http://dx.doi.org/10.18593/r.v40i2.6716
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA AMÉRICA LATINA NO CONTEXTO DO MUNDO GLOBALIZADO
FORMATION OF TEACHERS FROM LATIN AMERICA IN THE CONTEXT OF GLOBALIZED WORLD
Marilandi Maria Mascarello Vieira*
Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Campus Sertão, Coordenadora do curso de Formação Pedagógica de Professores para a Educação Profissional
Ivan Carlos Bagnara**
Professor do Instituto de Desenvolvimento Educacional do Alto Uruguai (IDEAU), e da Universidade do Contestado de Concórdia (UnC).
Resumo: Neste artigo, apresenta-se uma visão panorâmica sobre as ações propostas pela Organização das Nações Unidas (Unesco) para a Educação, a Ciência e a Cultura com a temática formação de professores. O artigo foi elaborado a partir da pesquisa bibliográfica e da análise das Declarações e Recomendações da Unesco, aprovadas nas reuniões Promedlac e Prelac entre 1981 e 2007. Assim, traçou-se um retrato do processo de globalização, formação de blocos econômicos, atuação da Unesco em relação à educação e às ações e diretrizes propostas pelo órgão quanto à formação dos professores. Como resultados, tem-se que o organismo teve papel de destaque na definição de políticas educacionais nas décadas de 1980 e 1990, mas perdeu seu poder de atuação, pois os organismos financeiros de dimensão global assumiram o protagonismo na tarefa de definir princípios e estratégias em todos os âmbitos da vida política, econômica e cultural da região da região latino-americana.
Palavras-chave: Formação de professores. Globalização. América Latina.
Abstract: In this article, it is analyzed a view about actions proposed by Unesco on teacher’s formation. It was designed from the literature research and analysis of Unesco Declarations and Recommendations performed in Promedlac and Prelac meetings from 1981 to 2007. Thus, it was outlined a picture of the globalization process, formation of economic blocs, Unesco’s activities in relation to education and to actions and guidelines proposed by the agency in relation to the teachers’ formation. It was possible to conclude that the organization had a prominent role in the definition of educational policies in the 1980s and 1990s, but it has lost its power of action, because the financial institutions of global dimension took the leading role in the task of defining principles and strategies in all areas of political, economic and cultural life of the region.
Keywords: Teacher formation. Globalization. Latin America.
1 INTRODUÇÃO
A sociedade vive o contexto da mundialização, da “aldeia global”, que provocou mudanças profundas em todas as dimensões da vida. Essas mudanças afetam os modos como os grupos se organizam, pensam, vivem e se educam, e também provocam transformações nos processos educativos, incluindo a formação de professores, objeto de estudo do presente trabalho.
Mas como se pode definir o que é a globalização? Santos (2001, p. 9) caracteriza o processo de globalização a partir de três enfoques, os seus três mundos: “[...] o primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização como fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização.”
Assim, sem a pretensão de aprofundar o tema, considerando-se a limitação exigida pelo presente texto, partimos da constatação de Nayyar (2009, p. 27-28) de que globalização significa coisas diferentes para diferentes pessoas e o termo é empregado de duas formas: “[...] com um sentido positivo para descrever um processo de integração com a economia do mundo. É usado também com um sentido normativo para prescrever uma estratégia de desenvolvimento com base em uma rápida integração com a economia mundial.” É a globalização como fábula, parafraseando Santos (2001).
Integração econômica é o aspecto que mais caracteriza o fenômeno da globalização, já que na atualidade praticamente todos os países do globo fazem parte de um bloco econômico e, como afirmam Evangelista e Shiroma (2007, p. 4),
[...] os três grandes blocos de poder – Europa, América do Norte e Ásia – competem para manter e fazer avançar suas estratégias de acumulação de capital. A globalização não representaria, pois, a hegemonia de uma nação, a americanização do planeta, mas de um sistema – o capitalista – que triunfou.
Há, então, um deslocamento do poder: se até os anos 1990 eram os Estados Nacionais que definiam os rumos do desenvolvimento, a partir daquele período, a hegemonia do processo econômico deslocou-se dos Estados como nação para os donos do capital financeiro. Nas palavras de Zaragoza (2009, p. 48), “[...] os povos foram substituídos por Estados, os quais estão sendo enfraquecidos cada vez mais para o benefício de grandes corporações transnacionais.” É a dimensão perversa da globalização.
A globalização, portanto, pode ser analisada sob três dimensões: econômica, política e social. Quanto à dimensão econômica, Nayyar (2009) argumenta que ela se manifesta por três fatores: comércio internacional, investimento internacional e finanças internacionais. Além disso, pode-se ressaltar o aumento crescente de relações de interdependência entre os Estados e destes com as Organizações Internacionais – como a Organização Mundial do Comércio e o Banco Mundial, por exemplo –, que se configura por meio da ampliação dos intercâmbios de bens e serviços, além da grande movimentação do capital financeiro no Globo.
Já em relação à dimensão política, Nayyar (2009, p. 52) afirma que o avanço da globalização é tão acentuado que o poder dos Estados Nacionais “[...] está sendo reduzido através de incursões no espaço soberano econômico ou político, sem o aumento correspondente de cooperação internacional efetiva ou um governo supranacional que regule ou governe esse processo impulsionado pelo mercado.”
A terceira dimensão da globalização é a social, que a reveste de um caráter distintivo em relação a outras formas de organização por exacerbar o consumismo, o individualismo e a padronização cultural, a qual pode gerar movimentos de xenofobia e intolerância. Santos (2001, p. 32) comenta que “[...] a globalização mata a noção de solidariedade, devolve o homem à condição primitiva do cada um por si e, como se voltássemos a ser animais da selva, reduz as noções de moralidade pública e particular a um quase nada.” Essa é a outra faceta da globalização, como perversidade.
Outro aspecto que caracteriza a sociedade globalizada é o predomínio da ciência e da tecnologia, o que originou a chamada revolução midiática, surgida nos anos 1970 com a revolução microeletrônica, ocasionando a introdução maciça de novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Apontada como a versão fábula da globalização, essa nova realidade também demonstra seu caráter perverso, uma vez que, se por um lado a introdução das novas tecnologias favoreceu a divulgação de informações e facilitou a comunicação, por outro, produz o controle das informações, como afirma Santos (2001, p. 32):
A informação é centralizada nas mãos de um número extremamente limitado de firmas. Hoje, o essencial do que no mundo se lê, tanto em jornais como em livros, é produzido a partir de meia dúzia de empresas que, na realidade, não transmitem novidades, mas as reescrevem de maneira específica. Apesar de as condições técnicas da informação permitirem que toda a humanidade conheça tudo que o mundo é, acabamos na realidade por não sabê-lo, por causa dessa intermediação deformante.
Nesse novo cenário, cujas características gerais apontamos, a partir de 1990, houve a necessidade de implementar amplas reformas nos diversos países que, segundo Maués (2006), tiveram por finalidade permitir maiores transações internacionais e facilidades para o capital expandir os mercados, o que requeria alterações substanciais nas leis e nos costumes nacionais. Ressalte-se que, desde 1948, a Organização das Nações Unidas havia criado a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), que constitui uma das cinco Comissões Econômicas Regionais criadas pelo seu Conselho Econômico e Social com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento da América Latina. Quanto às razões de sua criação, Jaeger Júnior (2000, p. 23) cita a iniciativa dos governos latino-americanos, preocupados com a inserção internacional de suas economias na reconstrução do pós-guerra e com a superação das dificuldades associadas ao desenvolvimento econômico. O objetivo da Cepal era, portanto, elaborar estudos e projetos que viabilizassem o desenvolvimento dos Estados latino-americanos, por meio do sistema de preferências comerciais, proporcionado pela formação de blocos regionais. Em muitos momentos, Cepal e Unesco atuaram em conjunto na elaboração de propostas para a educação dos países do continente.
Além desses organismos, Maués (2006) afirma que tanto o Brasil quanto outros países da América Latina promoveram reformas na educação que foram marcadas pela ideia de ajustá-la às medidas econômicas impostas pelos organismos internacionais aos países em desenvolvimento. A autora cita como principais organismos que têm estado à frente das definições das políticas educacionais no mundo a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Mundial (BM), a Comunidade Europeia (CE), a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), além da Unesco.
Essa orientação fica clara no Boletim 6 da Unesco (1985), produzido por ocasião da Primeira Reunião do Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação na América Latina e no Caribe, promovido pela Unesco, no qual se lê que o organismo recomenda aos Estados Membros “Establecer una estrecha relación entre las políticas educativas y las políticas globales del desarrollo, a fin de asegurar la viabilidad de los Planes Nacionales de Acción o Documentos Equivalentes.” (UNESCO, 1985, p. 26).
Diante dessas constatações, com o presente trabalho, teve-se por escopo apresentar uma visão panorâmica sobre como os organismos internacionais – especialmente a Unesco – influenciaram a formação de professores dos países da América Latina e Caribe por meio da análise das declarações e recomendações emanadas nas diversas reuniões propostas pelo Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação na América Latina e Caribe. A relevância da discussão se justifica pelo fato de que a agência, desde o fim dos anos 1970, delineou uma agenda para a educação no continente e, durante a década de 1980, foi a única agência da Organização das Nações Unidas (ONU) a atuar na educação no continente, e a partir de 1981, por meio do Projeto Principal para a Educação (1981-2001), o que representa um marco, porque apresentou princípios e estratégias para o desenvolvimento de políticas educativas na região da América Latina. Segundo Paiva e Araújo (2008, p. 218), “[...] entre o início e o fim do Projeto tem-se duas décadas marcadas por importantes transformações não só na esfera da educação, mas em todos os âmbitos da vida política, econômica e cultural.”
2 FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO CONTEXTO LATINO-AMERICANO E O PAPEL DA UNESCO
A Unesco é a agência vinculada à ONU responsável pela cooperação internacional nas áreas da educação, cultura e ciência. Seu propósito consta no art. 1º de sua Constituição: “[...] promover a cooperação entre as Nações Unidas na busca da igualdade de oportunidades educacionais procurando romper com discriminações de caráter étnico-racial, de gênero e outras distinções fundamentadas em condições econômicas e sociais na área educacional.” (UNESCO, 1947).
Segundo a Unesco (1998), o Projeto Principal de Educação foi elaborado a pedido dos Ministros de Educação e Ministros do Planejamento e Economia dos países latino-americanos reunidos no México em 1979 e aprovado em 1981 na 21ª reunião da Conferência Geral da Unesco. Os participantes daquele evento identificaram na região latino-americana problemas educacionais, como “[...] bajo financiamiento, insuficiente oferta educativa, escasos medios e infraestructura escolar y bajos niveles de calidad” (UNESCO, 1998, p. 6), que refletiam na persistência de baixa escolaridade, grande número de analfabetos adultos, altos índices de evasão escolar, desajuste entre educação e trabalho e escassa articulação da educação com os desenvolvimentos econômicos, sociais e culturais. Foi ainda destacada a deficiente organização e administração dos sistemas educacionais, caracterizados pela forte centralização (UNESCO, 1998, p. 8).
Assim, o Projeto Principal de Educação elaborou um planejamento a ser desenvolvido na América Latina e no Caribe em 20 anos (1981-2001) e esteve centrado em três objetivos:
– Asegurar la escolarización antes del término de 1999 a todos los niños en edad escolar y ofrecerles una educación general mínima de 8 a 10 años.
– Eliminar el analfabetismo antes del fin de siglo y desarrollar y ampliar los servicios educativos para adultos.
– Mejorar la calidad y la eficiencia de los sistemas educativos a través de las reformas necesarias. (UNESCO, 1998, p. 8).
O organismo promoveu sete Reuniões do Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação na América Latina e Caribe, as chamadas Promedlac (1984- 2001). Paiva e Araújo (2008, p. 218) apontam a existência de duas fases desse processo de discussão: “A primeira inicia-se com a aprovação do Projeto Principal de Educação para América Latina e Caribe, em 1981. A segunda etapa tem início com a IV Reunião do Comitê Intergovernamental do Projeto Principal de Educação em abril de 1991 (IV Promedlac).” As reuniões produziram recomendações que serviram de base para a criação de políticas públicas na área da educação e apontaram diretrizes em relação à formação de professores na América Latina, documentos que passamos a apresentar.
A I Promedlac foi realizada na Cidade do México, no período de 05 a 09 de novembro de 1984, e seu documento-síntese (UNESCO, 1985) apresenta os resultados da referida reunião, contendo análise e conclusões sobre os avanços e limitações dos esforços realizados em razão dos objetivos do Projeto Principal de Educação e as prioridades de ação para o futuro. Na segunda parte, reproduz os textos do Plano Regional de Ação e, por fim, apresenta as Recomendações produzidas pelo Comitê Regional Intergovernamental e dirigidas aos Estados-membros e aos Organismos de Cooperação.
O tema “formação de professores” é citado no documento da Unesco (1985, p. 10-11) em várias ocasiões. Na primeira parte, no diagnóstico sobre a situação e as ações desenvolvidas em torno de Projeto, consta:
iii) Objetivo relativo al mejoramiento de la calidad y la eficiencia de la educación.
36. Cambios en los sistemas, contenidos y métodos de formación y perfeccionamiento del personal docente en función de lós objetivos del Proyecto.
39. [...] En muchos países se están desarrollando esfuerzos para actualizar y perfeccionar a los maestros en servicio y para mejorar el contenido científico de los programas de formación. [...]
46. Los problemas en el campo de la formación de docentes son todavía grandes. Programas muy tradicionales, poca práctica real, escasa relación entre la preparación del educador y el medio en el que va a trabajar, dificultades de coordinación y control de la calidad de los programas y la falta de un sistema de comunicación son algunos de estos problemas. Actualmente está en proceso de organización una red de centros de capacitación y formación de educadores con el fin de abrir mecanismos para el intercambio de experiencias y para prestar ayuda mutua en este campo.
Como se pode constatar, o documento aponta vários problemas relativos à formação docente nos países da América Latina e Caribe e menciona ações que vinham sendo desenvolvidas para melhorar o desempenho docente por meio da formação continuada, indicando como possibilidade a troca de experiências de formação entre os países, inclusive com a criação de redes de centros de capacitação. Chama a atenção, porém, que desde o início do projeto há uma forte tendência à orientação neoliberal no campo educacional, pois os conceitos-chaves presentes são os de capacitação, controle de qualidade e eficiência, advindos do campo da administração de empresas.
Na segunda parte do documento, em que se apontam as prioridades para a ação futura, há o reconhecimento de que, além de atuar na formação, é preciso melhorar o status social da profissão docente:
14. En el centro de las estrategias para el mejoramiento de la calidad de la educación, condicionando su éxito, se encuentra sin duda todo lo relacionado con los cambios en la formación de los educadores y el mejoramiento de su status social. Sin acciones oportunas y efectivas a este respecto será difícil lograr los objetivos que se propone el Proyecto Principal. (UNESCO, 1985, p. 15).
Para tanto, o mesmo documento aponta como orientação geral, na parte que trata dos campos de ação e dos programas prioritários do Plano Regional para a Ação do Projeto, para a criação do Programa I: Capacitación y perfeccionamiento de personal clave y de efecto multiplicador, no qual se prevê o treinamento (entrenamiento), por meio de visitas de estudo, cursos intensivos e oficinas de caráter regional e sub-regional, de grupos de especialistas – considerados pessoas-chaves e com efeito multiplicador – compostos por profissionais que atuam na formação inicial e continuada de docentes, na gestão escolar e na formação de investigadores da educação.
Por fim, nas recomendações que apresenta aos Estados-membro consta, no item 9: “Intensificar y asociar los programas de capacitación de los distintos tipos de agentes educativos a las necesidades que plantean los programas y proyectos del Plan Nacional de Acción o Documentos Equivalentes.” (UNESCO, 1985, p. 27). Não há, no documento analisado, qualquer referência para a atuação nos cursos de formação inicial de professores, apostando-se apenas na formação continuada como estratégia para melhorar a qualidade da educação. Nas propostas de ação estão previstas estratégias de formação continuada apenas para especialistas em educação, dos quais se espera que “[...] repassem o treinamento aos docentes” e, embora no documento se constate a necessidade de “melhorar o status social” da profissão docente como imperativo para melhorar a qualidade do ensino, não apresenta nenhuma ação ou recomendação aos Estados-membros para atuação nesse sentido.
Há nas orientações a desconsideração do professor como principal protagonista da sua formação, já que, embora aponte como um dos principais entraves para a melhoria do ensino a falta de formação docente, considerando os professores como “mal formados” e, portanto, apontando a formação como elemento central para o fomento de inovações no ensino, o fez pela via indireta, por meio da presença dos especialistas em eventos de formação e que, supostamente, teriam as condições de promover a qualificação do corpo docente a partir dessas capacitações.
A II Promedlac foi realizada em Bogotá, em março de 1987, com a Sexta Conferência Regional de Ministros de Educacion y de Ministros Encargados de la Planificación Económica de Los Estados Miembros de America Latina y El Caribe, e seus resultados constam no Boletin 12 (UNESCO, 1987), que apresenta, inicialmente, um balanço dos avanços e dificuldades encontrados para a aplicação das Recomendações da Primeira Reunião do Comitê; porém, nada se mencionou acerca da formação de professores. Isso é significativo, considerando que no documento da reunião anterior (UNESCO, 1985) constavam orientações expressas em relação à adoção de estratégias de formação e melhoria do status da profissão docente, o que nos leva a questionar as razões desse silenciamento em relação à tal questão.
No documento (UNESCO, 1987) constam também as prioridades de ação recomendadas para o período de 1987 a 1989 no âmbito do Projeto Principal, no qual se faz referência à formação docente com uma constatação e uma recomendação genérica:
(iii) La participación eficaz del personal docente, sin embargo, depende en gran medida del fortalecimiento de su capacidad técnica para responder a las exigencias del desempeño profesional. Desde este punto de vista, será necesario estimular una más estrecha colaboración entre las instituciones y centros de investigación educativa con las instituciones y programas de formación del magisterio. (UNESCO, 1987, p. 13).
Isso significa que a formação inicial do profissional da educação foi reafirmada como estratégia para a melhoria da qualidade de ensino, mas a recomendação, entretanto, limita-se a estimular a maior colaboração entre instituições formadoras e os centros de investigação educativa, sem que se tracem metas ou estratégias para que isso se efetive.
Quanto à profissão docente, o documento (UNESCO, 1987, p. 13) recomenda aos Estados Membros que criem “[...] (iv) Estrategias destinadas a elevar la condición profesional y el status social de los docentes, estimulando la capacidad de atraer a los mejores talentos de la sociedad para el ejercicio de la enseñanza y estímulos para la permanencia de los docentes en medios marginales [...]” Recomenda, ainda, que se preste especial atenção a “[...] las innovaciones en los métodos de enseñanza, la formación, la mayor valoración y el mejoramiento de las condiciones de trabajo de los profesionales de la educación; [...]” (UNESCO, 1987, p. 13). Como se percebe, a entidade considera prioritária a adoção de estratégias de valorização dos profissionais da educação e de suas condições de trabalho; porém, nos seus planos de ação, não há definição de estratégias para o alcance desses objetivos.
A III Promedlac ocorreu na Cidade da Guatemala, em junho de 1989, e as discussões nela ocorridas constam no Boletin 19 (UNESCO, 1989). Como nos demais documentos mencionados, inicialmente, consta o relato sobre as atividades desenvolvidas desde a última reunião – denominado consenso – e as recomendações da entidade para os Estados-membros. A exemplo da reunião anterior, nada se encontra registrado na primeira parte do documento quanto à formação de professores, e nas recomendações apresenta como um dos campos prioritários de ação a
Formación, capacitación y perfeccionamiento de personal clave: maestros para áreas rurales, urbano-marginales y biculturales; educadores de adultos y educadores populares; planificadores, administradores y supervisores a nivel local; investigadores y especialistas en informática aplicada a la educación. – Para desarrollar este campo se recomienda:
• fortalecer el carácter profesional y social del trabajo de este personal;
• enfatizar la articulación entre la práctica educativa y comunitaria y la teoría en los programas de formación, capacitación y perfeccionamiento;
• experimentar sistemáticamente diversas opciones de educación, utilizando modelos y unidades de formación participativa y otros medios para la formación y capacitación del personal necesario. (UNESCO, 1989, p. 11).
Continua presente nas recomendações, portanto, a necessidade de valorização profissional e social dos professores, de enfatizar a relação teoria e prática nos programas de formação, capacitação e aperfeiçoamento e experimentação de diferentes estratégias (modelos e meios) para a capacitação docente. Essa questão é retomada no mesmo documento com o seguinte texto:
[...] el Comité renueva las recomendaciones de la pasada reunión a los países y pone énfasis en la importancia de las estrategias orientadas a fortalecer el carácter profesional del trabajo docente mediante políticas de formación y perfeccionamiento y en el mejoramiento de las actuales condiciones del status profesional de los maestros, lo que implica la adopción de políticas destinadas a atraer hacia la profesión docente a jóvenes talentos, a dotar el personal en servicio con recursos técnicos adecuados y con bibliotecas especializadas y a procurar condiciones salariales que contribuyan a conservar y motivar al personal en servicio. El Comité advierte que si la actual situación de deterioro en las condiciones de trabajo se prolonga por varios años, sus efectos negativos pueden ser difícilmente reversibles en el futuro y podrían condicionar en forma desfavorable las estrategias y políticas de desarrollo educativo a mediano y largo plazo. (UNESCO, 1989, p. 16).
Essa recomendação avança em relação às propostas na reunião anterior, à medida que ressalta a necessidade de melhoria nas condições de trabalho e de remuneração docente, advertindo que elas têm se deteriorado ao longo dos anos e podem comprometer as estratégias políticas de desenvolvimento nos anos seguintes. Mas há no documento vários indicativos da existência de uma grave crise econômica nos países da América Latina e Caribe, a qual comprometeu a aplicação de recursos públicos na educação, razão pela qual se supõe que os investimentos em educação, além de restritos, não são destinados à formação e à melhoria das condições de trabalho docente, o que justificaria a insistência e o alerta do Comitê, constituído pelos Ministros da Educação dos Países-membros.
No Boletin 24 (UNESCO, 1991) constam os resultados da IV Promedlac, realizada em 1991 em Quito, que, segundo seus organizadores, foi considerada histórica pela presença da quase totalidade de ministros de educação dos países-membros, a importância dos conteúdos dos textos aprovados e pelo clima que se viveu durante as deliberações da reunião. O documento está organizado em cinco seções: na primeira, apresentam-se os avanços, as limitações, os obstáculos e os desafios da educação latino-americana, que constituíram o texto-base para as discussões, na segunda, constam as recomendações, em seguida, a Declaração de Quito, o relato das mesas redondas que ocorreram no evento e, por fim, um texto sobre as oportunidades de educação para as mulheres.
Nesse evento, a situação dos professores ocupou maior espaço nas discussões do que nas reuniões anteriores e se constatou que, embora tivesse havido a expansão quantitativa dos sistemas de ensino, o mesmo não se verificou em relação à qualidade. Na Conferência fez-se um balanço do andamento do Projeto na década anterior e concluiu-se que as medidas adotadas não foram suficientes para atender às expectativas propostas no referido Projeto. As razões não foram apenas de ordem financeira – como a falta de recursos suficientes –, mas também exigiria alteração nas estratégias de aplicação dos recursos, o que reforçou o papel da gestão educacional. A esse respeito, comentam Paiva e Araújo (2008, p. 259) que:
A transformação da gestão sugerida aponta para um outro papel e uma nova administração do Estado, reformulando sua atuação, organizando alianças e compartilhando com outros setores suas anteriores atribuições. É preconizada a implementação de um vasto processo de descentralização das ações educativas e a superação do modelo burocratizado e centralizado de Estado.
No texto-base (UNESCO, 1991), ficou evidenciada a deterioração das condições de trabalho e de emprego do profissional docente, a redução de salários, a deterioração do caráter profissional do seu trabalho, além das enormes dificuldades para implementar programas de aperfeiçoamento e apoio pedagógico. Apresentou também a conclusão de estudos feitos na região latino-americana, os quais indicaram a existência de fenômenos de desmotivação e frustração dos profissionais e constatou que as entidades representativas do magistério concentraram sua ação em lutas de reivindicação salarial com a existência de greves, as quais diminuíram os dias letivos dos alunos. Mencionou, ainda, que diante desse quadro os professores adotaram atitudes de resistência às reformas educacionais propostas por autoridades, pois estas não lhes ofereciam as condições adequadas de emprego ou de trabalho.
Também há no documento (UNESCO, 1991) críticas acerca do processo de formação inicial por parte das instituições formadoras de professores que apontam como principais problemas da formação inicial o desconhecimento das situações concretas das escolas, o ensino baseado na transmissão de conhecimentos que não se articulam de forma interdisciplinar e nem estabelecem relações com a prática docente, a formação inadequada, que faz com que, ao ingressar nas escolas, os novos docentes reproduzam os vícios já nelas consolidados, e a formação limitada dos formadores de docentes. Esse quadro aponta para a existência de uma certa “crise” nos centros de formação de professores. Silva (2012) comenta que a partir de 1990 ficou evidenciado, nas políticas educacionais propostas, que os países, além de modificarem a estrutura interna dos sistemas de ensino, promoveram duas modificações importantes em relação à formação de professores: a reestruturação das funções e atribuições das universidades, colocando-as em consonância com os fundamentos racionais de crescimento econômico e o reordenamento da formação e o trabalho dos docentes. As duas modificações nos países da América Latina seguiram os ditames dos órgãos internacionais, especialmente os organismos de financiamento que recomendaram e subsidiaram as reformas do ensino superior em vários países.
Há ainda no Boletin da IV Promedlac (UNESCO, 1991) a constatação de que “[...] el alto porcentaje de deserciones durante la formación y entre los egresados de las carreras de pedagogía para trabajar en educación, o que corrobora su condición de ‘carrera de consuelo’ de muchos que no han podido entrar en otra carrera de mayor status o prestigio social.” (UNESCO, 1991, p. 21). Quanto à formação continuada, há a constatação de que naquele contexto os programas de aperfeiçoamento “[...] por regla general, son escasos, esporádicos y desligados de los problemas de la práctica docente.” (UNESCO, 1991, p. 22).
Assim, nas recomendações do documento (UNESCO, 1991) consta uma série de medidas a serem tomadas pelos Estados-membros para melhorar a formação docente: aplicação de uma política integral de melhoria de sua situação que incluísse estratégias articuladas de formação, profissionalização e aperfeiçoamento, bem como melhoria de suas condições de trabalho e salário; aperfeiçoamento dos sistemas de formação inicial dos futuros docentes, centrando suas atividades de formação na aprendizagem; criação de sistemas de aperfeiçoamento permanente, em que os docentes pudessem analisar criticamente suas práticas e procurassem melhorar suas formas de ensino e que os estimulassem a uma permanente atualização de sua cultura científica e tecnológica; fomento à participação das entidades de representação do magistério no processo de gestação da mudança educacional e profissionalismo dos professores; fomento à participação de docentes na produção de materiais escritos e de experimentação, assim como de sua criatividade inovadora para a tarefa pedagógica; e o desenvolvimento de instâncias de demostração em que os professores pudessem divulgar e sistematizar experiências inovadoras (UNESCO, 1991, p. 23). Essa condição docente, como já expresso desde a II Promedlac, indica certa “culpabilização” dos professores pela baixa qualidade do ensino, conforme expressam Evangelista e Shiroma (2007, p. 7):
Nesse aspecto, o professor vem sendo atingido por todos os flancos: está na profissão porque não foi aceito em carreiras de maior prestígio; é incapaz para outras funções e a docência foi o que lhe restou; acomodou-se na carreira porque não há incentivos para desempenhos diferentes; não se preocupa com a qualidade do que faz porque seu salário é irrisório. Essas e muitas outras imagens denegatórias justificam uma ação dura sobre os docentes e oferecem o mote para a mobilização de pais e comunidade na tarefa de “incentivar” o professor a dedicar-se à escola e à docência.
A reunião da V Promedlac ocorreu em junho de 1993, em Santiago do Chile, e as conclusões se encontram compiladas no Boletin 31 (UNESCO, 1993). A exemplo das reuniões anteriores, o documento apresenta um panorama da situação da educação na América Latina, tendo como referência os princípios da Conferência Mundial de Educação (1990). A tônica do encontro foi definir estratégias educacionais para ampliar a competitividade dos países latino-americanos e caribenhos na economia global, conforme explícito na apresentação do documento: “[...] las delegaciones analizaron los requisitos para asegurar el acceso universal a los códigos de la modernidad y los imperativos para lograr la profesionalización y el protagonísmo de las escuelas y de los maestros.” (UNESCO, 1993, p. 2).
Assim, a necessidade de profissionalização da educação ocupou um espaço central nas discussões, e as recomendações indicam objetivos específicos e diretrizes, apresentados no quadro-síntese a seguir:
Quadro 1 – Síntese do Boletim 31
Profissionalizar a ação dos Ministérios de Educação |
Profissionalizar a ação da escola |
Profissionalizar o ensino nas escolas |
1. Fortalecer as capacidades políticas e sua inter-relação com as capacidades técnicas para a formulação e execução de programas. |
1. Desenvolver uma nova gestão dos estabelecimentos. |
1. Priorizar a aprendizagem da leitura e escrita. |
2. Introduzir novas práticas de planejamento e gestão. |
2. Afirmar a função estratégica do diretor da escola. |
2. Ensinar e aprender matemática. |
3. Estabelecer normas e sistemas nacionais de avaliação de desempenho do processo educacional. |
3. Fortalecer os novos papéis dos professores. |
3. Incorporação de componentes da cultura, ciência e tecnologia e meio ambiente. |
4. Desenvolver novas formas e condições de monitoramento das atividades locais, apoiando-se nas tecnologias da informação. |
4. Fortalecer a coordenação das ações da comunidade educativa. |
4. Remuneração e condições de trabalho docente. |
5. Criar condições para melhorar a qualidade e a quantidade da aprendizagem. |
5. Estimular a descentralização curricular. |
5. Formação e aperfeiçoamento docente. |
6. Desenvolver a capacidade de se concentrar em ações |
6. Garantir boa infraestrutura física e técnico-pedagógica das escolas. |
|
7. Desenvolver uma política de fomento de inovações. |
Fonte: adaptado de Unesco (1993).
Como se verifica no Quadro 1, a recomendação é para propostas de reformas focadas na profissionalização da gestão educacional em seus diversos níveis, desde os organismos centrais até o imediato, a escola.
Como já comentado anteriormente, a década de 1990 foi fortemente influenciada por reformas na gestão dos países latino-americanos motivadas pela orientação neoliberal que defendeu a redução do papel do Estado, considerado ineficiente e incapaz de cumprir as tarefas que lhe eram conferidas. Houve a defesa da redução do papel do Estado, a privatização do setor público e a desregulação dos mercados, o que influenciou na forma de gerir os sistemas educacionais.
A VI Promedlac foi realizada em 1996 na Jamaica e seus resultados são relatados no Boletin 40 (UNESCO, 1996). Na ocasião, além da Sexta Reunião do Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal, ocorreu também a Sétima Reunião de Ministros da Educação para a América Latina e Caribe.
No documento, a formação docente está contemplada na seção VII das recomendações, intitulada Aperfeiçoamento profissional ligado ao desempenho dos professores. (UNESCO, 1996, p. 11). Há nela a ênfase na profissionalização dos professores de modo a atender às necessidades específicas de aprendizagem de cada aluno, assumindo a responsabilidade pelos resultados. Para tanto, defende a necessidade de ampliar o corpo de conhecimento dos professores, o que exigia dos Estados Nacionais o estabelecimento de normas e frentes técnicas, financeiras e administrativas.
O Comitê, naquele documento (UNESCO, 1996), voltou a ratificar a necessidade de incentivar o desenvolvimento de uma imagem social positiva da carreira docente que, segundo o organismo, efetivaria-se com a melhoria das condições de trabalho e de remuneração, que deveria estar vinculada à formação em serviço e ao desempenho profissional. Para viabilizar a formação em serviço, recomendou aos Países-membros a elaboração de planos de formação em longo prazo que envolvessem o coletivo das escolas, tomando como foco os desafios impostos pela prática educativa, pois se constatou que a formação individualizada e descontínua não produz mudanças significativas. O texto não fez referência à forma como ocorreria a avaliação do desempenho docente, mas apontou a necessidade de melhorar o processo de sua contratação e definição de critérios de certificação, tendo como referência as normas profissionais e as qualidades pessoais requeridas pela atividade docente.
Na seção IX (UNESCO, 1996, p. 13), o documento apresenta recomendações para o ensino superior, advogando a necessidade de promover reformas para atender às exigências do desenvolvimento econômico e do mercado de trabalho e às exigências do desenvolvimento científico e tecnológico, por meio da promoção de mudanças instrumentais visando à conversão das universidades e outras instituições de ensino superior em catalisadores da melhoria da qualidade dos níveis de escolaridade mais baixos, com especial ênfase no currículo e na formação inicial de professores.
O tema formação docente também esteve presente na VII Promedlac, que ocorreu em Cochabamba, Bolívia, em março de 2001, tomando como referência o Fórum Mundial de Educação realizado em Dakar, Senegal, em abril de 2000. Ele consta na Declaração de Cochabamba, no item 3, no qual se faz uma análise da situação naquele momento:
Que para lograr aprendizajes de calidad en el aula los docentes son insustituibles. La transformación que suponen las reformas se define en la preparación y disposición del docente para la enseñanza. Enfrentar y solucionar la cuestión docente con un tratamiento integral sigue siendo factor clave y urgente para los próximos lustros. (UNOESC, 2001, p. 5).
Observa-se, então, que houve o reconhecimento de que nenhuma reforma poderia ser efetiva sem a adesão dos professores, e avaliou-se que estes, ainda, tinham recebido pouca atenção nas políticas educacionais dos Estados-membros. Por isso, na Declaração, no texto Recomendaciones sobre políticas educativas al inicio del siglo XXI (UNESCO, 2001), a formação docente constituiu um dos grandes eixos, apresentada na terceira seção: Fortalecimento e ressignificação do papel dos docentes, que contém cinco recomendações (16 a 20). Em síntese, tratou-se de adotar políticas nacionais integrais de formação inicial e em serviço, permanência e desenvolvimento na carreira, além de melhorias nas condições de trabalho e de remuneração. O texto apontou, ainda, para outros aspectos igualmente importantes:
Ainda naquela reunião, os governos da região latino-americana solicitaram à Unesco que tomasse a iniciativa de organizar, com os ministros da região, um novo Projeto Regional com uma perspectiva de 15 anos que incluísse os elementos principais da Recomendação e da Declaração aprovadas, realizando avaliações periódicas a cada cinco anos.
Como balanço dos resultados das sete reuniões (Promedlac I a VII), é possível apontar avanços importantes em relação à educação na América Latina e, especialmente, à formação dos professores, tema praticamente ausente nas primeiras reuniões e que foi sendo ampliado ao longo dos sucessivos eventos, resultando na ampliação do acesso ao ensino superior e no início das discussões acerca da profissionalização da docência. Também merece destaque a importância que foi sendo atribuída à formação continuada e à emergência de movimentos liderados pelos docentes – como os promovidos pelos sindicatos da categoria – em busca da melhoria das condições de trabalho e de valorização profissional.
A partir de 2000, a Unesco passou à segunda fase do Projeto, que foi apresentado em reunião realizada em Cuba em 2002, qual seja, o Projeto Regional de Educação para a América Latina e Caribe (Prelac), que pretendia traçar diretrizes para a educação no período de 15 anos, ou seja, até 2017. A organização promoveu as reuniões do Programa de Promoção das Reformas Educacionais na América Latina e Caribe (Preal) a partir de 2002.
Conforme documentos disponíveis no site da Unesco, duas reuniões do Prelac foram realizadas: a primeira em Havana, em 2002, e a segunda em Buenos Aires, Argentina, em março de 2007. Mais duas reuniões ocorreram, porém, não envolveram todos os ministros de educação dos Países-membros, restringindo-se à reunião de Mesa do Comitê: a primeira realizada em Puerto España, Trinidad e Tobago, em julho de 2009, e a segunda, no Rio de Janeiro, em novembro de 2010. São apresentados, a seguir, os documentos produzidos nas duas reuniões gerais.
No documento que registra os resultados da primeira reunião – a Declaração de Habana (UNESCO, 2002) –, o tema formação de professores esteve presente no texto Aspectos pendentes da situação educacional, em que se recomendou a adoção de políticas integrais de formação inicial e em serviço, a consideração do desempenho e do compromisso com os resultados e a remuneração do docente.
O tema também foi mencionado como um dos cinco focos estratégicos para os quais deveriam convergir as ações conjuntas dos países da região latino-americana, explicitado com o título Foco en: los docentes y fortalecimiento de su protagonismo en el cambio educativo para que respondan a las necesidades de aprendizaje de los alumnos. O documento (UNESCO, 2002, p. 22-23) apontou a necessidade de os Países-membros criarem políticas públicas que reconhecessem a função docente e valorizassem sua contribuição na transformação dos sistemas educacionais, já que o modelo de educação tradicional já não mais respondia aos desafios da sociedade do conhecimento e da informação. Essas políticas públicas, no que se refere à formação docente, precisavam estimular a complementação da formação inicial com a formação em serviço, centrando-se na produção de conhecimento com base na análise crítica da prática educacional. A formação continuada não poderia ser individualizada, mas ser estendida a todos os profissionais ligados à educação.
Outra estratégia para fomentar a formação dos profissionais que constou no documento (UNESCO, 2002) foi a criação de redes internacionais, regionais e nacionais de escolas envolvendo alunos e professores que utilizassem as tecnologias da comunicação para a troca de experiências e a discussão sobre sua prática educacional. Nesse mesmo sentido, recomendou-se o uso desses recursos para promover a formação inicial e em serviço.
Essas recomendações foram ratificadas na II Reunião, que ocorreu em 2007, e constam na Declaração de Buenos Aires no item 5:
Que es prioritaria una mayor inversión en los docentes para mejorar la calidad de la educación, atrayendo jóvenes más talentosos, mejorando las condiciones de trabajo y promoviendo carreras docentes que incrementen su eficacia profesional y su responsabilidad por los resultados de aprendizaje. Asimismo, se han de garantizar políticas integrales que vinculen la formación inicial – orientada al desempeño en contextos diversos –, la inserción laboral y la formación continua, la evaluación de su desempeño, el sistema de incentivos y remuneraciones, y los mecanismos para propiciar su participación. (UNESCO, 2007, p. 3).
Nas recomendações emanadas da reunião, que constam no documento (UNESCO, 2007), destacam-se aspectos ligados à carreira docente: condições de trabalho, remuneração, participação na definição de políticas e propostas educacionais e avaliação de desempenho. Maués (2009) comenta que essa situação também foi evidenciada na Europa, onde, em 2002, a Comissão Europeia criou o programa de trabalho Educação e formação 2010 (2002), por meio do qual se pretendia transformar a Europa em uma referência mundial de qualidade da educação. A autora registra que aquele documento chama a atenção para uma questão
[...] que parece estar incomodando também os países da América do Sul, como é o caso do Brasil. Trata-se da preocupação em “atrair” (essa parece ser a palavra-chave, tanto lá como cá) candidatos para a profissão de professor. Isso para todas as disciplinas e em todos os níveis. Essa “atração” deve ser exercida sobre pessoas que já tenham uma outra formação e experiência! (MAUÉS, 2009, p. 6).
Essa mesma preocupação, segundo Maués (2009), estava presente no documento O papel crucial dos professores; atrair, formar e reter os professores de qualidade, elaborado em 2005 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a partir dos dados coletados em pesquisa realizada em 25 Países-membros.
Referente à formação, o documento da Prelac (UNESCO, 2007) retomou a ideia de promoção de oportunidades de acesso à educação inicial e continuada que respondesse às exigências da sociedade do século XXI e que desenvolvesse nos docentes as competências necessárias para trabalhar com pessoas e contextos diversos, articulando a formação inicial com estratégias de acompanhamento aos docentes principiantes. Essa também é a tônica do documento da OCDE citado por Maués (2009), que demonstrou a influência que os documentos dos organismos internacionais têm na elaboração de estratégias educacionais nas diversas regiões do globo.
Ressalte-se, ainda, que no cenário dos anos 2000 a Unesco não teve a mesma importância na formulação das políticas para a América Latina, porque a partir do final da década de 1990 organismos financeiros, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com seu poder técnico e financeiro, passaram a definir os rumos da educação, inclusive financiando o Preal, como foi o caso do BID. Sobre a vinculação dessas agências financeiras com os programas da Unesco, explica Santos (2004, p. 49):
O PREAL, fundado em 1996, é codirigido pelo Diálogo Interamericano, pela USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), pelo BID (Banco Interamericano de Investimento) e, frequentemente, realiza trabalhos de pesquisa sob encomenda para o Banco Mundial e/ou com financiamento deste organismo, além de contar com o apoio do FUNDO GE e de representantes do grande capital transnacional.
Atentando para o que consta nos documentos do Projeto Principal da Unesco produzidos desde a década de 1980, conclui-se que, no que se refere aos professores, uma das premissas sempre presentes é a da responsabilização dos docentes pela situação de deficiência da educação, o que estaria ligado à sua formação inicial inadequada, e a forma de superação dessas dificuldades seria a formação continuada.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os organismos internacionais tiveram e continuam tendo uma atuação bastante acentuada na definição de políticas econômicas, sociais e educacionais nas diversas regiões do globo, considerando-se o processo de mundialização da economia e de integração econômica em blocos regionais. A globalização, divulgada pelas grandes corporações pela sua faceta de fábula, especialmente na última década, tem produzido resultados desastrosos para muitas regiões, pois os benefícios obtidos por meio da revolução tecnológica não são distribuídos de forma igualitária, mantendo-se nos países centrais e economicamente mais desenvolvidos.
No que se refere à educação, desde a década de 1980, a ONU, por meio da Unesco, tem promovido projetos educacionais no contexto latino-americano e caribenho, com a finalidade de adequar o sistema educativo às exigências do mercado internacional, especialmente o Projeto Principal de Educação na América Latina e Caribe (1980-2000) e o Projeto Regional de Educação para a América Latina e Caribe (2002-2017).
Analisando os documentos – Declarações e Recomendações – elaborados nas Reuniões do Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação na América Latina e Caribe (Promedlac), fica bem evidenciado que a formação de professores, tema sobre o qual procuramos dissertar neste trabalho, foi adquirindo maior importância no contexto latino-americano, pois estava praticamente ausente nas primeiras reuniões, que tinham como foco principal a ampliação da educação mínima de 8 a 10 anos para todas as crianças em idade escolar, a superação do analfabetismo, a expansão das oportunidades educacionais aos adultos e a melhoria da qualidade de ensino; as ações não previam e não consideravam os professores – e sua formação – como elementos centrais.
A partir da IV Promedlac (UNESCO, 1991), a atuação docente passou a ser objeto de inúmeras preocupações por parte dos Estados-membros e dos Organismos Internacionais. Assim, de mero coadjuvante nos períodos anteriores, o professor passou a ser o protagonista – e o maior responsável – pelos problemas e avanços da educação latino-americana.
Ressalte-se que, se até 1991 a Unesco tinha papel central na formulação de projetos e recomendações para os países latino-americanos que, da mesma forma que a Cepal, procuravam dotar o continente de condições para o seu desenvolvimento, a partir disso, as influências dos organismos de financiamento foram lhe retirando o protagonismo e procuraram adequar os sistemas de ensino dos países latino-americanos às exigências do capital internacional.
Quanto à atuação da Unesco, se analisarmos os diagnósticos apresentados nas primeiras reuniões que descreviam o contexto educacional nos Países-membros, pode-se concluir que as Promedlacs trouxeram importantes contribuições para o avanço das políticas educacionais da região, pois houve a ampliação da educação básica, a redução do alto índice de analfabetismo, a ampliação das oportunidades educacionais para pessoas com deficiência e aos grupos até então excluídos da escolarização, entre outras garantias.
A partir de 1990, porém, ao mesmo tempo que houve a ampliação do número de vagas, percebem-se maiores dificuldades de manutenção das escolas, o que provocou um “sucateamento” pedagógico das instituições. Também ficou evidenciada a necessidade de melhorar a formação, as condições de trabalho e o reconhecimento/valorização da profissão docente, pois naquele contexto se acentuou a necessidade de contar com professores mais qualificados, em razão de que o seu papel tem se ampliado, e, segundo Evangelista e Shiroma (2007, p. 539), algumas características docentes passaram a ser consideradas essenciais, como “[...] capacidade de adaptação; rapidez nas respostas e solução de problemas; flexibilidade na gestão dos problemas cotidianos; habilidade em responder às demandas de pais, alunos e gestores.” Essa demanda impõe novos e constantes desafios na formação e condições de trabalho dos docentes, aspectos que continuam carecendo de investimentos nos países latino-americanos e caribenhos.
É importante registrar que a crise econômica vivenciada pelos países da região interfere no desenvolvimento de políticas educacionais na medida em que os governos acabaram por optar pela redução nos investimentos na área e pela não valorização da profissão docente. Assim, o que se verifica na última década, especialmente no Brasil, é a baixa procura, por parte dos concluintes do ensino médio, por cursos de licenciatura, porque não querem seguir a carreira docente, não somente pelos baixos salários e poucas possibilidades de ascensão profissional, mas especialmente em razão do baixo status social da profissão.
Essa é, em linhas gerais, a situação atual dos países latino-americanos em relação à educação e à formação dos professores. A educação vive, segundo Antunes (2005), uma fase de europeização e de constituição de um referencial global europeu para as políticas educativas que assumem intensidade, amplitude e profundidade de intervenção claramente distantes daquelas que ocorriam há apenas uma década.
Mas Santos (2001) fez menção a uma dimensão da globalização: como promessa, como vir a ser, como possibilidade, a que ele chamou de “outra globalização”. Será isso ainda possível no contexto atual? Olhando para o dito fenômeno a partir da perspectiva dialética, é preciso considerar que nenhuma situação é estática, definitiva, estabilizada, mesmo que aparentemente assim se apresente. Sendo fruto de produções humanas, a globalização, em cada movimento, traz em si o germe da mudança, a possibilidade da desconstrução que, muitas vezes, não é um movimento aparente, o que Santos (2007, p. 28) chamou de Sociologia das Ausências. Sobre esse conceito, o autor afirma que muito do que existe na realidade não é percebido, é como se não existisse, e o nosso desafio é não reduzir a realidade ao que existe.
Outro movimento importante na superação dessa versão perversa da globalização é, segundo Santos (2007, p. 38), a Sociologia da Emergência, que “[...] produz experiências possíveis, que não estão dadas porque não existem alternativas para isso, mas são possíveis e já existem como emergência.” Há, portanto, um duplo desafio: dar visibilidade ao que parece não existir, dar-lhe a aparência do real e, ao mesmo tempo, construir as condições objetivas para fazer emergir aquilo que ainda não é aparente. Como encarar esse duplo desafio é tema que o presente trabalho não nos permite discutir, mas é tarefa de todos aqueles que, conforme Santos e Santos, acreditam na possibilidade de construção de um outro mundo.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, F. Globalização e europeização das políticas educativas: percursos, processos e metamorfoses. Sociologia, Problemas e Práticas, Lisboa, n. 47, p. 125-143, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/pdf/spp/n47/n47a07.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2014.
EVANGELISTA, O.; SHIROMA, E. O. Professor: protagonista e obstáculo da reforma. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 33, n. 3, p. 531-541, set./dez. 2007.
JAEGER JÚNIOR, A. Mercosul e a livre circulação de pessoas. São Paulo: LTr, 2000.
MAUÉS, O. C. A reforma da Educação Superior e o trabalho docente. Educ. rev., Curitiba, 2010.
MAUÉS, Olgaíses Cabral. A Reforma da Educação Superior e o Trabalho Docente. Trabalho apresentado no VI Seminário da Rede Estrado - Regulação Educacional e Trabalho Docente. Rio de Janeiro, RJ: UERJ, 2006.
MAUÉS, O. C. Regulação educacional, formação e trabalho docente. Estudos em Avaliação Educacional, Fundação Carlos Chagas, v. 20, n. 44, p. 473-492, 2009.
NAYYAR, D. Globalização e Mercados: desafios para a Educação Superior. In: UNESCO/GUNI. Educação superior em um tempo de transformação: novas dinâmicas para a responsabilidade social. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009.
PAIVA, E. V. de; ARAÚJO, F. M. de B. A política de formação de professores da Unesco no Projeto Principal de Educação para América Latina e Caribe. Educação, Porto Alegre, v. 31, n. 3, p. 217-222, set./dez. 2008.
SANTOS, A. de F. T. Entre a cooptação e a repressão: capital e trabalho nas reformas educacionais latino-americanas. In: GOMES, C. (Org.). Temas do Ensino Médio. Rio de Janeiro: EPSJV/FIOCRUZ, 2004.
SANTOS, B. de S. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. São Paulo: Boitempo, 2007.
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
SILVA, M. A. da. Educação e formação docente no ensino superior da União Europeia. RBPAE, v. 28, n. 3, p. 607-628, set./dez. 2012.
UNESCO. Constituição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. 1947. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001472/147273por.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2014.
UNESCO. La Unesco y el desarrollo educativo en América Latina y el Caribe. Boletin Proyeto Principal de Educación, n. 45, p. 5-18, 1998.
UNESCO. Proyecto Principal de Educacion en América Latina y el Caribe. Boletin 6, 1985. Disponível em: <http://portal.unesco.org/geography/en/ev.php- URL_ID=8588&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html>. Acesso em: 12 jun. 2014.
UNESCO. Proyecto Principal de Educacion en América Latina y el Caribe. Boletin 12, 1987. Disponível em: <http://portal.unesco.org/geography/en/ev.php- URL_ID=8588&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html>. Acesso em: 12 jun. 2014.
UNESCO. Proyecto Principal de Educacion en América Latina y el Caribe. Boletin 19, 1989. Disponível em: <http://portal.unesco.org/geography/en/ev.php- URL_ID=8588&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html>. Acesso em: 13 jun. 2014.
UNESCO. Proyecto Principal de Educacion en América Latina y el Caribe. Boletin 24, 1991. Disponível em: <http://portal.unesco.org/geography/en/ev.php- URL_ID=8588&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html>. Acesso em: 13 jun. 2014.
UNESCO. Proyecto Principal de Educacion en América Latina y el Caribe. Boletin 31, 1993. Disponível em: <http://portal.unesco.org/geography/en/ev.php- URL_ID=8588&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html>. Acesso em: 12 jun. 2014.
UNESCO. Proyecto Principal de Educacion en América Latina y el Caribe. Boletin 40, 1996. Disponível em: <http://portal.unesco.org/geography/en/ev.php- URL_ID=8588&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html>. Acesso em: 12 jun. 2014.
UNESCO. Proyecto Regional de Educación para América Latina y el Caribe. Declaração de Cochabamba, 2001. Disponível em: <http://portal.unesco.org/geography/es/ev.php-URL_ID=8584&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.htmll>. Acesso em: 15 jun. 2014.
UNESCO. Regional de Educación para América Latina y el Caribe. Declaração de Habana, 2002. Disponível em: <http://portal.unesco.org/geography/es/ev.php-URL_ID=8584&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html>. Acesso em: 15 jun. 2014.
UNESCO. Regional de Educación para América Latina y el Caribe. Declaração de Buenos Aires, 2007. Disponível em: <http://portal.unesco.org/geography/es/ev.php-URL_ID=8584&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html>. Acesso em: 15 jun. 2014.
ZARAGOZA, F. M. Tendências políticas e sociais de globalização: desafios para a Educação Superior. In: UNESCO/GUNI. Educação superior em um tempo de transformação: novas dinâmicas para a responsabilidade social. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009.
Recebido em: 19 de março de 2015
Aceito em: 18 de junho de 2015
Endereço para correspondência: Rua Jacinto Vilanova, 179, Apto. 604, Annes, 09901-029, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil; marilandi.vieira@sertao.ifrs.edu.br
Roteiro, Joaçaba, v. 40, n. 2, p. 437-460, jul./dez. 2015