http://dx.doi.org/10.18593/r.v41i3.8547

POLÍTICAS E PROCESSOS DE FORMAÇÃO PEDAGÓGICA NO ENSINO SUPERIOR: APORTES E INFLEXÕES

POLICIES AND EDUCATIONAL TRAINING PROCESS IN HIGHER EDUCATION: CONTRIBUTIONS AND INFLECTIONS

POLÍTICAS Y PROCESO DE FORMACIÓN PEDAGÓGICA EN LA EDUCACIÓN SUPERIOR: CONTRIBUCIONES E INFLEXIONES

Edite Maria Sudbrack*

Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões de Frederico Westphalen, Líder e integrante do Grupo de Pesquisa em Educação, Professora e Pesquisadora no Departamento de Ciências Humanas

sudbrack@uri.edu.br

Janaíne Souza Gazzola**

Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões de Frederico Westphalen, Integrante do Grupo de Pesquisa em Educação, Pedagoga na Secretaria Municipal de Educação de Frederico Westphalen

sgjanaine@hotmail.com

Resumo: Neste estudo analisaram-se as políticas e as práticas de formação pedagógica oferecidas por uma Instituição de Ensino Superior, antevendo os espaços e tempos em que tal formação acontece. Argumenta-se que, diante da pluralidade de saberes que se apresentam na Educação Superior, o saber pedagógico está na mesma importância do saber da ciência específica. A pesquisa ocorreu em uma abordagem qualitativa e descritiva, valendo-se de estudo bibliográfico e análise documental. Este ensaio possibilitou compreender que a superação da cultura de omissão da necessidade de formação pedagógica para a atuação docente no ensino superior passa, necessariamente, por mudanças na concepção dos professores já atuantes em nossas universidades, bem como pela reflexão constante sobre a própria prática.

Palavras-chave: Ensino superior. Conhecimento pedagógico. Políticas institucionais de formação pedagógica.

Abstract: In this study it was analyzed the political and pedagogical training practices offered by a Higher Education Institution, foreseeing the space and time in which such training happens. It is argued that, before the plurality of knowledge that is presented in Higher Education, the pedagogical knowledge is as important as knowledge of specific science. The survey has a qualitative and descriptive approach, making use of bibliographical study and documental analysis. This test allowed us to understand that overcoming the culture of omission of the need for teaching practice in higher education goes, necessarily, by changes in the concept of teachers who already work in our universities, as well as the constant reflection on their own practice.

Keywords: Higher education. Pedagogical knowledge. Pedagogical training institutional policies.

Resumen: El estudio analiza las políticas y prácticas de formación pedagógica ofrecidos por una Institución de Educación Superior, previendo los espacios y tiempos que dicha formación se lleva a cabo. Se argumenta que, dada la pluralidad de conocimientos que se presentan en la Educación Superior, el conocimiento pedagógico se encuentra en la misma cantidad de conocimiento de la ciencia específica. El estudio se dio en un enfoque cualitativo y descriptivo, a partir de la literatura de investigación y análisis de documentos. Este ensayo nos permitió entender que la superación de la cultura de omisión de la necesidad de la formación del profesorado para la enseñanza en la educación superior implica, necesariamente, un cambio en el diseño de los maestros que ya están trabajando en nuestras universidades, así como la constante reflexión sobre la propia práctica.

Palabras clave: Educación Superior. Conocimiento pedagógico. Políticas institucionales de formación pedagógica.

1 INTRODUÇÃO: SITUANDO O TEMA E O CONTEXTO

O cenário contemporâneo, impactado pela nova dinâmica global, tem se caracterizado por rápidas e profundas mudanças. As descobertas científicas e os avanços tecnológicos, a todo o instante, surgem surpreendentes trazendo revelações no campo da Ciência, afirmando a capacidade pensante do ser humano dentro do paradigma da incerteza que nos assola nesses novos tempos. O desafio da universidade inserida nesse espaço acadêmico é o de desenvolver habilidades e competências para assim dinamizar sua capacidade de transformação e, posteriormente, evidenciar-se nos movimentos da história que a convoca a se posicionar frente às transformações.

Presencia-se, com efeito, a uma voraz aceleração histórica, mutante, desencadeando necessidades de reconhecimento de novos espaços de atuação institucional e, ainda, do perfilamento dos profissionais que estão inseridos institucionalmente, a fim de que tais sujeitos possam ser mediadores da prática pedagógica transformadora.

A universidade ocidental, instituição cujos objetivos de formação humana, social, cultural e política têm mantido perenidade, confronta-se com uma situação complexa, tributária, de um número cada vez maior de exigências que lhe são impostas, ao mesmo tempo que se reduzem as políticas de financiamento público. Envolta por uma multiplicidade de papéis e de contradições entre suas inúmeras demandas sociais, assiste-se a uma tripla crise de seus propósitos, como crise de hegemonia, de legitimidade e crise institucional (SANTOS, 1997). A gestão das tensões produzidas pela tripla crise da universidade é complexa. Segundo Santos (1997), a crise de hegemonia, de legitimidade e a crise institucional ganham corpo nos últimos 20 anos e permanecem no cenário contemporâneo; cumpre refletir sobre tal pano de fundo.

No que se refere à crise de hegemonia (SANTOS, 1997), sabe-se que há algum tempo a universidade não é o único lugar de produção de conhecimento científico. Por vezes, não há sintonia entre o conhecimento produzido e as demandas sociais. A crise de hegemonia leva a repensar as relações entre educação e trabalho suplantando a dualidade entre cultura geral e formação profissional. Questiona-se a própria sequência entre educação e trabalho, já que a exacerbada transformação do processo produtivo faz com que a educação não seja mais anterior ao trabalho, mas funde-se com ele para ser simultânea. Ainda, nessa relação entre educação e trabalho impõe-se o desafio de atender à formação profissional que as IESs já não têm controle, eis que se multiplicam organizações e instituições mais flexíveis as quais ofertam formação profissional cada vez mais volátil.

Vive-se um tempo em que é preciso atender às amplas camadas da população e à sua heterogeneidade, instalando-se a crise de legitimidade da universidade, modificando sua função tradicional de atender a um grupo social de melhor condição econômico-social. Com efeito, a busca pela universidade não ocorre somente pelo acesso ao conhecimento, mas também pelo desejo de democracia e maior igualdade, inclusive apoiado no Brasil por Políticas Públicas, como o Programa Universidade para Todos (Prouni), o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), entre outras.

A crise da institucionalidade universitária no cenário de um Estado regulador subtrai a autonomia das universidades. Dessa forma, os processos de avaliação da educação superior induzem currículos, organização acadêmica e gestão dos processos.

Pressionada por tais condicionantes, a atuação universitária exige arrojo de estratégias planejadas em médio e longo prazos. Embasados nessa afirmação, há que presentificar o tempo de transição em que se vive, que é um tempo de transição paradigmática. Entre os enfrentamentos inadiáveis exige-se a aplicação da ciência com responsabilidade social, respeito à vida, ao ambiente, com o olhar projetado para o futuro. Conforme Santos (1997, p. 223), “[...] só o longo prazo justifica a Universidade no curto prazo.” Tal contingência impõe à universidade a tarefa de refletir sobre si mesma, até a radicalidade. As atividades de ensino, pesquisa e extensão nessa lógica se consorciam e se aprofundam para não apenas ensejarem respostas, mas serem capazes de pronunciar questionamentos e críticas ao contexto vivido. Em tal cenário, surge a complexidade da atuação docente no ensino superior.

No contexto da crise de identidade esse ensaio objetiva contribuir com a reflexão sobre tal problemática, situando o saber pedagógico no conjunto dos saberes necessários ao docente do ensino superior. Inscreve-se em uma abordagem qualitativa e descritiva, valendo-se de estudo bibliográfico e análise documental. A construção do caminho metodológico, com vistas ao desvendamento da problemática, baseia-se na convicção de que os saberes docentes são plurais e, portanto, o saber da ciência pedagógica está na mesma importância do saber da ciência específica. Tal convicção demarca-se pelos pontos de vista teóricos que sustentam a área da formação pedagógica de professores no Brasil e no exterior, pelo contexto de crise identitária e pelos pontos de vista que foram eleitos como válidos para essa proposta.

A necessidade de formação permanente, enquanto ideia que transcende a etapa escolar e os conteúdos usuais da formação acadêmica, revela-se uma perspectiva universal. Muitos organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) veiculam a importância da formação contínua, por conta de várias exigências do setor produtivo, do impacto das novas tecnologias e da competitividade internacional. Assim, a cultura da formação parece florescer em todas as áreas, atingindo também a formação pedagógica docente.

Em que pese o discurso consensual sobre a importância da formação nas áreas das ciências específicas, o aspecto pedagógico da formação do professor no ensino superior não parece usufruir do mesmo espaço e da importância que os conteúdos específicos. Com efeito, a docência no ensino superior esteve vinculada ao domínio de conhecimentos e experiências profissionais específicas. Nesse sentido, essa proposta entende que, além do domínio do saber da ciência específica, o docente precisa assimilar conceitos de aprender-ensinar, gestão e currículo, compreender a relação professor-aluno, aluno-aluno, entre outros. A partir dessa compreensão, o estudo analisou como uma Universidade busca práticas e políticas que contribuem com o desenvolvimento da competência pedagógica de seus docentes.

Nessa perspectiva, Morin (2002) propõe uma reflexão fundamental à Universidade: se a palavra de ordem é avançar, certamente não se pode fazê-lo sem que haja consciência de que é preciso olhar o mundo de modo diverso daquele que se praticou até agora; um olhar que impossibilita uma visão mais global do que é essencial. A vivência da fragmentação do conhecimento conduz ao esfacelamento de uma visão totalizante de mundo, rompendo com o entendimento pleno sobre a dialogicidade entre o passado, o presente e o futuro.

Desse modo, um dos grandes desafios atuais da Universidade é compreender a complexidade das relações que constituem seu entorno (espaço local) e o mundo (espaço global), em uma clara busca de recomposição do todo. A complexidade que se impõe como desafio é aquela que conduz ao entendimento de que “[...] os componentes que compõem o todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) são inseparáveis e que existe um tecido interdependente, interativo, interretroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes.” (MORIN, 2002, p. 14).

Nesse entendimento, a Universidade é o espaço do protagonismo, da resposta aos desafios, de novas perguntas, da produção de conhecimento de excelência. Em que pese a crise que invade o conceito de Universidade e a Educação como um todo, há que se definir o papel que lhe dará legitimidade. Santos (2004, p. 64) afirma que a Universidade deve ser pensada enquanto bem público e como parte do contexto mais amplo que envolve um projeto de país. Nesse sentido, “[...] no século XXI só há universidade quando há formação graduada e pós-graduada, pesquisa e extensão. Sem qualquer destes há ensino superior, não há universidade.”

Sobre a questão, Pimenta e Anastasiou (2010), invocando Morin (2001), refletem sobre esse momento da Universidade, em que o paradigma da pós-modernidade se impõe. Explicitam que, no momento em que vivemos, “[...] a ciência e o conhecimento, enquanto síntese (provisória) sobre o mundo por intermédio do processo de pesquisa, só terão sentido à medida que possibilitarem a compreensão e a transformação desse mundo.” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010, p. 220). A ciência pós-moderna fundamenta-se, pois,

[...] na busca pela superação do conhecimento dualista, pela revalorização dos estudos humanísticos, do conhecimento total, constituindo-se ao redor de temas. Sendo total, é, ao mesmo tempo, local, avança à medida que o objeto se amplia, alastrando-se como raízes em busca de novas e variadas interfaces. (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010, p. 220-221).

Considerado dessa forma, o conhecimento não ocorre somente pela via da razão, mas pelo diálogo, pela interação com o sensível e a subjetividade. Desse ponto de vista, não há um método, mas métodos e formas diferentes de fazer a Universidade constituir-se como tal, no campo do Ensino, da Pesquisa ou da Extensão.

2 ENSINO E PESQUISA: QUE CONHECIMENTO VALE MAIS?

A exigência de titulação do corpo docente para atuar no ensino superior desviou do foco o debate sobre os processos de aprender e ensinar na Universidade. Assim, forma-se para a Educação Básica e não para os quadros próprios da Universidade, priorizando Mestrado e Doutorado para atender às normas legais, focadas nos saberes relativos à pesquisa. Para Zabalza (2004), muitos docentes constroem sua profissionalidade docente pautados em artigos científicos que dão visibilidade acadêmica, desmerecendo a atividade docente. Não se alude que a pesquisa deva estar em segundo plano, mas é importante pontuar que os saberes da ciência específica são insuficientes para atender ao cotidiano da docência. O aspecto substantivo da qualidade traz aspectos-base para um ensino universitário também qualificado.

Segundo Veiga (2005), a profissão docente vem ultrapassando a tarefa de ministrar aulas e as funções convencionais, como ter um bom conhecimento sobre a disciplina, e saber como explicá-la, e tornando-se mais complexa com o tempo e o surgimento de novas condições de trabalho da sociedade contemporânea.

Para Formosinho e Ferreira (2009, p. 33), existem diferentes definições formais do que é ser um professor: “[...] a representação do professor como o que dá aulas tem subjacente uma representação de que ‘para ensinar qualquer um serve’ bastando para tanto expor na aula as rubricas do programa [...]” Considerando a complexidade da docência, os autores advertem: “O saber profissional não se resume a saber dar aulas, ele consiste fundamentalmente em transformar as pessoas, desenvolvendo-lhes as suas potencialidades. O professor é agente de transformação e de desenvolvimento humano.” (FORMOSINHO; FERREIRA, 2009, p. 33).

Nesse horizonte, torna-se essencial que a proposta de formação esteja fundamentada, como afirma Esteves (2008, p. 106), em uma “[...] nova visão de conjunto da formação, em concepções claras acerca das metas da aprendizagem dos estudantes e do papel e da influência do professor (esta sim, questão desafiadora e difícil).” Tal perspectiva deve ser considerada para fazer frente à complexidade do ato pedagógico e do novo perfil de aluno que ingressa na graduação.

Um dos maiores desafios, se não o maior, a ser enfrentado hoje na Formação Pedagógica é “[...] provocar os docentes para que reflitam sobre a necessidade de ultrapassar o paradigma conservador baseado na reprodução do conhecimento, na repetição e na memorização.” (BEHRENS, 2011, p. 446). Conforme apontado pela autora, a tendência a reproduzir os professores leva a um círculo vicioso e merece reflexão.

De outra parte, as inúmeras atividades que circundam a docência conduzem Zabalza (2004) a definir que aos professores universitários atribuem-se três funções principais: o ensino (docência, propriamente dita), a pesquisa e a administração em diversos setores da instituição. Além disso, cita as relações institucionais, que são entendidas como a “[...] representação da própria universidade nas inúmeras áreas me que é exigida até a criação e manutenção de uma ampla rede de relações com outras universidades, empresas e instituições buscando reforçar o caráter teórico e prático da formação e, em alguns casos, seu caráter internacional.” (BEHRENS, 2011, p. 109).

Nesse sentido, a docência universitária deve ser compreendida por meio da visão profissional, no sentido de conferir profissionalidade à ação docente. Afinal, a docência requer uma formação profissional, científica e política para o seu exercício e, principalmente, uma formação pedagógica de qualidade. É importante salientar que o professor universitário precisa ter necessariamente indissociadas a competência da ciência específica e a competência da ciência pedagógica.

Observa-se, contudo, que a formação pedagógica carece de um paradigma ancorado na prática, alicerçado no ambiente de trabalho, na perspectiva da assimilação dos saberes necessários à ação concreta, período em que se busca construir o estilo profissional, a consolidação de uma identidade, de valores e de cultura profissional. É usual durante a formação privilegiar os conhecimentos específicos deixando-se de lado outros conhecimentos também essenciais para a prática docente em sala de aula. Reflete-se que o domínio do conteúdo não é a única chave para a docência, impõe-se a necessidade de saberes que exigem uma inserção mais intensa na prática, tornando-se objeto de estudo, pesquisa e reflexão.

Ao se analisarem os saberes profissionais dos professores, vale ressaltar que os saberes mobilizados e colocados em prática referem-se a saberes em sentido amplo, os quais retratam competências, habilidades, atitudes, “disposições” (NÓVOA, 2009), saber-fazer. Para Tardif (2002), quando os docentes apontam os saberes: “[...] eles falam do contato da matéria e do conhecimento relativo ao planejamento das aulas e a sua organização [...] referem-se aos princípios educacionais [...], salientam diversas habilidades e atitudes.”

Advoga-se, sobremodo, que é no cotidiano das atividades que os professores vão tecendo práticas, por vezes, contraditórias, de concepção da docência. As possibilidades concretas das práticas curriculares vêm sendo transformadas conforme a turma na qual os docentes atuam e, também, a experiência que vêm acumulando. É nesse contexto que sua identidade profissional vai ganhando forma. Vale dizer que os docentes vão integrando a profissão, a qual está em constante processo de revisão dos significados sociais. O processo de identidade profissional engloba não somente essa construção, mas, também, os saberes necessários para o exercício da docência. Em vista disso é coerente o reconhecimento de alguns saberes essenciais para a formação da identidade profissional do professor. Entre os aspectos fundamentais do ensino, os autores remetem aos saberes existenciais, sociais e pragmáticos (TARDIF; RAYMOND, 2000), todos a um só tempo. No que se refere aos saberes da experiência, que são aqueles saberes que se carregam desde a experiência de alunos até chegar à Universidade, inscreve-se o conjunto das experiências de vida, envolvendo a percepção em suas práticas cotidianas. Tais concepções são construções que retratam histórias de vida, ou como refere Nóvoa (1992), “[...] o professor é pessoa.” Assim, o aspecto cognitivo do professor é discursivo e narrativo. A história de seu saber-ensinar configura-se, por vezes, a partir das experiências profissionais e pessoais que lhe foram significativas.

Nessa perspectiva, os fundamentos do ensino são, também, sociais, considerando sua pluralidade e as várias fontes na quais eles se constituem como família, escola, Universidade, envolvendo tempos vividos enquanto alunos, tempos de formação profissional, de ingresso na carreira. Para Tardif e Raymond (2000, p. 12), “[...] a consciência profissional de professores não é um reservatório de conhecimentos no qual ele se abastece conforme as circunstâncias.” Os autores enfatizam que há saberes externos à sua prática, como os saberes adquiridos na formação profissional, os saberes da ciência da educação e os saberes de colegas de profissão. Para fazer uso de tais saberes, impõe-se uma relação social, uma rede de interação com esses sujeitos.

Justificando a importância da formação pedagógica para o docente do ensino superior, Garcia (1999) sublinha que tanto a formação inicial pedagógica quanto o desenvolvimento dos professores universitários requerem uma política global da Universidade que dignifique e valorize as funções docentes como fundamentais para se alcançar a excelência. Isso justaposto, julga-se necessário analisar as políticas que foram implementadas em âmbito institucional para a dimensão pedagógica docente.

3 FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO: UMA OMISSÃO CONSENTIDA?

Embora muitos sejam os autores que buscaram e buscam atentar para a necessidade de que a formação pedagógica fosse oferecida aos docentes universitários de modo mais sistemático, tal situação permanece praticamente inalterada até hoje. De acordo com Pachane (2004), Rui Barbosa, em um balanço da educação imperial, criticava a situação em que se encontrava o ensino superior brasileiro, especialmente no Direito. Em seu parecer, de 1882, mencionava que havia necessidade de “[...] uma reforma completa dos métodos e dos mestres.” (RIBEIRO JÚNIOR, 2001, p. 29).

Referências à necessidade de formação em nível de pós-graduação podem ser encontradas em documentos da década de 1930, ainda que tenha sido somente a partir da década de 1950 que tais programas começaram a ser ofertados de modo mais sistemático, obedecendo a padrões mais rigorosos (BERBEL, 1994; MARAFON, 2001). Considerando que o incentivo à pós-graduação solucionasse a carência de mão de obra especializada para as universidades – e diferentes setores da sociedade – a docência continuava a ser negligenciada. Como ressalta Berbel (1994), a partir da década de 1970 observou-se grande avanço quantitativo nas ações voltadas para a formação de professores universitários. No entanto, esse processo também não pode ser considerado satisfatório em termos de formação pedagógica.

Segundo Marafon (2001, p. 72), a formação de professores universitários é uma preocupação presente desde o I Plano Nacional de Pós-Graudação (PNG), elaborado em 1974, porém foi somente no Plano Nacional de Graduação, aprovado em 1999 no XII Fórum Nacional de Pró-reitores de Graduação das Universidades Brasileiras (Forgrad), que se expressou a qualidade da formação desejada:

A pós-graduação precisa integrar à sua missão básica de formar o pesquisador a responsabilidade de formação do professor de graduação, integrando, expressamente, questões pedagógicas às que dizem respeito ao rigor dos métodos específicos de produção do saber, em perspectiva epistêmica.

Recentemente, os programas de pós-graduação passaram a inserir o “Estágio de Docência” em seus currículos, porém não sendo obrigatório, apenas para os bolsistas.

Apesar de a discussão em torno da necessidade de formação pedagógica do professor universitário ter se ampliado, percebe-se que ainda restam parcelas da comunidade acadêmica e indivíduos responsáveis pelas políticas educacionais nacionais que entendem o preparo pedagógico para o exercício da docência como algo supérfluo. É válido mencionar que a legislação educacional brasileira é omissa em relação à formação pedagógica do professor universitário.

O primeiro projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), apresentado por Octávio Elísio à Câmara dos Deputados em Brasília, em 1988, estabelecia, em seu artigo 54, que as condições para o exercício do magistério no ensino superior seriam “[...] regulamentadas nos Estatutos e Regimentos das respectivas instituições de educação de 3º grau.” (SAVIANI, 1998, p. 49). Já no primeiro substitutivo, segundo Pachane (2004), apresentado por Jorge Hage, o texto foi modificado, estabelecendo a preferência de que essa formação se acontecesse em programas de mestrado e doutorado. Ao mesmo tempo que esse projeto circulava pela Câmara, o então senador Darcy Ribeiro apresentou novo projeto integral da LDB em que propunha: “Art. 74 – A preparação para o exercício do magistério superior se faz, em nível de pós-graduação, em programas de mestrado e doutorado, acompanhados da respectiva formação didático-pedagógica, inclusive de modo a capacitar o uso das modernas tecnologias do ensino.” (SAVIANI, 1998, p. 144).

Ficava evidente a preocupação com a formação pedagógica do professor universitário, diferenciando-se das propostas anteriores, chegando à minúcia de detalhar a necessidade de capacitação para o uso de modernas tecnologias de ensino. O parágrafo único assegurava o direito ao exercício do magistério a pessoas de “notório saber”. Embora defendesse a necessidade de preparação pedagógica para os futuros professores, sua proposta descartava a necessidade de que essa formação fosse complementada por atividades práticas: “Art. 65 – a formação docente, exceto para o ensino superior, inclui prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas.” (SAVIANI, 1998, p. 144).

A explicitação de todo o processo de consolidação da LDB mereceria um estudo aprofundado, propósito que transcende a este ensaio. Cabe, entretanto, mencionar que uma das críticas dirigidas aos diversos projetos e substitutivos da LDB ressaltava que, para uma legislação de sua abrangência, o texto continha muitos detalhes, alguns dos quais irrelevantes e que poderiam ser omitidos, deixando para as instâncias competentes a sua regulamentação. Assim, em um processo de “enxugamento” – além das possíveis pressões feitas por diversos setores da sociedade – entre os cortes de “detalhes desnecessários”, omitiu-se do texto final da LDB a necessidade de formação pedagógica do professor universitário: Art. 66 – “A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.” (BRASIL, 1996, p. 23).

Como observam Pimenta e Anastasiou (2010, p. 40), a Lei não concebe o processo de formação para a docência no ensino superior como tal, mas apenas como preparação para o exercício do magistério, preparação esta que – resumida à titulação acadêmica ou notório saber – reflete, e termina por sedimentar, a “antiga” crença de que para ser professor basta o conhecimento aprofundado de determinado conteúdo, desconsiderando pesquisas nacionais e internacionais sobre a importância da formação para a docência na educação superior.

Sem amparo legal, a formação pedagógica dos professores universitários fica, pois, a cargo dos regimentos de cada instituição responsável pelo oferecimento de programas de pós-graduação. Sobre essa discussão, a próxima seção do texto se debruça em conhecer as políticas de formação pedagógica da Universidade, locus da pesquisa.

4 POLÍTICAS PARA A DIMENSÃO PEDAGÓGICA: A FORMAÇÃO NOS DOCUMENTOS INSTITUCIONAIS

Diante da análise apresentada acerca das políticas de formação pedagógica oferecidas pela Universidade pesquisada, torna-se importante considerar a dimensão processual da formulação das políticas. Atenta-se que a construção de políticas públicas não depende somente de processos associados às trajetórias institucionais específicas, mas possui, igualmente, uma dinâmica própria. A produção de políticas inicia-se com a identificação de um problema e a construção de uma agenda. Nesse sentido, a tomada de decisão não representa o ponto de partida das políticas públicas. Ela é precedida de ações, disputas e processos de negociação. Assim,

[...] a construção de uma agenda é um processo cognitivo que envolve diversos atores e, em virtude disso, a análise de políticas demanda levar em consideração uma multiplicidade de aspectos, tais como: a estrutura social; o contexto econômico, político e social no qual as políticas são formuladas; as forças políticas; e a rede de influências que atuam no processo de formulação de políticas e de tomada de decisões nas diferentes esferas. (MULLER, 2000; SUREL, 2002; MULLER, 2004 apud MAINARDES, 2009, p. 10).

Considerar esse conjunto de influências implica atentar para o fenômeno da globalização em toda a sua complexidade, a influência das agências multilaterais, as arquiteturas político-partidárias nacionais e locais, bem como a influência de indivíduos, grupos e redes políticas (LINGARD; OZGA, 2007; BALL, 1994 apud MAINARDES, 2009). De acordo com Dias e Matos (2012, p. 79) a implementação de uma política configura-se em uma etapa fundamental porque é nela que a política, até então quase feita exclusivamente de discursos e de palavras, transforma-se em fatos concretos, ou seja, “[...] é a continuação da luta política com outros meios e cenários diferentes.”

Para o desenvolvimento da pesquisa foi realizada a consulta a documentos legais da Universidade em estudo, como o Projeto Político-Pedagógico Institucional (PPI), o Plano de Desenvolvimento Institucional 2010-2015 (PDI) e o Plano de Gestão 2010-2014. Tais documentos revelam diretrizes que regem o desenvolvimento da Universidade em todos os seus aspectos. O PPI apresenta uma política de qualificação da Universidade em questão, visando ao desenvolvimento humano, acadêmico e qualificado de pessoas, oportunizando a participação, a integração social, as práticas de cooperação e os avanços científicos e tecnológicos. Além disso, prevê a formação contínua e permanente de pessoas solidárias e comprometidas com a visão institucional, bem como a melhoria da qualificação dos professores atuantes nos vários departamentos da Instituição.

Conforme apontado no PDI 2010-2015, no que se refere à formação pedagógica de seus professores, lê-se que:

A oferta de programas permanentes de capacitação pedagógica será oportunizada aos docentes dos diferentes cursos, e visará atender aos padrões de qualidade estabelecidos na legislação [...], bem como objetivará difundir novas formas de gestão em sala de aula, tendo em vista as atuais demandas da sociedade e o perfil de egresso que se deseja. (UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES, 2011, p. 43).

Como se visualiza, há no Plano de Desenvolvimento Institucional 2010-2015 da Universidade uma menção à dimensão pedagógica, ainda que não explicite as formas de realização, as quais serão definidas no Plano de Gestão.

Nesse mesmo quesito, o Plano de Gestão 2010-2014 introduz algumas estratégias de formação pedagógica, considerando uma política de formação e qualificação. Nessa perspectiva, destaca a qualificação docente por meio da oferta de programas de aperfeiçoamento didático-pedagógico e profissional, com vistas à implementação de um núcleo de apoio pedagógico para os docentes e à criação de programas de capacitação para a melhoria do desempenho pedagógico dos docentes.

Além desses programas, visa à ampliação de intercâmbios com outras instituições para a qualificação do corpo docente em programas de pós-graduação. Descreve, ainda, o compromisso de formar profissionais criativos e empreendedores, capazes de inovar e criar novos conhecimentos e responder às necessidades surgidas, de forma rápida, criativa e competente. Evidenciam-se, nos documentos legais que regem o funcionamento da Universidade, espaços-tempos de formação pedagógica com a existência de planos e programas que abordam a formação pedagógica dos seus docentes. Tais planos e ações concretizam-se à medida que são oportunizadas diferentes alternativas para a busca e a construção do conhecimento pedagógico, que se torna fundamental para uma prática e um ensino universitário de qualidade (SUDBRACK, 2006).

Entende-se a necessidade de que os programas sejam organizados buscando atender às diferentes demandas expressas por cada professor (dimensão individual), por um grupo de professores (dimensão grupal), ou por toda uma instituição (dimensão institucional). Dessa maneira, a formação pedagógica não se limita ao desenvolvimento dos aspectos práticos (didáticos ou metodológicos) do fazer docente, porém engloba dimensões relativas a questões éticas, afetivas e político-sociais envolvidas na docência.

Aproximando o conceito acerca da formação pedagógica no ensino superior, destaca-se o conhecimento pedagógico, que pode ser entendido por, pelo menos, duas vias: a orientação pedagógica compreendida aqui como um conjunto de formas de intervenção didática, desenvolvidas pelos professores na prática cotidiana a partir de seus conhecimentos sobre a matéria a ser desenvolvida e o modo de ensiná-la; e o papel do professor que tem implicação direta na forma de apropriação da sua função de mediador e organizador das situações de ensino (PÉREZ GÓMEZ, 1997; MOLL, 1996; BOLZAN, 2001, 2002a, 2002b).

Logo, considera-se que as trajetórias pessoais e profissionais são fatores definidores dos modos de atuação do professor, revelando suas concepções sobre o seu fazer pedagógico. Dessa forma, a construção do ser professor é coletiva, faz-se na prática e no exercício da ação cotidiana, nesse caso, na Universidade. Dito de outra forma:

É uma conquista social, compartilhada, pois implica em trocas e representações. Assim, as formas mais úteis de representação das idéias, as analogias, ilustrações, exemplos, explicações e demonstrações, a maneira de representar e formular a matéria, para torná-la compreensível, revela a compreensão do processo de ensinar e aprender pelo professor. (ISAIA; BOLZAN, 2004, p. 4).

Nesse sentido, o domínio desses aspectos é fundamental na construção do conhecimento pedagógico pelo professor. Por conseguinte, em conformidade com as contribuições dos autores (id.), quando o docente se coloca como alguém que também aprende com os seus alunos, compreendendo seus modos de construção e suas “rotas cognitivas”, pode-se afirmar que ele está ativando sua própria identidade pedagógica. Sabe-se que “[...] esta construção é assimétrica, mas está presente em cada proposição pedagógica do professor que, frequentemente, pouco reflete sobre suas formas de intervençaõ pedagógica, demonstrando alguma resistência [...]” (ISAIA; BOLZAN, 2004, p. 4).

Conforme assinala Perrenoud (1999, p. 184), “[...] a tomada de consciência depende da construção de um ‘saber analisar’, transponível a diversas situações, mas também de um ‘querer analisar’, de uma disposição à lucidez, de coragem de cutucar a ferida.” Desse modo, “[...] a reflexão não é um processo mecânico e solitário, nem um simples exercício de criação ou construção de novas ideias, que pode ser imposto ao fazer docente, mas uma prática que expressa a tomada de decisões e as concepções que temos acerca de nossa ação pedagógica.” (ISAIA; BOLZAN, 2004, p. 2).

Tal ideia corrobora o pressuposto de que os professores, induzidos pelas exigências da academia e seus órgãos reguladores, consideram que a docência depende da sua qualificação como pesquidadores, oferecida pelos cursos de pós-graduação, bem como por sua produção científica. Nessa perspectiva, “[...] a pesqusia é priorizada no contexto do ensino superior, [...] sendo o ensino pouco valorizado, entendido como secundário, envolvido apenas com a transmissão de conhecimentos.” (SANTOS, 1997; CUNHA, 2001 apud ISAIA; BOLZAN, 2004, p. 3).

Todo esse processo exige alguma transformação, o que implica a apropriação dos conhecimentos prévios dos professores, conhecimentos pedagógicos, apreendidos na formação e sua relação com a prática pedagógica (o conhecimento da prática, tanto quanto o conhecimento mediado pela prática), desenvolvida no cotidiano da Universidade. “Há uma interação dialética entre esses conhecimentos que se referem a uma compreensão mais profunda do que pode ser considerada a base da competência do indivíduo num domínio específico.” (ISAIA; BOLZAN, 2004, p. 3).

Faz-se imprescindível que os docentes reflitam sobre ensinar e aprender, relacionando-os às suas experiências e, especialmente, à sua formação profissional, o que exige refletir sobre quem ensina e quem aprende no processo de formação. Em outras palavras:

As crenças e concepções teóricas implícitas que os professores têm acerca de seu fazer pedagógico podem sinalizar a maneira como eles processam as informações e como percebem as formas de intervenção didática, como marco de referência para sua prática, construindo seu conhecimento pedagógico de forma compartilhada. (ISAIA; BOLZAN, 2004, p. 4).

Torna-se interessante, pois, conhecer o local de encontros e desencontros, de possibilidades e limites, de atividade e reflexão, de interação e mediação nessa construção que, segundo Isaia e Bolzan (2004), não é unilateral, mas acontece à medida que compartilhamos experiências, vivências, crenças, saberes, etc., em uma “[...] ciranda que não se esgota, ao contrário, se dedobra, se modifica, se multiplica, revela conflitos e se amplia.” (BOLZAN, 2001, 2002a, 2002b apud ISAIA; BOLZAN, 2004, p. 7).

Com efeito, compreender o processo de construção de conhecimento pedagógico compartilhado é tão fundamental quanto compreender o aprender a aprender, o que equivale a ser capaz de realizar aprendizagens, em diferentes situações e contextos que favoreçam a aquisição de estratégias cognitivas, considerando-se as condições individuais de cada sujeito na sua interação com os demais. Esse processo implica trocas cognitivas e socioculturais entre ensinantes/aprendentes, sendo possível destacarem-se elementos a serem considerados pelos professores, ao longo de suas trajetórias de formação.

Nessa direção, Fernandes (2000) propõe repensar a prática pedagógica a partir de um ensinar e de um aprender vinculados à dúvida, própria à pesquisa, e à leitura da realidade, relativa à extensão. Desse modo, as três funções básicas da Universidade, ou seja, ensino, pesquisa e extensão, estando intrinsecamente relacionadas, possibilitam uma educação superior de qualidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos realizados, ainda que de forma incipiente, induzem à possibilidade de novos questionamentos, entre os quais:

  1. é possível que a avaliação da qualidade docente do professor universitário em âmbito nacional possa ser realizada de modo a envolver critérios que não digam respeito apenas a elementos quantitativos de sua produção acadêmica?
  2. os programas obrigatórios de preparo para a docência universitária têm conseguido atingir os objetivos a que se propõem?
  3. haveria necessidade de alteração no modo como é feita a seleção de novos docentes?
  4. considerando a relevância do papel do professor do ensino superior, de que maneira poderia ser feita sua preparação para assumir o acompanhamento da formação pedagógica dos futuros professores?

Os resultados do presente trabalho deram pistas para responder a tais indagações, que permanecem, entretanto, ainda em aberto, como convite à continuidade das discussões aqui apresentadas.

A partir dessa compreensão, é possível concluir afirmando que, por meio de estudos posteriores, as características necessárias aos professores universitários extrapolam – e muito – os limites do conhecimento aprofundado da matéria e a aquisição de habilidades necessárias à pesquisa, o que leva a argumentar em favor da formação pedagógica do professor universitário.

Com a devida cautela, pode-se até sugerir que, permanecendo o processo de mudanças na educação superior na mesma intensidade com que vem se apresentando nas últimas décadas, a formação pedagógica dos professores universitários poderá, muito brevemente, constituir-se como critério obrigatório para o ingresso no magistério superior, seguindo-se ao que ocorreu historicamente com a formação dos professores para os ensinos fundamental e médio (GARCIA, 1999).

Porém, a grande incógnita ainda está em compreender que essa formação não pode ocorrer de qualquer maneira, nem se limitar aos aspectos práticos (didáticos ou metodológicos) do fazer docente, devendo englobar dimensões relativas às questões éticas, afetivas e político-sociais envolvidas na docência. Deve, portanto, fundamentar-se em uma concepção de práxis educativa e do ensino como uma atividade complexa, que demanda dos professores uma formação a qual supere o mero desenvolvimento de habilidades técnicas ou, simplesmente, o conhecimento aprofundado de um conteúdo específico de uma área do saber.

A intencionalidade política expressa no PDI 2010-2015 e nos demais documentos da Universidade caminha para programas organicamente articulados, com destaque para iniciativas focadas nas Direções Acadêmicas dos Campi da Universidade e no Departamento de Ciências Humanas, que propõem Núcleos de Apoio Pedagógico, já institucionalizados, mas não universalizados para a Instituição no seu conjunto, bem como em nível institucional, como as da Pró-reitoria de Ensino (Proen).

Nesse contexto, com propósitos semelhantes, registra-se como evolução a Resolução n. 1713/CUN/2012, a qual institui o Programa Institucional de Formação de Docentes/Gestores e de Técnico-administrativos da Instituição. Com essa aprovação, objetiva-se institucionalizar o processo formativo do docente/gestor a ser desenvolvido de forma contínua e sistemática, com vistas a garantir a qualidade educativa. Diante dessas considerações, faz-se pertinente mencionar que tal formação continuada está desenhada a partir de cinco eixos principais, sendo quatro deles referentes à formação de docentes/gestores, a saber: reflexão e estudos de docência universitária; indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão; reflexão, estudos e socialização das experiências dos docentes/gestores; socialização das experiências docentes e fortalecimento da ação interdisciplinar; e docência enquanto objeto de permanente estudo. Acredita-se que iniciativas como essa são propulsoras na construção dos conhecimentos pedagógicos do docente do ensino superior e na consequente qualidade educativa.

Nem sempre estão dadas as condições mais adequadas para a referida formação continuada, como carga horária, ambiente, mediação, experienciação prática, entre outros. Assim, no cotidiano das atividades, os professores vão configurando práticas, por vezes, contraditórias, que dependem de possibilidades concretas e de condições objetivas de execução. De igual forma, propugna-se a constituição coletiva de tempos/espaços de formação pedagógica, a partir do diagnóstico de necessidades, aspirações e interesses.

Urge compreender, portanto, que os planos e as ações concretizam-se à medida que são oportunizadas diferentes alternativas para a busca e a construção do conhecimento pedagógico. Nesse contexto, a superação da cultura de omissão da necessidade de formação pedagógica para a atuação docente no ensino superior passaria, necessariamente, por mudanças na concepção dos professores já atuantes em nossas universidades e pela construção de políticas para a dimensão pedagógica que fossem mais consistentes. Afinal, é por meio do corpo docente atualmente em exercício que as novas gerações de professores são formadas e as políticas institucionais são implementadas.

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Recebido em: 18 de agosto de 2015

Aceito em: 11 de setembro de 2016

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Roteiro, Joaçaba, v. 41, n. 3, p. 677-696, set./dez. 2016