https://doi.org/10.18593/r.v49.34770
Política para a Educação Básica no Estado de São Paulo: tendências do governo de Tarcísio de Freitas
Policy for Basic Education in the State of São Paulo: trends of Tarcísio de Freitas’ government
La Política de Educación Básica en el Estado de São Paulo: tendencias de gobierno de Tarcísio de Freitas
Tânia Martins1
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus Marília; Professora Assistente Doutora do Departamento de Administração e Supervisão Escolar. https://orcid.org/0000-0003-4095-4995
Neusa Maria Dal Ri2
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus Marília; Professora Associada - Livre-Docente III. https://orcid.org/0000-0002-3000-2280
Resumo: Quais as principais ações estratégicas do atual governo do estado de São Paulo para a educação básica? Partindo desta questão, o objetivo do presente artigo é apresentar uma avaliação do primeiro ano do governo de Tarcísio de Freitas e das principais tendências para a educação básica verificadas nos discursos e ações efetuadas pelo executivo, em especial no que diz respeito ao avanço da racionalidade neoliberal na educação, às mudanças realizadas no ensino médio, às tecnologias na escola, ao financiamento e à gestão da educação. O tema foi abordado considerando um breve panorama do pensamento neoliberal e do seu projeto político educacional e as correspondentes ações de gestão escolar do governo estadual paulista. Os procedimentos de investigação foram a pesquisa bibliográfica e a documental, com análise do plano de governo para o Estado de São Paulo, do Mapa Estratégico da Secretaria de Estado da Educação e de portarias emitidas. A principal conclusão é a de que se encontra em curso um generalizado processo de consolidação da educação ligada aos princípios e valores privados e gerenciais no âmbito da educação pública no estado de São Paulo.
Palavras-chave: política educacional paulista; gestão educacional; parcerias público-privado.
Abstract: What are the main strategic actions of the current government of the state of São Paulo for basic education? Starting from this question, the aim of this article is to present an evaluation of the first year of Tarcísio de Freitas’ government and the main trends for basic education verifield in the speeches and actions carried out by the executive, especially whichregard to the advancement of neoliberal rationality in the education, at changes made to secondary education, technologies at school, financing and management of education. The topic was approached with a brief overview of neoliberal thinking and its political educational project, and the corresponding school management actions of the São Paulo state government. Theresearch procedures were bibliographical and documentary, with analysis of the government plan for the state of São Paulo, the Strategic Map of the State Secretary of Education and the Ordinances issued. The main conclusion is that a widespread processo of consolidation of education linked to private and managerial principles and values within public education in the state of São Paulo.
Keywords: educational policy in São Paulo; educational management; public-private partnerships.
Resumen: ¿Cuáles son las principales acciones estratégicas del actual gobierno del estado de São Paulo para la educación básica? A partir de esta pregunta, el objetivo de este artículo es presentar un balance del primer año del gobierno de Tarcísio de Freitas y las principales tendencias para la educación básica verificadas en los discursos y acciones realizadas por el ejecutivo, especialmente en lo que respecta al avance de la racionalidade neoliberal en la educación acerca de los câmbios realizados na educación secundaria, las tecnologias en la escuela, el financiamento y la gestión de la educatión. El asunto fue abordado considerando un breve resumen del pensamiento neoliberal y su proyecto de política educativa, y las correspondientes acciones de gestión escolar del gobierno del estado de São Paulo. Los procedimientos de investigación fueron bibliográficos y documentales, analizando el plan de gobierno del estado de São Paulo, el Mapa Estratégico de la Secretaría de Estado de Educación y las Ordenanzas emitidas. La principal conclusión es que existe un proceso generalizado de consolidación de la educación vinculado a principios y valores privados y empresariales en el ámbito de la educación pública en el estado de São Paulo.
Palabras clave: política educacional en São Paulo; gestión educacional; asociaciones público-privadas.
Recebido em 01 de maio de 2024
Aceito em 04 de agosto de 2024
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo é resultado de pesquisa realizada sobre as ações estratégias do atual governo do estado de São Paulo para a educação básica. Desse modo, o principal objetivo deste texto é apresentar uma avaliação do primeiro ano do governo de Tarcísio de Freitas e das principais tendências para a educação básica verificadas nos discursos e ações efetuadas pelo executivo, em especial no que diz respeito ao avanço da racionalidade neoliberal na educação, às mudanças realizadas no ensino médio, às tecnologias na escola, ao financiamento e à gestão da educação.
Quais as principais ações estratégicas do atual governo do estado de São Paulo para a educação básica? Partindo desta questão inicial, sustentamos a hipótese de que a política para a educação básica do governo de Tarcísio de Freitas, em seu primeiro ano, vem aproximando as fronteiras entre o setor público e privado, fortalecendo as tendências privatistas e gerenciais e aprofundando aspectos da pseudoprofissionalização.
Para analisar as estratégias do atual governo paulista elaboradas para a educação básica foi necessário debruçarmo-nos sobre os significados e concepções de Estado e de política, que se generalizou no país, a partir de meados da década de 1990, como resultado da aplicação de política econômico-social de cunho neoliberal. As políticas neoliberais têm moldado a concepção de educação paulista de diferentes formas, impondo um novo pacto social em torno dos interesses privados e empresarial, refletido na relação entre o público e o privado e afetado, em consequência, a gestão escolar que passa a ter uma configuração contrária à legislação educacional, que advoga a gestão democrática nas escolas públicas.
O ideal de escola pública, gratuita, de qualidade e de atendimento universal à população brasileira passou a ter um peso cada vez menor diante das estratégias privatistas, profissionalizantes e gerenciais das políticas educacionais brasileiras, em especial no Estado de São Paulo. O cenário é de grande desafio para as escolas que estão sendo radicalmente modificadas pela lógica privatista e gerencialista, o que aprofunda as desigualdades escolares, precariza a formação dos estudantes, descaracteriza a democracia e a autonomia das escolas, centraliza e padroniza a gestão e controla os processos educativos.
Os procedimentos metodológicos utilizados neste estudo foram a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental.
A pesquisa bibliográfica foi realizada com levantamento e seleção da literatura pertinente à temática, leitura, documentação e análise dos dados coletados.
A pesquisa documental foi realizada com determinação dos temas, levantamento e seleção do material, pré-análise, exploração do material, e tratamento dos dados, com análise de cada unidade, comparação das informações, interpretação e conclusões. Os principais documentos analisados foram o Plano de Governo do Estado de São Paulo, o Mapa Estratégico da Secretaria de Estado da Educação e de elementos jurídicos, como o projeto de Emenda Constitucional, que trata do orçamento público para a educação do Estado.
Para a análise dos dados bibliográficos e documentais utilizamos o método analítico-explicativo, procurando dar consistência ao pressuposto apresentado das tendências profissionalizantes, privatistas e gerenciais da política da educação paulista.
Além da introdução e das considerações finais, o artigo apresenta dois itens, com subdivisões internas. No primeiro item trabalhamos os princípios das políticas neoliberais, em especial na educação. No segundo item, analisamos as políticas neoliberais na educação paulista e apresentamos as ações do governo estadual e a análise da documentação selecionada.
2 AS POLÍTICAS NEOLIBERAIS PARA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA
A partir dos anos de 1980, o modelo neoliberal, segundo Dardot e Laval (2016), foi fortalecido e apresentado como sendo a nova razão do mundo, avançando na grande maioria dos países, com intervenções governamentais específicas sob as justificativas doutrinais em favor dos agentes econômicos.
Para os autores (2016), a nova razão do mundo constitui-se na racionalidade neoliberal baseada na concorrência integral em todos os âmbitos e adquire uma dimensão totalizadora, da qual nada escapa, abarcando desde o Estado até todas as esferas da existência humana. A construção dessa nova racionalidade, segundo os autores (2016, p. 379), segue alguns passos.
Da construção do mercado à concorrência como norma dessa construção, da concorrência como norma da atividade dos agentes econômicos à concorrência como norma da construção do Estado e de sua ação e, por fim, da concorrência como norma do Estado-empresa à concorrência como norma da conduta do sujeito-empresa.
Em termos práticos na economia política, a hegemonia do neoliberalismo apresenta algumas características; as mais importantes são o desmonte do Estado de Bem-estar Social, a desregulamentação do trabalho, a privatização das empresas públicas e a tirania do ajuste fiscal, retirando as políticas públicas sociais do Estado e garantindo o repasse dos recursos aos especuladores ou rentistas.
O referido modelo foi adotado no Brasil com a Reforma do Aparelho do Estado, conduzida por Luiz Carlos Bresser Pereira, no Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso (Pereira, 1997). Sob a denominação de Administração Pública-Gerencial produziu-se um novo pacto social em que se instituiu a ideia de público não-estatal, ressignificando e aproximando o setor público ao setor privado, com instrumentos próprios da gestão privada (Silva Júnior, 2004).
O modelo neoliberal repousa nos princípios do mercado, competitividade em todos os setores da sociedade, intervenção do Estado a favor dos setores privados, minimização do Estado no setor social, processos de desregulamentação da economia e do trabalho e da privatização articulada às novas regras do capital financeiro. O neoliberalismo negligencia as políticas de proteção social, como os direitos à saúde, à educação e à habitação. Os programas de proteção social destinados aos trabalhadores e às camadas mais pobres da população são apontados pelo discurso neoliberal, como fatores impeditivos à competitividade, pois dificultam a livre iniciativa e, ainda, são considerados causadores da permissividade social, pois supostamente levam aqueles que se beneficiam desses recursos à acomodação e à dependência (Anderson, 1995; Dardot; Laval, 2016; Harvey, 2011; Hunt, 2005; Paulani, 2008).
A partir das características do pensamento liberal de Adam Smith (1983), que tem como centralidade o princípio de que o indivíduo, sua moral e seus interesses particulares são fundantes da sociedade, se ratifica a justificativa social de defesa dos interesses particulares que se realizam no âmbito do mercado. Ainda que se mantenha a ideia principal de que no mercado deve imperar o laissez-faire como fator de reprodução do capital, não se busca efetivamente a retirada do Estado, mas a configuração de um tipo de regulação em que o Estado se torna o guardião da propriedade privada. Disso decorre que o Estado neoliberal se caracteriza pelo combate às políticas sociais e por impor a si mesmo as próprias regras do direito privado. Conforme Dardot e Laval (2016, p. 237), o Estado neoliberal “adota por princípio a submissão de sua ação às regras do direito privado”. Isso significa que o Estado não deve financiar ou oferecer serviços públicos como política social, mas regular e estabelecer as metas e punições, ou seja, o Estado assume uma função gerencial e todas as questões políticas e econômicas devem ser conduzidas a partir da lógica da gestão privada. O Estado guardião do setor privado se apresenta como avaliador, regulador e mobilizador de instrumentos legais e fiéis ao domínio da liberdade, sob a primazia do mercado (Dardot; Laval, 2016).
Dardot e Laval (2016) apontam que o neoliberalismo é mais do que uma política econômica, trata-se de um conjunto de dispositivos, práticas e discursos que espalha o espírito empresarial e empreendedor em todos os domínios sociais, segundo o princípio universal da livre concorrência do mercado, criando um pacto social com a hibridação do Estado-mercado-sociedade e estabelecendo novas relações sociais sustentadas em elementos estritamente econômicos e capitalistas.
O neoliberalismo se fortaleceu no cenário mundial com marcantes traços preconceituosos e moralistas, resultando na desqualificação dos serviços público-estatais, a partir do argumento ideológico da falta de eficácia e produtividade. A partir do desprezo pelos serviços públicos, pelo uso estratégico e privatista do setor público, da década de 1980 e após, estabeleceram-se novas fronteiras entre o público e o privado e, consequentemente, se difundiu uma nova concepção de política educacional gerencial.
O neoliberalismo alimenta o ideário de reestruturação, reforma e retração do papel do Estado como executor ou provedor de serviços sociais, articulando o processo de mercantilização do ente público e de privatização das instituições públicas, com impactos significativos no conjunto das políticas educacionais, da concepção à implantação, patrocinando modificações na formação de professores, no currículo escolar, no financiamento educacional e na gestão escolar.
Nessa perspectiva, as políticas tendem à redução dos gastos públicos por meio das ações governamentais que, paulatinamente, produzem a retirada dos direitos dos trabalhadores e das classes populares, como suposta fórmula para superar as crises fiscais do Estado. O ideário neoliberal se apresenta em contradição com o Estado de Direito, pois ele se realiza na ofensiva contra a população, os trabalhadores e as organizações sindicais. As crises inerentes ao capital são enfrentadas com a destruição da força de trabalho, por meio da redução dos gastos públicos com políticas sociais, e com privatizações e reformas institucionais de cunho gerencial.
As estratégias gerenciais na gestão educacional se iniciaram na Grã-Bretanha em 1986 e promoveram o desenvolvimento de conceitos como empowerment (empoderamento) e accountability (responsabilização). O primeiro conceito se refere a uma disposição psicológica de autogoverno e diz respeito ao poder ou autonomia para planejar, acompanhar, controlar e avaliar as ações deliberadas para se atingir os objetivos. O segundo conceito se traduz em responsabilidade objetiva de uma pessoa ou organização por alguma coisa ou por algum tipo de desempenho. Esses conceitos foram incorporados à concepção do modelo de gestão gerencial para enfatizar ganhos de eficiência e eficácia, cumprindo a função de desresponsabilizar o Estado com os serviços públicos (Vilarino; Santos, 2021) e, ao mesmo tempo, no caso da educação, repassá-los para os gestores, professores e pais.
Nesse sentido, nos últimos anos avançou rapidamente no país diversos processos e formas de privatização com imposição de uma cultura empresarial por meio de políticas curriculares e organização do trabalho pedagógico, ressignificando a função das avaliações de larga escala, os materiais didáticos, as tecnologias educativas, as práticas de gestão nos sistemas de ensino e induzindo a transferência do fundo público para as organizações empresariais. Dessa forma, a mercantilização da educação avança pela aproximação entre a agenda pública educacional e as agendas privadas, conforme os interesses dos mercados educacionais (Freitas, 2014).
A denominação parceria público-privada não significa a existência real de parceria, em que os dois setores são beneficiados. Na prática, a parceria é uma forma de alienação e de apropriação privada do fundo público e de criação de um nicho de mercado altamente rentável e sem os riscos inerentes à volatilidade concorrencial do mercado, contrariando o próprio princípio neoliberal.
Assim, efetuam-se parcerias público-privadas por meio de contratos de gestão e acordos com foco em resultados, metas educacionais, transferência de responsabilização, indicadores de desempenho, avaliação externa e em larga escala, políticas de bonificação e meritocracia. Ademais, a mercantilização da educação se relaciona diretamente com os processos de descentralização e municipalização da educação básica, que resultaram em subsídios públicos para escolas privadas, creches e pré-escolas, em contratos privados para aquisição de sistemas de gestão e de ensino apostilados, na avaliação externa baseada em políticas de responsabilização e meritocracia e em mudanças no processo pedagógico escolar, conforme influência dos setores empresariais da educação na agenda política brasileira (Adrião; Garcia; Borghi; Arelaro, 2009; Costola; Borghi, 2018; Freitas, 2014; Garcia, 2019; Peroni, 2015).
Assim sendo, o segmento do empresariado advoga uma reestruturação do sistema educacional brasileiro e se coloca como protagonista no processo, com o indispensável apoio de governantes brasileiros alinhados ao ideário neoliberal, resultando no avanço de políticas educacionais que convertem a escola em uma seara de reprodução do capital.
3 A POLÍTICA NEOLIBERAL PARA A EDUCAÇÃO PAULISTA
Segundo Harvey (2013, p. 13),
[...] os defensores da proposta neoliberal ocupam atualmente posições de considerável influência no campo da educação (nas universidades e em muitos ‘bancos de ideias’), nos meios de comunicação, em conselhos de administração de corporações e instituições financeiras, em instituições-chave do Estado (áreas do Tesouro, bancos centrais), bem como instituições internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), que regulam as finanças e o comércio globais.
O modelo neoliberal é um padrão desde 1995 no Estado de São Paulo, sob a égide do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), que adotou na educação inclusive os termos advindos das políticas neoliberais: qualidade total; modernização da escola; adequação do ensino à competitividade do mercado internacional; descentralização, dentre outros.
Segundo Ramos (2016), lideranças do PSDB revezaram-se no governo de São Paulo, como Mário Covas, Geraldo Alckmin, José Serra, dentre outros, e mantiveram o pressuposto da racionalidade econômica na atuação do Estado e na política educacional. Em conformidade com a tendência administrativa gerencial e empresarial, na pasta da educação, circularam figuras como Teresa Neubauer da Silva, Gabriel Chalita, Maria Lucia Vasconcelos, Maria Helena Guimarães de Castro, Paulo Renato Sousa, dentre outros. De acordo com Ramos (2016), desde 1995, os governos reforçaram o modelo de gestão impresso pela Reforma do Aparelho do Estado, promovendo, dentre outros, o enxugamento da estrutura funcional e organizacional da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEDUC), a contenção de concursos para servidores públicos, municipalização da educação, estabelecimento de parcerias entre os setores público e privado, avaliações com ênfase em responsabilização e sanções e, ainda, arrocho salarial e constrangimento dos profissionais da educação.
Nessa perspectiva, desde então se conservou a mesma lógica em torno do princípio do gerencialismo, da racionalidade econômica e dos valores provenientes da administração privada no campo educacional, produzindo significativas modificações na gestão escolar, pois as políticas educacionais não são produzidas com a escola, mas para a escola, a partir da perspectiva da eficiência, em detrimento da autonomia e da qualidade formativa da educação. Na gestão de Maria Helena Guimarães de Castro e de forma emblemática, no governo de José Serra (2007-2010), redefiniu-se o papel da escola, com a busca de resultados de fluxos e rendimentos escolares, sob critérios externos às escolas, e uma política de bonificação atrelada à avaliação de desempenho do magistério, com a indução nos sistemas de ensino de processos de competição entre os profissionais e escolas e de ingerências curriculares que levaram à precarização da formação e à destruição moral dos profissionais da educação (Ramos, 2016).
Na atual gestão do governador Tarcísio de Freitas, que rompeu com 28 anos de domínio do PSDB no Estado de São Paulo, e com a gestão do secretário de educação, Renato Feder, há um prosseguimento, aprimoramento e aprofundamento do modelo gerencial, empresarial e privatista de educação.
Tarcísio de Freitas, engenheiro e militar da reserva, do Partido Republicano, é um dos políticos brasileiros que mais enfatiza a bandeira da privatização. No seu primeiro ano de governo apresentou os projetos de privatização da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô), da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), recentemente privatizada. Em sua atuação como ministro da infraestrutura do governo Bolsonaro buscou conceder o máximo de ativos para a iniciativa privada. As suas ações e propostas para a gestão da educação paulista evidenciam não apenas uma continuidade das políticas educacionais dos 28 anos dos governos do PSDB, mas um aprofundamento da vertente neoliberal.
3.1 NEOLIBERALISMO E O NOVO ENSINO MÉDIO EM SÃO PAULO
A análise do plano do atual governo aponta que a prioridade é desenvolver o tipo de educação requerida pelo capital para a classe trabalhadora, com ênfase no empreendedorismo e no estreitamento curricular, como se apenas o ensino de português e matemática fosse suficiente para a formação dos alunos.
O destaque é para a formação e qualificação profissionalizantes restritas aos projetos de vida, à educação socioemocional e cívica, e à oferta de itinerários profissionalizantes alinhadas ao mercado e oferecidas com a participação crescente do setor privado, em sintonia com a reforma do ensino médio e com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) criadas no governo de Michel Temer (2016–2018).
Sobre as propostas para a educação evidenciam-se:
Ampliar a oferta de educação integral no ensino fundamental e médio, com alimentação de qualidade, tempo de estudo ampliado, currículo integrado, incentivando o protagonismo juvenil, empreendedorismo, discussão de projeto de vida, com disciplinas eletivas interdisciplinares e abordagem por projetos. Trabalhar nos jovens a educação socioemocional e cívica, com objetivo de criar cidadãos autônomos, solidários e competentes. Parceria para ampliar o Programa Forças no Esporte (PROFESP) em parcerias com as forças armadas para atividades de ensino em tempo integral em escolas municipais e estaduais. [...] Desenvolver parcerias com as universidades, escolas técnicas e iniciativa privada sempre com o objetivo de criar centros de formação científica e tecnológica nas instituições de ensino, dando continuidade à implementação do Novo Ensino Médio, com ampliação de oferta de itinerários formativos profissionalizantes, alinhados ao mercado de trabalho e, principalmente, com uma visão de futuro (Diretrizes [...], 2023, p. 8, grifos nossos).
Para a reestruturação buscada pelos ideólogos neoliberais é fundamental atrelar a educação oficial aos objetivos estreitos de preparação dos alunos para a competitividade do mercado de trabalho nacional e internacional. Além disso, é importante também utilizar a educação como disseminadora das ideias que apregoam a excelência do livre mercado e da livre iniciativa. Para isso, há alteração do currículo, não apenas com o objetivo de dirigi-lo a uma formação da força de trabalho para o mercado, mas também com o propósito de preparar os estudantes para aceitarem os postulados do ideário liberal.
Desse modo, é justo afirmarmos que a ideologia neoliberal está inserida no Novo Ensino Médio e na implantação da Base Nacional Comum Curricular, pois é possível identificar na reforma o favorecimento à privatização e às parcerias público-privados, por meio do repasse de recursos financeiros para empresas privadas de educação, em detrimento de investimentos nas escolas e redes públicas.
Mas, mesmo com as tensões e controvérsias que têm marcado o Novo Ensino Médio (NEM), o Plano de Governo indica a total adesão à Reforma do Ensino Médio e, por meio dos itinerários formativos, propiciar ampliação das diversas parcerias público-privadas.
O Estado de São Paulo foi o primeiro a implantar o NEM durante o último ano de pandemia, transformando radicalmente o currículo e a organização pedagógica. A organização curricular do NEM é formada por quatro áreas de conhecimento, compostas pela Formação Geral Básica e pelo quinto itinerário denominado profissionalizante.
O NEM modifica o conceito de formação humana a partir da concepção de aprendizagens essenciais, voltadas para o desenvolvimento de competências cognitivas e de cidadania. Essa concepção reduz a educação ao modelo profissionalizante e à articulação imediata do homem ao mercado, ao emprego e à empregabilidade. No entanto, na realidade, trata-se de uma pseudoprofissionalização, pois não se oferecem efetivamente cursos técnico-profissionalizantes, mas cursos curtos de qualificação que reforçam a desigualdade social e a dualidade escolar. A dualidade educacional no ensino médio se repete dos anos de 1940 até o presente, passando por várias reformas. As suas principais características são marcadas por um sistema de educação profissional, que reserva aos trabalhadores uma formação técnica e reduzida e a sua preparação para a venda da força de trabalho.
Por meio da Resolução SEDUC n. 52, de 16 de novembro de 2023, que trata da nova matriz curricular do Estado de São Paulo para 2024, eliminam-se os onze itinerários formativos e se estabelecem apenas três, o primeiro de Matemática e Ciências da Natureza, o segundo de Linguagens e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, e o terceiro de Ensino Médio Técnico com matriz curricular, que será publicado em resolução específica. A Resolução amplia o tempo de aulas de língua portuguesa de 10 para 16 horas e de matemática de 10 para 17 horas. No primeiro caso consideram-se as aulas de redação e leitura, e no segundo a matemática financeira. Também haverá um aumento na carga horária do projeto de vida e educação financeira com duas aulas semanais nos três anos de curso. Os dois itinerários deixam um hiato entre as opções, de forma a criar uma autoexclusão na formação geral, pois o aluno poderá escolher uma ou outra. Além disso, os itinerários serão incrementados com capacitação profissional em tecnologia e robótica, empreendedorismo, biotecnologia e química aplicada, de um lado e, de outro, arte e mídias digitais, liderança, oratória, filosofia e sociedade moderna e geopolítica.
As escolas deverão ofertar os dois itinerários e o itinerário formativo técnico, se disponível na unidade escolar. Portanto, não há grandes mudanças, apenas se enfatiza o aspecto pragmático e utilitarista do currículo e sua articulação com supostas demandas do mercado de trabalho. Aparentemente, a Resolução aparece como reposição da base da formação geral, no entanto, configura-se por meio da redução das aulas de filosofia, sociologia, artes etc., impregnando o espaço da formação geral com componentes curriculares pragmáticos.
Há uma ênfase no empreendedorismo que é implantado por meio do itinerário e que dissemina a ideologia do empreender por si mesmo, respondendo às imposições do mercado de trabalho, pela via de políticas neoliberais conformadas no regime de acumulação flexível do capital. O mercado de trabalho determina as habilidades e as competências que devem ser desenvolvidas nas escolas, por meio das diretrizes educacionais, contribuindo para a valorização do capital humano qualificado. O capital humano formado e habilitado por meio dessas diretrizes e dos itinerários implantados nas escolas assimilam a estrutura organizacional empresarial e podem responder, de forma prática, ao mercado de trabalho formal e principalmente ao informal e desregulamentado.
A crise mundial de acumulação do capital elevou enormemente, tanto no Sul, como no Norte, o número de desempregados, e as oportunidades de trabalho encurtaram, até mesmo para os mais qualificados. Enquanto uma das medidas para enfrentar o desemprego e a progressiva desregulamentação do trabalho, o neoliberalismo concebeu, do ponto de vista teórico e prático, o denominado empreendedorismo. Lopes, Lima e Nassif (2017) apontam que o ensino do empreendedorismo tem sido implantado para ajudar a desenvolver uma perspectiva mais ampla da carreira profissional para os estudantes e que, nesse contexto, fomenta-se o desenvolvimento de uma mentalidade empreendedora para preparar os alunos para a sociedade do conhecimento e das incertezas. Outro objetivo que não fica explícito, mas a prática tem mostrado, é o de preparar os alunos para o mercado de trabalho informal, porém, disseminando a ideia de que todos e qualquer um podem realizar seus sonhos e ter sucesso, se for empreendedor. Desígnios que estão em acordo com a racionalidade neoliberal.
Em suma, os objetivos implícitos e explícitos do NEM são não apenas de modificar a concepção de educação, mas a própria educação transformando-a em mercadoria e transferindo a responsabilidade pela oferta dos itinerários formativos a entidades educacionais da iniciativa privada, para a prestação de serviços educacionais de preferência por meio da educação a distância (EaD).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Brasil, 2018) apontam, no artigo 12, que “para garantir a oferta de diferentes itinerários formativos, podem ser estabelecidas parcerias entre diferentes instituições de ensino, desde que sejam previamente credenciadas pelos sistemas de ensino”. Assim, os sistemas de ensino podem estabelecer novas possibilidades para o cumprimento das exigências curriculares do Ensino Médio, como parcerias com instituições da sociedade civil, de modo a ampliar a esfera de atuação do mercado educacional. Os sistemas também podem distribuir o nicho de mercado para instituições parceiras empresariais ou fundações educacionais privadas, com o objetivo de agenciar a gestão da educação, a formação de professores e a inserção de um modelo de educação empresarial, com base no empreendedorismo, política de inovação e tecnológicas educacionais.
Analisando as suas ações, verificamos que o governo paulista está impregnando a cultura escolar com valores mercantis e visão utilitarista e, ao mesmo tempo, demandando uma maior articulação entre instituições de diferentes formatos, a fim de cumprir com os itinerários formativos, especialmente, o de formação técnica e profissional. Nesse sentido, o governo do estado de São Paulo, por exemplo, está promovendo cursos técnicos em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Os estudantes fazem a formação geral, a educação financeira e o projeto de vida na escola, e os cursos técnicos ou as qualificações profissionais no SENAI3.
Com a Reforma do Ensino Médio, o governo está impondo uma reestruturação geral da educação, inclusive da gestão escolar que passará a ser delegada também às empresas educacionais e às instituições de ensino privadas. O governo do estado de São Paulo lançou uma Consulta Pública de n. 01/2023 para a construção de trinta e três novas escolas da rede estadual de ensino por meio de parcerias público-privadas, que envolverá, além da construção, a gestão, a operação das unidades e a administração dos serviços de limpeza, manutenção, infraestrutura e segurança4.
A lógica é a mesma das medidas de privatização adotadas em outros setores, como os do Metrô de São Paulo, da Sabesp e da CPTM. No caso da educação, é nítida a política de transferência do fundo público para a iniciativa privada, por meio de cessão de serviços públicos a Organizações Sociais, Fundações, Institutos e outros grupos privados.
3.2 A POLÍTICA NEOLIBERAL E AS TECNOLOGIAS NAS ESCOLAS
A perspectiva empresarial da educação paulista transparece na indicação de Renato Feder para secretário de educação. Feder é sócio da offshore Dragon Gem, proprietária de 28% da Multilaser e, desde o início de 2023, o governo Tarcísio de Freitas fechou três contratos com essa empresa. Feder fechou um contrato para fornecer 97 mil notebooks ao estado, no valor de 76 milhões. O acordo foi fechado no dia 21 de dezembro de 2022, quando o empresário já sabia que ocuparia o cargo de secretário da educação. A transação entrou na avaliação da Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo, que o investiga por conflito de interesse pela assinatura do contrato (Em Menos [...], 2023, p. 1).
A Secretaria de Estado da Educação de São Paulo é uma das pastas que tem gerado polêmicas e criado dificuldades à imagem do governador, principalmente com o anúncio do Secretário da Educação, de que não iria aderir ao Plano Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) e adotaria livros didáticos digitais.
Feder foi Secretário da Educação do Estado do Paraná de 2019 a 2022, na gestão do governador Ratinho Júnior (PSD), e nessa função aproximou escolas e empresas e desenvolveu ações no sentido de digitalizar as escolas com computadores, kits de robótica e uso de aplicativos escolares, causando a dependência das instituições com os serviços de big techs5
O Paraná foi o primeiro Estado a aplicar as aulas virtuais, por meio do ensino remoto. Porém, essa mudança foi realizada sem nenhum tipo de treinamento ou diálogo com os profissionais da educação e a comunidade escolar, desconsiderando a realidade das escolas e dos alunos, causando sérios prejuízos aos estudantes.
Feder ampliou as escolas cívico-militares no Estado do Paraná, implantando mais de duzentas. Também criou o projeto que entregou a administração de vinte e sete escolas públicas para o setor educacional da iniciativa privada, configurando sua perspectiva de privatização e de militarização da educação.
No Paraná, além dos 12 colégios sob responsabilidade das Forças Armadas, a rede estadual conta ainda com 194 escolas cívico-militares. O modelo foi implantado por lei na rede estadual em 2020 e as unidades foram transformadas após a votação das comunidades, que referendaram o projeto. Além da incorporação desses colégios que ficam em Colombo, Lapa, Apucarana, Cascavel, Curitiba, Foz do Iguaçu, Guarapuava, Londrina, Rolândia e Ponta Grossa, a Secretaria de Estado da Educação (Seed) já planeja a ampliação do modelo, que pode chegar a cerca de 400 unidades a partir de 2024 (Paraná, 2023, p. 1).
O governo do Estado de São Paulo trouxe para a Secretaria de Educação um empresário com a perspectiva de gestão empresarial e de privatização da oferta de ensino e dos serviços educacionais, articulando interesses do setor privado, especialmente do setor das tecnologias com foco no ensino remoto, no empreendedorismo e na inovação, motores do ideário educacional neoliberal. Até o momento, foram várias as polêmicas envolvendo a pasta da educação, como a contratação da Multilaser, a negação dos livros didáticos oferecidos pelo PNLD do governo Federal, as tentativas de compras de 200 milhões de livros didáticos digitais sem licitação e a exigência de elaboração de relatórios semanais pelos diretores de escolas sobre as aulas dos professores (Leite, 2023, p. 1).
No dia 08 de agosto de 2023, milhares de estudantes, professores e parte dos pais amanheceram com um novo aplicativo instalado em seus celulares (Patriarca, 2023, p. 1). A instalação do aplicativo minha escola da Secretaria de Educação de São Paulo, sem prévio aviso e autorização dos usuários, causou questionamentos das pessoas envolvidas, além de violar a Lei Geral de Proteção de Dados (Brasil, 2018). Um caso semelhante já havia ocorrido no Estado do Paraná, em novembro de 2022, quando Feder era Secretário da Educação. Os casos apontados apenas foram possíveis de acontecer porque as secretarias de educação estavam conectadas a contas do Google, o que mostra a presença constante das big techs da tecnologia nos ambientes escolares, deixando as instituições dependentes de seus serviços e produtos.
A escolha de Renato Feder pelo governador Tarcísio de Freitas para o cargo de Secretário de Educação teve como fundamento a concepção de educação pública cuja finalidade é contribuir com a reprodução do capital. No livro publicado pelo Secretário em coautoria com seu sócio na Multilaser, Alexandre Ostrowiecki, Carregando o elefante: como transformar o Brasil no país mais rico do mundo, no capítulo sobre o ensino fica explícito o seu modelo de educação.
A melhoria da educação no Brasil passa por uma questão fundamental: é o Estado a entidade certa para operar dezenas de milhares de escolas? Será que o controle público é a melhor forma de gerir um colégio, escolher material didático, pagar professores e cuidar da manutenção? No caso da maioria das nações do planeta, a resposta ainda é sim, apesar de que esse quadro pode estar mudando. Em quase todos os países, o governo opera um sistema público e gratuito de educação. A princípio esse fato inequívoco nos empurraria para defender o mesmo modelo no caso brasileiro, de uma rede pública e de qualidade. No entanto, uma série de casos de sucesso inquestionável está mudando a visão dos especialistas a respeito da melhor estrutura educacional e apontando as vantagens dos sistemas de vouchers (Ostrowiecki; Feder, 2008, p. 92).
O que fica exposto nas afirmações dos autores é a transferência de propriedade pública para a privada, ou seja, a apropriação do fundo público pelo privado, com o objetivo de patrocinar o acúmulo de capital, via ampliação do mercado educacional. A educação é um nicho de mercado altamente rentável, não apenas para os setores empresariais de ensino, mas também para diversos tipos de empresas, como as de tecnologia, como a Multilaser, abrindo possibilidades de alavancar o empreendimento. O sistema voucher propõe o repasse do fundo público para setores privados e, para isso, é necessário o poder político para, em seguida, expandir os valores de mercado, como sendo valores universais.
O voucher educacional é um sistema bastante simples de entender: o Estado paga, os pais escolhem, as escolas competem, o nível de ensino sobe e todos saem ganhando. Ou seja, cada família recebe uma espécie de cupom com valor pré-determinado, com o qual pode matricular seu filho em escola particular e o valor do cupom é pago diretamente à escola pelo governo. Nesse cenário, apesar de o governo estar financiando a educação, o processo é gerido pelos princípios da competição e livre iniciativa. Escolas boas recebem muitos alunos, ganham dinheiro e crescem. Escolas ruins perdem alunos e precisam ou melhorar ou fechar as portas. Uma irresistível pressão por melhoria é formada (Ostrowiecki; Feder, 2008, p. 92).
3.3 O FINANCIAMENTO E A GESTÃO NEOLIBERAL DA EDUCAÇÃO PAULISTA
Outro ponto a ser destacado no Programa de Governo é a proposta de avançar na municipalização da educação fundamental, ou seja, transferir os serviços com o ensino fundamental para os municípios, que são os entes federativos que menos arrecadam e mais gastam com a educação.
Exercer o papel de coordenação da política educacional estadual, fortalecendo o regime de colaboração com os municípios. Avançar na municipalização da Educação Fundamental. Considerar como um dos critérios de distribuição de ICMS os indicadores educacionais. Aprimorar a capacidade administrativa da Secretaria de Educação, com uma estrutura capaz de oferecer sólido apoio às escolas (Diretrizes [...], 2013, p. 9, grifos nossos).
Na linha da política e do racionalismo neoliberal, o governo de São Paulo protocolou na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, a Proposta de Emenda à Constituição Estadual n. 9, de 17 de outubro de 2023, que reduz o percentual para a educação de 30% para 25%, modificando o artigo 255 da Constituição Estadual, o que pode representar um déficit de quase 10 bilhões no orçamento da educação6.
O Ministério Púbico de Contas do Estado (MPCSP) e o Tribunal de Contas do Estado (TCESP) elaboraram um Relatório (Processo TC-005128.989.22-5) a respeito das contas do governador, referentes ao exercício de 2022. O parecer trata do período correspondente ao governo de João Dória até 31 de março de 2022 e de Rodrigo Garcia, de 01 de abril a dezembro de 2022. O TCESP rejeitou a prestação de contas. A diligência concluiu que houve falhas na utilização e na aplicação da Lei do Fundeb, pois não foi aplicado o percentual mínimo de recursos na educação e ocorreram desvios de recursos para custeio de pessoal inativo e pensionista. No caso da saúde, também houve descumprimento do percentual mínimo de 12% dos recursos, conforme a Lei Complementar n. 141 de 2012 (Brasil, 2012).
O relatório ressalta que houve um montante de R$ 53 bilhões em renúncias fiscais no exercício de 2022 e conclui pela ineficiência da gestão da dívida ativa em descumprimento das recomendações do TCESP no âmbito do parecer prévio de 2021, criando-se empecilhos à atuação regular dos controles externos exercidos pelos Tribunais de Contas.
Sob um viés comparativo, para que se tenha uma ideia da representatividade da renúncia financeira fruída anualmente, dados alusivos a 2020 revelam que’[...] a função Educação teve um dispêndio de R$ 34,01 bilhões de reais (sem considerar o montante de insuficiência financeira da SPPREV) e a função Saúde teve gastos de R$ 18,85 bilhões de reais. Isso significa que os gastos com Educação e Saúde correspondem, respectivamente, a 74,55% e 41,32% do valor renunciado com ICMS daquele ano’ (São Paulo, 2022, p. 64).
Os dados contidos no Relatório indicam que as áreas da educação e da saúde possuem um histórico de descumprimentos dos percentuais mínimos de investimentos, que perduram até a presente data, além de irregularidades e desvios de verbas públicas, que poderiam agregar ao orçamento da educação e da saúde. Portanto, a realocação de alíquotas de um setor para outro, no caso da educação e da saúde, sem consideração pelo conjunto do orçamento estadual e sem atenção às irregularidades, leva a uma equivocada interpretação contábil.
O TCESP considerou que as renúncias das receitas fiscais representam tratamento diferenciado e privilegiado e devem ser contabilizados como gastos públicos e compor a base de cálculo do orçamento paulista. Se o Estado de São Paulo não aplica integralmente a verba do Fundeb, a redução da alíquota de 30% para 25% pode representar um drástico corte no orçamento da pasta, ainda maior do que os 5% anunciados. Além disso, a manutenção dos 30% até o momento em que a situação está judicializada no STF tem permitido a inclusão no cômputo de inativos e pensionistas no mínimo estabelecido por lei, na alíquota dos 5% que estão além dos 25%. Ou seja, o governo do Estado de São Paulo criou uma lei e alega que as alíquotas acima dos 25% estabelecidos pela Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB) (Brasil, 1996) estão sendo respeitados e que os 5% acima são um acréscimo do Estado, que pode ser usado conforme achar mais conveniente.
Por outro lado, interessa indicar o crescimento do orçamento da educação nos últimos cinco anos. A receita total do orçamento de 2023 do Estado de São Paulo, no início do governo Tarcísio de Freitas, herdada do governo anterior, foi de 317 bilhões e da educação de 49,5 bilhões; em 2022 a receita total foi de 287 bilhões e da educação de 42 bilhões; em 2021 a receita total foi de 246 bilhões e da educação 35 bilhões; em 2020, a receita total foi de 239 bilhões e da educação 32,6 bilhões; em 2019, início do governo João Dória, a receita total foi de 231 bilhões e da educação 32,4 bilhões. Há um movimento de constante progresso nas receitas totais e na redistribuição pelas pastas. O governo Tarcísio de Freitas recebeu no seu primeiro ano de governo uma receita recorde para a educação de 49,5 bilhões, mas, agora, a lei orçamentária para 2024 prevê uma receita para a educação que retroage a valores do primeiro ano do governo de João Dória, com 32 bilhões.
Conforme boletim sobre o XXXVII Congresso do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP) encontra-se em andamento a implantação de:
Uma política de ‘Estado mínimo’, pela qual se reduza drasticamente o investimento em políticas públicas, equipamentos e servidores públicos, que atenda os interesses dos grupos econômicos e camadas privilegiadas da sociedade e no qual a Educação pública seja um mero instrumento para o atendimento das necessidades do chamado ’mercado de trabalho’, sem compromisso com a promoção da cidadania e da justiça social (APEOESP, 2023, p. 1).
Na Resolução da SEDUC n° 37, de 30 de agosto de 2023, que dispõe sobre o Mapa Estratégico da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (São Paulo, 2023) e visa nortear os projetos e ações do Órgão Central, das Diretorias de Ensino e das unidades escolares da rede de ensino estadual para os anos de 2023 a 2026, aparece a concepção de Estado. Nos pontos educacionais e pedagógicos, o vocabulário utilizado é alinhado às pedagogias das competências, aos itinerários profissionalizantes, com entrega para o setor privado de parte da oferta dos serviços públicos, e ao determinismo e fetiche tecnológico e de inovação, como aconteceu recentemente com a retirada dos livros didáticos das escolas. Em substituição aos livros, está ocorrendo a utilização de material virtual e sua reprodução por meio de power point, com conteúdo programático pré-estabelecido e distribuído para ser aplicado pelo professor, retirando do docente a sua autonomia no processo de ensino-aprendizagem e na elaboração coletiva dos conteúdos e do currículo escolar.
As finalidades elencadas no Mapa Estratégico (São Paulo, 2023, p. 1) são definidas a partir dos seguintes valores: a) Preparar os jovens para as competências necessárias à continuidade dos estudos e ao mundo do trabalho; b) Tornar a aula mais atrativa para aumentar a satisfação do estudante e o interesse em permanecer na escola, num ambiente seguro e inclusivo; c) Resgatar a confiança da sociedade na educação pública.
Como explicitado anteriormente, o foco encontra-se nas competências e não mais nos conteúdos científicos, históricos e filosóficos do saber. Encontramos, também, o uso genérico e equivocado do termo mundo do trabalho, com referência ao mercado e com a intenção de atrelar a escola à empresa. Ainda, há a intenção de criar uma escola atrativa, que faça sentido para o estudante com vista à sua inserção profissional e recuperar a confiança da sociedade.
O Mapa Estratégico (São Paulo, 2023, p. 1) apresenta a concepção de gestão educacional empresarial, atrelada a valores mercantis com ênfase no fortalecimento da cultura sistêmica orientada para valores e resultados. Os principais tópicos que apontam essa perspectiva são: aprendizagem e inovação, associando dois termos com finalidades distintas; gestão educacional, com foco em parcerias e resultados; pessoas e lideranças, buscando talentos e lideranças para o mercado. Esses são os objetivos da educação pública, segundo o documento. Em suma, o Mapa Estratégico apresenta uma missão institucional típico de uma empresa e não objetivos e finalidades educacionais.
No contexto do interesse da administração pública em firmar parcerias com a sociedade civil organizada, se destacam as parcerias com as fundações privadas. No âmbito da Secretaria Estadual de Educação, por meio da Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação Paulo Renato Costa Souza (EFAPE), efetuou-se uma parceria com a Fundação Carlos Alberto Vanzolini (FCAV), com o objetivo de desenvolver projetos na área de pesquisa e inovação voltados para processos e práticas de formação continuada de professores do Estado e dos municípios conveniados com a Secretaria, com ênfase no uso de tecnologias e na formação continuada virtual (São Paulo, 2019a, p. 26).
A FCAV é uma fundação privada sem fins lucrativos com sede em São Paulo. Desde sua criação, em 1967, é mantida e gerida por professores do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). A FCAV desenvolve, aplica e dissemina conhecimentos da engenharia aplicados na administração, visando solucionar problemas de gestão de empresas e do setor público. A sua atuação se baseia na abordagem sistêmica integrada e eficiente de gestão de recursos em instituições públicas e privadas (Fundação Carlos Alberto Vanzolini, 2024).
A FCAV participou da prestação de serviços especializados para a gestão integrada dos processos de consolidação, disponibilização e divulgação da terceira versão da BNCC, produzindo materiais de apoio e ações de formação para a implantação da reforma do ensino médio, como contratada direta do Ministério da Educação para assessoria e consultoria nos anos de 2017, 2018 e 2019, com um montante de recursos na ordem de 19 milhões, com o objetivo de implantar a BNCC e promover a reforma do ensino médio7. A FCAV criou programas de formação e realizou seminários por videoconferência, produziu dezesseis cursos destinados a professores, gestores e conselhos de educação, organizou seminários e audiências públicas em diversas regiões do país, produziu uma série de vídeo aulas, peças de propagandas que foram disponibilizadas no portal do MEC, redes sociais e mídias digitais (Fundação Carlos Alberto Vanzolini, 2021).
A parceria entre a EFAPE e a FCAV é justificada pela necessidade de impulsionar a inovação da gestão pública, visando o aperfeiçoamento dos processos de regulação e organização do sistema educacional articulada ao desenvolvimento de tecnologias (São Paulo, 2019a, p. 26).
A FCAV encaminhou, em 10 de abril de 2019, um documento denominado Manifestação de Interesse Social na Área de Educação ao Secretário de Governo e da Educação do Estado de São Paulo, que, em seguida, foi apresentado à EFAPE. O Diário Oficial do Estado de São Paulo publicou, em 14 de junho, uma Resolução com a indicação e designação de membros da Comissão para análise do documento da FCAV. A EFAP lançou um formulário de consulta pública para análise do documento. A Comissão tomou a decisão sobre o edital de chamamento público, por meio do Ofício FCAV/GTE n. 48/2019, em 18 de junho, em que apresenta o interesse da EFAPE em efetuar a parceria e a submete ao Secretário de Educação.
A parceria com a EFAPE baseia-se em cinco eixos de atuação: I - Apoio aos processos pedagógicos de formação; II - Comunicação em educação; III - Ambientes de formação; IV - Gestão de tecnologias em processos de formação; V - Avaliação, monitoramento e inteligência de dados em processos de formação. De modo geral, a intenção é fomentar um Ecossistema de Pesquisa e Inovação nos processos e práticas de formação continuada com uso das tecnologias, com ações que incluem a gestão das operações de formação continuada, estratégias integradoras de comunicação e formação baseadas em plataformas e uso de ferramentas que possibilitam a integração de dados e sua análise, tendo em vista o monitoramento contínuo dos dados do sistema de processos e práticas de formação (São Paulo, 2019a, p. 26).
A EFAPE foi estabelecida pelo Decreto n. 54.297, de 05 de maio de 2009, com a responsabilidade de qualificar profissionais da educação do Estado de São Paulo e apoiar os processos da gestão do Ensino Básico, tendo como referência a utilização de tecnologias. Em 2011, a EFAPE foi elevada à categoria de Coordenadoria e, em 2019, passou por uma reestruturação fortalecendo a sua atuação no âmbito da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Atualmente, possui uma estrutura organizacional composta pela Coordenação, núcleos de apoios e departamentos, que incluem funções logísticas e de disponibilidade de recursos didáticos e tecnológicos voltados à formação e assistência administrativa no Quadro do Magistério Escolar, no Quadro de Apoio Escolar e da Secretaria de Educação (São Paulo, 2019b)
Como resultado da parceria EFAP-FCAV, consolidou-se um conjunto de métricas, índices e indicadores para acompanhar os resultados dos processos e práticas em desenvolvimento da educação, com a disponibilização de uma plataforma de gestão para monitoramento de dados e indicadores educacionais.
A parceria vem se consolidando desde 2019 sustentada pelo discurso das virtualidades das parcerias público-privadas e da gestão baseada em abordagens de ecossistema de inovação, disseminando a ideia de que a inovação é potencializada por meio de parcerias entre vários atores da sociedade, tais como empresários, ONGs, fundações de apoio, investidores etc. A partir da parceria com FCAV baseada em soluções integradas voltados à gestão, comunicação institucional e formação continuada, a SEED-SP, por meio da EFAPE, dissemina concepções e um modelo de gestão do mundo dos negócios e de controle radical dos processos educativos.
Assim, por exemplo, a Portaria do Coordenador, de 27 de julho de 2023, publicada no Diário Oficial do Estado, Seção I, de 28 de julho de 2023 (p. 36), que dispõe sobre o apoio presencial para os professores, em sala de aula, pelo Diretor Escolar e/ou Coordenador de Gestão Pedagógica, exige que os diretores escolares e/ou coordenadores pedagógicos acompanhem as aulas dos professores e elaborem relatórios semanais.
Art ٣º A observação da sala de aula deve gerar um relatório conforme modelo a ser disponibilizado na Secretaria Escolar Digital.
Parágrafo único: O documento deve ser enviado, em formato digital, à Diretoria de Ensino ao final do bimestre.
Art.4o A quantidade de observações em sala de aula, seguidas de relatório, devem ser de, ao menos, duas por semana.
Art ٥º A prática de observação de sala de aula deve se orientar pelos seguintes pressupostos pedagógicos:
I - o caráter formativo da avaliação da prática didática;
II - a qualidade da mobilização curricular;
III - a valorização das estratégias de aprendizagem ativa;
IV - a importância do engajamento dos estudantes nos processos de ensino-aprendizagem.
Indiscutivelmente, a ideia de apoio presencial aos professores faz parte de uma política autoritária que responsabiliza os professores pelos resultados e silencia os reais problemas da escola, ou seja, uma política que dissemina uma cultura de assédio e vigilância dos professores em seu ambiente de trabalho, infringe o princípio constitucional de gestão democrática e de liberdade de ensinar e aprender, numa clara desqualificação da categoria docente.
Conforme o Secretário de Educação na 2887ª Sessão Ordinária do Conselho Estadual de Educação (CEE-SP), de 31 de janeiro de 2024, a produção de materiais didáticos na gestão atual está centralizada no trabalho desenvolvido pela FCAV em parceria com a EFAPE/SEED-SP (YouTube, 2024).
A formação de professores está ocorrendo, por exemplo, com o Multiplica SP promovido pela EFAPE. Ao longo do ano de 2023, houve o desenvolvimento de um modelo de formação baseado na seleção interna e na remuneração de professores que têm talento e vocação para atuar como mentores de seus pares. De acordo com o Secretário de Educação, na Sessão Ordinária do CEE-SP, no primeiro semestre de 2023, o Programa Multiplica SP contou com 1.200 Professores Multiplicadores e 200 Diretores Multiplicadores, que atenderam 40.200 Professores Cursistas (25%) e 3.000 Diretores Cursistas (57%). No segundo semestre de 2023, os Professores Multiplicadores totalizaram 1.800 e os Diretores Multiplicadores 400, atendendo a 72 mil Professores Cursistas e 6 mil Diretores Cursistas. Apesar do discurso otimista, trata-se, sobretudo, de estratégica de cooptação de professores realizada pelos pares para gerar engajamento na política educacional (YouTube, 2024).
Em síntese, a concepção vigente de educação do atual governo de Estado está desvirtuando os reais objetivos da educação, impondo a lógica da administração de empresas na escola e retirando a já restrita autonomia dos professores e diretores. Além disso, reforça o controle sobre o trabalho do professor, exigindo dos diretores e coordenadores a vigilância e elaboração de relatórios avaliativos dos profissionais. Trata-se, sobretudo, do aprofundamento da precarização do trabalho docente e das condições de trabalho, já tão degradadas. O discurso sobre a qualidade do ensino parece estar sendo construído em cima da desqualificação docente.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Iniciamos este texto com o objetivo de apresentar aos leitores e às leitoras uma avaliação do primeiro ano do governo de Tarcísio de Freitas e das principais tendências para a educação básica verificadas nos discursos e ações efetuadas pelo executivo, em especial no que diz respeito ao avanço da racionalidade neoliberal na educação, às mudanças realizadas no ensino médio, às tecnologias na escola, ao financiamento e à gestão da educação
Para tanto, procedemos a uma avaliação do primeiro ano de governo de Tarcísio de Freitas, e desenvolvemos reflexões sobre a racionalidade instrumental que orienta a política educacional no Estado de São Paulo, levando em consideração aspectos políticos, jurídicos e medidas gerais que estão sendo adotadas, e que se apresentam como tendências.
Após o estudo, concluímos que os governos federais aderiram à política neoliberal e que os governos de São Paulo têm sido os principais agentes no aprofundamento e consolidação do pacto social neoliberal, com reconfiguração na relação entre Estado e sociedade civil, com o predomínio da lógica privada, empresarial, gerencial e profissionalizante nas políticas educacionais paulista.
O governo paulista procura dispor de um conjunto de meios autoritários para dar continuidade, aprimorar e aprofundar a concepção de educação com valores do mercado. As repercussões dessa racionalidade, que se revelam no cotidiano das instituições escolares, merecem ser mais bem investigadas, pois levam a modificações profundas que resultam na adesão generalizada a valores mercantis e empresariais, além de constituir uma política autocrática e truculenta. São também valores herdados de princípios moralistas, especialmente enfatizados nos últimos quatro anos de retrocessos políticos em âmbito nacional, sem preocupação em disfarçar que a democracia e a prática democrática não se constituem em princípios fundantes da escola pública, contradizendo a legislação que advoga a gestão democrática no ensino público.
Esperamos que a análise teórica e de conjuntura do período de um ano de governo tenha colocado em destaque os preceitos constitucionais de direito à educação pública e de qualidade para todos, ou seja, que o Estado cumpra com o seu dever de assegurar o financiamento da educação pública e popular, de valorização dos profissionais da educação e de promoção da qualidade formativa da educação, com efetivos mecanismos de gestão democrática e participativa e de autonomia das escolas públicas.
No término deste artigo, o governador Tarcísio de Freitas anunciou na imprensa corporativa que havia enviado à Assembleia Legislativa, no dia 07 de março, o projeto de criação de escolas cívico-militares em São Paulo. De acordo com o projeto (Porto, 2024, p. 3), a proposta do governo é complementar as ações pedagógicas e “compartilhar com os estudantes valores como civismo, dedicação, excelência, honestidade e respeito”. Participarão das escolas policiais militares da reserva, indicados pela Secretaria de Segurança Pública, que receberão salários superiores aos dos professores. Ainda, a medida será direcionada a escolas com índices de rendimento inferiores à média estadual e será atrelada às taxas de vulnerabilidade social.
A escolha por criar as escolas cívico-militares nos bairros mais pobres de São Paulo não é apenas para enfrentar a violência. A pretensão não revelada é a de atingir a resistência da população mais vulnerável e convencê-la a aderir aos valores e ideias disseminados pelo neoliberalismo e pela extrema direita, utilizando, inclusive, a ameaça da presença policial.
Lembramos que, em julho de 2023, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares instituído em 2019, que foi uma das principais medidas da Educação do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A principal justificativa para o encerramento do Programa foi a de que havia desvirtuamento das finalidades e funções da escola pública. Esse novo projeto encaminhado pelo governo paulista reforça os argumentos utilizados na nossa análise apresentada ao longo do artigo.
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Endereços para correspondência:
Tânia Martins - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Filosofia e Ciências, Campus de Marília, Unesp, 17525900, Marília, SP. tb.martins@unesp.br.
Neusa Maria Dal Ri - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Filosofia e Ciências, Campus de Marília, Departamento de Administração e Supervisão Escolar, Av. Hygino Muzzi Filho, 737, Campus Universitário, 17525-900, Marilia, SP, Caixa-postal: 420. neusamdr@terra.com.br.
1 Doutora e Mestra em Educação pela Universidade Federal de São Carlos; Professora Assistente doutora do Departamento de Administração e Supervisão Escolar, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e do Programa de Pós-Graduação em Educação, campus Marília. Vice-coordenadora do Curso de Pedagogia; presidente da Comissão de Estágio e membra do Comitê de ética, campus Marília; Participa, como associada, do GT11 da ANPED e do Universitas-Br.
2 Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo; Mestra em Educação pela Universidade Federal de São Carlos; Pós-Doutora em Educação pela Universidade do Minho, Portugal; Pós-Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos; Bolsista produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, nível 1 D; Membra da Red de Investigadores y Organizaciones Sociales de Latinoamérica (RIOSAL); Membra da Asociación de Universidades Grupo Montevidéo; Associada do Instituto de Políticas Públicas de Marília; Membro do Conselho Consultivo do Instituto Caio Prado Júnior; Pesquisadora membro da Red Latinoamericana de Estudios sobre Trabajo; Líder do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”; Editora do periódico científico ORG&DEMO.
3 Ver a página do Governo do Estado de São Paulo sobre o Novo Ensino Médio no endereço: https://www. ensinomediopaulista.educacao.sp.gov.br.
4 As informações podem ser localizadas no endereço https://www.educacao.sp.gov.br/governo-de-sp-lanca-consulta-publica-para-construcao-e-gestao-de-33-novas-escolas-por-meio-de-ppp/.
5 Big techs são corporações multinacionais do ramo da tecnologia, informação e comunicação e as principais são o Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft.
6 Proposta de Emenda à Constituição do Estado de São Paulo. Disponível em: https://1000505239_1000641963_Propositura.pdf (al.sp.gov.br). Acesso em: 14 jan. 2024.
7 Informações sistematizadas do banco de dados da Controladoria-Geral da União (CGU) no Portal da Transparência do Governo Federal. Disponível em: https://portaldatransparencia.gov.br/busca/pessoa-juridica/62145750000109-fundacao-carlos-alberto-vanzolini?paginacaoSimples=true&tamanhoPagina =&offset=&direcaoOrdenacao=asc&colunasSelecionadas=linkDetalhamento%2Corgao%2CunidadeGes tora%2CnumeroLicitacao%2CdataAbertura&id=6220000. Acesso em: 24 fev. 2024.