http://dx.doi.org/10.18593/r.v40i0.8902

AÇÕES E ESTRATÉGIAS COM INCIDÊNCIA NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: IMPLICAÇÕES NA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO

ACTIONS AND STRATEGIES WITH INCIDENCE IN THE PEDAGOGICAL PRACTICES: IMPLICATIONS TO THE EDUCATIONAL QUALITY

Maria Teresa Ceron Trevisol *

Docente da graduação e do Programa de Pós-graduação em Educação (Mestrado em Educação) na Universidade do Oeste de Santa Catarina

Mônica Piccione Gomes Rios**

Docente do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Naidi Carmen Gabriel***

Pedagoga

Sherlon Cristina De Bastiani****

Pedagoga

Resumo: Neste artigo, a proposta foi analisar a diversidade e a natureza das ações e estratégias planejadas e implementadas em 18 escolas públicas municipais de Ensino Fundamental, localizadas na região Oeste catarinense, integrantes da amostra do Programa Observatório da Educação, com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Obeduc/Capes). A base empírica deste artigo é uma investigação de abordagem qualitativa, sem desprezar os dados quantificáveis. A produção de material empírico ocorreu por meio de questionário misto aplicado aos secretários da educação e gestores das escolas pesquisadas. A análise das respostas ao questionário aplicado foi precedida pela tabulação dos dados relativos às questões fechadas e pela definição de categorias oriundas das questões abertas. Constataram-se ações e estratégias com potencial para contribuir com a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem e, logo, com reflexo no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).

Palavras-chave: Práticas pedagógicas. Qualidade da Educação Básica. Políticas Públicas de Avaliação. Gestores Escolares.

Abstract: In this article, the purpose was to analyze the diversity and nature of the actions and strategies planned and implemented in 18 public schools of Elementary School, located in the Western region of Santa Catarina, members of the sample of the Education Monitoring Program, with financial support from the Higher Education Personnel Improvement Coordination (Obeduc / Capes). The empirical basis of this article is a qualitative research approach, without despise the quantifiable data. The production of empirical material happened through a mixed questionnaire applied to the secretaries of education and managers of the surveyed schools. The analysis of the responses to the questionnaire was preceded by data tabulation relating to closed questions and the definition of derived categories of open questions. It was observed actions and strategies with potential to contribute to the improvement of teaching and learning processes and, therefore, with reflex in the Basic Education Development Index (IDEB).

Keywords: Pedagogical practices. Quality of Basic Education. Public Evaluation Policies. School Managers.

1 INTRODUÇÃO

Na educação básica, desde 2007, o desenvolvimento educacional das escolas e redes públicas de ensino é aferido pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) (NARDI; SCHNEIDER; RIOS, 2014), o qual constitui, nessa década do século XXI, o indicador de maior impacto na qualidade da educação básica, por expressar, quantitativamente, o quão as escolas, o município, o estado e o País avançaram em suas metas educacionais definidas pelo Estado. Se por um lado o IDEB implica avanço no que se refere à possibilidade de aferir os resultados da aprendizagem por meio de um padrão comum em âmbito nacional, por outro, há de se considerar que ele pode vir a constituir um polarizador das práticas pedagógicas no cotidiano escolar. Como um indicador quantitativo, os condicionantes intra e extraescolares que afetam os processos de ensino e aprendizagem correm o risco de serem renegados, o que compromete a definição e a redefinição das políticas públicas em educação, em prol da qualidade da educação requerida pelo Estado.

O conceito de qualidade é histórico e polissêmico. Porém, no contexto educacional assume uma dimensão social, não podendo, portanto, a qualidade da Educação Básica ser reduzida ao rendimento escolar. Para Dourado, Oliveira e Santos (2007, p. 13), “A melhoria da qualidade da educação efetivar-se-á por meio da criação sistemas nacionais de avaliação da aprendizagem e pela garantia de insumos crescentes nas escolas, tais como: livros, textos, equipamentos, laboratórios e formação pedagógica.”

Em face do compromisso com a construção de uma educação básica de qualidade, neste artigo se teve como objetivo de identificar ações e estratégias pensadas e implementadas por secretários da educação e gestores escolares que atuam em escolas públicas municipais de Ensino Fundamental integrantes da amostra do Programa Observatório da Educação (Obeduc), após a divulgação dos dados do IDEB, no período 2010-2012, ao que se refere às práticas pedagógicas utilizadas em sala de aula e que podem implicar os processos de ensino e de aprendizagem da Língua Portuguesa e da Matemática. Essas ações e estratégias podem estar relacionadas com a busca da qualidade educacional pela reflexão e problematização, tecidas no âmbito escolar, sobre ações que, se implementadas, podem provocar melhorias nas práticas pedagógicas das escolas.

A amostra do Programa Observatório da Educação foi composta por 18 municípios do Oeste catarinense, a saber: Calmon, Caxambu do Sul, Concórdia, Dionísio Cerqueira, Entre Rios, Formosa do Sul, Galvão, Ibiam, Itapiranga, Joaçaba, Lebon Régis, Lindóia do Sul, Palmitos, Santa Terezinha do Progresso, São Lourenço do Oeste, São Miguel do Oeste, Vargem Bonita e Videira.

O Obeduc/Capes, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina (PPGE/Unoesc), foi intitulado Indicadores de qualidade do ensino fundamental na mesorregião oeste de Santa Catarina: estratégias e ações na rede pública municipal de ensino (2010-2014) e tem como objetivo geral avaliar a potencialidade e o alcance das estratégias e ações deflagradas pelas redes e escolas públicas municipais de Ensino Fundamental da mesorregião Oeste catarinense, no período de 2010 a 2014, visando à melhoria da qualidade educacional apontada nos indicadores de desenvolvimento da Educação Básica. O alvo da pesquisa foi uma escola de cada município pesquisado, conforme critérios previamente definidos, a saber: corte populacional e localização do município na mesorregião, ao menos 50% de municípios considerados prioritários para receberem auxílio técnico e/ou financeiro do Ministério da Educação (MEC); a escola de menor IDEB registrado no ano 2007 de cada município pesquisado, que, preferencialmente, tivesse Ensino Fundamental completo.

Em uma abordagem qualitativa, considerando os dados quantificáveis, entre os procedimentos para a coleta dos dados, em acordo com o objetivo e a metodologia definidos, utilizou-se questionário aplicado aos secretários da educação e gestores escolares dos respectivos municípios e escolas pesquisadas, com o propósito de analisar em que medida as ações desencadeadas pelos gestores escolares contribuem para a melhoria da qualidade dos processos de ensino e aprendizagem e sua implicação no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).

As questões formuladas, considerando os municípios pesquisados, referiram-se às dimensões constantes no Projeto, a saber: I – infraestrutura escolar (condições físicas e recursos pedagógicos); II – gestão escolar (planejamento, recursos humanos, recursos financeiros e parcerias); III – formação dos profissionais da Educação Básica (formação inicial e formação continuada); e, IV – práticas pedagógicas (organização escolar, organização didático-pedagógica e avaliação da aprendizagem).

Para efeito deste artigo, optou-se pela análise das respostas dos questionários relacionadas à dimensão IV atinente às práticas pedagógicas para o ensino e aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática relativas ao eixo de Organização Didático-pedagógica. Objetiva-se, neste texto, identificar as ações e estratégias implementadas pelas escolas que constituíram a amostra da investigação realizada, no que se refere à prática pedagógica, com o propósito de analisar, por um lado, a diversidade e a natureza das ações e estratégias referentes à oferta de uma educação de qualidade no Ensino Fundamental e, por outro, as potencialidades das medidas adotadas.

Nesse eixo, foi perguntado as 18 escolas dos 18 municípios da amostra da pesquisa quais estratégias e ações foram implementadas após a divulgação do resultado do IDEB nos anos 2009 e 2011, sendo o questionário aplicado sempre no ano seguinte à divulgação desse índice, a saber, 2010 e 2012. Os dados advindos da aplicação dos questionários forneceram informações para a elaboração de dois quadros-síntese, sendo o primeiro o apontamento de ações/estratégias implementadas pela escola após divulgação do IDEB 2009, e o segundo, as ações/estratégias implementadas pela escola após divulgação do IDEB 2012. Os referidos quadro são apresentados na análise dos dados.

2 QUALIDADE EDUCACIONAL: UMA PAUSA PARA SE PENSAR AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

A escola constitui o espaço de educação formal, podendo estar voltada para a dominação, que supõe a adaptação do ser, em razão de uma visão de homem e de mundo acabados, ou para a libertação, que supõe a inserção do ser no mundo, em virtude de uma visão de inacabamento. A educação que está voltada para a dominação tem como consequência a formação de cidadãos passivos; por outro lado, a educação voltada para a libertação contribui para a formação de cidadãos participativos e autônomos. A pedagogia da autonomia, “[...] fundada na ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando” (FREIRE, 2002, p. 11), implica que a escola assuma sua função sócio-político-pedagógica, o que requer problematizar os processos de ensino e aprendizagem.

O que se observa, porém, na escola, nesse período do século XXI, é um desalinho quanto a sua função, pois, aos poucos, ela teve de ser responsável por abranger e solucionar questões de ordem familiar, como ensinar moralidade, ética, higiene, organização e, até mesmo, ter ações práticas nessas áreas e, quando não bem resolvidas, informar à família. Aqui se observa uma inversão de funções entre o que a escola necessita proporcionar aos alunos e o que cabe às famílias proporcionar aos seus filhos. Quando a família ou a escola não assumem suas funções no processo educativo, a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos são afetados.

A perspectiva de articulação família/escola é, pois, fundamental nesse processo, salvaguardando as respectivas responsabilidades. Para Saviani (2011, p. 18), “[...] a escola é uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber sistematizado.” Paralelo a essas questões, evidencia-se uma preocupação com o conteúdo significativo, com o que é necessário para participar da sociedade atual, e pergunta-se: O que é importante aprender? Que técnicas, capacidades e habilidades são exigidas agora? Que valores devem ser construídos? “Acrescente-se a essas, as questões: Qual o papel da escola frente às novas demandas educacionais? Qual a relação entre Educação e Tecnologia? Quais saberes e competências são necessários ao cidadão do século XXI?” (SBC, 2007, p. 17 apud SOARES; SEVERINO, 2014, p. 272).

Cabe à educação escolar, nos anos iniciais da educação básica, contribuir para que os alunos desenvolvam as habilidades e competências em leitura, escrita e interpretação, saberes essenciais para a continuidade dos estudos e, sobretudo, para a formação cidadã e profissional. Dessa forma, a escola propicia o acesso ao saber elaborado, a construção e a reconstrução do conhecimento e a produção de saberes. As práticas pedagógicas da educação básica necessitam, pois, considerar o contributo escolar, que tem como primado o aprender a ler e escrever. Além disso, é preciso também aprender a linguagem dos números, a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade.

Saviani (2011) ressalta a importância do ler, escrever e contar como mecanismos elementares para ler o mundo, pois, por meio destes é que a continuidade dos estudos será possível. Um processo de alfabetização consolidado nos primeiros anos do Ensino Fundamental favorecerá a aprendizagem nos anos seguintes, que engloba os saberes dos diversos componentes curriculares.

A década de 1990, marcada por reformas, com destaque para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96), é considerada por Dias Sobrinho (2002) a década da avaliação. A partir dessa década, a qualidade da educação no Brasil vem sendo aferida por meio do desempenho dos alunos nas avaliações padronizadas. Em 1990, foi criado o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB).

No entanto, foi na primeira década do século XXI, em 2007, que se criou o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), decorrente do Plano de Desenvolvimento da Educação Básica (PDE). No ensino fundamental a avaliação centrada no desempenho dos alunos, geradora de indicador de qualidade, é a Prova Brasil. A Prova Brasil é aplicada aos alunos matriculados no 5º e 9º ano do ensino fundamental, nas disciplinas de português (foco em leitura) e matemática (foco em resolução de problemas). O resultado da Prova Brasil e o fluxo escolar compõem o cálculo do IDEB.

Os resultados dessa prova, apesar de terem melhorado ao longo dos anos, ainda indicam um déficit de aprendizagem na leitura, na interpretação e na solução de problemas. Nesse contexto, questionamos: para que avaliar? O que avaliar? Como avaliar? Essas provas são a forma mais eficaz de apresentar a real situação de um sistema de ensino, das suas escolas e seus alunos? Para Esteban (2008, p. 2),

A relação linear entre exame – instrumento de coerção, certificação e exclusão – e aprendizagem reduz aprendizagem a desempenho e avaliação a controle. Essa relação não traz nada de novo, pois, apesar de amplamente criticada, tem primazia nas práticas escolares e nas políticas públicas, embora não venha conseguindo oferecer contribuições significativas para a ampliação da face democrática da escola.

As avaliações em larga escala, com destaque à Prova Brasil, foco deste estudo, centradas no desempenho dos alunos, têm potencial para induzir as práticas pedagógicas que ficam polarizadas pela obtenção de resultados, em detrimento de aspectos que são fundantes e que implicam os processos de ensino e aprendizagem, no cotidiano escolar. Ao privilegiar os produtos das aprendizagens, o processo fica relegado. Nesse contexto, emergem os questionamentos: por que preciso ensinar estes conhecimentos para os alunos? Que importância terão em suas vidas? A serviço de quem e de quê?

Esses questionamentos podem constituir contributos para que se problematizem as ações que as avaliações em larga escala, a exemplo da Prova Brasil, vêm desencadeando nas unidades escolares, o que coloca em questão os usos que se faz dos resultados.

Nesse contexto, faz-se necessário repensar as práticas pedagógicas em um esforço de articular os resultados das avaliações externas com os resultados das avaliações internas. Para tanto, é necessário que professores e gestores escolares tenham espaço para formação continuada e em serviço, com temáticas que atendam as suas necessidades prementes, o que requer considerar a realidade das unidades escolares. Nesses espaços, é possível que se problematizem as práticas pedagógicas e que se compartilhem as certezas e as incertezas relacionadas ao cotidiano escolar, com destaque às aprendizagens relacionadas à leitura, interpretação e solução de problemas. A avaliação da aprendizagem, do rendimento ou com a finalidade de diagnosticar algo (mesmo sendo uma de suas reais funções) não pode ser pensada fora do contexto social, político, cultural e conjuntural, ou seja, à revelia do conjunto dos fatores intraescolares e tampouco dos fatores externos ligados ao sistema ou escola.

Nesse sentido, Dourado e Oliveira (2009) abordam as concepções acerca da qualidade da educação, bem como as perspectivas e os desafios tidos no sistema educacional. Os autores ressaltam a articulação da educação e informam que ela possui dimensões e espaços sociais diferentes. Todavia, é a própria educação um agente social constitutivo e constituinte das relações sociais.

Dessa forma, a palavra qualidade está carregada de significações e conceitos, e, dessa forma, falar em qualidade educacional nos remete às dimensões intra e extraescolares, o que denota a complexidade da temática da qualidade no campo educativo.

Assim, a qualidade denota a existência de mudanças conceituais, que se alteram conforme o tempo, o espaço e as exigências sociais. Dessa maneira, entendemos que o compromisso a ser assumido pelas escolas, em prol de uma educação de qualidade, precisa considerar esse aspecto, pois a qualidade social educacional está muito mais para representações sociais e políticas do que para a determinação de padrões.

Múltiplos são os fatores que permeiam a compreensão de uma escola de qualidade. No Brasil, por exemplo, existe um padrão de qualidade, mas não se tem conhecimento de que haja um padrão social. Ao contrário, o cenário é amplamente divergente e, praticamente, ausente de articulações normativas. Diante disso, Dourado e Oliveira (2009, p. 203) indagam: “[...] como avançar para a construção de indicadores comuns, se o contexto não é comum?” Se não existir uma igualdade de ideias, possivelmente, não será concebível assegurar uma educação de qualidade para todos.

E esse é um dos tantos questionamentos referentes à educação, bem como à qualidade atribuída a ela. Questionamentos esses que explicitam o complexo cenário nacional no viés educacional. Exemplo de tamanha complexidade é a inquietação gerada sobre o fato de a temática da qualidade social educacional ainda se fazer pouco presente nas várias ações governamentais. Mesmo sem programas, projetos ou ações governamentais condizentes com a qualidade da e na educação, ela continua seguindo seu rumo. Dourado e Oliveira (2009, p. 206) apontam que para produzir uma escola de qualidade socialmente referenciada, é necessário, antes de tudo, estabelecer a definição de dimensões, fatores e condições de qualidade.

Em outras palavras, a qualidade da educação não pode somente ser circunscrita com base em médias, estatísticas e números. Ela ocorre mediante o complexo processo da educação aliado às margens de conjuntos de valores. Tal processo ocorrerá por dimensões intra e extraescolares, conforme algures citado mencionado anteriormente, a primeira, subentendida em quatro planos: o plano do sistema – condições de oferta do ensino: diz respeito à garantia de instalações gerais adequadas aos padrões de qualidade, definida pelo sistema nacional de educação; o plano de escola – gestão e organização do trabalho escolar: trata-se da estrutura organizacional compatível com a finalidade do trabalho pedagógico; o plano do professor – formação, profissionalização e ação pedagógica: relaciona-se ao perfil docente (titulação/qualificação adequada ao exercício profissional, por exemplo); e, por último, mas não menos importante, o plano do aluno – acesso, permanência e desempenho escolar: refere-se ao acesso e condições de permanência adequadas à diversidade socioeconômica e cultural e à garantia de desempenho satisfatório dos estudantes.

A segunda dimensão, a extraescolar, pressupõe dois níveis. Inicialmente, o espaço social – o qual tem relação, especialmente, com a dimensão socioeconômica e cultural dos sujeitos envolvidos, além da organização adequada da escola, visando lidar com a situação real dos estudantes, e ações e programas motivacionais, que contribuem para a permanência dos estudantes no espaço escolar. Posteriormente, a dimensão extraescolar adota como nível as obrigações do Estado – as quais podem ser compreendidas como os direitos dos cidadãos e as obrigações do Estado. De acordo com os autores Dourado e Oliveira (2009), ao Estado cabe, por exemplo, a ampliação da obrigatoriedade da educação básica, a definição de padrões de qualidade que incluam a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, além da implementação de programas suplementares, como o livro didático, a merenda escolar, o transporte escolar, entre outros.

Cabe destacar que as dimensões ressaltadas anteriormente necessitam ser consideradas de maneira articulada na efetivação de uma política educacional direcionada à garantia de escola de qualidade para todos, em todos os níveis e modalidades. Essa qualidade para todos deve estar amparada em uma perspectiva de dimensão socioeconômica e cultural, uma vez que o ato educativo se reflete em um contexto e disposição sociais. Porém, é necessário aliar/combinar essas ressalvas às políticas públicas que têm (ou deveriam ter) o papel de criar estímulos e fatores que motivem e satisfaçam os sujeitos do processo educativo a se identificarem com suas escolas. Dessa maneira, seria possível a produção de uma escola de qualidade e, a partir desta, a realização de uma avaliação com equivalente congruência, conforme a ênfase atribuída por Freitas et al. (2011, p. 10):

[...] postulamos a existência de três níveis integrados de avaliação da qualidade de ensino: avaliação em larga escala em redes de ensino (realizada no país, estado ou município); avaliação institucional da escola (feita em cada escola pelo seu coletivo); e a avaliação da aprendizagem em sala de aula, sob responsabilidade do professor.

De acordo com a abordagem dos autores, é necessário que reconheçamos que as avaliações em larga escala podem oferecer indicadores quantitativos relacionados ao cenário educacional. Demonstra que o Brasil vem superando, a passos lentos, o problema do fluxo e, acima de tudo, de forma desigual de estado para estado; o mesmo pode se dizer sobre a repetência. Assim, o IDEB se constitui um indicador de qualidade, proveniente de avaliação externa, que, articulado a outras análises qualitativas e quantitativas que consideram os condicionantes intra e extraescolares, os quais afetam os processos de ensino e aprendizagem, tem sua real importância. Porém, a crítica reside no fato de o IDEB ser considerado um indicador de qualidade exclusivo, desconsiderando os outros condicionantes que implicam a qualidade da educação e, em decorrência, polariza as práticas pedagógicas, sobretudo, de Língua Portuguesa e Matemática, para a obtenção de resultados que incidam em um IDEB elevado. Nessa direção, Freitas et al. (2011) propõem, em uma concepção de educação emancipatória, a articulação entre a avaliação da aprendizagem, a avaliação institucional (interna) e a avaliação das redes de ensino (externa).

Pensar a educação significa pensá-la enquanto processo, desvelando características intrínsecas, como a construção coletiva, exigida a reflexão sobre seus significados e finalidades. Desse modo, entendemos que a avaliação não ocorre em um vazio conceitual, mas, sim, é dimensionada por um modelo teórico de mundo, de sociedade e de educação.

Nessa perspectiva de entendimento, é certo que o atual exercício da avaliação escolar não está sendo efetuado gratuitamente […] estando a atual prática de avaliação educacional a serviço de um entendimento teórico conservador da sociedade e da educação, para propor rompimento dos seus limites, temos de necessariamente situá-la num outro contexto, ou seja, temos de opostamente, colocar a avaliação escolar a serviço de uma pedagogia que entenda e seja preocupada com a educação como mecanismo de transformação social. (LUCKESI, 1991, p. 28).

Verificamos, sobretudo neste século XXI, uma característica que de imediato se evidencia e polariza a prática dos educadores: as avaliações da aprendizagem, integrantes dos processos de ensino e aprendizagem, passam a ser direcionadas por uma espécie de pedagogia dos exames. Nessa pedagogia, todas as atividades docentes e discentes estão voltadas para um treinamento de resolução de provas, a partir de vários conteúdos trabalhados de forma fragmentada. Essas práticas procuram ser justificadas pela busca da qualidade da educação.

Estas justificativas criam novos fetiches pedagógicos que se caracterizam por sua debilidade conceitual, como no caso de termos como “qualidade da educação”. Por outro lado, são estabelecidos instrumentos que legalizam a restrição à educação: este é o papel conferido ao exame […] o exame não indica realmente qual é o saber de um sujeito. (BARRIGA, 2001, p. 54).

Podemos constatar essa ideia a partir das reflexões realizadas no âmbito do Programa Observatório da Educação.1 Na experiência de acompanhamento da aplicação da Prova Brasil/Saeb,2 os pesquisadores envolvidos, incluindo as autoras deste artigo, evidenciaram as expectativas dos professores geradas com a realização da Prova, o que nos levou a questionar: será que esses instrumentos de avaliação constituem a melhor forma de avaliação do aluno? E como ficam os conteúdos pedagógicos? O que percebemos é que as escolas estão sendo condicionadas a trabalharem a partir de um currículo comum: a matriz de referência dessa avaliação. O monitoramento da qualidade da educação por meio dessas avaliações tende a causar grandes ajustes curriculares, pois a matriz dessas provas passa a ser desenvolvida na escola como conteúdos, isso sem contar o fato de que há estimulação à concorrência entre escolas pelo melhor desempenho.

Essas avaliações causam estranheza, já que colocam em questionamento o aprender como um processo histórico e social. Assim, faz-se necessário encontrar o ponto de equilíbrio entre os dois pilares processos, para que seja possível ao primeiro ser regulado, sob forma de uma estrutura avaliativa que não condene nem limite o ensino emancipatório e formativo, abrindo o debate às novas políticas de avaliação da educação.

É importante ressaltar que avaliação do sistema cria certa tensão, já que sob a bandeira da melhoria da qualidade de educação se criam mecanismos de controle e autocontrole do trabalho pedagógico.

Pudemos verificar, também, como distorções, mecanismos que ditam a polarização das práticas pedagógicas voltadas para a obtenção de resultados, com reflexos nos processos de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, de acordo com Afonso (2002, p. 44): “A avaliação dos sistemas educativos aparece doravante associada à responsabilização pelos resultados escolares dos alunos, sendo estes obtidos, sobretudo, pela utilização de testes estandardizados.” Em outras palavras, a mensuração é buscada por meio de testes padronizados em que se julga de quem é a responsabilidade diante dos resultados obtidos.

Conforme afirmam Freitas et al. (2011, p. 65),

[...] a avaliação de sistema é um instrumento importante para monitoração das políticas públicas e seus resultados devem ser encaminhados, como subsídio à escola para que, dentro de um processo de avaliação institucional ela possa consumir estes dados, validá-los e encontrar formas de melhoria. A avaliação institucional fará a mediação e dará, então subsídios para a avaliação de sala de aula, conduzida pelo professor.

Nessa perspectiva de articulação, as estratégias de ação acordadas na unidade escolar pelo gestor com os professores e a comunidade podem ser um caminho para que as práticas pedagógicas estejam a serviço dos processos de ensino e aprendizagem, incidindo na melhoria da qualidade da educação.

3 A PERCEPÇÃO DOS SECRETÁRIOS DA EDUCAÇÃO E DOS GESTORES ESCOLARES

O questionário aplicado aos secretários da educação e gestores escolares das escolas dos municípios pesquisados possibilitou evidenciar estratégias de ação desencadeadas pelos respectivos municípios e unidades escolares após a divulgação do IDEB nos anos 2009 e 2011. Os Quadros 1 e 2, que seguem, permitem visualizar as ações e estratégias implementadas pelas escolas e as correspondentes ocorrências.

Quadro 1 – Síntese das ações/estratégias apontadas pelas escolas (diretor escolar e secretário da educação) após a divulgação do IDEB

Ações/estratégias implementadas após divulgação do IDEB 2009

Ações/estratégias3

Ocorrência

Realizar aulas de reforço escolar para alunos com dificuldade de aprendizagem.

9

Revisar a proposta pedagógica/curricular.

3

Levantar elementos com a comunidade para subsidiar o planejamento do ensino / Conhecer mais sobre os educandos e seus familiares/Traçar coletivamente metas considerando as dificuldades de aprendizagem.

3

Realizar planejamento pedagógico.

2

Realizar estudos sobre currículo escolar/dificuldades de aprendizagem.

2

Desenvolver projetos interdisciplinares/escolinhas de esporte e dança.

2

Organizar oficinas para atendimento escolar em tempo integral.

1

Efetuar planejamento diário de ensino.

1

Realizar reuniões com pais para tratar sobre a aprendizagem dos alunos.

1

Orientar a prática pedagógica.

1

Focar em competências e habilidades como escrita, leitura, interpretação e raciocínio.

1

Implantar classes de correção de fluxo.

1

Implantar sistema apostilado.

1

Fonte: os autores.

Após a divulgação do IDEB de 2009, conforme o Quadro 1, constatou-se que entre as ações/estratégias elencadas pelos pesquisados se sobressaíram as relacionadas à realização de aulas de reforço para os alunos que apresentaram dificuldades de aprendizagem. Considerando que não houve, paralelo à aplicação do questionário, momentos de observação in loco nas escolas que constituíram a amostra desta investigação, não é possível precisar de que forma as atividades de reforço ocorreram, pois dependendo da perspectiva ou do modelo de ensino e de aprendizagem que norteia a ação pedagógica da escola, alternativas de “reforço” podem objetivar a repetição/reprodução das respostas e, nem sempre, a efetiva retomada de aspectos ou questões que não foram compreendidos ou aprendidos.

Na sequência, sobressaíram-se as ações voltadas para o currículo, incluindo a construção da proposta pedagógica e a elaboração dos planos de ensino, em uma perspectiva participativa. Conforme aponta Veiga (2004, p. 38):

O projeto pedagógico, ao se constituir em processo participativo de decisões, preocupa-se em instaurar uma forma de organização do trabalho pedagógico que desvele os conflitos e as contradições, buscando eliminar as relações competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina do mando pessoal e racionalizado da burocracia e permitindo relações horizontais no interior da escola.

Chama a atenção que, nesse quesito, tenham sido citados estudos relacionados ao currículo escolar e às dificuldades de aprendizagem. Essa ação pode sinalizar a compreensão de que a escola verifica a necessidade de se buscar aporte teórico, em processo, para que as ações efetivadas tenham, potencialmente, êxito.

Entre as ações elencadas foi possível constatar que há a coexistência de paradigmas, ao que se refere ao currículo, pois houve referência à implantação de sistema apostilado, o que sinaliza o engessamento do currículo, e o desenvolvimento de projetos interdisciplinares, o que aponta para um currículo inovador. O desenvolvimento de projetos interdisciplinares viabiliza a interdisciplinaridade e pode contribuir para os professores desenvolverem atitude interdisciplinar.

Consoante as perspectivas interdisciplinares, foram geradas ações relativas à implantação de escola de esporte e dança, o que sinaliza atenção para o desenvolvimento integral do aluno.

A realização de reuniões com os pais, a fim de discutir a aprendizagem dos filhos, foi outro aspecto mencionado, o que pode contribuir para a articulação entre a família e a escola. A presença dos pais na escola pode vir a ser um incentivador para os alunos, na medida em que traz um componente de afetividade importante para o sucesso escolar.

Entre as ações apontadas, destacam-se duas que têm aproximação direta com o IDEB, considerando os resultados da Prova Brasil e o fluxo escolar que o integram. Tais ações se referem a focar em competências e habilidades, como escrita, leitura, interpretação e raciocínio, e implantar classes de correção de fluxo. Vale ressaltar que, na composição da nota do IDEB, a distorção série-idade, medida por meio da taxa de aprovação/reprovação (também chamada de taxa de rendimento), é um fator de multiplicação, dessa forma, quanto mais a taxa de rendimento se distanciar dos 100% (fator de multiplicação 1), mais a média padronizada poderá baixar, tornando a nota do IDEB menor.

Na sequência, o Quadro 2 sistematiza as ações e estratégias implementadas pelas escolas (gestores escolares e secretários da educação) após a divulgação do IDEB de 2011.

Quadro 2 – Síntese das ações/estratégias apontadas pelas escolas (diretor escolar e secretário da educação) após a divulgação do IDEB

Ações/estratégias implementadas após divulgação do IDEB 2011

Ações/estratégias4

Ocorrência

Ofertar aulas de reforço escolar aos alunos com dificuldade de aprendizagem.

7

Implementar projetos de trabalho/dificuldade de aprendizagem.

5

Realizar planejamento pedagógico.

4

Revisar a proposta pedagógica/curricular.

3

Realizar aulas diferenciadas/diversificadas.

3

Implantar classes de correção de fluxo.

3

Realizar atividades extraclasse/campeonatos e jogos.

3

Encaminhar para especialistas de saúde alunos que demandam atendimento.

3

Interagir com os pais em favor da aprendizagem.

3

Realizar atividade de incentivo à leitura.

2

Realizar viagens de estudo.

2

Prestar suporte didático-pedagógico ao professor.

2

Realizar simulados para suprir defasagem.

2

Organizar as ações pedagógicas.

1

Realizar planejamento de ensino pautado na linha de trabalho na unidade.

1

Fortalecer atividades que incluam novas tecnologias.

1

Implementar grupos de estudo para professores.

1

Implantar sistema apostilado.

1

Fortalecer os conselhos de classe.

1

Fonte: os autores.

Após a divulgação do IDEB de 2011, conforme Quadro 2, evidencia-se, novamente, que a ação que se sobressaiu se refere à realização de aulas de reforço para os alunos que apresentaram dificuldades de aprendizagem, coincidindo com a ação desencadeada após a divulgação do IDEB de 2009.

Consoante o ano 2009, sobressaíram-se, na sequência, as ações voltadas para o currículo, ao que se refere à implementação de projetos de trabalho, realização do planejamento pedagógico e revisão da proposta curricular, ainda que não tenha havido referência à construção coletiva.

Outra ação desencadeada, comum a 2009, foi a realização de grupos de estudo com os professores e apoio pedagógico, o que denota a valorização da formação em serviço, o que tem potencial para desencadear reflexão. De acordo com Nóvoa (1995, p. 25),

[...] a formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autónomo e que facilite as dinâmicas de auto formação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vistas à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional.

A interação com os pais, ainda que não tenha sido apontada a forma, foi aspecto mencionado como estratégia de ação, o que aponta para a articulação família-escola.

Ressalta-se como ação citada, desencadeada pela divulgação do IDEB 2011, o encaminhamento de alunos para especialistas de saúde. Essa ação tem implicação direta nos processos de ensino e aprendizagem, pois há dificuldades de aprendizagem que necessitam do trabalho pedagógico articulado ao trabalho de especialistas, a fim de que possam ser superadas.

Uma estratégia específica relativa à divulgação do IDEB de 2011, ainda, refere-se à metodologia. Nesse quesito, foram citadas realizações de aulas diversificadas e diferenciadas, de viagens de estudo, de atividades de incentivo à leitura e o uso das novas tecnologias. O uso das TICs nos processos de ensino e aprendizagem coaduna com a afirmação de Mendes e Almeida (2011, p. 53):

O currículo, dentro desse cenário, passa a ser mais dinâmico e provoca uma contextualização maior com a realidade da sala de aula, da escola e das experiências de vida dos alunos; o trabalho com as disciplinas supera o isolamento, pois é muito difícil manter o trabalho dos alunos focando apenas os conteúdos de determinada disciplina, já que as informações são variadas, os temas de estudo se tornam mais abrangentes e envolvem conhecimentos de distintas áreas, saberes da prática e do cotidiano, estratégias de aprendizagem, atitudes e valores.

Ainda, nesse aspecto, foram citadas como ações desencadeadas a realização de atividades extraclasse, de campeonatos e de jogos, o que denota a valorização das atividades desportivas que implicam a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos.

Assim como as ações desencadeadas após a divulgação do IDEB em 2009, observa-se nas ações desencadeadas após a divulgação do IDEB 2011 a coexistência de paradigmas. Se, por um lado, conforme visto anteriormente, há ações que apontam para ações atinentes a um currículo em uma perspectiva crítica, por outro, houve referência à implantação de apostilas, implantação de classes de correção de fluxo e realização de simulados para suprir defasagens. Observa-se que a prática pedagógica e avaliativa que tenha como foco o resultado das avaliações em larga escala, no caso, a Prova Brasil e o respectivo IDEB, pode caminhar na contramão das aprendizagens e da qualidade sociocultural da educação.

Considerando os dados apresentados e que constituíram a sistematização dos Quadro 1 e 2, evidenciaram-se convergências entre as ações e estratégias desencadeadas pelas escolas pesquisadas, considerando a busca de uma condição de qualidade da educação e dos processos oportunizados pela escola. Nesse sentido, com o propósito de analisar e avaliar algumas das ações e estratégias elencadas nos Quadros, estas foram organizadas em naturezas, a saber:

  1. ações/estratégias desenvolvidas com os alunos visando a processos de aprendizagem mais efetivos;
  2. ações/estratégias desenvolvidas com a equipe escolar;
  3. ações/estratégias desenvolvidas com os pais e/ou responsáveis pelos alunos.

No que se refere às ações/estratégias desenvolvidas com os alunos, evidenciou-se que a oferta e a realização de aulas de reforço escolar constituíram as ações e estratégias mais utilizadas nos municípios pesquisados. Poderíamos ousar dizer que a efetivação de reforço escolar, nas escolas, mesmo não se conhecendo os detalhes como cada escola organiza essa atividade, possivelmente, é ação que tem representado melhorias para a aprendizagem dos alunos, visto esta ser repetida após o biênio de coleta de dados e apontada como ação tomada após a divulgação do IDEB.

No que se refere às ações/estratégias desenvolvidas com a equipe escolar, evidenciou-se a preocupação das escolas e de seus profissionais com a realização da revisão da proposta pedagógica da escola e o planejamento pedagógico diário das atividades apresentadas ao aluno. Essas ações revelam uma ação reflexiva dos diferentes profissionais e demonstram que as escolas buscam refletir sobre a prática pedagógica e, ao mesmo tempo, pensar em melhorias na condução de suas atividades diárias, bem como adequar os processos de ensino.

Nesse sentido, cabe destacar esse movimento oportuno de interação e de discussão envolvendo o coletivo da escola, pois a Escola deve se constituir uma “comunidade de aprendizagem.” Segundo Flecha e Tortajada (2000, p. 34), as comunidades de aprendizagem partem de um conceito de educação integrada, participativa e permanente. Integrada, porque se constitui na ação conjunta dos componentes da comunidade educativa com a intenção de oferecer respostas às necessidades educativas de todos os alunos. Participativa, porque depende da correlação entre o que ocorre na sala de aula, em casa e na rua. Permanente, porque, em virtude dos avanços do conhecimento, o indivíduo requer uma formação contínua. Se os processos educativos possuem um caráter contínuo e permanente, as aprendizagens dos indivíduos não podem se reduzir às que ocorrem na escola, por isso, o ambiente familiar e social das pessoas possui papel essencial em sua formação.

Outra ação e estratégia evocada pelos participantes e que converge nos dados relativos a 2009 e 2011 se refere a “Levantar elementos junto à comunidade para subsidiar o planejamento do ensino/Conhecer mais sobre os educandos e seus familiares/Traçar coletivamente metas considerando as dificuldades de aprendizagem”; “Implementar projetos de trabalho/dificuldade de aprendizagem”. O planejamento e o encaminhamento dessas questões demandam dos profissionais envolvidos a valorização dos conhecimentos e saberes do cotidiano dos alunos, considerando-os pré-requisitos para os processos do aprender, e a possibilidade da organização de projetos interdisciplinares. Mangini e Bianchetti (2014), no artigo Três perspectivas de análise dos saberes: multidisciplinaridade e interdisciplinaridade, enaltecem uma perspectiva transformadora dos processos de conhecimento, promovendo o diálogo entre os saberes e não a sua fragmentação.

Nesse sentido, os autores ressaltam a compreensão de Santos (1941 apud MANGINI; BIANCHETTI, 2014), que enfatiza que para alcançar a justiça e a democracia entre os saberes, é preciso desenvolver ações que reconheçam, respeitem e tolerem os saberes populares e, sobretudo, que promovam o diálogo e o intercâmbio visando à construção de novas racionalidades. Assim, entende-se que a perspectiva transformadora se inclina mais para a horizontalidade entre essas formas de saber, embora, em última instância, defenda um nível de senso comum mais elaborado e aprimorado com o auxílio do conhecimento científico.

O diferencial da perspectiva transformadora é que, por meio dela, se percebe, no conhecimento comum, o seu potencial para conduzir (ou inibir) mudanças nas esferas política, econômica, social e cultural. Por isso é um conhecimento que não pode ser ignorado. É possível aventar que a relação desse conhecimento com a ciência é diferente da relação com a tecnologia, de cuja mediação espera-se a solução de problemas práticos. O educador, comumente, é desafiado a dialogar com esses saberes ou até mesmo integrá-los, de modo a estabelecer acordos provisórios e promover as mudanças necessárias. Não é tarefa fácil, pois é preciso proceder sem desrespeitar o saber popular e sem impor o saber técnico. (MANGINI; BIANCHETTI, 2014, p. 94).

No que se refere às ações/estratégias desenvolvidas com os pais e/ou responsáveis pelos alunos, considera-se importante destacar a ação ou estratégia explicitada por mais de uma escola e que diz respeito à inter-relação entre a escola e a família. As seguintes ações foram assinaladas: “Conhecer mais sobre os educandos e seus familiares”, “Realizar reuniões com pais para tratar sobre a aprendizagem dos alunos”, e “Interagir com os pais em favor da aprendizagem”. Por meio dessas ações e estratégias, evidencia-se a necessidade de aproximação entre escola e família; de intensificar, por meio de ações efetivas, a interação dos responsáveis pelo aluno, de modo que se envolvam e participem do processo educativo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o objetivo com este artigo em que se buscou identificar as ações e estratégias no que se refere à prática pedagógica implementada pelas escolas enquadradas na amostra da investigação realizada, com o propósito de analisar, por um lado, a diversidade e a natureza das ações e estratégias referentes à promoção de uma educação de qualidade no Ensino Fundamental, e, por outro, as potencialidades das medidas adotadas, evidenciou-se a impossibilidade de medir, efetivamente, se as ações e estratégias implementadas pelas escolas implicaram a qualidade educacional. É possível afirmar, no entanto, que o fato de a escola ter se proposto a pensar sobre ações e estratégias possíveis de serem realizadas se configura uma atitude que tem potencial à melhoria dos processos educacionais e que, por consequência, poderá resultar em melhorias qualitativas e quantitativas para a aprendizagem dos alunos ou mesmo para o bem-estar dos profissionais que atuam na escola.

Emerge, porém, um alerta para que as ações e estratégias desencadeadas, visando às práticas pedagógicas que contribuam para os processos de ensino e aprendizagem, não se limitem aos resultados da Prova Brasil e do correspondente IDEB, mas, ao contrário, sejam reflexo de uma construção coletiva que se estabeleça no interior das escolas, a partir de problematizações que considerem, sim, os resultados das avaliações externas, sem, no entanto, se restringir a eles, considerando-se os indicadores meramente quantitativos. A articulação desses resultados aos resultados das avaliações de aprendizagem e da autoavaliação constitui um caminho para se pensar ações e estratégias que incidam nas práticas pedagógicas, visando à melhoria da qualidade da educação.

A qualidade deverá ser, não apenas científica, mas também pedagógica e democrática — e a avaliação destas qualidades não se pode resumir à aplicação de testes estandardizados ou a outras formas idênticas de avaliação externa. Por isso, ao contrário do que, por vezes, nos fazem crer, a adopção de certos dispositivos de avaliação externa (sobretudo os que são exclusivamente baseados em indicadores quantificáveis e mensuráveis) não contribuirá para a tão propagandeada melhoria da qualidade do ensino, representando antes um retrocesso político e educacional injustificável quando comparado com os progressos científicos e epistemológicos que têm vindo a conduzir a avaliação para perspectivas anti-positivistas, mais complexas, pluralistas, democráticas e objectivas. (AFONSO, 2007, p. 20).

Nesse sentido, possibilitar aos pesquisados a oportunidade de se posicionarem e avaliarem o fazer da escola é uma iniciativa importante e que necessita ser replicada, pois são esses atores do contexto escolar que acompanham e vivenciam os desafios do cotidiano escolar, visando à construção de uma educação de qualidade. Quem atua na linha de frente da educação tem autoridade para falar de educação, expressar angústias, certezas e incertezas, especialmente, em se tratando de um debate sobre a melhoria da qualidade da educação. Esta, porém, não é uma tarefa fácil e desprovida de desafios, pois ora são possíveis de serem transpostos, ora se constituem obstáculos que, por vezes, necessitam ser problematizados no coletivo, de modo que se possa vislumbrar horizontes e possibilidades. E, nesse sentido, analisar as questões que envolvem a prática pedagógica desenvolvida nas escolas é muito importante, pois é a partir dos caminhos que são delineados, do esforço por um percurso teórico e prático orientador das ações escolares que se poderá obter melhores desempenhos em avaliações como a Prova Brasil, como expressão da melhoria da qualidade educacional.

Notas explicativas:

1 Pesquisa Indicadores de qualidade do ensino fundamental na mesorregião oeste de Santa Catarina: estratégias e ações na rede pública municipal de ensino (2010-2014), do Programa de Pós-Graduação em Educação/Mestrado em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina (PPGE/Unoesc), vinculada ao Programa Observatório da Educação/Capes. Parceria entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD)/MEC. Edital n. 38/2010/CAPES/INEP, de 24 de junho de 2010.

2 Artigo publicado nos Anais da XI Anped-Sul, em 2012, escrito com base nos relatórios de acompanhamento da Prova Brasil/Saeb 2011, elaborados a partir da composição de sete equipes que realizaram a cobertura da aplicação da Prova Brasil/Saeb 2011, em 18 municípios da mesorregião Oeste de Santa Catarina, distribuídas da seguinte forma: Equipe 1: Calmon, Ibiam e Videira, Equipe 2: Joaçaba e Vargem Bonita, Equipe 3: Formosa do Sul, Caxambu do Sul, Lindóia do Sul e Concórdia, Equipe 4: Itapiranga, Dionísio Cerqueira e São Miguel do Oeste, Equipe 5: Palmitos e Santa Terezinha do Progresso, Equipe 6: São Lourenço do Oeste, Galvão e Entre Rios.

3 Apontaram ações neste eixo, 11 municípios, totalizando 28 ações, que são apresentadas no Quadro 1.

4 Apontaram ações neste eixo, 15 municípios, totalizando 47 ações, que são apresentadas no Quadro 2.

REFERÊNCIAS

AFONSO, A. J. Avaliar a escola e a gestão escolar: elementos para uma reflexão crítica. In: ESTEBAN, M. T. (Org.). Escola, currículo e avaliação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

AFONSO, A. J. Estado, políticas educacionais e obsessão avaliativa. Contrapontos, Itajaí, v. 7, n. 1, p. 11-22, jan./abr. 2007.

BARRIGA, Á. D. Uma polêmica em relação aos exames. In: ESTEBAN, M. T. (Org.). Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. 3. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

DIAS SOBRINHO, J. Campos e caminhos da avaliação: a avaliação da educação superior no Brasil. In: FREITAS, L. C. (Org.). Avaliação: construindo o campo e a crítica. Florianópolis: Insular, 2002.

DOURADO, L. F.; OLIVEIRA, J. F. de. A qualidade da educação: perspectivas e desafios. Cad. CEDES, Campinas, v. 29, n. 78, p. 201-215, ago. 2009. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32622009000200004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 03 nov. 2014. 

DOURADO, L. F.; OLIVEIRA, J. F. de; SANTOS, C. A. A qualidade da educação: conceitos e definições. Série Documental: Textos para Discussão, Brasília, DF, v. 24, n. 22, p. 5-34, 2007.

ESTEBAN, M. T. Provinha Brasil: reeditando a velha confusão entre avaliação e exame. Movimento Socioeducativo Educar em Tempos Difíceis, Niterói, 2008. Disponível em: <www.msebrasil.org>. Acesso em: 22 ago. 2012.

FLECHA, R.; TORTAJADA, I. Desafios e saídas educativas na entrada do século. In.: IMBERNÓN, F. (Org.) A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

FREITAS, L. C. et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão. Petrópolis: Vozes, 2011.

LUCKESI, C. Fazer Universidade: uma proposta metodológica. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1991.

MANGINI, F. N. da R.; BIANCHETTI, L. Três perspectivas de análise dos saberes: multidisciplinaridade e interdisciplinaridade. Revista Educação em Questão, UFRN, v. 50, n. 36, p. 73-98, set./dez. 2014.

MENDES, M.; ALMEIDA, M. E. B. Utilização do laptop educacional em sala de aula. In: ALMEIDA, M. E. B.; PRADO, M. E. B. B. O. (Org.). O computador portátil na escola: mudanças e desafios nos processos de ensino e aprendizagem. São Paulo: Avercamp, 2011.

NARDI, E. L.; SCHNEIDER, M. P.; RIOS, M. P. G. Qualidade na educação básica: ações e estratégias dinamizadoras. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 39, n. 2, p. 359-390, jun. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-62362014000200003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 01 jun. 2015. 

NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Nova Enciclopédia, 1995.

SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. rev. Campinas: Autores Associados, 2011.

SOARES, M.; SEVERINO, A. J. Projetos pedagógicos a partir de uma perspectiva transdisciplinar de aprendizagem. Quaestio, Sorocaba, v. 16, n. 2, p. 269-281, nov. 2014.

VEIGA, I. P. A. Educação básica e educação superior: projeto político-pedagógico. 3. ed. Campinas: Papirus, 2004.

Recebido em 19 de julho de 2015

Aceito em 03 de novembro de 2015

Endereço para correspondência: Rua Getúlio Vargas, 2125, Flor da Serra, 89600-000, Joaçaba, Santa Catarina, Brasil; mariateresa.trevisol@unoesc.edu.br

Roteiro, Joaçaba, Edição Especial, p. 193-214. 2015