http://dx.doi.org/10.18593/r.v41i2.7659

O ENSINO DE HISTÓRIA E O MANUAL DIDÁTICO DE JOAQUIM MANOEL DE MACEDO NO INÍCIO DA REPÚBLICA BRASILEIRA (1889-1940)

THE HISTORY’S TEACHING AND DIDATIC MANUAL FROM JOAQUIM MANOEL DE MACEDO AT THE BEGINNING OF THE BRAZILIAN REPUBLIC (1889-1940)

ENSEÑANZA DE LA HISTORIA Y MANUAL EDUCATIVO DE AUTORÍA DE JOAQUIM MANOEL DE MACEDO EN LA REPÚBLICA DE BRASIL (1889-1940)

Lílian Bárbara Cavalcanti Cardoso*

Integrante do grupo de pesquisa Currículo, Atividade Docente e Subjetividades, vinculado ao CNPq

Roseane Maria de Amorim**
Professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas

Rosemeire Reis***

Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Alagoas

Resumo: Buscamos, neste trabalho, compreender as origens das práticas escolares contidas no Ensino de História, por intermédio da análise do livro Lições de História do Brasil, de Joaquim Manoel de Macedo. Realizamos um estudo acerca do postulado histórico do Ensino de História, partindo do pressuposto de que a constituição da História como disciplina é de extrema importância para entendermos a persistência de certas práticas de ensino que se tornaram tradição nessa disciplina e promovem o fracasso dos alunos, que a rotulam como matéria “decorativa”. É possível afirmar que a tendência tradicional ainda é uma das abordagens do ensino contemporâneo. A perspectiva tradicional, originária da concepção positivista da história, está na prática de visualizar o passado como uma verdade absoluta e inquestionável.

Palavras-chave: Ensino de História. Identidade nacional. Manuais didáticos.

Abstract: In this paper, we seek to understand the origins of school practices contained in the History Teaching with the analysis of the book Lições de História do Brasil [Lessons of History from Brazil] by Joaquim Manoel de Macedo. We conducted a study about the historical postulate of History teaching, assuming that the constitution of history as a discipline is utmost important to understand the persistence of certain teaching practices that have become tradition in this discipline and promote the failure of students, who label it as “decorative” themes. It is possible to affirm that the traditional trend is still one of the approaches of contemporary education. The traditional view, original from the positivist history conception, is in the practice of viewing the past as an absolute and unquestionable truth.

Keywords: History teaching. National identity. Didactic Manual.

Resumen: Buscamos, en este trabajo, entender los orígenes de las prácticas escolares contenidos en la Enseñanza de la Historia, mediante el análisis del libro Lecciones de la Historia de Brasil, perteneciente al autor Joaquim Manoel de Macedo. Hicimos un estudio de la asunción histórica de la Enseñanza de la Historia, a historia de la historia es muy importante para la reflexión sobre las prácticas que se han convertido en tradición. Esta práctica ayuda a promover el fracaso escolar y la idea de que la historia es una disciplina decorativa. Es posible encontrar en las escuelas prácticas de enseñanza de la historia tradicional vinculados al método positivista, en esta vista el pasado es incuestionable y reconocida como verdad absoluta.

Palabras clave: Enseñanza de la historia. La identidad nacional. Manual educativo.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho se insere no âmbito da história disciplinar, estando alinhado aos esforços investigativos norteados para o ensino de História no Brasil. A proposta é tentar realizar uma reflexão acerca do processo histórico que envolve a disciplina de História, tomando como pressuposto a concepção de que o passado não se limita a mostrar como era antes e como é hoje, ou que ele nos concederá todas as respostas necessárias para resolver os problemas atuais, como uma espécie de oráculo. Os estudos históricos permitem, na verdade, entender as continuidades e descontinuidades presentes no universo da sala de aula, e os estudos do currículo escolar consentem um mergulho na caixa preta da escolarização de outras épocas, mais próximo da realidade, desconstruindo a perspectiva de construção do passado em que se parte da análise de documentos oficiais pautados em fatos, datas, tempos cronológicos e personagens heroicos ligados à educação e que pouco promove a mediação de certas práticas que se tornaram tradição na escolarização.

Parte-se, em princípio, da constatação de que o ensino de História, por muito tempo, apresentou-se na escola brasileira não como uma disciplina específica, com material exclusivo e com metodologias próprias; ensinava-se História por meio de textos voltados para as aulas de leitura, de maneira geral, ou por manuais específicos que abordavam fatos e personagens históricos, principalmente, aqueles ligados à história sagrada de forma direta ou indireta. No século XIX o avanço da tecnologia industrial e a racionalidade científica se tornaram critérios necessários para o progresso de um país. Nesse sentido, surgiram várias ciências que procuravam o fortalecimento dos anseios da ordem e progresso que demandava uma modernização urbana material e comportamental. A História estava associada à necessidade de se desenvolverem estudos sobre a evolução das nações, que se classificavam a partir de uma escala de selvagens, bárbaros e civilizados, sendo essa última especificação o patamar máximo a ser atingido, pois estava representada pelas nações europeias, que se tornaram os modelos de países a serem seguidos. Nesse período, muitas são as interpretações dadas aos livros destinados ao ensino. O manual didático configura uma tecnologia, tanto no passado quanto no presente, que institui formas de abordagens a conteúdos, metodologias e questões ideológicas, além de ser um processo mediador entre conhecimento, professor e estudante. Os compêndios tiveram, e têm, um papel importante no Ensino de História, seja para facilitar as explicações dos professores, seja para servir de aprofundamento conceitual dos estudantes por meios das leituras realizadas.

Em termos metodológicos, nosso trabalho tem como objetivo principal analisar o ensino de História no início do século XX, tendo como base o manual didático de Joaquim Manoel Macedo. Nessa perspectiva, indagamos: Qual a concepção de história presente no manual didático Lições de História, de Joaquim Manoel de Macedo, e como as ideias de civilização estiveram presentes nesta produção?

Para responder a esse questionamento, este artigo foi organizado em dois momentos: no primeiro momento será discutido um estudo sobre o Ensino de História no passado e a importância da disciplina no processo de formação da identidade nacional. No segundo será realizada uma incursão no livro Lições de História do Brasil, de Joaquim Manoel de Macedo, para pensarmos o ensino de História no período em tela estudado.

2 A CONSTITUIÇÃO DA DISCIPLINA DE HISTÓRIA E DOS MANUAIS DESTINADOS AOS ESTUDANTES E PROFESSORES COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO NOS PRIMEIROS DECÊNIOS DO SÉCULO XX

Como foi mencionado anteriormente, o ensino de História sempre esteve presente nas escolas primárias de uma forma ou de outra, inicialmente sendo utilizado somente nas aulas de leitura. Com o decorrer dos anos do século XIX e com a organização da educação, sua importância foi ampliada com o intuito de disseminar uma história nacional e servir como instrumento pedagógico para a construção da identidade nacional. Para entender de que forma ocorreu a constituição do ensino de História como disciplina escolar, destacamos as suas origens na escolarização, desde a colônia, até os anos 1930, enfatizando seus objetivos, conteúdos, métodos e materiais didáticos.

É possível dizer, com base em estudos elaborados por historiadores da educação, que no período colonial, quando os jesuítas eram os responsáveis pela instrução brasileira, o ensino de história não tinha se constituído como disciplina escolar. Conforme Fonseca, “era por meio de historiadores da Antiguidade grego-romana que os estudantes inacianos tinham contato com a história, visando os cinco eixos definidos no Rátio Studiorum2 (FONSECA, 2006, p. 39). Após a expulsão dos jesuítas, em 1759, ocasionada pela Reforma Pombaliana, “o ensino de História aparecia como ‘estudos superiores’, em que o governo recomendava o estudo de História da Religião e das Antiguidades gregas romanas.”

A História só caminhou para se constituir uma disciplina escolar no período imperial, nos anos de 1820 e 1830, quando foi estabelecido um objetivo para os conteúdos históricos. O ensino dessa disciplina nas escolas elementares era associado ao ensino de leitura e tinha a intenção de disseminar a identidade do país recém-independente, conforme afirma Bittencourt (2005, p. 60):

A escola elementar, também denominada como primária ou “primeiras letras”, após se tornar um Estado independente e monárquico, era lugar destinado a ensinar a “ler, escrever e contar”. Os professores das escolas elementares deveriam, segundo os planos de estudos propostos em 1827, utilizar para o ensino de leitura entre outros textos “a Constituição do Império e História do Brasil”.

As autoridades exigiam que, nas aulas de leitura, fosse utilizada a Constituição do Império e História do Brasil como conteúdo, no entanto, o que se via na prática era o ensino da História Sagrada, em que a história dos heróis da pátria se misturava com a história dos santos católicos, e estes serviam como exemplos de fé, de comportamento e de caráter. Mesmo após o advento da República e a separação entre Estado e Igreja, ainda veremos a influência religiosa nos livros usados na disciplina de História, como constatado neste artigo.

Durante a segunda metade do século XIX, a necessidade de construir uma história nacional ganhou maior ênfase. Dessa forma, foi criado o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB), que tinha o propósito de construir uma identidade brasileira, a qual estava voltada para a constituição de uma nação branca e cristã, seguindo os moldes de civilização europeia. Conforme Fonseca (2006, p. 46), esses anseios civilizatórios justificavam a aprovação do projeto do branqueamento3:

Essa preocupação explica a vitória do alemão Karl Philipp Von Martius no concurso de monografias promovido pelo IHGB, sobre o melhor plano para se escrever a história do Brasil. Von Martius propunha uma história que partisse da mistura das três raças para explicar a formação da nacionalidade brasileira, ressaltando o elemento branco e sugerindo um progressivo branqueamento como caminho seguro para a civilização.

O projeto do alemão Von Martius, apesar de considerar as contribuições dos três povos que formaram o Brasil (brancos, índios e negros), tinha uma essência de hierarquização, pois destacava o branqueamento da raça como um passo para progresso. A educação serviria como meio de disseminação dessa identidade e, nesse caso, a disciplina de História foi fundamental para que esses ideais civilizatórios fossem impregnados nas cabeças das crianças brasileiras e futuros cidadãos.

A ideologia que predominava nos currículos escolares da escola primária, no final do século XIX e nos primeiros decênios do século XX, foi o positivismo pedagógico que, no ensino de História, buscou desenvolver o gosto pela História da Pátria visando à criação de um espírito nacionalista por meio de princípios, como a moral e o civismo.

As características do ensino de História no período imperial estavam associadas ao estopim da formação da identidade nacional, em que se escolhe como protagonistas vultos nacionais e religiosos, traduzindo-se em história biográfica. Essa prática escolar do ensino de História, que ocorria por meio das aulas de leitura, de textos religiosos ou patrióticos, incutia nos sujeitos os princípios que fortificavam o senso moral por meio de deveres com a pátria, revelando-se em instrução Moral e Cívica – conteúdos dados no ensino primário até a década de 50 e 60 do século XX. Os métodos de ensino mais comuns, naquela época, era o da memorização, isto é, aprender era memorizar, por exemplo, os episódios históricos (datas comemorativas) e os grandes homens (história biográfica). Um fato importante para a constituição da História como disciplina escolar foi a criação do Colégio D. Pedro II, em 1837, o qual instituiu uma série de programas curriculares que serviram de modelo para todo o “ensino secundário” do país. Fonseca (2006, p. 48) afirma que o Ensino de História se tornou disciplina no ensino secundário quando foi incluída no plano de estudos desse colégio, percorrendo por várias reformas. Até então, os conteúdos dessa disciplina não estavam claramente definidos. “A partir daí, além das diretrizes de formação moral e cívica dos jovens, o ensino de História apresentaria a marca da preocupação com os métodos, delineando-se mais claramente o seu perfil como disciplina escolar.” (FONSECA, 2006, p. 50).

Durante a segunda metade do século XIX e o início do século XX, várias reformas curriculares foram realizadas, atribuindo conteúdos históricos por série ou agrupando conteúdos que antes eram dados em separado. Conforme Selva Fonseca (1985, p. 49):

Pensou-se numa organização dos conteúdos do ensino de História Universal, ao qual ficou dividido em história: Antiga, da Idade Média, Moderna e Contemporânea, e História do Brasil numa posição secundária, sendo esta, reconhecida como disciplina autônoma no período do Estado Novo, em 1940.

Estabelecer a sistematização de um currículo para o ensino de História e incorporar assuntos como História das sociedades antigas, médias, modernas e História do Brasil pode ser considerado um avanço. Entretanto, a História Sagrada continuou sendo proposta no ensino elementar durante esse período, a história dos santos, por exemplo, serviam como modelos de comportamento desejáveis na formação da juventude, futuro da nação.

Com a implantação do regime político republicano, os objetivos dessa disciplina continuaram com a função de fortalecer o espírito nacionalista. Fonseca (2006, p. 51) argumenta que, nessa época, “[...] a discussão de formar homens cívicos através do Ensino de História do Brasil, procurava romper com a História Sagrada e História Profana do século anterior.” Para tanto, foi instituída a inclusão da disciplina Instrução Moral e Cívica, cuja origem provém do período imperial, apesar de seu caráter republicano.

No início do século XX, as reformas educacionais proporcionaram uma modernização e ampliação dos currículos escolares no ensino primário, porém, essas reformas tinham como princípio norteador as ciências em prol da educação dos filhos dos proletariados, os quais deveriam ser preparados para o trabalho nas indústrias e no comércio. Nesse sentido, a História assume o seu papel ordenador e civilizador, por intermédio do estudo biográfico que exaltava os grandes feitos e os grandes homens, geralmente, europeus ou líderes políticos brasileiros, excluindo-se a participação dos povos que também fazem parte da História do Brasil, como a comunidade afro-brasileira e a indígena – por uma crença de que os costumes, vida e cultura africanos e indígenas eram inferiores à cultura que se tinha como exemplo. Assim, essa foi a História do Brasil contada nas escolas, de caráter elitista e mentora de preconceitos que, ainda hoje, continua presente nos livros de História.

Os anos de 1930 foram marcados pela consolidação de uma memória histórica e patriótica nas escolas primárias. Por meio de reformas entre os anos 1930 e 1940 e da criação do Ministério da Educação e Saúde, ocorreu uma centralização e organização das políticas educacionais, proporcionando uma consolidação do Ensino de História como disciplina escolar. Na perspectiva de Fonseca (2006, p. 73):

As concepções unitaristas e nacionalistas de educação, presentes desde o século XIX, foram acentuadas pelas reformas Francisco Campos, de 1931, e Gustavo Capanema, de 1942, que elegeram o estudo da História como instrumento central na educação política, e a disciplina História do Brasil como fundamental na formação moral e patriótica. Essa educação encontrada nos livros didáticos importantes instrumentos e junto às festas cívicas, constituíram eficaz arsenal pedagógico.

Um fator importante citado pela autora, ressaltado neste trabalho, é a importância dada ao livro como instrumento pedagógico. O livro, neste caso, tem sido considerado um recurso de disseminação que atua como mediador entre as concepções e as práticas políticas e culturais, sendo fundamental para a manutenção de determinadas visões de mundo e de história. “Os livros didáticos têm sido, de fato, responsáveis pela permanência de discursos fundadores da nacionalidade.” (FONSECA, 2006, p. 73). Tais discursos foram sendo produzidos pelos intelectuais da elite brasileira, com o objetivo de criar certa unidade nacional.

Os materiais didáticos do ensino primário e secundário, a princípio, muitos de origem europeia e traduzidos para o português, outros editados por sócios do IHGB, retratam os princípios civilizadores destacados para o método catecismo. Segundo Bittencourt (2005), esse método se baseava em perguntas e respostas, tal como um questionário, enfatizando o método mnemônico. Os livros didáticos de História dos anos iniciais continuavam servindo como livros de leitura, com a utilização de textos da história nacional e de temas religiosos.

Com o advento do movimento dos pioneiros, nos anos de 1930, Anísio Teixeira, baseado no modelo norte-americano de ensino, traz para os currículos educacionais uma nova proposta para o Ensino de História, atrelada aos estudos sociais, a qual tinha a Geografia e a História juntas. Segundo Fonseca (1993), o princípio básico do ensino de Estudos Sociais era de cunho psicológico (método ativo), que visava introduzir nas crianças os temas centrais da sociedade, com base nas realidades mais próximas destas, tanto no espaço (geografia) quanto no tempo (história). O Ensino de História, no período militar, revela os objetivos da disciplina de Estudos Sociais, que englobava a educação moral e cívica, deixada como herança tradicional, em que se “impunha um ensino diretivo, acrítico, no qual a história aparecia como fatos isolados no tempo, típico dos parâmetros positivistas do início do século.” (FONSECA, 2006, p. 58). Enfim, a História do Brasil ganhou sua importância e se constituiu uma disciplina escolar no início no século XX.

Nesse sentido, embora não seja possível apresentar aqui toda a complexidade a respeito do ensino de História no período em tela estudado, as reflexões que destacaremos no próximo ponto é uma amostra de como os livros destinados aos estudantes e professores norteavam o ensino da disciplina. Para atingir tal objetivo fizemos uma incursão no livro Lições de História do Brasil, de Joaquim Manoel de Macedo.

3 O LIVRO DIDÁTICO DE JOAQUIM MANOEL DE MACEDO COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO NO PROCESSO CIVILIZADOR NO ENSINO DE HISTÓRIA

A República trouxe à escola a racionalização, a ampliação e a modernização dos programas, incutindo a formação do homem e cidadão pertencente a uma nação que ansiava pelos “parâmetros civilizados” dos países europeus e norte-americanos. Nos anos que se seguiram à primeira metade do século XX, as escolas continuaram com suas funções reelaboradas, porém, com a mesma essência de educar e instruir por intermédio de valores correspondentes ao contexto social e histórico da época.

O livro Lições de História do Brasil, do intelectual Joaquim Manoel de Macedo, e os programas, livros, saberes e metodologias adotados pelo colégio D. Pedro II – cujo Joaquim Manoel de Macedo fora professor –, desde a sua fundação até a criação do Ministério de Educação e Saúde nos anos de 1930, serviram de modelo para todo o país. Esse livro foi utilizado para o Ensino de História em todo o Brasil.

Para se fazer a análise desse manual, é necessário entender o que é essa cultura civilizadora, vinculada à escola na primeira metade do século XX, e de que forma ela se refletiu na elaboração das obras. Para isso, entraremos na discussão acerca das finalidades das matérias ministradas no ensino da escola primária dessa época.

No período em tela, ocorreram mudanças significativas nos programas de ensino nos anos iniciais, bem como em sua função e em seus objetivos. Esse ensino estava centrado em formar o cidadão trabalhador para atender ao crescimento de comércios, fábricas e indústrias em geral, em todo o país. O ensino primário era diferenciado do ensino secundário, os quais estavam direcionados à formação de diferentes classes – primário, com formação popular; e secundário, com formação elitista.

Em vista disso, a escola primária formava a classe trabalhadora. Nesse caso, a educação para a população pobre do país terminava no ensino primário, cuja conclusão tornava-a apta para o mercado de trabalho. Todas as disciplinas dessa etapa de ensino tinham seus valores moralizantes e profissionalizantes. Da trilogia ler-escrever-contar, passando pelo ensino de ciências, moral e cívica, até o ensino de desenho, trabalhos manuais e educação física, percebia-se a perspectiva de formação para a ordem e progresso, em que a expressão lógica estabelecida era que a ordem caminhava harmonicamente ao progresso desejado. O Ensino de História tornou-se um instrumento de desenvolvimento do sentimento nacionalista, sendo este um de seus principais objetivos, de forma que os materiais didáticos de História refletirão tais concepções.

A escola, considerada por muitos educadores republicanos como “templo de civilização”, operava múltiplos sentidos, tanto a disciplinarização quanto a humanização, assim como a moralização e a apreensão da cultura científica e estática – códigos fundamentais da modernização (SOUZA, 2008, p. 76). Essas características seguiram até o período de redemocratização. Apesar disso, muitos dos livros publicados no final do século XIX, aos auspícios do IHGB, definiram uma concepção de História associada à tradição e à valorização do passado, como um modelo a ser seguido. Vejamos a Figura 1, a seguir:

Figura 1 – Contracapa do Livro Lições de História do Brasil, de Joaquim Manoel de Macedo

Fonte: Macedo (1915).

O Livro Lições de História do Brasil, de Joaquim Manoel de Macedo, é uma proposta inovadora para as publicações de livros de história da época, visão esta descrita no prefácio da primeira edição: “uma obra escrita para servir aos meninos não deve ser longa.” Macedo (1915) afirma, porém, que a sua obra desagradará por causa de sua extensão. Cada capítulo é intitulado como Lição e é acompanhado de uma espécie de glossário nomeado de Explicação. Segundo o autor, esse tópico tinha a função de complementar a lição. Após as explicações, o autor organiza as informações estudadas em um Quadro Sinóptico, para que os alunos possam guardar na memória toda a matéria estudada. Por fim, traz um questionário com a denominação de Perguntas, em que estão contidas indagações acerca dos conteúdos históricos trabalhados. Na perspectiva do autor, essas perguntas poderiam servir como instrumento avaliativo.

Essa organização estava pautada na crítica que Macedo (1915) fazia à prática de memorização, disseminada pelos compêndios da época, os quais traziam os conteúdos organizados por meio do método Catecismo. O método Catecismo se tratava de uma metodologia de perguntas e respostas, proporcionando uma relação direta entre elas, com isso, provocando a memorização de respostas prontas e específicas, impedindo a reflexão do aluno acerca do conteúdo abordado.

O autor afirma, sobre essa nova disposição de conteúdos históricos do livro Lições de História do Brasil, que por mais que a obra aparente ser extensa, esses novos elementos trariam uma dinâmica diferente. Ele atesta que “o professor é a alma do livro”, ou seja, não há um método eficaz que funcione se este não lhe der vida pela utilização de paciência e consciência de ensino.

O que Macedo queria propor era um ensino de História mais leve, sem memorização e repetição, em que o professor teria a responsabilidade de encontrar meios para uma maior orientação quanto aos conteúdos e as técnicas de ensino e aprendizagem. No entanto, ao analisarmos o livro, percebemos que ele não consegue traduzir essa visão na abordagem proposta em sua obra, não rompendo significativamente com o estilo mnemônico, pois todas as lições, explicações, quadros sinópticos e perguntas remetem o leitor a memorizar datas, nomes (heróis) e fatos.

Cada capítulo, uma fase histórica do Brasil, encaixa-se em uma perspectiva historiográfica linear, em que os fatos são analisados isoladamente, sem articulação e reflexão. Os períodos históricos seguem do pré-descobrimento (1411-1499) – em consonância com o pensamento de que a história do Brasil teria começado antes mesmo de seu descobrimento – até o Governo de Marechal Deodoro da Fonseca (1910-1914), período histórico vigente da reedição do livro.

As lições foram organizadas de duas maneiras: da Lição I à Lição LV, a estrutura é de textos longos, relatando os períodos históricos; da Lição LVI à Lição LXIII, compõem-se os Índices cronológicos da História, desde a História do Império e do Período Republicano, até o ano de 1914. As primeiras lições seguem com a dinâmica das explicações, quadros sinópticos e perguntas. Entretanto, a última parte das lições é composta por índices cronológicos, tratando-se de um resumo datado dos acontecimentos históricos do Brasil.

No livro A História do ensino de História, Fonseca (2006, p. 49) argumenta sobre o Livro de Joaquim Manoel de Macedo:

Caso exemplar é o de Joaquim Manuel de Macedo, sócio ativo do IHGB durante décadas e autor de um livro didático de maior sucesso, da segunda metade do século XIX às primeiras décadas do século XX. Embora já contasse com programas de estudo desde 1838, o ensino de história ainda carecia de material e de metodologia que o orientasse. E foi esta motivação de Joaquim Manuel de Macedo, também professor de História do colégio D. Pedro I, para escrever o Lições de História para uso dos alunos do imperial Colégio de Pedro II, em 1861.

Portanto, no Ensino de História do Brasil, no final do século XIX, destacou-se o Livro de Joaquim Manoel de Macedo, o qual foi adotado por diversas gerações de professores de História em todo o país, sendo este o motivo que nos levou a escolhê-lo para análise.

As lições são compostas por textos extensos, com ênfase em fatos, lugares, nomes e datas que fazem parte da História do Brasil. Usando palavras, como honroso, precioso, magnífico, corajoso, brilhante e majestoso, Macedo descreve os colonizadores e deixa, em entrelinhas, a exaltação da cultura europeia, a ânsia pelo processo civilizador e o amor pelas riquezas naturais e minerais do Brasil, como parte de um discurso patriótico.

As explicações que seguem as lições são conceitos que justificam certos termos citados no texto. O quadro sinóptico está baseado em cinco características: personagens, atributos, fatos, acontecimentos e datas. As perguntas são diretas, de caráter mnemônicas, induzindo a decorar e exigindo respostas exatas por não serem contextualizadas. A linguagem do livro não era adequada para uma criança de ensino primário, muito complexa, com termos específicos e com muita informação.

Figura 2 – Exemplo de perguntas

Fonte: Macedo (1915, p. 45).

Sabemos que a História, como disciplina escolar, esteve por muito tempo traduzida em História Sagrada e História Profana. Macedo, em sua obra, que foi considerada como inovadora, oficialmente não trata da História Sagrada, porém, nas entrelinhas, destaca o trabalho dos Jesuítas como um ganho eminente à Colônia do Brasil:

Ao mesmo tempo encetava os jesuítas uma série de brilhantes e admiráveis triumphos; com dedicação e paciência attrahiam a catechisára. Muitas hordas de gentios. Acudindo á falta de direção superior para o clero existente no Brasil, D. João III e o Santo Padre igualmente beneficiaram muito a Colônia. Em 1550 creou-se o bispado do Brasil que separou do Funchal, e foi nomeado bispo da nova diocese, Pero Fernandes Sardinha, que chegou á cidade do Salvador no fim do anno de 1551. [...]

EXPLICAÇÕES

Jesuítas, são assim chamados aquelles que fazem parte da Companhia de Jesus, ordem religiosa fundada em 1634 por Santo Ignácio de Loyola, e consagrada á propagação da fé, á conversão dos infiéis, e dos heréticos (MACEDO, 1915, p. 78-81, grifo nosso).

A imagem dos religiosos, nessa citação, está exatamente equiparada à imagem dos considerados grandes heróis nacionais. Como podemos visualizar na obra de Macedo, termos como “jesuíta notável” nos remetem à conclusão de que a História Sagrada ainda persiste, mesmo na República, quando o ensino de história assume outra perspectiva de história nacional, agora mais laica.

O autor trata das desavenças entre os colonos e os jesuítas e da ineficiência do governo de Lisboa em solucionar a questão, denunciando o seu caráter republicano, quando aponta sua insatisfação com a forma de administração feita pelo governo de Portugal no período retratado, como pode ser visto em suas breves palavras:

Desde 1652 até 1680 a questão interminável da administração dos índios e da liberdade garantida a estes infelizes excitou as mais vivas desitelligencias entre os jesuítas e os colonos concorrendo muito elles o governo de Lisboa, que em multiplicados alvarás ora protegia o gentio com a oppressão dos colonos que o captivavam, ora sacrificavam o gentio aos colonos, e abatia a influencia dos jesuítas que, ou por um interesse menos nobre, ou por verdadeira caridade protegiam áquelles, de modo que n’este inconsistência de princípios o próprio governo augmentava a deshormonia, e dava occásião desordem. (MACEDO, 1915, p. 215, grifo nosso).

Nesta passagem e na citação anterior, é perceptível o distanciamento que ele impõe entre o índio e o homem civilizado, uma vez que a obra se destina a contribuir com a disseminação de uma identidade única, homogênea, aos moldes europeus, referindo-se ao índio de forma excludente, como é observável no grifo “estes infelizes”.

Em relação à abordagem da temática indígena na obra de Macedo (1915), o autor designa o termo “Gentio” para referir-se aos povos que aqui já viviam, sendo o termo usado para assinalar povos não civilizados, de hábitos selvagens e de costumes diferentes e estranhos. Para a construção de uma história nacional, aceitar que um povo tão atrasado fizesse parte da nação, na perspectiva dos intelectuais da época, era reconhecer que não conseguiríamos ser uma nação civilizada. Como vimos anteriormente, a identidade nacional estava pautada na aversão à mestiçagem, e essa característica estava expressa nas obras que circulavam nas escolas e nos cursos de formação de professores. Buscamos indícios no trecho a seguir para fundamentar esse nosso discurso: “No meio, porém d’esta natureza opulenta e de proporções colossaes. O que se apresentou aos olhos dos descobridores e conquistadores do Brasil menos digno de admiração e mais mesquinho foi o gentio que habitava esta vasta região.” (MACEDO, 1915, p. 38).

Há dois fatores importantes nesta citação. O primeiro é a exaltação à natureza brasileira, como forma de enaltecer o orgulho nacional, ao passo que se retira do índio o mérito dessa exuberância. O segundo ponto é o fato de que, para Macedo (1915), os colonizadores vieram ao Brasil para fazer o favor de civilizar o povo selvagem. Essa visão política da comunidade indígena, implantada no seio da nossa cultura, não é uma atitude de tempos remotos, é algo que foi sendo construído desde localização do Brasil e, ainda hoje persiste nas práticas sociais e, consequentemente, escolares. A temática indígena vem sendo negligenciada nas escolas, e isso não é uma questão somente cultural, mas, até o que se pode notar, uma ausência de consciência dos professores de que os indígenas fazem parte da nossa história e da nossa cultura, o que nem sempre está claro na formação desses professores. Nesse caso, concordamos com as palavras de Funari e Piñón (2011, p. 8):

A escola, ao longo da história do Brasil, tem cristalizado determinadas imagens sobre os índios que “fazem a cabeça” dos cidadãos presentes e futuros. Com isso, muitas vezes, acabam favorecendo a exclusão ou, pelo menos, o esmaecimento da presença indígena na sociedade e na cultura brasileira.

A concepção do início do século XX, relatada por Joaquim Manoel de Macedo (1915), traz à tona a imagem do índio típico do período republicano. Conforme afirmam Piñón e Funari (2011, p. 86), “os índios eram colocados nessa narrativa como inimigos implicáveis: deviam ser exterminados ou empurrados sertão adentro, para os confins de Mato Grosso [...]” Segundo os autores, esse fato aconteceu por vários motivos. A princípio, e o mais importante, os indígenas eram vistos de uma maneira idealizada no imaginário romântico do império, tal como heróis, porém, nessa fase de consolidação de identidade nacional, houve maior interesse em priorizar as figuras que lutaram pela concretização da república, em desarmonia com a figura do índio, que representava um antagonismo a essa nova perspectiva de sociedade, agora com um novo espírito atrelado às ciências e à indústria. Essa visão pode ser encontrada no trecho a seguir:

O gentio não conhecia artes, nem siciencias, nem indústria; um ou outro recurso, o trabalho, uma ou outra Idea que as artes, as sciencias, e a indústria poderiam ter ensinado fácil e suavemente, elleadevinhára, urgindo pela necessidade, em pregava com rudeza. [...] E deviam estar assim atrasados em civilização, pois estavam sempre preocupados em guerrear. (MACEDO, 1915, p. 50).

Nesta perspectiva, o autor atribui aos indígenas, por viverem em constantes combates entre eles próprios, as características de vingativos e ferozes, como se todos os povos indígenas brasileiros fossem antropófagos, como se por meio de um ato vingativo “ufanava-se de devorar os inimigos e prisioneiros.” (MACEDO, 1915, p. 41). Na verdade, essa característica de disputa entre eles pode ser atribuída a uma questão de necessidade de sobrevivência étnica, econômica e política. Nas explicações da Lição V, um conceito esclarece a concepção do autor quanto ao ato antropofágico atribuído aos nativos: “Anthropophagia é a ação ou hábito de comer carne humana. Chama-se anthropophagos os povos bárbaros que têm esse horrível costume.” (MACEDO, 1915, p. 62). Um ritual antropofágico é descrito por Macedo (1915) nas seguintes palavras:

A hora fatal, o prisioneiro rodeado de toda a cabildaera, ao som de aupy, conduzido amarrado com a mussurana para a acara, dançando as mulheres em torno d’elle; apparecia em breve o executor com todos os ornatos da festa, e trazendo a ivarapema, tacape enfeitava e destinada a estes sacrificios. Então algoz e victima injuriavam-se mutuamente; o primeiro procurava aterrar o segundo, este procurava a vingança d’aquelle; a um golpe de ivarapema emfim era morto o prisioneiro, o seu corpo feito em pedaços pelas velhas, e a esta scena de ferocidade seguia-se outra de anthropophagia e dias inteiros de festas, danças e de embriaguez. (MACEDO, 1915, p. 51).

Percebe-se, ao fazer referência a essa prática, o espanto do autor com a cultura de certas etnias, o que reforça o sentimento de divergência e antagonismo entre essa cultura e a cultura civilizada por ele defendida. Dentro do contexto indígena, havia várias culturas, várias tribos, línguas e tradições, seria impossível generalizá-los, como, por exemplo, atribuir o antropofagismo de uma determinada tribo a todas.

Quanto à questão negra no Brasil, na obra de Joaquim Manoel de Macedo (1915), pouco se foi falado. A questão negra pode ser vista em apenas duas lições: a primeira é sobre a Destruição dos Palmares e a segunda é acerca da Abolição e a República. Apesar de possuir dois capítulos relativos a esse tema, os textos pouco falam sobre o assunto, atribuindo uma ou duas páginas apenas. Não encontramos a imagem do negro como uma figura histórica, somente sendo citada a sua participação na história da construção dos quilombos e na abolição. Apesar disso, ainda como figuras subalternas, sem que houvesse uma referência cultural ou de luta desse povo. Ao descrever a existência de quilombos, Macedo destaca:

A existência dos Palmares era um perigo para as capitanias onde existião e que avizinhavam com esses quilombos; mas debalde, acaba a guerra holandeza, mnadaram contra elles por vezes os governadores de Pernambuco expedições sucessivas, os Palmares zombaram das forças de governo, até que emfim, em 1667, o paulista Domingos Jorge Velho obrigou-se a destruir aquelle quilombo e a aprisionar os quilombolas mediante certas condições que foram aceitas pelo governador de Pernambuco, João da Cunha Soutomaior, e seguindo encarniçada campanha, e muitos combates, em que ostentaram todo o seu valor os paulistas commandados por Domigos Jorge velho em 1697, tendo o Zumbi e alguns de seus principaes companheiros preferido a morte á escravidão, despenhando-se do alto de um rochedo alcantilado. (MACEDO, 1915, p. 225, grifo nosso).

Anteriormente, podemos observar a visão do autor quanto à resistência negra no século XVII, que considerava a existência dos Palmares como uma ameaça à Capitania de Pernambuco. Entretanto, a figura retratada de Zumbi, nessa passagem, é a de um homem que lutou pela sua liberdade, preferindo a morte a ser privado de sua liberdade. De fato, o líder negro teve seu reconhecimento, mas de forma indireta, pois, se analisarmos com acurácia, ele não era o protagonista da guerra, sendo este o papel de Domingos Jorge Velho.

Nessa perspectiva, podemos considerar que Macedo era um republicano assíduo. Era evidente associar a escravidão ao antigo regime, criticando-o pela demora em implantar a abolição, conforme podemos ver na citação a seguir:

O Brasil foi um dos últimos países a decretar a emancipação dos escravos. Isso foi motivado pela impossibilidade, em que sempre se viram os governos, de realizar de chofre essa medida humanitária, sem comprometer gravemente a fortuna pública e particular: basta dizer que, no dia 13 de maio de 1888, quando foi assignada a lei da abolição, ainda existiam no Brasil mais de setecentos mil escravos. Uma glória, porém, cabe a nossa nacionalidade: a de ter efetuado essa reforma social sem derramamento de sangue, entre expansões de júbilo intenso e fraternal. (MACEDO, 1905, p. 428, grifo nosso).

Macedo descreve a luta pela libertação dos escravos, tratando-a como um ganho social, no qual, de um lado estavam os abolicionistas que alforriavam seus escravos e colocavam pressão para que a abolição acontecesse, e, do outro, os senhores de escravos que somente pensavam nos custos e benefícios. Inclusive, o autor destaca, como um dos motivos para a proclamação da república, o descontentamento desses senhores que, como ato vingativo, revoltam-se contra o Império apoiando o novo regime.

Dessa forma, com base nos escritos de Joaquim Manoel de Macedo, contidos em Lições de História do Brasil, é evidente a preocupação com a consolidação de uma cultura homogênea e unitária, europeia e, ainda, ligada à religião e livre das influências culturais tidas, por ele, como inferiores; nesse caso, a indígena e a negra. Convém destacar o discurso de Fonseca (2006), em relação à ênfase dada a uma História elitista, como resultado de uma produção historiográfica positiva:

Exemplo disso está no espaço considerável reservado, tanto nos programas curriculares quanto nos livros didáticos daquela época, a temas como a expulsão dos holandeses do Pernambuco, no século XVII, ou à Guerra do Paraguai, no final do século XIX. Esses temas permitiam uma abordagem profundamente nacionalista, dando aqueles acontecimentos o caráter de fundadores ou de consolidadores da identidade nacional coletiva. (FONSECA, 2006, p. 92).

A obra de Macedo está de acordo com a afirmação da autora. Durante as lições, é perceptível a ênfase dada pelo autor ao apresentar, majoritariamente, um número maior de lições voltadas para as Guerras em defesa do território nacional, assim como a história de líderes políticos e seus feitos. Por outro lado, o número de lições voltadas para a cultura negra e indígena é consideravelmente inferior, sendo destinada para estas apenas quatro lições das sessenta e quatro do livro. A visão desse autor estava pautada em uma perspectiva subalterna, passando uma imagem dos povos negros como escravos e selvagens, ligados somente aos castigos físicos e ao trabalho pesado, e os povos indígenas como selvagens rebeldes, preguiçosos e comedores de gente.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos, neste trabalho, compreender o Ensino de História a partir da análise do livro didático de Joaquim Manoel de Macedo intitulado Lições de História do Brasil. Constatamos que, por décadas, essa disciplina foi instrumento de disseminação de uma identidade nacional, pautado em ideologias que consideravam o Ensino de História um meio de controle. A história, construída e transmitida através dessa disciplina e, principalmente, pelos livros que circulavam nas escolas primárias do início do século XX, estava vinculada a um nacionalismo extremo, cujo objetivo era transformar o Brasil em uma nação civilizada aos moldes dos países europeus. Muitos intelectuais, ligados à educação desse período, enxergavam na Instrução Moral e Cívica um instrumento para cultivar nos brasileiros o amor à Pátria. Dentre os conteúdos mais encontrados nos materiais didáticos, destaca-se: o culto à bandeira, os grandes heróis nacionais e europeus, a exaltação à natureza, os princípios de comportamento e condutas, o bom e o mau cidadão, entre outros. Esses temas buscavam um objetivo somente: formar um cidadão civilizado e obediente à pátria.

O processo de constituição dessa disciplina é de extrema importância para entendermos a persistência de certas práticas de ensino que se tornaram tradição na disciplina de História e que promovem o fracasso dos alunos, rotulando-a como uma matéria “decorativa”. De tal modo, concordamos com a afirmação de Fonseca (2006, p. 7):

O estudo da história do ensino de história pode esclarecer muito mais do que se imagina sobre as questões que envolvem o trabalho de historiadores e de professores, questões que vêm se acumulando nos cantos das salas de aulas, que atropelam o caminho desses profissionais e que nem sempre podem ser respondidas pelas observações diretas e pela reflexão sobre o seu cotidiano.

A autora sintetiza a importância de um estudo reflexivo sobre a história do Ensino de História. Os saberes e metodologias do Ensino de História do final do século XIX e início do século XX, ainda hoje, encontram-se vivos nas salas de aula e nos livros didáticos de História, um pouco mudados, mas presentes no referencial teórico-metodológico adotado. Na verdade, a tendência tradicional é uma das abordagens do ensino contemporâneo. A perspectiva tradicional, originária da concepção positivista da história, está na prática de visualizar o passado como uma verdade.

Como podemos perceber ao longo do trabalho, o livro de Joaquim Manoel de Macedo circulou durante muito tempo nas escolas brasileiras no período republicano. Embora Lições de História do Brasil tenha sido um livro até certo ponto inovador para época, o material não rompeu com o viés eurocêntrico e, consequentemente, com o modelo civilizador que acompanhou o ensino de História ao longo da República brasileira. Para compreender essa questão basta analisarmos como os povos indígenas e negros foram narrados neste material. O olhar do branco europeu para esses povos foi de superioridade, como constatamos nos fragmentados analisados neste artigo.

É possível ainda afirmar que “a história do Ensino de História apresenta linhas de continuidade e de rupturas quanto às características, metodologias, conteúdos e materiais didáticos.” (FONSECA, 2006, p. 91). Nessa perspectiva, faz-se necessário que outros pesquisadores entrem em cena, com novos estudos, mostrando que o passado está mais do que presente nas práticas curriculares de professores, às vezes com outras roupagens, mas perpetuando uma história sem sentido para a maioria dos discentes.

Notas explicativas

1 Termo utilizado para os livros didáticos destinados ao ensino secundário, que reunia saberes de uma área do conhecimento.

2 Conjunto de normas, criado em 1599, para regulamentar o ensino nos colégios jesuíticos. Tinha por finalidade ordenar as atividades, as funções e os métodos de avaliação nas escolas jesuíticas.

3 O IHGB apresentou esse projeto, em 1883, como uma proposta de como escrever a História do Brasil.

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2005.FONSECA, S. G. Caminhos da história ensinada. Campinas: Papirus, 1985.

FONSECA, T. N. de L. História e ensino de história. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

FUNARI, P. P.; PIÑÓN, A. A temática indígena na escola: subsídios para os professores. São Paulo: Contexto, 2011.

GALVÃO, A. de O.; BATISTA, A. G. Manuais escolares e pesquisa em História. In: FONSECA, T. N. de L.; VEIGA, C. G. (Orgs.). História e historiografia da educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 161-188.

MACEDO, J. M. de. Lições de história do Brasil. Rio de Janeiro: Garnier, 1915.

SOUZA, R. F. História da organização do trabalho escolar e do currículo no século XX: ensino de primário e secundário no Brasil. São Paulo: Cortez, 2008.

______. Inovação educacional no século XIX: A construção do currículo da escola primária no Brasil. Cadernos Cedes, Campinas, v. 20, n. 51, p. 9-28, nov. 2000.

Recebido em 07 de julho de 2015

Aceito em 17 de dezembro de 2015

Endereço para correspondência: Rodovia Br 104, s/n, Km 14, Maceió, Alagoas, Brasil; roseane.mda@hotmail.com

Roteiro, Joaçaba, v. 41, n. 2, p. 431-450, maio/ago. 2016