http://dx.doi.org/10.18593/r.v40i1.5941

RESENHA

BALANÇO DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA (1999-2009): AÇÕES E PROGRAMAS

Mariana Cunha Bhering*

O livro Balanço da política educacional brasileira (1999-2009): ações e programas foi lançado em 2013, pela editora Mercado das Letras, e organizado por Débora Cristina Jefrey e Luis Enrique Aguilar. A obra retrata a política educacional brasileira das últimas décadas, no período de 1999 a 2009, contexto de grandes mudanças administrativas e pedagógicas, em relação à educação escolar. Os artigos analisam ações e programas das últimas décadas desenvolvidos no Brasil com suporte da teoria, da legislação e da implementação da política pública educacional.

O artigo Marcos institucionais e gestão da educação básica no Brasil (1999-2009), de João Augusto Gentilini, discute a gestão educacional partindo da ideia de que são variadas as formas de se conduzir e interferir nas organizações e instituições educacionais, no papel de mediadora entre as organizações e instituições educacionais e a sociedade. Ele faz um breve panorama dos marcos institucionais e gestão da educação básica com foco no período de 1999 a 2009.

A Constituição Brasileira e, posteriormente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) definiram os grandes princípios a nortear a Gestão Educacional no Brasil: da descentralização educacional, da gestão democrática e da flexibilização de organização e funcionamento dos sistemas educacionais nas instâncias da União, Estados e Municípios. Também por meio de novos mecanismos de financiamento da educação básica e fomento da descentralização do ensino educacional por meio da Lei n. 9.394/96, EC n. 14/1996 que instituiu o Fundef depois transformado em Fundeb.

No artigo Avaliação e monitoramento do ensino fundamental no Brasil de Dirce Nei Teixeira de Freitas, disserta-se sobre a estratégia de avaliação em larga escala de desempenho dos alunos e monitoramento do alcance de metas projetadas, em relação ao plano político-institucional e administrativo desde 1998 no Brasil.

A avaliação e o monitoramento estão relacionados às estratégias de governo e governança educacionais e associados a múltiplos interesses e requerimentos de diferentes escalas territoriais. Ao falar das peculiaridades político-institucionais brasileiras, a autora explicita que a regulação educacional está atravessada por processos nos quais interagem múltiplas agências e atores sob condicionamentos políticos, econômicos, administrativos, institucionais e culturais diversos, expressando resultados de escolhas e decisões que possibilitam nexos intra e interescalas.

Em relação à dimensão político-administrativa e à configuração do governo no Ministério da Educação (MEC), a autora identifica três momentos: o primeiro, de 1988 a 1995, momento de redefinição da atuação estatal na área social, que teve como uma marca educação fragilizada pela falta de estabilidade político-administrativa e burocrática da educação nacional; no segundo, de 1995 a 2002, no qual o MEC esteve sob o comando do economista Paulo Renato Souza, que institucionalizou mecanismos de distribuição de responsabilidades entre os entes federativos na gestão da educação básica, induzindo à municipalização do ensino fundamental e da educação infantil. O momento seguinte sucedem três anos (2003-2005), período de instabilidade político-administrativa no comando da pasta educação e na composição da burocracia do MEC. Em 2005, inicia-se um novo período com o sociólogo Fernando Haddad. Nessa gestão, aumentou a responsabilização das esferas governamentais, das instituições e dos profissionais da área, e a busca de mobilização da sociedade organizada, de entidades públicas, redes sociais, famílias, cidadãos.

Desde 1990, o monitoramento educacional vem sendo organizado pela União, alcançando os municípios brasileiros. Entre 1988 e 2005, o INEP criou, testou e aprimorou instrumentos de avaliação em larga escala, em especial o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). A partir de 2005, com a reformulação do SAEB, a Prova Brasil passou a ser mais um importante instrumento de monitoramento, para levantamento censitário sobre o desempenho das unidades escolares, das turmas e dos estudantes das séries avaliadas.

O Ideb é um indicador que possibilitará à União verificar o cumprimento de metas fixadas no Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação.

A reorganização das estruturas das secretarias do MEC também favoreceu o monitoramento; possibilitou que as tradicionais funções de apoio técnico ocorressem de forma menos mediada junto às escolas. Foram criadas diversas ferramentas para o aprimoramento do desenvolvimento do ensino fundamental, adotou-se como estratégia política a regulação centralizada e centralizadora, com a finalidade de se obter efetivação, eficácia e eficiência na promoção da qualidade do ensino.

O artigo Privatização da educação no Brasil: estratégias de regulação pelo setor privado da educação obrigatória, de Thereza Adrião, discute o cenário da privatização da educação básica em relação à transferência de responsabilidades da esfera pública para a esfera privada, por meio de fomento da regulação, da gestão e da qualificação da gestão pública.

Após as eleições pós-ditadura (1989), iniciou-se um conjunto de medidas que desregulou a economia e abriu os mercados para o capital internacional, inviabilizando a efetivação das promessas de bem-estar social.

Ao atribuir aos municípios a tarefa de atender à demanda do ensino fundamental, visto que essa esfera de governo do ensino fundamental resultou na proliferação de sistemas e redes municipais de ensino, em sua maioria desaparelhados e nada orgânicos, incapazes de elaborarem políticas educativas consistentes e de dotarem as escolas de condições mínimas de funcionamento que justifiquem a autonomia escolar.

A lógica de governança pública adotada nos mandatos presidenciais assimila o setor privado (com fins lucrativos ou não) como agente e parceiro na elaboração das políticas públicas, dado o pressuposto de que a ação estatal ou governamental é insuficiente e, por vezes, refrataria para apreciar e atender às demandas sociais.

Diversas instituições, como Fundações, Institutos, Centros e outros oferecem seu “qualificado” apoio técnico junto às esferas governamentais. Em relação ao Brasil, as fundações configuram-se como organizações privadas sem fins lucrativos, que podem inclusive receber recursos públicos. A presença das entidades sem fins lucrativos seria uma alternativa à gestão educacional nas regiões mais pobres do Brasil: Norte e Nordeste, como foi a adoção do Programa Gestão Nota 10, proposto pelo Instituto Ayrton Senna.

Os chamados “sistemas privados de ensino” conduzem, para municípios e estados brasileiros, os currículos escolares, a sistemática de avaliação, os programas de formação em serviço dos profissionais da educação, entre outras ações que explicitam a transferência da responsabilidade sobre a elaboração da política educativa para tais empresas. A autora analisa o processo de transferência da gestão da educação pública para o setor privado, no Estado de São Paulo. Evidencia o crescimento por adoção dos municípios paulistas com programas educacionais elaborados por instituição privada. Em 2002, 47, ou seja, 74% dos municípios paulistas contrataram programas educacionais elaborados por instituições privadas.

As “cestas de serviços” que integram os “sistemas privados de ensino” variam de acordo com a capacidade do orçamento dos governos, e, provavelmente, varia também a qualidade dos materiais e assessorias oferecidos como “sistemas privados” para escolas privadas que se transformam em franquias.

Assim, no Brasil tem-se materializado a privatização da educação básica, cuja principal estratégia tem sido a transferência para as esferas privadas da própria função, antes pública, de elaboração da política educacional a ser implantada por diferentes níveis de governo. Cada vez mais o setor privado com fins lucrativos passa a regular, gerir e qualificar a gestão pública da educação a partir de padrões estabelecidos fora do Estado.

O artigo As políticas educacionais e a formação de professores, de Anselmo Alencar Colares e Maria Lília Imbiriba Sousa Colares, refere-se às políticas educacionais em relação às demandas do mercado globalizado e das políticas neoliberais.

As políticas educacionais que se destinam à formação dos professores remetem ao descaso desses profissionais, o qual pode ser superado com uma formação contínua, muito além da formação inicial e pós-graduação, e com diálogo entre teoria e prática. Os autores propõem que pensar a formação docente implica compreender essa atividade profissional para além do espaço da sala de aula; a docência significa o preparo para o desenvolvimento de um conjunto de ações que se desenvolvem em espaços diversos e que são voltadas à formação da cidadania, que envolva nessa aprendizagem o desenvolvimento integral da pessoa, de atitude e valores. Portanto, essa formação do profissional não deve se limitar à mera transmissão de conteúdo, sem sentido para ele e muito menos significativo para os estudantes.

O artigo Sonata para a educação de jovens e adultos: harmonias e dissonâncias na geopolítica de movimento de uma década, de Jane Paiva, traz elementos para a compreensão da Educação de Jovens e Adultos (EJA) na atualidade e no passado. Também apresenta um breve panorama histórico-político do Brasil.

A questão da EJA ganha mais visibilidade pela pressão social e pelo contexto de elaboração e implementação de políticas no país. A educação para todos, independente de idade expressa em documento oficial, é promulgada na Constituição apenas em 1988 e também requerida pelo acordo de Jomtien (1990), na Tailândia, entre as metas pouco tem ido além da alfabetização. “A taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade alcançou o percentual de 9,7%, correspondendo a 14,1 milhões de analfabetos.” Esse resultado é de 2010, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE 2010).

Entendendo que para continuar os estudos no ensino fundamental, o processo de alfabetização e a aprendizagem da leitura não são suficientes, se não haver acesso a matérias de leitura que contribuam para a formação de leitores. Cita-se como exemplo os materiais mais específicos para o público da EJA usados no concurso Literatura para Todos, com a integração do público do EJA ao Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).

No artigo Políticas educacionais de ação afirmativa no Brasil. Por quais caminhos?, de Andrea Lopes da Costa Vieira e José Jairo Vieira, é proposta uma análise de qual foi o trajeto das políticas educacionais de ação afirmativa nos últimos dez anos.

Tomou-se como estratégia de ação afirmativa e antidiscriminatória, que apesar de princípios e métodos diferenciados, tornaram-se emblemáticos para a difusão da ideia de discriminação: a organização de cursinhos Pré-Vestibulares para Negros e Carentes (PVNC), e a elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos (1996), o primeiro documento oficial do governo brasileiro a contemplar a adoção de medidas de ações afirmativas como mecanismo de minimização de desigualdades raciais.

Os movimentos sociais e, em especial, os integrantes do movimento negro protagonizaram uma experiência inédita e ressignificaram os tradicionais “cursinhos pré- vestibulares”. Também fez parte de pressões do movimento negro o cumprimento relativo à discriminação do emprego junto a denúncias realizadas em 1992 à Organização Internacional do Trabalho pelo não cumprimento da Convenção 111 (Decreto n. 62.150). Esse documento é um marco no compromisso do Brasil em assumir o combate à discriminação social por meio de formação e implementação de políticas públicas de promoção à igualdade de oportunidade especialmente no mercado de trabalho, assinado em 1968.

O sistema universitário público não teve apenas cotas raciais, foi ampliado com as cotas sociais, contemplando indígenas, quilombolas, deficientes físicos, etc.; que também não estavam contemplados no ensino superior em igual número dos demais.

O Prouni é herdeiro das tradições de reformas educacionais iniciadas ainda no período autocrático em 1968, do qual resultaram a ampliação do sistema privado e a manutenção das desigualdades no sistema público, “[...] este programa é ainda a expressão de jogo de barganha política na qual as universidade privadas pactuam com a adesão, em troca de renúncia fiscal.” (VIEIRA; VIEIRA, 2013, p. 150).

Entre 1990 e os anos 2000, é inegável o aumento no número dessas políticas e iniciativas. Após volta dos anos 2000, a aliança Ação afirmativa-Educação ampliou espaços de opinião pública para as discussões específicas sobre desigualdade racial, desigualdade social, exclusão, inclusão e diversidade até então restritas ao circuito dos textos acadêmicos e encontros e reuniões científicas.

Com setores institucionalizados do governo brasileiro e a interface da sociedade civil, surgiram novos instrumentos de ação para os movimentos sociais que permitem a divulgação de suas agendas de demanda.

O artigo A indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão: caminhos das políticas brasileiras, de Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira, trata da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e relaciona as atividades que devem ser desenvolvidas pelas universidades.

As instituições universitárias têm a obrigatoriedade de indissociabilidade entre os três segmentos de atividades, de acordo com a Lei n. 5.548/68.

A autora tem como base dos estudos o Censo Escola; de quase cinco milhões de alunos na educação superior (4.880.381), apenas 1.240.069 estão em instituições públicas e 3.639.413, em instituições privadas. Os dados do Censo evidenciam que o contexto da educação superior está cada vez menos propício para a indissociabilidade, uma vez que as legislações viabilizam essa condição, regulam e permitem que nas instituições a formação seja feita apenas pelo estudo.

A autora aponta que um dos problemas para que a indissociabilidade continue com princípios pedagógicos da formação de todos os alunos é a diversidade de tipos de instituições de ensino superior. Essa diversidade de instituições insere-se na forma democrática e se apresenta como uma alternativa para a demanda do ensino superior. Entende-se que os estudantes necessitam de uma formação mais técnica e pragmática, voltada para o mercado de trabalho.

Uma atividade de pesquisa e ensino, que faz parte de um plano pedagógico da instituição e do curso, portanto, trata-se de um compromisso social da pesquisa e do ensino.

A preocupação entre a pesquisa e o ensino é encontrada pela primeira vez no Estatuto das Universidades Brasileiras, de 1931, na Constituição Brasileira de 1946, após a ditadura de Getúlio Vargas.

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96), a pesquisa é definida como finalidade para as universidades e não para as outras instituições de educação superior: centros universitários, faculdades integradas, faculdades e institutos superiores e escolas superiores. Essas instituições preveem atividade de ensino, mas são facultadas as funções de pesquisa e extensão.

A importância da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão está relacionada ao princípio epistemológico e define o procedimento pedagógico para a formação do aluno. A autora ressalta, em relação à iniciação científica promovida pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), que o programa não tem como objetivo desenvolver em todos os estudantes o espírito investigativo próprio da formação universitária, mas segue seu objetivo de despertar a vocação científica, voltada para alunos considerados potenciais.

A pesquisa na universidade brasileira hoje, fruto das atuais políticas neoliberais, tem mantido uma maior relação com o setor produtivo, decorrentes de sua relevância social e mercadológica, com isso, perde sua autonomia e sua liberdade. Seu avanço se faz apenas em temas de interesses imediatos, mercadológicos ou de uma suposta relevância social imediata. (PEREIRA, 2013, p. 175).

Os novos rumos da indissociabilidade permanecem na dependência da discussão do Projeto de Reforma Universitária (PL n. 7.200, de 2006), que está em tramitação no Congresso Nacional. Caso seja aprovada a nova lei, culminará em uma ruptura da sinalização explícita da indissociabilidade entre as funções de ensino, pesquisa e extensão. No Projeto de Reforma, entre os artigos, define-se a educação superior como função social desenvolvida por meio de atividades das três funções, sem referência à indissociabilidade, e prevê a possibilidade das universidades de estruturar com ínfimas condições básicas para o desenvolvimento da indissociabilidade em relação ao regime de trabalho e à qualificação do docente.

A expansão do ensino superior, feita principalmente por meio de faculdades e institutos isolados, evidencia o ensino como atividade prioritária. A indissociabilidade será viável se a universidade for capaz de superar a tradição do ensino fragmentado, superar a pouca ênfase das legislações e continuar havendo Fóruns que se defendam e vejam a importância de as universidades continuarem a ter a indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão como grande valor.

Os artigos configuram um importante panorama das políticas educacionais recentes para quem está ingressando tanto na graduação quanto na pós-graduação. É reforçado, no desenvolver dos artigos, os marcos legais da política educacional tanto da Constituição Brasileira quanto das Leis de Diretrizes e Bases (LDB) e os elementos mais específicos de cada temática. Os artigos trazem a problemática de pensarmos a qualidade do ensino no país, fazendo um panorama das debilidades, como, por exemplo, a presença forte da privatização do ensino e os grandes avanços na área. Por ter temáticas diferentes, os artigos não perdem sua essência se lidos em outra sequência e reforçam o contexto neoliberal no qual a política educacional brasileira não está desassociada.

REFERÊNCIAS

JEFFREY, D. C.; AGUILAR, L. E. (Org.) Balanço da política educacional brasileira (1999-2009): ações e programas. Campinas: Mercado das Letras, 2013.

PEREIRA, E. M. de A. A indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão: caminhos das políticas brasileiras. In: JEFFREY, D. C.; AGUILAR, L. E. (Org.) Balanço da política educacional brasileira (1999-2009): ações e programas. Campinas: Mercado das Letras, 2013.

Recebido em: 02 de outubro de 2014

Aceito em: 15 de março de 2015

Roteiro, Joaçaba, v. 40, n. 1, p. 213-220, jan./jun. 2015