http://dx.doi.org/10.18593/r.v40i1.4291

AVALIAÇÃO E QUALIDADE: DIFERENTES PERCURSOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Nilceia Vieira*

Valdete Côco**

Resumo: As questões envolvendo a avaliação e a qualidade continuam na centralidade das políticas educacionais brasileiras, e são também objeto de muitos trabalhos científicos. Este texto discute sobre as interlocuções da avaliação e da qualidade no contexto da Educação Básica (EB), demarcando as diferentes trajetórias entre as etapas que compõem esse nível de ensino. Consideram-se como aportes as produções acadêmicas e a legislação brasileira, bem como as articulações entre as temáticas na perspectiva de sua relevância para as políticas educacionais contemporâneas. Aponta-se, então, para a necessidade de um posicionamento dos diferentes atores sociais acerca dos processos de avaliação da qualidade, que precisam estar articulados às finalidades da educação.

Palavras-chave: Avaliação. Qualidade. Educação Básica. Educação Infantil.

Evaluation and quality: different routes in Basic Education

Abstract: The questions involving the evaluation and the quality continue in the centrality of Brazilian educational policies, and they are also object of many scientific papers. This text discusses the interlocutions of the evaluation and the quality in the context of Basic Education (BE), demarcating the different routes between the stages which compose this level of teaching. The academic productions and the Brazilian legislation are considered to be contribution, as well as the articulations between the themes in the perspective of their relevance to the contemporary educative policies. Therefore, it is worth pointing out the necessity of a positioning of the different social actors about the processes of evaluation of quality, which need to be articulated to the purposes of education.

Keywords: Evaluation. Quality. Basic Education. Early Childhood Education.

1 INTRODUÇÃO

No contexto da educação brasileira, a abrangência e a diversidade do campo de conhecimento da avaliação educacional permitem observar algumas vertentes avaliativas, com direcionamentos diversos e, geralmente, firmados na busca pela qualidade. Entre as diferentes modalidades de avaliação que compõem esse cenário atual, a abordagem deste texto direciona-se, principalmente, para a avaliação externa ou em larga escala e, simultaneamente, para a avaliação interna ou institucional, ambas no contexto da Educação Básica (EB). O intuito é refletir sobre as interlocuções entre a qualidade e essas práticas avaliativas, destacando a singularidade do percurso da Educação Infantil (EI), primeira etapa da EB.

É importante situar que a organização da educação no Brasil em dois níveis (EB e Ensino Superior) foi instituída a partir da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) (BRASIL, 1996). Nessa nova composição, a EB abarca três distintas etapas: a EI, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Como assinala Cury (2002), essa mudança na legislação nacional representa a luta e o empenho de educadores para a formalização de alguns objetivos almejados, possibilitando um olhar diferenciado para a educação. Desse modo, “A ideia de desenvolvimento do educando nestas etapas que formam um conjunto orgânico e sequencial é a do reconhecimento da importância da educação escolar para os diferentes momentos destas fases da vida.” (CURY, 2002).

Na perspectiva dessas movimentações coletivas, cabe realçar que as lutas e as reivindicações são compostas por tensões, aproximações, contradições e afastamentos e se articulam em um contexto político, econômico e social situado historicamente. Assim, torna-se imprescindível considerarmos os impactos das políticas econômicas nacionais e internacionais sobre os sistemas educativos e, portanto, sobre os diferentes sujeitos que habitam as escolas e estão implicados nas questões que envolvem avaliação e qualidade educacional.

Nesse sentido, ao abordar a questão da sociologia das políticas educacionais, Ball (2006) alerta sobre a desconexão das pesquisas na área, pois há situações em que o contexto maior das políticas sociais, no qual se insere a pesquisa, é desconsiderado, e os atores que vivem os dramas da educação são excluídos da sua totalidade social e dos desafios pertinentes. O autor propõe, então, refletir em meio a essas “vozes” sobre “[...] como nos engajamos com as identidades social e coletiva dos nossos sujeitos de pesquisa.” (BALL, 2006, p. 20).

Essa reflexão nos impele a dialogar, ao longo do texto, com resultados de estudos e pesquisas, com as concepções presentes em documentos oficiais e com as proposições das diferentes entidades científicas, das associações e dos movimentos sociais expressos no Documento-Referência da Conferência Nacional de Educação (Conae)1 (BRASIL, 2014), elaborado pelo Fórum Nacional de Educação (FNE)2 sobre a relevância dos processos de avaliação para promover a qualidade da educação. As proposições apresentadas nesse Documento ganham relevo, sobretudo, pela abrangência e engajamento dos participantes, pela diversidade de representações e pela atualidade dos estudos e debates.

Para a estruturação deste texto, apresentamos, primeiramente, a discussão sobre a qualidade da educação na perspectiva de sua construção histórica e social e de sua inter-relação com a avaliação. Em seguida, abordamos a temática da avaliação no contexto da EB em um panorama mais ampliado, ressaltando as particularidades da avaliação externa ou em larga escala e da avaliação interna ou institucional e suas interlocuções com a qualidade. Na sequência das reflexões, destacamos o percurso da EI – primeira etapa da EB –, apontando alguns desafios de sua trajetória em relação à avaliação e à qualidade.

2 A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO EM CONSTANTE DEBATE

A qualidade da educação integra os debates no campo político e pedagógico, demarcando a defesa de uma educação que atenda às necessidades dos sujeitos envolvidos nesse processo. Podemos considerar que a premissa da “busca pela educação de qualidade” constitui-se como um ponto de convergência dos propósitos manifestos por pesquisadores, docentes, militantes dos movimentos sociais e sindicatos, estudantes, famílias, políticos, economistas, administradores e instituições financeiras.

Em nome da educação de qualidade, levantam-se bandeiras de luta, implementam-se reformas, alteram-se programas, publicam-se leis, definem-se políticas. Ou seja, o anseio pela educação de qualidade baliza o discurso e a prática de diferentes atores no cenário social brasileiro. No entanto, as concepções de qualidade e seus desdobramentos em relação às políticas educacionais abrigam controvérsias e contradições.

A garantia do padrão de qualidade é um princípio constitucional da educação nacional, previsto no artigo 206, inciso VII, da Constituição Federal (CF) (BRASIL, 1988), e no artigo 3º, inciso IX, da LDB (BRASIL, 1996). Nesse contexto da legislação, cabe reafirmar que as conquistas resultam de processos históricos em que ações, sujeitos e movimentos distintos interagem, promovendo negociações e mudanças, quase sempre em meio a tensões, discordâncias e alianças.

Dessa forma, torna-se importante compreender a qualidade a partir de “[...] uma perspectiva polissêmica, em que a concepção de mundo, de sociedade e de educação evidencia e define os elementos para qualificar, avaliar e precisar a natureza, as propriedades e os atributos desejáveis de um processo educativo de qualidade social.” (DOURADO; OLIVEIRA, 2009, p. 202).

Nesse contexto, interessa-nos salientar a complexidade que envolve a questão da qualidade da educação, ressaltando a dimensão histórica desse conceito, “[...] que se altera no tempo e no espaço, ou seja, o alcance do referido conceito vincula-se às demandas e exigências sociais de um dado processo histórico.” (DOURADO; OLIVEIRA, 2009, p. 204), coincidindo com a complexidade que rege nossa própria condição de sujeitos situados em um determinado contexto: posicionamentos divergentes, interesses antagônicos, concepções nem sempre consensualizadas.

Desse modo, o constante movimento dialógico em que nos inserimos oportuniza a compreensão de interlocuções entre temáticas distintas que circundam o cenário da educação, como, por exemplo, as relações entre a qualidade e a avaliação em seus diferentes percursos na EB. Concebendo a qualidade como construção humana, podemos afirmar que seu conteúdo “[...] está diretamente vinculado ao projeto de sociedade, relacionando-se com o modo pelo qual se processam as relações sociais, produto dos confrontos e acordos dos grupos e classes que dão concretude ao tecido social em cada realidade.” (BRASIL, 2013, p. 52).

No Brasil, esse cenário de disputas é fortemente marcado por dificuldades de articulações entre as normas e as redes de ensino, além de desigualdades regionais, estaduais, municipais e locais. Tal panorama impõe obstáculos para o avanço na construção de indicadores comuns e para assegurar o direito de todos à educação de qualidade (DOURADO; OLIVEIRA, 2009).

Por esse motivo, o processo de definir e avaliar a qualidade de uma instituição educativa deve ser participativo e aberto, sendo importante por si mesmo, pois possibilita a reflexão e a definição de um caminho próprio para aperfeiçoar o trabalho pedagógico e social das instituições (BRASIL, 2009). Nesse sentido, Bondioli (2013, p. 14) acentua que

A qualidade não é um dado de fato, não é um valor absoluto, não é adequação a um padrão ou a normas estabelecidas a priori e do alto. Qualidade é transação, isto é, debate entre indivíduos e grupos que têm interesse em relação à rede educativa, que têm responsabilidade para com ela, com a qual estão envolvidos de algum modo e que trabalham para explicitar e definir, de modo consensual, valores, objetivos, prioridades e idéias sobre como é a rede e sobre como deveria ou poderia ser.

Assim, é a partir dos contextos socioculturais locais que a concepção de qualidade se torna viva na construção da própria comunidade escolar, pois o conceito de qualidade é elaborado por cada pessoa e depende de muitos fatores, como “[...] os valores nos quais as pessoas acreditam; as tradições de uma determinada cultura; os conhecimentos científicos sobre como as crianças aprendem e se desenvolvem; o contexto histórico, social e econômico no qual a escola se insere.” (BRASIL, 2009, p. 12).

Reconhecendo a comunidade escolar como uma unidade que pode construir um referencial de qualidade para a instituição da qual faz parte, precisamos considerar as diferentes vozes, os ilimitados sentidos e os enunciados que integram esse processo dialógico em que cada ação se concretiza em resposta ao outro, cada enunciado se constitui a partir de tantos outros já assimilados (BAKHTIN, 2011). E nesse processo de interlocução

[...] não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida. (BAKHTIN, 2011, p. 70, grifo do autor).

Desse modo, conforme suas próprias vivências e referências, cada um tem sua visão do que seria uma escola de qualidade. E, ao compartilhar, discutir, debater essas diferentes visões, a qualidade é construída na perspectiva do trabalho coletivo, refletindo o momento em que vivemos e a disputa de sentidos e significados existentes na sociedade.

Consolidando a concepção de qualidade como um conceito histórico e socialmente construído pelos sujeitos que habitam as escolas nas suas interações e em meio às tensões e contradições, Campos, Coelho e Cruz (2006), responsáveis pelo Relatório Técnico Final da Consulta sobre qualidade da EI, assinalam que, em relação aos atributos de qualidade conferidos à creche e à pré-escola, diferentes segmentos apontam critérios de qualidade também distintos. Por exemplo, mães/pais mais pobres têm expectativas voltadas aos cuidados com a saúde e a alimentação das crianças, enquanto as professoras expressam preocupação com a formação e o projeto pedagógico.

Articulando tais reflexões com o que está sendo discutido atualmente, o Documento-Referência da Conae (BRASIL, 2014, p. 51) evidencia, em um dos eixos, a intricada relação entre qualidade e avaliação: “Qualidade da educação: democratização do acesso, permanência, avaliação, condições de participação e aprendizagem.” Ou seja, a avaliação se constitui como condição para a consolidação da qualidade. Essa análise nos remete a outro aspecto fundamental para a promoção e a garantia da educação de qualidade: a avaliação não apenas da aprendizagem, mas também dos fatores que a viabilizam, como políticas, programas e ações. Uma avaliação articulada com indicadores de qualidade e embasada por uma concepção formativa, que considere os diferentes espaços e atores, contemplando o desenvolvimento institucional e profissional.

Sabemos que a busca pela qualidade da escola não é uma responsabilidade somente da comunidade escolar, sendo necessária a efetivação de um sistema de cooperação e colaboração entre os Entes Federados, já que “[...] os três níveis de governo – municipal, estadual e federal – têm papel fundamental na melhoria da educação no país.” (BRASIL, 2004, p. 14).

Portanto, falar de qualidade como um conceito em si mesmo, desconsiderando a vida e a realidade dos sujeitos envolvidos em um contexto específico, acaba por se caracterizar como uma produção desprovida de sentido, não representando um conhecimento da realidade em que se insere. Nesse campo de disputas, em meio a variadas expectativas de qualidade e atribuições de valor pelos diferentes sujeitos envolvidos com a educação, as tensões se concentram também nos processos de avaliação, que se tornam estratégias centrais das políticas públicas alicerçadas no argumento de melhoria da qualidade da educação.

3 A AVALIAÇÃO EDUCACIONAL EM QUESTÃO

No contexto educacional atual, os processos avaliativos encontram-se associados à questão da qualidade que, como já analisamos, é um conceito dinâmico e expressa as concepções dos atores envolvidos na prática avaliativa, considerando o contexto histórico e social em que estão inseridos. Assim, a avaliação educacional configura-se como um assunto polêmico, promovendo uma tensão em todos os níveis e etapas da educação, relacionada tanto à avaliação da aprendizagem, da instituição e do desempenho dos profissionais quanto à das políticas públicas.

Até a década de 1980, os estudos e pesquisas referentes à temática da avaliação direcionavam-se à análise dos processos e resultados de aprendizagem dos alunos. Ao buscarmos o que preveem as legislações que antecedem a LDB (BRASIL, 1996), temos diferentes denominações para o processo avaliativo como “[...] apuração do rendimento escolar”, previsão de “[...] exames e provas” (BRASIL, 1961) e “[...] verificação do rendimento escolar” por meio de “[...] notas e menções” em que “[...] preponderarão os aspectos qualitativos sobre os quantitativos e os resultados obtidos durante o período letivo sobre os da prova final.” (BRASIL, 1971). Além de simples denominações, essas palavras expressam concepções não somente de avaliação, mas de educação, de processos de aprendizagem e de sujeitos, representando o momento histórico vivenciado nas dimensões pedagógica, política e social.

A partir da aprovação da LDB (BRASIL, 1996), esse quadro foi se transformando e trouxe para as políticas educacionais novas abordagens avaliativas, que vêm suscitando debates e controvérsias. Se anteriormente o foco da avaliação era a aprendizagem dos alunos, com esta lei são mencionadas avaliações direcionadas também à qualidade das escolas/instituições, ao desempenho dos profissionais e à participação docente nos processos decisórios da escola/instituição.

Portanto, o avanço na implementação de políticas de avaliação em larga escala pode ser situado desde a Constituição Federal de 1998, sendo respaldado por inúmeros ordenamentos legais, como a própria LDB, na qual foi atribuída grande importância aos mecanismos de avaliação educacional. De acordo com Zanardini (2008, p. 195), “[...] um dado que expressa a relevância da avaliação para o período é que a palavra avaliação consta em 13 dos 92 artigos que compõem a LDB.”

Focalizando o tema da avaliação em sua articulação com o conjunto das políticas educacionais, no âmbito da legislação brasileira, temos a Lei n. 13.005 (BRASIL, 2014), que apresenta diretrizes, metas e estratégias para a educação nacional nos próximos dez anos. Em uma visão geral, entre as 20 metas do Plano Nacional de Educação (PNE), não há nenhuma ligada à avaliação. Contudo, quando analisamos as metas em correlação com às suas estratégias, verificamos que do total de 255,24 estratégias relacionadas à avaliação e no conjunto das metas, 14 delas têm, pelo menos, uma estratégia com previsão de ação avaliativa.

Essa centralidade adquirida gradualmente pela avaliação na formulação e implementação das políticas públicas em educação no país está em sintonia com um panorama de acontecimentos que não ocorre de forma isolada, sendo resultado de todo um contexto mundial que tem levado os governos a reverem as expectativas direcionadas à educação brasileira, principalmente em razão das políticas econômicas.

Inserir-se nessa conjuntura representa um desafio para defender os propósitos da educação de qualidade que pautam as lutas das várias entidades científicas, organizações e movimentos sociais. Por isso a importância da articulação entre os atores sociais, pois:

Se, por um lado, os movimentos sociais assumem o papel de expressar as necessidades e demandas da população e cobrar seu atendimento, o conhecimento científico produzido por pesquisadores pode se constituir em um dos fundamentos das negociações em políticas sociais. Embora essas opções sejam políticas, resultantes do jogo de interesses e pressões, o conhecimento deve instrumentar os atores a fim de fortalecer os seus argumentos. (CRUZ, 2013, p. 211).

Tomando por base o Documento-Referência da Conae (BRASIL, 2014), a ampliação e a promoção da qualidade da educação em todos os níveis, etapas e modalidades constituem-se como desafios educacionais brasileiros. E, além das ações direcionadas à democratização do acesso, à permanência e às condições de participação e aprendizagem, a avaliação é considerada fundamental para a garantia e a promoção da qualidade da educação. Contudo, há que se investir em um processo avaliativo ampliado, que envolva fatores intervenientes, como os programas desenvolvidos e as políticas implementadas, que considerem o potencial formativo da avaliação na educação.

Nesse sentido, defende-se uma política nacional de avaliação, concebida em uma perspectiva de continuidade e de contribuição para o desenvolvimento dos sistemas de ensino, além de uma visão classificatória das escolas ou dos próprios sistemas (BRASIL, 2014). Esse posicionamento reflete o que alguns estudos e pesquisas no campo da educação apontam em relação à avaliação, concebendo-a como

[...] um processo de compreensão da realidade estudada, com o fim de subsidiar a tomada de decisões quanto ao direcionamento das intervenções. Como tal, a avaliação compreende a descrição, a interpretação e o julgamento das diretrizes e ações desenvolvidas, a partir de premissas que orientam a estrutura do processo avaliativo e dão coerência às atividades desse processo. (SOUSA; SÁ BRITO, 1987, p. 19 apud BRASIL, 2012, p. 12).

Essa concepção de avaliação abarca as diferentes modalidades de um processo que exige mais do que o levantamento de dados e informações. Trata-se de um processo que requer uma base de princípios e convoca todos os envolvidos a compreenderem a realidade em que estão inseridos e a fazerem escolhas a partir das possibilidades de ação vislumbradas para a melhoria da qualidade da educação. Alicerçadas no argumento de busca pela melhoria da qualidade na educação, as políticas de avaliação vêm se destacando no contexto brasileiro, sobretudo as avaliações externas ou em larga escala.

3.1 AVALIAÇÃO COMO FORMA DE CONTROLE

As avaliações externas ou em larga escala passaram a protagonizar o cenário educacional brasileiro a partir da última década do século XX, ocupando um lugar de destaque nas políticas educacionais instituídas pelo Governo brasileiro para a EB. Como política pública, a avaliação em larga escala teve início na década de 1980, quando o Ministério de Educação (MEC) promoveu o desenvolvimento de estudos sobre a avaliação educacional, com investimentos de agências financiadoras internacionais como o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

A partir de 1990, o MEC, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), vem realizando a aplicação de testes padronizados para verificar o desempenho dos alunos, ação que tem se constituído como principal estratégia para avaliar a qualidade da educação no Brasil. Assim, conforme ressaltam Oliveira e Rocha (2007, p. 2), “[...] o Estado se torna, no campo educacional, o centro de avaliação das políticas e projetos implementados em todos os níveis e modalidades de ensino.”

Em relação à EB, a implantação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) no Ensino Fundamental ocorreu em 1990, quando foi realizada a primeira aplicação de provas com levantamento de dados em todo o país, com assistência financeira e técnica de organismos internacionais, principalmente o Banco Mundial, visto que o acordo com essa agência “[...] tornou-se pré-requisito para a obtenção de novos empréstimos, expressando a aproximação da educação com o setor produtivo na perspectiva do desenvolvimento e do crescimento econômico.” (ZANARDINI, 2008, p. 167).

O SAEB é constituído por duas modalidades avaliativas: a Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb), exame de larga escala aplicado em uma amostra de escolas; e a Avaliação Nacional de Rendimento Escolar (Anresc), exame de larga escala aplicado em todos os estudantes, introduzido em 2005 e conhecido como Prova Brasil (SOUSA; LOPES, 2010). A Prova Brasil tem o objetivo de avaliar o desempenho em Língua Portuguesa e em Matemática de todos os estudantes matriculados nos sistemas de ensino, o que possibilita a divulgação dos resultados do desempenho dos alunos nos exames por unidade escolar. Em 2007, foi implantado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que combina os resultados dos exames da Prova Brasil com as taxas de aprovação por escola – fluxo escolar. Os resultados desse Índice permitem a classificação numérica das escolas e das redes de ensino.

Quanto ao Ensino Médio, seguindo os mesmos princípios da política avaliativa, em 1998 foi implantado o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), com o objetivo de avaliar o desempenho do estudante no fim da EB. A partir de 2009, as provas, compostas por 63 questões, passaram a ter 180, além da prova discursiva (redação), e o exame começou a ser realizado em dois dias (sábado e domingo). Atualmente, além da classificação das escolas e dos sistemas de ensino, seus resultados constituem uma forma de acesso dos alunos ao Ensino Superior, tanto em instituições públicas quanto em instituições privadas.

É importante salientar que a adoção de tais medidas avaliativas se apresenta relacionada a políticas econômicas articuladas com organismos internacionais, como o Banco Mundial, visto que os resultados educacionais têm sido objeto de interesse também de cientistas políticos e econômicos. Sobre esse contexto, Zanardini (2008, p. 47) destaca a relação existente entre a concepção de sociedade e a prática avaliativa:

Há uma intencionalidade nos instrumentos avaliativos frente à ordem social a que se conformam. Dito de forma mais consistente há uma ontologia que os formata e que informa essa intencionalidade. Nas avaliações realizadas se reconhece a sociedade desejada, ou seja, na avaliação se conforma uma determinada visão de mundo.

Portanto, é improvável conseguirmos abordar a temática da avaliação em larga escala desvinculada do contexto político e econômico nacional e até internacional. Cada vez mais as influências externas determinam os rumos das políticas educacionais que devem se alinhar com objetivos orientados pela lógica do mercado, que se globaliza.

Assumindo uma posição contrária ao lugar de controle da avaliação, Dias Sobrinho e Ristoff (2003) ressaltam sua dimensão formativa, ressaltando que o principal objetivo da avaliação deve ser a melhoria da qualidade da educação para todos os envolvidos, não se sujeitando às demandas de mercado ou à simples regulação e controle. Os autores defendem que a “[...] avaliação com intencionalidade e função educativa deve ser desvinculada das medidas do financiamento e de qualquer mecanismo de premiação/punição e tampouco deve produzir hierarquizações (rankings) de instituições.” (DIAS SOBRINHO; RISTOFF 2003, p. 43).

Entretanto, analisando o contexto da EB, constatamos que a realização de testes padronizados para medir o desempenho dos alunos ocorre, no caso do Ensino Fundamental, há mais de 20 anos, e os resultados do IDEB seguem hierarquizando escolas e redes de ensino. No caso do Ensino Médio, a aplicação das provas completou 16 anos em 2014.

Nesse panorama, apesar de compor a EB como a primeira etapa desse nível de ensino, no caso da EI, não são realizados testes padronizados direcionados às crianças; as particularidades desse percurso serão abordadas no decorrer deste texto.

Retomando as questões relativas à dimensão classificatória das avaliações em larga escala, em relação ao Ensino Fundamental, pesquisas demonstram algumas das consequências para a prática pedagógica e para as relações que se constituem entre os profissionais, as escolas e os sistemas/redes de ensino. Reconhecendo que todo processo avaliativo apresenta tanto pontos de fragilidade quanto possibilidades de avanço, acreditamos que estas podem se fortalecer, à medida que aqueles sejam percebidos, analisados e superados. Nessa direção, ressaltamos alguns pontos que vêm sendo objeto de pesquisas e debates na área:

  1. a restrição da concepção de qualidade aos resultados dos testes padronizados, o que fragiliza a dimensão formativa da avaliação, em detrimento de uma perspectiva de medida;
  2. o foco no desempenho dos alunos apenas em algumas áreas do conhecimento (geralmente, Português e Matemática), o que desconsidera outros conhecimentos, bem como a complexidade e a amplitude do trabalho desenvolvido na escola;
  3. a análise dos resultados limitada à proficiência dos alunos nas provas, não correlacionando a interpretação ao contexto da escola e dos próprios alunos;
  4. o desvio da avaliação de seu compromisso com os princípios democráticos e formativos, ao se estabelecerem premiações para a escola e/ou os docentes (SOUSA, 2011).

Portanto, além da aplicação das provas, do levantamento de dados e da divulgação dos resultados das avaliações em larga escala, é preciso problematizar os seus desdobramentos no cotidiano das escolas como sustentação para outras proposições de avaliação, perguntando: Quem acessa os resultados? Como estes são interpretados e por quem? Que sentidos eles assumem para os diferentes sujeitos que compõem a comunidade escolar? São planejadas e desenvolvidas ações a partir da análise dos resultados? “Esses questionamentos nos levam a indagar se os sistemas de ensino não estarão caminhando dentro de uma ‘bolha’ de avaliação que, ao estourar, mostrará os vazios de uma educação que tem se esquivado de se debruçar mais seriamente sobre as suas próprias finalidades.” (BARRETO, 2013, p. 141).

Acreditamos que o desafio de se “debruçar” sobre as finalidades da educação requer a participação de todos os envolvidos no processo educacional, buscando compreender o contexto da escola, suas relações com as políticas implementadas, suas dificuldades e possibilidades de melhoria. Considerando que os pontos de vista dos diferentes sujeitos implicados na realidade educativa fomentam avanços, acreditamos que a avaliação institucional ou interna se alinha com essa perspectiva ao se pautar no princípio da participação.

3.2 AVALIAÇÃO COMO FORMA DE PARTICIPAÇÃO

A conquista de processos mais democráticos e a ampliação da participação nas diferentes instâncias da sociedade são fatores que vêm imprimindo inúmeras transformações no contexto brasileiro, de natureza econômica, política, científica, pedagógica ou legal. A garantia da gestão democrática na educação é assegurada como um princípio constitucional da educação nacional, conforme o artigo 206, inciso VI, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), e o artigo 3º, inciso VIII, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), que apontam para a autonomia das escolas e a consequente abertura para a participação da comunidade escolar.

Ampliando o escopo da reflexão, é importante enfatizar a relevância dos processos avaliativos para a concretização dos fins educacionais e objetivos da escola, e para o reconhecimento da participação como força transformadora da realidade vivenciada. A avaliação institucional insere-se, justamente, nesse contexto como um processo de fortalecimento e consolidação da gestão democrática, que se articula com o Projeto Político Pedagógico da escola e com os princípios da qualidade na educação.

Nessa perspectiva, a publicação pelo MEC, de documentos com indicadores de qualidade para a EB representa uma importante contribuição para o processo de avaliação institucional. O desenvolvimento do trabalho contou com a participação de representantes de entidades governamentais e não governamentais, fóruns, conselhos, professores, gestores, especialistas e pesquisadores da área. A primeira publicação dos indicadores, em 2004, dirigiu-se ao Ensino Fundamental e ao Ensino Médio, com indicação de adequação para a EI. Em 2009, foi publicado o documento com os Indicadores da Qualidade na Educação Infantil, e, em 2013, foram publicados os Indicadores da Qualidade na Educação – Relações Raciais na Escola. Este último aborda o racismo como um grande obstáculo à melhoria da qualidade educacional.

Essas publicações representam importante contribuição para o processo de avaliação institucional. Contudo, os documentos, ainda que elaborados em uma perspectiva participativa e democrática, não apresentam as peculiaridades das distintas realidades das escolas brasileiras. Portanto, sua validação, complementação e alteração são parte do processo participativo que demarca a avaliação institucional.

Em uma perspectiva dialógica, a discussão sobre quais indicadores de qualidade serão balizadores do processo de análise já se constitui como parte da avaliação institucional, possibilitando, assim, compreender o movimento presente nas relações constituídas, na realidade do trabalho na escola e na promoção de sua qualidade.

Nesse sentido, a ação de avaliar possibilita colocar em análise nossos pontos de vista. A predisposição à mudança e ao enriquecimento favorece avanços recíprocos no conhecimento de todos os sujeitos implicados, que se comprometem com a renovação dos sentidos, buscando escapar da ilusão da estabilidade e do acabamento (BAKHTIN, 2011). Assumindo esse posicionamento responsivo, Bakhtin (2010, p. 96) afirma que, desse modo, “[...] eu ocupo no existir singular um lugar único, irrepetível, insubstituível e impenetrável da parte de um outro [...] Tudo que pode ser feito por mim não poderá nunca ser feito por ninguém mais, nunca.”

Seguindo essa vertente de envolvimento e comprometimento com o processo avaliativo, ao analisar as concepções e vivências relacionadas ao processo de gestão democrática que devem embasar a avaliação institucional, Sousa (2006, p. 138) enfatiza que

[...] a avaliação institucional abrange a análise da instituição educativa como um todo, nas dimensões política, pedagógica e administrativa, tem como marco o projeto pedagógico e visa subsidiar seu contínuo aprimoramento, por meio do julgamento das decisões tomadas pelo coletivo da instituição, das propostas delineadas e das ações que foram conduzidas, suas condições de realização e dos resultados que vêm sendo obtidos.

Tomando como referência a abordagem de Freitas (2007), percebemos que o movimento da avaliação institucional pode se constituir como uma possibilidade de superação dos problemas da escola. Para isso, faz-se necessário que o coletivo de profissionais, os alunos e suas famílias, bem como a comunidade escolar se disponham a refletir sobre as dificuldades e proponham ações de melhoria, que podem, inclusive, exigir a atuação do Poder Público e acionar os envolvidos na implementação de melhorias concretas na escola.

Contudo, se no campo da avaliação institucional a elaboração dos Indicadores de Qualidade (BRASIL, 2004), dos Indicadores de Qualidade para a EI (BRASIL, 2009) e dos Indicadores da Qualidade na Educação – Relações Raciais na Escola (BRASIL, 2013) sinalizam aproximações entre as três etapas da EB (EI, Ensino Fundamental e Ensino Médio), no campo da avaliação em larga escala, até o momento, o percurso da EI é marcado por algumas singularidades.

4 EDUCAÇÃO INFANTIL: UM PERCURSO AVALIATIVO DIFERENTE

Por constituir a primeira etapa da EB (BRASIL, 1996), a EI obtém uma conquista, tanto sob o ponto de vista das reivindicações sociais quanto sob o aspecto da legislação. De acordo com o artigo 29 da LDB (BRASIL, 1996), a EI “[...] tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até cinco anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.”

Nessa recente trajetória integrada à EB, além da perspectiva de conquista, instala-se também um dilema: como fortalecer esse pertencimento à EB e consolidar uma sistemática de trabalho com as crianças que seja diferenciada do Ensino Fundamental, atendendo às suas especificidades?

Esse desafio perpassa aspectos pedagógicos, políticos, econômicos e administrativos do processo educativo, como a adequação de espaços e tempos, o relacionamento com as famílias e a definição de profissionais e questões curriculares, o que inclui a avaliação da aprendizagem.

Conforme previsto no artigo 31 da LDB, na Seção II, em relação à criança, “[...] a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental.” (BRASIL, 1996). Portanto, para essa modalidade de avaliação, a prescrição da LDB respalda uma prática avaliativa apropriada para o trabalho pedagógico com crianças pequenas.

Atualmente, a EI é a única etapa da educação que não está incluída nas ações de avaliação em larga escala, mesmo estando inserida em um panorama fortemente marcado pela política avaliativa. Cabe ressaltar que, quando a EI passou a compor a EB como primeira etapa desse nível de ensino, as políticas de avaliação de larga escala já se encontravam em desenvolvimento no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. De fato, não há para a EI um sistema de avaliação instituído legalmente que seja centrado na criança.

Nessa direção, é importante ressaltar que, em 2010, a iniciativa da Secretaria de Ações Estratégicas do Governo Federal, no Município do Rio de Janeiro, de utilizar o instrumento estadunidense Ages and Stages Questionnaires (ASQ3) provocou muitos protestos no âmbito das organizações sociais e de pesquisa, como do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB) e da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (Anped), que manifestaram suas preocupações e oposições de diversas formas, mobilizando educadores e militantes por meio das redes sociais, de debates e da realização de audiências públicas.

Ampliando o escopo das argumentações, Neves e Moro (2013, p. 275) indicam que “[...] os princípios teóricos desse instrumento são sustentados por uma clara concepção inatista e biológica do desenvolvimento humano, com grande ênfase na maturação neurológica das crianças.” Tal pressuposto não se articula com as concepções explicitadas nos documentos nacionais, em que a criança, “[...] nas interações, relações e práticas cotidianas, vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.” (BRASIL, 2009).

Abordando a questão de forma mais abrangente, Rosemberg (2013) ressalta que o termo/tema avaliação está entrando no campo da EI, delimitando um novo “problema social”, pois a EI ainda não constitui um recorte da produção sobre a avaliação na EB. Assim, muito recentemente no Brasil vem se formalizando uma política de avaliação relacionada a essa etapa, mesmo sem clareza do foco: se da ou na EI. A autora argumenta que, ao assumir o status de problema social, a avaliação na/da EI passa a exigir a atenção pública como um assunto de política social, passando, assim, “[...] a ser delimitado, enquadrado como problema, entra na agenda e na pauta de negociações de políticas sociais, busca visibilidade e legitimidade públicas, recursos e incita defensores/apoiadores (stakeholders), bem como opositores.” (ROSEMBERG, 2013, p. 47).

Diante dessa condição da avaliação na/da EI como problema social, entendemos que a questão requer dos pesquisadores, docentes, militantes dos movimentos sociais, familiares e comunidade em geral uma atitude problematizadora e propositiva. A partir das ações em curso na política educacional, é importante promover as discussões necessárias para uma mobilização que possibilite intervir nas decisões políticas, considerando a especificidade da EI (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2002).

De acordo com Rosemberg (2013), as avaliações que vêm ocorrendo nas outras etapas da EB, as pesquisas e os estudos acadêmicos, bem como as experiências brasileiras e de outros países, têm provocado um debate maior sobre a avaliação na/da EI no Brasil. Portanto, em sua trajetória, a EI busca manter aspectos de sua especificidade na dimensão da indissociabilidade do cuidar e educar, entrelaçando-a com sua identidade de primeira etapa da EB.

Para Campos (2011), o debate e a implementação de políticas de avaliação da qualidade da Educação Infantil tiveram, até pouco tempo atrás, um percurso específico e, portanto, diferente das demais etapas da EB. Mas, segundo a autora, estamos sob uma crescente pressão para inserir avaliações externas também na EI com foco no resultado, tanto da qualidade existente quanto do aproveitamento da criança em etapas seguintes.

Pautada em uma concepção específica de avaliação da EI e em conformidade com as diretrizes da LDB – “[...] que desautorizam avaliações de crianças da educação infantil com finalidade classificatória e restritiva da progressão escolar” (ROSEMBERG, 2013, p. 51) –, a Secretaria de Educação Básica (SEB), do MEC, por meio da Portaria Ministerial n. 1.147/2011, instituiu um Grupo de Trabalho (GT) que propôs diretrizes e metodologias de avaliação da EI, em uma perspectiva formativa, na qual o processo avaliativo se direciona para as instituições, os programas e as políticas, focalizando a oferta. Quanto à avaliação na EI, o documento esclarece que esta deve ser focada nas crianças enquanto sujeitos e coautoras de seu desenvolvimento e aprendizagem, sendo desenvolvida internamente, articulada ao processo pedagógico (BRASIL, 2012).

Nesse sentido, a prática da avaliação tem potencial indutor de melhoria na realidade de oferta, de insumos e de processos e resultados da EI, desde que seja vivenciada com o propósito de possibilitar leitura e análise críticas da realidade, e que sirva para apoiar decisões e encaminhamentos que se coloquem a serviço do desenvolvimento de todas as crianças e das finalidades próprias dessa etapa da EB (BRASIL, 2012).

Problematizamos que o desafio de atendimento às demandas por vagas na EI se configura como uma questão emergente, mobilizando vários atores sociais com reivindicações nesse aspecto. Nesse sentido, nosso destaque direciona-se à meta 1, que prevê a universalização, até 2016, do atendimento educacional da população de quatro e cinco anos, e a ampliação, até a vigência do PNE, da oferta de EI, de forma a atender a 50% da população de até três anos. Essa meta representa um grande desafio para muitos municípios brasileiros, visto que, conforme divulgado no Portal Brasil (2014), apenas 21,2% da população de zero a três anos têm garantido o atendimento na EI. Ao considerarmos as crianças de quatro e cinco anos, esse percentual se eleva para 78,2%, estando ainda distante da meta estabelecida.

Nesse quadro, a defesa por processos avaliativos que contemplem a especificidade da EI se articula à luta pela expansão da oferta de vagas e pelo direito de todas as crianças à EI de qualidade, considerando-a como uma etapa em consolidação, inserindo-se no âmbito Pedagogia da Infância (ROCHA, 1999), em um percurso que busca articular sua singularidade ao seu pertencimento à EB.

5 CONCLUSÃO

Diante das reflexões compartilhadas neste texto, ressaltamos que as relações entre a avaliação interna, a avaliação externa e a qualidade se constituem na própria dinâmica educacional que se concretiza no interior das instituições. As implicações das diversas modalidades de avaliação se entrecruzam com as variadas dimensões do trabalho educativo. Essas implicações também se articulam com as distintas instâncias da sociedade, visto que estamos imersos em um conjunto orgânico, constituindo-nos com o outro.

Nesse cenário, a busca pela qualidade exige articulações com o processo avaliativo, e esse processo ainda nos inquieta, desloca-nos, pois nos instiga a mover o pensamento para questões que ainda não havíamos analisado, exigindo posicionamentos dos diferentes atores acerca de suas contribuições com as finalidades da educação.

Em um contexto marcado pelas relações de poder, as tensões indicam que as intenções que encaminham os posicionamentos de cada sujeito são diversas e, na maioria das vezes, contraditórias. Os interesses que movem as defesas dessa ou daquela ação ou a implementação de uma ou de outra política nem sempre são tão evidentes, dificultando uma análise mais crítica. Por isso, é importante considerarmos séria e atentamente as movimentações tanto das políticas sociais e educacionais quanto dos debates e pesquisas sobre as avaliações interna e externa e suas relações com a qualidade da educação, em especial, no campo da EI, em que estão em curso várias definições de políticas públicas.

Ao compartilharmos nossas indagações sobre a avaliação e a qualidade na EB, ao buscarmos outras respostas para as questões que nos instigam e ao reconhecermos a potência formativa da avaliação como construção coletiva, contribuímos com reflexões que estão movimentando o cenário atual da EB, abrindo possibilidades para que os processos avaliativos se insiram no contexto da EI, considerando a sua especificidade e o seu contexto de desafios.

Compreender essas interlocuções nos leva a considerar que as diferentes modalidades de avaliação não são excludentes, elas podem ser complementares e compor um panorama da qualidade da educação, viabilizando nuances e peculiaridades do processo avaliado, e contemplando as singularidades de cada etapa da EB, para manter a unidade desse nível de ensino. Dessa forma, muitas questões permanecem e as inquietações não cessam. No turbilhão do debate emergente, as contradições, as afirmativas e também os silenciamentos movem as produções no campo, e também nossa iniciativa deste texto.

A cada avanço conquistado, novos desafios se apresentam, e somos impulsionados a participar com reflexões, discordâncias, proposições, enfim, como nos for possível. Esperamos mover contrapalavras que contribuam com os debates sobre a avaliação e a qualidade, marcando nosso posicionamento de afirmar a especificidade da EI no bojo da sua integração à EB.

Notas explicativas

1 A Conae tem como objetivo propor a Política Nacional de Educação, indicando responsabilidades, corresponsabilidades, atribuições concorrentes, complementares e colaborativas entre os Entes Federados e os sistemas de ensino, conforme a Portaria n. 1.410/12 (BRASIL, 2013).

2 Criado pela Portaria n. 1.407/10 e alterado pela Portaria n. 502/12, o FNE é órgão responsável pela convocação e realização da II Conae, sendo composto por representantes de entidades da sociedade civil e do Governo, com o objetivo de coordenar as conferências nacionais de educação, acompanhar e avaliar a implementação de suas deliberações e promover as articulações necessárias entre os correspondentes fóruns de educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

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Recebido em: 21 de fevereiro de 2014

Aceito em: 22 de dezembro de 2014

Roteiro, Joaçaba, v. 40, n. 1, p. 127-148, jan./jun. 2015