o sistema educativo, o que o torna um profissional frágil.

Historicamente, grande parte dos docentes constituem a ideia de que sua função é a de ensinar um corpo de conhecimentos estabelecidos e legitimados pela ciência e pela cultura, sendo os instrumentos principais usados por eles para desenvolverem seu ofício a palavra escrita e falada. Como se sabe, tais aspectos foram se modificando e a profissionalização da docência passa a ser um processo de construção e de resgate da identidade, sendo este muito complexo e não podendo acontecer por decreto ou exclusão. Portanto, faz-se necessário incorporar os docentes na busca e na construção de uma nova representação, de um novo sentido da docência como atividade profissional. Assim, faz-se, também, necessário que a profissionalização seja parte dos projetos pessoais e coletivos e de desenvolvimento profissional desses docentes em exercício.

Percebe-se, dentro desse contexto, que o processo pela busca de uma identidade profissional para a docência, como parte dos processos de profissionalização, está relacionado com vários fatores; entre eles, podem ser destacados a autoimagem, a autobiografia e as representações que os professores fazem de si mesmos e dos outros no seu grupo profissional, a autoavaliação que fazem de si e de seu desempenho como profissionais, a submissão, a intensificação do trabalho, fatores que são destacados por vários autores (CUNHA 2005; RAMALHO; NUÑEZ; GAUTHIER, 2003) que discutem o assunto e que, segundo eles, devem ser conduzidos pelos próprios docentes, caso contrário, tornam-se empecilhos na busca pela autonomia, peça importante da profissionalização.

Cabe ressaltar que as representações dos professores sobre a profissionalização são elementos essenciais a se considerar no debate da profissionalização docente, como ponto para a reflexão dessa discussão. Não se pode criar questionamentos a respeito delas, desconhecendo o pensamento e a compreensão do professor sobre o tema. Precisa-se saber o que se entende ou se compreende por profissionalização, para melhor entender os processos que tornam um docente autônomo em sua profissão. Nas palavras das autoras: “O termo “profissionalização” apresenta diversos sentidos, segundo os contextos específicos de seu uso, definindo-se pelas relações dialéticas das características objetivas e subjetivas que pautam os processos de construção de identidades profissionais.” (BELTRÁN NÚÑEZ; RAMALHO, 2008, p. 3-4, grifo do autor).

A profissionalização, pode-se dizer, baseando-se nas palavras das autoras, é uma forma de representar a profissão como processo contínuo/descontínuo ao longo da história da docência. Percebe-se, também, que, no decorrer dos anos, essa percepção de profissional se torna mais sólida e concreta, não porque os docentes estão se comparando com outros profissionais, como médicos, dentistas, administradores, mas, sim, porque estão se reconhecendo e construindo sua identidade e sua profissionalização com o despertar de uma consciência coletiva, forjada em lutas concretas (movimentos associativos e reivindicatórios). Pode-se dizer que os profissionais da educação buscam uma identidade coletiva, que se desenvolva de dentro para fora de sua categoria profissional, tornando-se um movimento ideológico. Esse, portanto, pode ser um processo de socialização, de comunicação, de reconhecimento, de decisão, de negociação de avaliação e de autoavaliação, entre os projetos individuais e os dos grupos profissionais.

Percebe-se, diante desse cenário considerado desafiador, a necessidade de uma profissionalização projetada sob uma nova perspectiva da formação, a qual esteja permeada por novos saberes, novas competências e novas funções docentes. A profissionalização da docência deve estar fortemente relacionada com o profissionalismo, já que constituem uma unidade dialética. Sabe-se que o profissionalismo passa a exigir dos docentes não somente o domínio dos conhecimentos específicos, mas, também, a compreensão das questões envolvidas em seu trabalho, sua identidade, sua autonomia na tomada de decisões, entre outros fatores. Cabe ressaltar, ainda, que é de fundamental importância que o docente passe a avaliar e autoavaliar de forma crítica suas ações pedagógicas, fazendo uma articulação com momentos de reflexões.

4 A AUTOAVALIAÇÃO DOCENTE COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE DA PROFISSIONALIZAÇÃO E A PERSPECTIVA DA AVALIAÇÃO AUTÊNTICA

Sendo a docência uma ação humana, pode-se dizer que toda e qualquer prática docente é carregada de intencionalidade, juízos de valor, concepções (de mundo, de conhecimento, de ser humano) e procedimentos avaliativos. Por ser uma ação humana, a docência é portadora de uma historicidade e de uma cultura que produz uma teia de significados que constituem os sujeitos envolvidos. Conforme diz Larossa (1998, p. 59), “[...] não há experiência humana não mediada pela forma e a cultura. É justamente nesse conjunto de esquemas de mediação e de um conjunto de formas, que se delimitam e dão perfis às coisas, às pessoas e, inclusive, a nós mesmos.” Na ação humana da docência, desenham-se as formas e o perfil cultural de um conjunto de saberes que são assimilados na trajetória da maioria das pessoas, pois todos os profissionais passaram de alguma forma pelos bancos escolares.

Conforme explica Cunha (2005, p. 94), “[...] todos os professores foram alunos de outros professores e viveram as mediações de valores e práticas pedagógicas. Absorveram visões de mundo, concepções epistemológicas, posições políticas e experiências didáticas.” Tais mediações foram responsáveis por “formatar” e organizar, de modo consciente ou não, os saberes do conhecimento, os saberes da experiência e os saberes pedagógicos (PIMENTA, 2008) disponíveis para a futura docência. Essa naturalização da docência se faz presente na grande maioria dos professores universitários. Para Cunha (2005, p. 94), “[...] interferir nesse processo de naturalização profissional exige uma energia sistematizada de reflexão, baseada na desconstrução da experiência.” Isso significa dizer que os professores “[...] só alteram suas práticas quando são capazes de refletir sobre si e sobre sua formação.” A reflexão de suas práticas possibilita aos professores desconstruirem seus saberes, suas concepções de ensino e de aprendizagem, seus procedimentos de avaliação e sua própria identidade profissional. É realizar o que Freire (1982, p. 100) chama de “arqueologia da consciência”, ou seja, um processo de “refazer caminhos”, de buscar novas formas de fundamentação da ação educativa que pode abrir espaços para processos emancipatórios.

Somente consegue realizar essa “arqueologia da consciência” o docente que estiver predisposto a autoavaliar sua ação educativa, sua profissionalização docente, seu modo de ser junto aos alunos e seus procedimentos avaliativos. Autoavaliar a ação educativa significa revisar as bases epistemológicas e pedagógicas que sustentam a atuação docente, rever os paradigmas que fundamentam as opções teóricas e metodológicas e, principalmente, estar atento a como ocorre a mediação entre os programas de ensino e a aprendizagem efetiva dos alunos.

Autoavaliar a profissionalização docente significa dar-se conta de que a docência não é uma ação espontânea naturalizada que “se aprende fazendo”, de que a experiência ensina a dar aula e de que para ser professor basta dominar o conteúdo e manejar um conjunto de “técnicas didáticas”; significa, também, reconhecer que para ser docente é necessário possuir múltiplos saberes que podem ser aperfeiçoados por meio de formação continuada.

Autoavaliar o modo de ser junto aos alunos significa dar-se conta de que a atuação docente pode ser exercida por meio de uma prática participativa que torna a aula universitária mais dinâmica e comprometida. Com isso é possível tornar a sala de aula um espaço “[...] capaz de auxiliar na construção de profissionais, entre eles os professores, aptos à produção de conhecimento, à responsabilidade social e à disposição para o agir crítica e criativamente.” (FÁVERO; TONIETO, 2010, p. 90).

Autoavaliar os procedimentos avaliativos significa mobilizar um conjunto de reflexões que possibilitam perceber a avaliação como um processo formativo e não como um restrito instrumento de certificação ou medida. Como adverte Dias Sobrinho (2000, p. 137), medir é diferente de avaliar, pois reduzir a avaliação à aplicação de uma prova é reforçar uma visão mecanicista e simplificadora, constituída por uma “tecnificação” da formação. Não é possível estabelecer uma relação causal entre o sucesso de uma prova e o desempenho profissional, assim como seria ingênuo conectar linearmente as aprendizagens realizadas pelos estudantes durante um curso e a capacidade de responder a um instrumento pontual de avaliação.

Autoavaliar os procedimentos avaliativos ajuda aos docentes universitários instaurarem um processo reflexivo capaz de gestar uma avaliação autêntica. O que isso significa? Quais são suas características, princípios e bases teóricas? De que maneira ela pode se fazer presente na docência da educação superior e na prática cotidiana das aulas universitárias?

A avaliação autêntica, ao contrário da avaliação tradicional, tem como finalidade prioritária melhorar o processo de ensino e de aprendizagem que ocorre na interação de um professor com seus alunos. Segundo Condemarín e Medina (2005, p. 13-24), a avaliação autêntica possui as seguintes características e princípios: constitui uma instância destinada a melhorar a qualidade das aprendizagens; constitui um processo participativo; diferencia avaliação de qualificação; é coerente com os paradigmas da reforma educacional; é coerente com as atuais compreensões sobre a aprendizagens da linguagem oral e escrita; centra-se nos pontos fortes dos alunos; constitui um processo multidimencional; considera os benefícios pedagógicos envolvidos na análise dos erros; favorece a equidade educativa e favorece o desenvolvimento profissional dos professores.

Todas essas características e princípios potencializam a ideia de que a mudança, não apenas dos procedimentos avaliativos, mas, principalmente, da concepção de avaliação que perpassa as ações dos docentes universitários, acaba produzindo uma nova forma de compreender a dinâmica do conhecimento, a relação pedagógica entre professor e alunos e, principalmente, a formação dos futuros profissionais. Nas palavras de Condemarín e Medina (2005, p. 26), os resultados efetivos de uma avaliação autêntica “[...] fortalecerão a auto-estima e o profissionalismo dos professores, porque eles terão outras instâncias para mostrar sua criatividade e autonomia para propor situações educativas nas quais interajam com seus alunos como mediadores eficientes.” No que se refere aos alunos, os resultados da avaliação autêntica “[...] também fortalecerão sua capacidade de tomar decisões, visto que contarão com uma pluralidade de meios e critérios para avaliá-las diante dos próprios alunos, de suas famílias e de outros atores do sistema.” (CONDEMARÍN; MEDINA, 2005, p. 26). Nada mais significativo do que projetar a avaliação autêntica como procedimento avaliativo na educação superior.

A projeção de uma avaliação autêntica ainda constitui um amplo e exigente processo de revisão das práticas que continuam sendo feitas nas ações da grande maioria dos professores universitários. No entanto, a possibilidade de concretizar a avaliação autêntica nas práticas educativas universitárias não pode estar dissociada de uma compreensão mais ampliada dos desafios teórico-metodológicos que integram os processos avaliativos. Na sequência, discorre-se sobre alguns desses desafios que precisam ser considerados para projetarmos a avaliação autêntica como uma política educacional.

5 DESAFIOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA AVALIAÇÃO NOS PROCESSOS EDUCATIVOS

Certamente haveria muitos desafios teórico-metodológicos da avaliação nos processos educativos que deveriam ser elencados. Não seria possível elencá-los todos e, muito menos, desdobrar suas múltiplas e complexas consequências. No entanto, compreender o cenário da expansão da Educação Superior e suas implicações políticas, sociais, econômicas e epistemológicas pode se constituir um importante desafio para enfrentar de forma produtiva as constantes ameaças que tomam de assalto a própria universidade.

Não é pretensão neste curto ensaio detalhar de forma aprofundada cada um dos possíveis desafios que perpassam esse novo cenário reconfigurado a partir da expansão. De forma mais modesta, pretende-se compreender o cenário da expansão da Educação Superior e, com isso, sinalizar alguns aspectos que podem se mostrar produtivos para futuras discussões e investigações.

A expansão da Educação Superior ocorrida, principalmente, nas últimas duas décadas ainda não conseguiu atender às demandas de ser uma Universidade para todos. A preocupação exagerada com a quantidade (expansão do número de matrículas), a submissão do Brasil aos ditames das organizações internacionais e a transformação da Educação Superior em uma empresa de negócios fez com que a expansão tomasse rumos duvidosos e altamente preocupantes. Corremos um sério risco de ver uma importante oportunidade de crescimento da Educação superior ser comprometida por um avanço desregrado e pouco formativo. Não são poucos os estudos que mostram a fragilidade com que se desdobra o processo de expansão.

Uma das consequências dessa fragilidade da forma como está sendo conduzida a expansão se traduz na presença do Mal-estar educativo e do Mal-estar docente. Em uma reportagem de capa da revista Educação, publicada em março de 2007, já se indicava que 50% dos professores brasileiros apresentam sintomas de estresse ou depressão. Nela, afirmava-se: “O professor está doente”, e ainda:

Excesso de trabalho, indisciplina em sala de aula, salário baixo, pressão da direção, violência, demandas de pais de alunos, bombardeio de informações, desgaste físico e, principalmente, a falta de reconhecimento de sua atividade são algumas das causas de estresse, ansiedade e depressão que vêm acometendo os docentes brasileiros. (CURI, 2007, p. 30).

Feita por Fabiano Curi, a reportagem, na sequência, chama a atenção para as recentes pesquisas sobre o estado de saúde do professor. As péssimas condições de trabalho, o excesso de tarefas, a pressão por requalificação profissional e a falta de apoio institucional, entre outros problemas enfrentados no dia a dia, fazem com que os professores se tornem um dos grupos mais sujeitos a terem transtornos psíquicos. “O sistema escolar”, afirma Gasparini (apud CURI, 2007, p. 31), “[...] transfere ao profissional a responsabilidade por cobrir as lacunas existentes na instituição, a qual estabelece mecanismos rígidos e redundantes de avaliação profissional.” O aparecimento da síndrome de burnout1 é apenas uma das poucas manifestações do estado preocupante de saúde dos professores. Pesquisas realizadas pela Universidade de Brasília no final da década de 1990 mostram que 48% dos professores apresentam algum sintoma da síndrome. Resultado semelhante foi constatado em uma pesquisa feita em 2003 pelo Sindicato dos professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo.

Outra reportagem, organizada por Gentile (2007) e publicada na Revista Nova Escola em novembro de 2007, revela que, segundo pesquisas, em uma amostra de 500 professores da rede pública, 63% deles relatam viver em um nível significativo de estresse, 48% sentem falta de mais segurança contra a violência, 54% estão descontentes com os benefícios e 47% com o salário, e apenas 21% se dizem satisfeitos com a profissão.

Mas não seria preciso recorrer a estatísticas nem fazer grandes deduções lógicas para constatar que o professor vive, hoje, aquilo que o educador espanhol José Manuel Esteve chama de mal-estar docente. “A expressão ‘mal-estar’ docente”, diz ele no prólogo à terceira edição espanhola, “[...] é intencionalmente ambígua. [...] A dor é algo determinado e que podemos localizar. A doença tem sintomas manifestos. Quando usamos o termo ‘mal-estar’ sabemos que algo não vai bem, mas não somos capazes de definir o que não funciona e por quê.” (ESTEVE, 1999, p. 12). Penso que a escolha feita por Esteve é oportuna e provocativa para pensarmos a atual situação em que se encontra o professor no contexto das profundas crises que enfrenta como profissional da educação no cenário da expansão da Educação Superior.

O mal-estar é fruto de um conjunto de contradições que se avolumam no cenário social em que o professor está inserido. Vivemos em uma sociedade em que as exigências econômicas e sociais massificaram a escola e, mais recentemente, a educação superior. Como explica Cortesã (2002, p. 15), “[...] cada vez é menos possível ignorar os custos de se ter tentado resolver os problemas surgidos com a emergência da escola de massas através da massificação do ensino.” No entanto, essa mesma sociedade exige que se mantenha um nível de excelência em uma escola de massas. “O que é insustentável”, destaca Esteve (1999, p. 20), “[...] é manter as exigências de um sistema de elite, em um sistema de massa que não pode oferecer em troca nem uma qualidade digna de ensino, por falta de professores preparados, nem esperança de um trabalho qualificado ao término dos estudos.” A Terceira Revolução Educacional, usando outra expressão do próprio Esteve, ainda não conseguiu se firmar como novo paradigma educacional. Mesmo convivendo com uma educação superior que ampliou significativamente sua democratização de acesso, continuamos a operar com uma ideia de universidade para poucos, de preferência para as elites. Pensar e articular processos de avaliação autêntica nesse contexto, certamente, constitui um intenso e promissor desafio.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A avaliação autêntica constitui parte integrante de um processo de ensino-aprendizagem dinâmico e interativo, que pode ressignificar o processo formativo dos alunos e oportunizar uma “arqueologia da consciência” do docente universitário. Assim, a avaliação deve ser, essencialmente, plural ou multidimencional, para atender à complexidade que perpassa o atual cenário da Educação Superior. Seria desejável que os professores universitários pudessem autoavaliar permanentemente seu fazer docente, encontrando na reflexão de sua própria prática, possibilidades de (re)organizar seus procedimentos pedagógicos e avaliativos. A formação continuada de professores, a prática de leituras e, principalmente, a transformação da ação docente em objeto de observação, investigação, reflexão e crítica, poderiam ser indicativos apropriados para uma reprofissionalização do docente universitário.

Projetar o trabalho avaliativo na perspectiva da avaliação autêntica significa dar-se conta de que o professor não tem controle direto e absoluto sobre seu objeto de trabalho como poderia acontecer em outras profissões. Como adverte Tardif (2002, p. 132), “[...] nada nem ninguém pode forçar um aluno a aprender se ele mesmo não se empenha no processo de aprendizagem [...], pois os alunos sofrem inúmeras influências que podem afetar seu rendimento escolar.” Ao exercitar o processo de autoavaliação do seu trabalho, o docente universitário passa a evitar aquilo que Santos (2000) chama de epistemicídio, ou seja, a validação de apenas uma forma de conhecimento, que provoca a cegueira epistemológica e valorativa, capaz de destruir as relações que potencialmente poderiam provocar formas alternativas de conhecimento.

Nota explicativa:

1A síndrome de burnout foi o nome dado nos anos 1970 para a síndrome do esgotamento profissional. O nome vem da expressão em inglês to burn out, ou seja, queimar completamente, consumir-se.

REFERÊNCIAS

ALTET, M.; PAQUAY, L.; PERRENOUD, P. A profissionalização dos formadores de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003.

ALVES, W. F. Docência universitária e avaliação: desafios para a educação física. Linhas Críticas, Brasília, DF, v. 11, n. 21, p. 229-249, jun./dez. 2005.

BELTRÁN NÚÑEZ, I.; RAMALHO, B. L. A profissionalização da docência: um olhar a partir da representação de professores do ensino fundamental. Revista Ibero americana de Educación, n. 46, v. 9, set. 2008.

CONDEMARÍN, M.; MEDINA, A. Avaliação autêntica: um meio para melhorar competências em linguagem e comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2005.

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Recebido em 07 de outubro de 2015

Aceito em 10 de novembro de 2015

Endereço para correspondência: Rua Barão de Rio Branco, 375, Centro, 99260-000, Casca, Rio Grande do Sul, Brasil; altairfavero@gmail.com

Roteiro, Joaçaba, Edição Especial, p. 85-100. 2015