https://doi.org/10.18593/r.v49.34204

O “novo” Ensino Médio e suas implicações socioeducacionais1

The “new” High School and its socio-educational implications

La “nueva” Escuela Secundaria y sus implicaciones socioeducativas

Debora Cristine Trindade2

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus Cascavel; Doutoranda em Educação. https://orcid.org/0000-0002-1790-962X?lang=pt

Paulino José Orso3

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus Cascavel; Professor associado.

https://orcid.org/0000-0001-9126-3276

Resumo: Este artigo trata do “novo” Ensino Médio e suas implicações para a educação e para a sociedade. Considerando que vivemos em uma sociedade de classes, na qual a neutralidade é impossível, as políticas educacionais, como é o caso da Reforma do Ensino Médio e da Base Nacional Comum Curricular – BNCC, não têm o mesmo significado para os indivíduos situados em diferentes classes sociais. Diante disso, o problema que orienta essa pesquisa está em compreender, o atual contexto de desenvolvimento do capital, as implicações dessas políticas e reformas educacionais para a classe detentora do poder, a burguesia, e para os trabalhadores, desprovidos da propriedade dos meios de produção e, por outro, apontar os desafios que se colocam para os educadores comprometidos uma educação com qualidade socialmente referenciada. Este trabalho, parte de uma pesquisa de doutorado que se encontra em andamento e tem um caráter bibliográfico e documental. Conclui-se que a subordinação política empresarial tem desqualificado o trabalho docente e a formação da juventude brasileira, especialmente os filhos e filhas da classe trabalhadora que dependem exclusivamente da escola para o acesso aos conhecimentos históricos, sendo uma tarefa dos educadores a luta pela pelas mudanças políticas e pela superação da fragmentação do conhecimento.

Palavras-chave:novo” Ensino Médio; ultraliberalismo; educação.

Abstract: This article deals with the “new” High School and its implications for education and society. Considering that we live in a class society, in which neutrality is impossible, educational policies, such as the High School Reform and the National Common Curricular Base – BNCC, do not have the same meaning for individuals located in different classes social. In view of this, considering the current context of capital development, on the one hand, we seek to explain the implications of these policies and educational reforms for the class that holds power, the bourgeoisie, and for workers, deprived of ownership of the means of production and, on the other hand, another, to point out the challenges facing educators who are committed to an education with socially referenced quality. It is concluded that the corporate political subordination has disqualified the teaching work and the formation of the Brazilian youth, especially the sons and daughters of the working class who depend exclusively on the school for access to historical knowledge, being a task of the educators to fight for changes policies and for overcoming the fragmentation of knowledge.

Keywords: “new” High School; ultraliberalism; education.

Resumen: Este artículo trata sobre la “nueva” Escuela Secundaria y sus implicaciones para la educación y la sociedad. Considerando que vivimos en una sociedad de clases, en la que la neutralidad es imposible, políticas educativas, como la Reforma de la Enseñanza Media y la Base Nacional Curricular Común – BNCC, no tienen el mismo significado para individuos ubicados en diferentes clases sociales. Ante ello, considerando el actual contexto de desarrollo del capital, por un lado, se busca explicar las implicaciones de estas políticas y reformas educativas para la clase que detenta el poder, la burguesía, y para los trabajadores, privados de la propiedad de los medios. de producción y, por otro lado, otra, para señalar los desafíos que enfrentan los educadores que apuestan por una educación con calidad socialmente referenciada. Se concluye que la subordinación política corporativa ha descalificado el trabajo docente y la formación de la juventud brasileña, especialmente de los hijos e hijas de la clase obrera que dependen exclusivamente de la escuela para el acceso al conocimiento histórico, siendo tarea de los educadores luchar por las políticas de cambio. y para superar la fragmentación del conocimiento.

Palabras clave:nueva” Escuela Secundaria; ultraliberalismo; educación.

Recebido em 07 de novembro de 2023

Aceito em 15 de janeiro de 2024.

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento do homem é realizado a partir de mediações complexas, pois a reprodução biológica não é suficiente para a constituição do homem em sua forma mais objetiva, necessita da educação, do acesso à cultura e do conhecimento mais desenvolvido que possibilite sua formação em plenitude. No entanto, a incorporação dos conhecimentos históricos depende da organização social de cada momento. O problema, porém, se coloca quando se utiliza o conhecimento histórico não como mediação para a emancipação humana e sim como meio de opressão e dominação social.

É mister compreender a educação como “um fenômeno social, portanto, inserida necessariamente nas esferas mais amplas, que dizem respeito à organização da sociedade como um todo” (Martins, 2008, p. 111). Assim sendo, não é difícil de compreender que as reformas educacionais, especialmente as realizadas após os anos de 1990, encontram-se adequadas à lógica do capital, que, por ser dominante, intenta universalizar sua forma e seus interesses.

Essa lógica se mantém na reformulação do “novo” Ensino Médio (Brasil, 2017), e traz embutidas políticas que “não só comprometem a realização do trabalho pedagógico, assolam a qualidade da educação e impedem o desenvolvimento do país” (Zank, 2020, p. 21), como procuram legitimar a reprodução da sociedade existente, retirando da classe trabalhadora o acesso ao conhecimento historicamente desenvolvido, intensificando a desigualdade social e impondo comportamentos relativos à subjetividade de tipo burguesa.

Nesse sentido, com base em pesquisa bibliográfica, este artigo tem dois objetivos fundamentais: compreender as implicações das políticas e reformas educacionais para a burguesia e para a classe trabalhadora, as quais não têm o mesmo acesso aos meios de produção, e discutir sobre os desafios enfrentados pelos professores com uma educação de qualidade e os princípios da emancipação humana e transformação social. Nesse contexto, no primeiro momento discorremos sobre a importância do trabalho educativo e do processo de humanização dos indivíduos. Na sequência, abordamos alguns elementos da lógica burguesa presente nas políticas educacionais, tanto nos anos finais da década de 1990, como durante a vigência do “novo” Ensino Médio. Por fim, considerando a sociedade existente e o significado da Reforma do Ensino Médio, tecemos considerações e enfatizamos o compromisso do professor na defesa de uma educação que possibilite o pleno desenvolvimento.

2 REVISÃO DE LITERATURA

Não é novidade que o homem retira da natureza, por meio do trabalho, os elementos necessários à sua subsistência e, ao fazê-lo, concomitantemente, transforma-a de acordo com seus interesses e necessidades, criando um mundo humano, sua própria cultura, e a si próprio. No entanto, ao produzir sua existência, antecipa os resultados do trabalho no plano do pensamento, na forma de ideias, conceitos e valores.

Conforme afirma Saviani (2013, p. 13),

O que não é garantido pela natureza tem que ser produzido historicamente pelos homens. Podemos, pois, dizer que a natureza humana não é dada ao homem, mas é por ele produzida sobre a base da natureza biofísica.

Essa produção decorre exclusivamente do trabalho, em que “consciência e ato [...] se configura[m] em um momento unitário, o de pensar e transformar” (Lara, 2010, p. 20). Nessa perspectiva, a educação se coloca como condição necessária ao desenvolvimento do homem e sua humanização.

Saviani (2005, p. 246) destaca que

Os homens são aquilo que eles próprios produzem em sua ação sobre a natureza. Portanto, se o homem não tem sua existência garantida pela natureza, mas precisa produzi-la, ele necessita aprender a produzi-la, ele necessita aprender a agir sobre a natureza. Isso quer dizer, pois, que ele necessita ser educado. Eis porque também se diz que a educação é uma atividade especificamente humana sendo, o homem, produto da educação. (grifo nosso).

Não é suficiente, portanto, nascer humano, é preciso tornar-se humano. Conforme Duarte (2013, p. 64),

Toda pessoa possui, ao nascer, a condição de um ser humano no sentido de que nasce pertencendo à espécie humana. Igualmente, ela é um ser humano singular, no sentido de que se trata de um ser individualizado por características biológicas que herda geneticamente e que a singularizam como organismo. Aquele organismo ao nascer não é inteiramente igual a outros organismos humanos. Ele tem suas singularidades. Nesse sentido, bastante restrito, eu afirmaria: sim, toda pessoa nasce como um indivíduo humano. Por outro lado, eu afirmaria: ela nem é, ainda, plenamente um ser humano, nem é ainda plenamente um indivíduo. Ela tornar-se-á um indivíduo e tornar-se-á um ser humano por meio de um processo educativo que é essencialmente social e cultural: a transmissão da riqueza material e espiritual necessária ao desenvolvimento da individualidade.

Em outras palavras, as novas gerações, embora de caráter humano, necessitam apropriar-se dos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade para se tornarem humanos, garantindo, assim, o seu próprio desenvolvimento. A apropriação desse legado histórico é dada por meio do processo educativo tanto social quanto cultural, ou seja, é preciso de um trabalho direcionado para a transmissão da riqueza material e não material necessária para a formação dos indivíduos.

Segundo Saviani (2013, p.13) o trabalho educativo é o ato de “produzir direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”. Nesse sentido, podemos afirmar que a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos, é parte do processo histórico do trabalho e, portanto, tem intencionalidades e objetivos específicos na formação da humanidade.

Para tanto, o processo de aprendizagem não ocorre de modo mecânico, sendo necessário validar várias questões que envolvem o trabalho educativo, tais como as condições para sua realização, o currículo, a metodologia dos professores, além do estudo e apreensão dos alunos. Conforme esclarece Duarte (2016, p. 59),

O ensino dos conteúdos escolares em nada se assemelha, portanto, a um deslocamento mecânico de conhecimentos dos livros ou da mente do professor para a mente do aluno, como se esta fosse um recipiente com espaços vazios a serem preenchidos por conteúdos inertes. O ensino é a transmissão de conhecimento, mas tão transmissão está longe de ser uma transferência mecânica, um mero deslocamento de uma posição (o livro, a mente do professor) para outra (a mente do aluno). O ensino é o encontro de várias formas de atividade humana: a atividade de conhecimento do mundo sintetizada nos conteúdos escolares, a atividade de organização das condições necessárias ao trabalho educativo, a atividade de ensino pelo professor e a atividade de estudo pelos alunos.

Consideramos, portanto, que o trabalho educativo tem a responsabilidade de inserir as novas gerações na cultura, possibilitando o acesso aos bens materiais e aos bens intelectuais produzidos ao longo da história pela humanidade. Concordamos, por conseguinte, com Malanchen (2016, p. 115) que este trabalho é responsabilidade da escola. Essa instituição, munida do conhecimento objetivo, pode desenvolver nos estudantes as funções psicológicas superiores44. Segundo a autora,

Como a escola é a princípio, em nossa sociedade, a instituição mais organizada para transmitir o conhecimento, ela pode provocar o desenvolvimento das funções psicológicas dos indivíduos com base na apropriação da cultura acumulada. Quando a escola se propõe a conduzir o aluno ao pensamento conceitual, possibilita maiores condições para o desenvolvimento da realidade objetiva.

Consequentemente, a construção da humanidade está diretamente vinculada a incorporação de experiências e conhecimentos transmitidos de geração para geração. Conforme destaca Lara (2010, p. 24),

a transmissão de experiências e conhecimentos, através da produção material e, por conseguinte, da educação, da cultura e da linguagem, permite que, no homem, as gerações posteriores sejam, de certa forma, favorecidas ou prejudicadas pelas relações sociais produzidas pelas anteriores. Esse processo constante de humanização da natureza vai adquirindo a marca da ação humana.

Mas a incorporação de experiências e conhecimentos necessários à humanização dos indivíduos dependem do modo de produção de cada momento, afinal ele determina o curso das organizações sociais. “O trabalho é o nexo causal de todas as relações humanas. Ele determina e condiciona a vida, organizando a produção dos bens necessários” (Lara, 2010, p. 27) ao desenvolvimento humano.

No entanto, há que se considerar a contradição inerente à própria formação da sociedade e dos indivíduos na sociedade de classes, em especial, no capitalismo, pois, os indivíduos são, simultaneamente, “absolutamente necessários e totalmente supérfluos” (Mészáros, 2002, p. 802). Isso significa dizer que tudo está a serviço seu serviço.

Ao analisarmos a produção desenfreada de materiais de consumo no planeta, por exemplo, e a quantidade crescente de pessoas que não têm acesso ao mínimo de condições de viver com dignidade (casa, alimento, roupas, escolarização, emprego), a conclusão é que eles não são bens sociais, são bens do mercado a serviço do capital.

Ao fazer uma análise sobre a reorganização econômica e a reforma do Estado e da educação realizada a partir dos anos de 1990, Bruno (2001, p. 04) destaca a “nova fase de internacionalização do capital, com a reorganização produtiva”. E uma das questões mais evidentes desse contexto se encontra na alteração da divisão internacional do trabalho e das trocas internacionais, considerando que nas décadas anteriores, o comércio entre países era feito apenas pelos países mais industrializados, com economia mais dinâmica e que apenas importavam a matéria-prima dos que se encontravam em processo de industrialização ou agrários. Neste caso, a divisão ocorria entre um grupo de países que produzia e exportava e outro que exportava apenas a matéria-prima, sendo que o grupo que apenas fornecia matéria-prima estava em desvantagem em relação ao outro.

Uma questão importante é que essa divisão se altera principalmente quando os países mais desenvolvidos começam a exportar e importar, sobretudo, entre países do mesmo grupo, interessados em produtos acabados e não mais por matéria-prima, o que necessita primeiramente de tecnologia agregada e “força de trabalho com qualificações complexas” (Bruno, 2001, p. 06).

A partir daí, a educação deixou de ser questão nacional e passou a ser pensada em termos globais: a formação das novas gerações da classe trabalhadora passa a ser equacionada tendo como princípio essa divisão global, em que se perpetuam e se agravam as distâncias no que se refere à qualificação entre os diferentes segmentos que a compõem, e entre aqueles condenados ao exercício dos trabalhos mais simples, insalubres e mal remunerados, e outros que se ocupam dos trabalhos e das funções mais complexas na economia mundial. (Bruno, 2011, p. 17).

De acordo com Nogueira (2001, p. 22), o pensamento global volta-se para à “homogeneidade social, o consenso político, o determinismo mercadológico e a centralidade da Educação Básica”, impactando nas políticas de formação.

Ao longo dos anos, marcando a educação brasileira, refletindo na formação, acarretando uma educação distinta para os filhos da classe trabalhadora e para a classe dominante, essas políticas foram responsáveis por muitos projetos para as escolas, que resultaram em um currículo mínimo, sintonizado com a ideia de “habilidades e competências”, negligenciando a formação ampliada e o acesso aos conhecimentos históricos destinados ao desenvolvimento sócio humano.

Conforme explicita Malanchen (2016, p. 19),

A fragmentação ocorrida no mundo do trabalho, direcionada pela ideologia neoliberal (produção flexível, mercado consumidor segmentado, crise do sindicalismo e fragmentação da classe operária, fragmentação do sujeito e do discurso político), reflete-se no campo epistemológico e pedagógico por meio do discurso de que é impossível qualquer possibilidade de capitação do real e da história em sua totalidade.

Nesse contexto, são priorizadas a realidade imediata e as expectativas do mercado, e a educação, em sua forma institucionalizada, volta-se para a formação do chamado capital humano.

Conforme destaca Saviani (2014, p. 166),

a teoria do capital humano implica na valorização econômica da educação, não é menos verdade que ela tende a limitar-se à questão da formação da mão de obra com estrita função instrumental em relação ao desenvolvimento econômico.

Assim, a escolaridade passa a ser um elemento necessário à garantia da competitividade econômica e à produção de riqueza. Todavia, compete ao indivíduo buscar sua formação e conquistar uma posição no mercado por conta própria, sem a intervenção de quem quer que seja.

Com isso, instaura-se uma nova forma de pensar a empregabilidade e a marginalidade social, e a escola passa a ser considerada como meio de integrador os indivíduos ao mercado, mediante o entendimento de que nem “todos podem ou poderão gozar dos benefícios dessa integração já que, no mercado competitivo, não há espaço para todos” (Gentili, 2005, p. 52).

De qualquer modo, de acordo com o pensamento burguês, o homem é livre para fazer escolhas e contratos sempre, quando e com quem desejar. Todavia, a liberdade para o trabalhador significa poder escolher para quem vende ou não de sua força de trabalho, em contrapartida, para do burguês, significa o poder de comprar ou não a mão de obra disponível no mercado.

Nessa perspectiva, Adam Smith (1723-1790), seguindo as pegadas de François Quesnay (1694-1774), que defendia o “laissez-faire”, ou seja, a ideia de que o melhor caminho para o desenvolvimento, é o natural, deixando que a natureza siga seu curso com um mínimo de intervenção possível, transformou esse princípio no princípio da “mão invisível”, de acordo com o qual, o melhor governo é aquele que menos governa, que menos intervém.

De acordo com Corazza, Smith concebe uma sociedade harmoniosa em que a “mão invisível” opera a harmonização entre o interesse individual e o interesse coletivo (1984, p. 74). Nela, o mercado não deve encontrar obstáculos. Pois, na medida em que cada um operar conforme seus interesses individuais, acaba por promover o crescimento econômico e social, atendendo aos interesses coletivos.

Essa ideia de liberdade de Smith, de certo modo, torna-se uma das mais importantes para o liberalismo. Apesar de admitir a necessidade do trabalho coletivo para a sobrevivência dos homens, destaca que não pode ser realizado como forma de favor a alguém ou a uma nação e sim compreendido como interesse próprio. Quer dizer, “a procura de sua própria vantagem individual (...) leva-o a preferir aquela aplicação que acarreta maiores vantagens para a sociedade” (Smith, 1983, p.378).

A partir do século XIX, no entanto, fundamentada na ideia da igualdade formal, a burguesia começa a estruturar os sistemas nacionais de ensino e advogar a ampliação da escolarização, inclusive, defendendo a escola como “condição para a consolidação da ordem democrática” (Saviani, 2018, p. 33).

Ocorre que, inicialmente a burguesia organizou a escola a partir da pedagogia da essência. Suchodolski (2002, p. 25), em sentido oposto, defende que a educação deve “dar sua contribuição de modo que a verdadeira essência humana possa assenhorar-se dos homens concretos” de forma igualitária.

É forçoso dizer que, na antiguidade grega, a concepção essencialista de formação do homem era relacionada à condição do homem livre, ou seja, não se destinava a todos. Na Idade Média, essa concepção estava articulada à divindade e os destinos eram entendidos como definidos a priori a partir do além. Somente na Idade Moderna, com o rompimento do modo de produção feudal e o surgimento da burguesia, o discurso da igualdade começa a ser apropriado de forma diferenciada pela pedagogia da essência, como bandeira da burguesia contrária à dominação da nobreza e do clero fundamentalmente.

Todavia, a preocupação com a formação dos indivíduos e a transformação social sofre uma mudança repentina quando as massas entram em conflito com os interesses da burguesia. Nesse momento “os interesses dela não caminham mais em direção à transformação da sociedade; ao contrário, os interesses dela coincidem com a perpetuação da sociedade” (Saviani, 2018, p. 33).

Desse modo, a burguesia passa a defesa da pedagogia da existência. Para Suchodolski (2002, p. 62) ela “reduzia a educação a um processo de adaptação ao meio”. Com isso, afasta-se do entendimento da realidade e contribui para a reprodução da ordem vigente. Nesse sentido, para Saviani, a pedagogia da existência assume um caráter reacionário e caminha em sentido contrário à liberdade dos indivíduos e da sociedade, prestando-se para “legitimar as desigualdades, legitimar a dominação, legitimar a sujeição, legitimar os privilégios”. (2018, p. 34)

A fim de manter os privilégios conquistados, a burguesia abandonou o sentido revolucionário por ela preconizado e, para além da formação das crianças e dos jovens via sistema de ensino, passa a organizar as leis, as notícias, as relações de trabalho e a distribuição de renda, saúde e religião, enfim, adequa as relações sociais aos seus interesses.

Isso fica mais explícito com o avanço das políticas ultraliberais implementadas a partir do final do século XX. No caso da educação, o marco ocorre com a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em março de 1990, em Jomtien, na Tailândia, cuja centralidade da educação recai sobre a educação básica, especialmente o Ensino Fundamental.

Essa conferência aprovou a “Declaração Mundial sobre Educação para Todos – Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem”, estabelecendo o prazo de dez anos para que os países detentores de altas taxas de analfabetismo, incluindo o Brasil, cumprissem com o dever moral de universalizar a educação básica. Ressalte-se, porém, que essa “orientação” não foi definida pelos educadores, foi estabelecida por organismos internacionais como o FMI - Fundo Monetário Internacional e o BM - Banco Mundial, que condicionam a liberação de financiamentos à implementação de exigências.

E, com base em seus condicionamentos, por décadas, têm forçado governos a implementar reformas defendidas praticamente como condição sine qua non à melhoria da educação.

De acordo com Azzi e Bock (2008, p. 24),

durante as últimas décadas o Banco Mundial vem recomendando um pacote de reformas educativas para os mais variados países, que contém, dentre outros, os seguintes elementos centrais: a) prioridade na educação primária; b) melhoria da eficácia na educação; c) ênfase nos aspectos administrativos; d) descentralização e autonomia das instituições escolares, entendida como transferência de responsabilidades de gestão e de captação de funções de fixar padrões, facilitar os insumos que influenciam o rendimento escolar, adotar estratégias flexíveis para a aquisição e uso de tais insumos e monitorar o desempenho escolar; e) a análise econômica como critério dominante na definição das estratégias.

Como consequência, temos visto uma série de projetos, sobretudo, direcionados à educação à distância, principalmente nos níveis subsequentes ao primário, e o estímulo à descentralização da administração dos recursos das instituições escolares e à arrecadação de recursos da comunidade, relativizando os investimentos governamentais, reforçando a mercantilização da educação.

Nesse contexto, amparados por intensas campanhas midiáticas, sob aparente preocupação com a qualidade da educação, ou então, com a qualidade da educação preconizada pelo próprio mercado, implementaram-se políticas educacionais minimalistas como os PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais, as avaliações em larga escala (SAEB- Sistema de avaliação da Educação Básica, ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio) e o financiamento descentralizado para as escolas públicas (FUNDEF- Fundo de Manutenção e Desenvolvimento para o Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). Não por acaso, observa-se que, a partir da década de 1990, a maioria dos países têm realizado reformas educacionais fundamentadas em princípios assemelhados.

Segundo Jacomeli (2004, p. 48),

as reformas educacionais que ocorreram por todo o mundo, anterior e posterior ao final da aprovação do documento de 1996, trazem os mesmos princípios educacionais. Isso referenda a afirmação, feita no presente trabalho, de que há um projeto de sociedade sendo pensado e engendrado pelos ideólogos que defendem o capitalismo. Nesse projeto, a educação escolar é pensada como melhor ferramenta para conformar espíritos, incutir valores, homogeneizar discursos e fazer com que os indivíduos aceitem como natural a reestruturação do capitalismo globalizado, com suas diferenças econômicas, sociais, culturais e outras.

O documento mencionado foi elaborado por Jacques Delors. Trata-se do Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI da Unesco, com o título “Educação: um tesouro a descobrir”. Ele começou a ser organizado em 1993, concluído em 1996, e publicado no Brasil em 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Nele ficam manifestam as condicionalidades para que os indivíduos se tornarem partícipes do capitalismo globalizado: formação de valores, homogeneização social e naturalização das condições de vida material.

Ou seja, trata-se de alinhar as reformas curriculares às demandas e necessidades do processo de produção global. Para além da incorporação da microeletrônica e autogestão, os trabalhadores devem estar aptos a “aprender permanentemente, fazer usos mais complexos e diversificados da linguagem oral e escrita e assumir atitudes de maior protagonismo” (Silva, 2017, p. 23).

Essa premissa acarretou a imposição de um currículo voltado para a formação por habilidades e competências, pois, de acordo com documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio de 1998 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, a organização disciplinar não mais atendia às novas exigências sociais. Desse modo, retira-se da escola sua função primordial, a apropriação e socialização dos conhecimentos historicamente produzidos.

Conforme alerta Silva (2017, p. 23),

A proposta de organização curricular baseada na definição de competências configurava uma perspectiva pragmática e reducionista do papel da escola, sobretudo da última etapa da educação básica. A aproximação da formação básica a requisitos exclusivamente determinados pela economia é emblemática desse pragmatismo.

Segundo Campos e Shiroma (1999, p. 489), dentre as finalidades da educação na perspectiva do capitalismo global, está a garantia da “[...] equidade social, devendo centrar-se, portanto, no desenvolvimento de atributos e potencialidades individuais, ficando os currículos e métodos de ensino consoantes a este objetivo e aos objetivos socializadores [...]”.

Nesse contexto, a formação educacional passa a ser centrada em quatro pilares: a) aprender a conhecer; b) aprender a fazer; c) aprender a ser; e d) aprender a viver juntos e agregar aos conhecimentos disciplinares, propriedades próprias dos saberes cognitivos, sociais e comportamentais como importantes competências na formação do novo sujeito.

Para o BM a educação necessita considerar a avaliação regular dos alunos e o trabalho dos professores, mediante sua eficiência em relação aos índices de aprovação e às notas obtidas em testes padronizados. Como consequência, descarta-se a educação “como um direito de todos à transmissão e troca de saberes, culturas e valores” (Azzi; Bock, 2008, p. 27).

Quer dizer, os conhecimentos escolares são subordinados às necessidades imediatas do mercado. Passa-se a estimular atitudes individuais e a eficiência em relação a empregabilidade e à resolução de problemas.

Assim, sob a justificativa de que as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Parecer CNE/CEB 05/2011 e Resolução CNE/CEB 02/2012)5 não correspondiam às expectativas dos jovens e a sua entrada na vida profissional, em ٢٠١٣, apresentou-se o Projeto de Lei- PL nº ٦.٨٤٠/٢٠١٣, que “propunha uma retomada do modelo dos tempos da ditadura civil-militar, trazendo de volta a organização por opções formativas com ênfases de escolha dos estudantes” (Silva, ٢٠١٧, p.٢٥).

Após as modificações propostas por representantes do movimento estudantil, pelas secretarias de Educação e pelo Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio, ficou arquivado na expectativa que fosse levado a plenário em 2015. No entanto, com o impeachment / golpe sofrido pela presidenta Dilma Roussef, em 2016, Michel Temer encaminhou para o Congresso Nacional a Medida Provisória 746, de 22 de setembro de 2016 (Brasil, 2016), reorganizando do “Novo” Ensino Médio.

Dentre os argumentos presentes na Medida Provisória encontramos, na exposição de motivos que explicitava as justificativas da reforma, que não se verificam diálogos entre a última etapa da educação básica e o setor produtivo e, ainda, que se estaria formando uma juventude incapaz de impulsionar o desenvolvimento econômico do país. Em razão dessa associação imediata entre educação e economia, é proposta a formação técnica e profissional na forma de um dos itinerários formativos que passariam a compor a organização curricular. (Ferretti; Silva, 2019, p. 118).

Como se pode perceber, o “Novo” Ensino Médio não mais disfarça suas intencionalidades, bem como, os interesses da fração da classe dominante em relação à educação. Nesse contexto, é secundado o trabalho com os conteúdos clássicos, em benefício de uma educação que não questione a sociedade.

De acordo com Santomé (2003, p. 31),

Os que apostam no neoliberalismo sabem muito bem que o sistema educacional pode desempenhar um papel importante na atual reestruturação do capitalismo. Devido às suas elaborações ideológicas, as instituições escolares são um dos espaços privilegiados para a construção das novas subjetividades economicistas, para a formação dos seres humanos com habilidades mecânicas e técnicas. Os neoliberais não se preocupam, porém, com as críticas dos setores mais progressistas aos atuais sistemas produtivos e, de certa forma, também aos educativos: a notável incapacidade de avançar na imaginação e na experimentação de novas formas de vida, de modelos sociais e produtivos alternativos aos existentes.

Todavia, se os PCNs (Brasil, 1999) já defendiam a ideia de se desenvolver a capacidade afetiva e a inter-relação pessoal, a partir da reforma do ensino médio (Brasil, 2017) e da BNCC (Brasil, 2018), passa-se a defender de forma explícita a formação por habilidades e competências.

Como resultado dessas mudanças, nas matrizes curriculares das escolas e cursos de nível médio, encontramos disciplinas como Projeto de Vida e Habilidades Socioemocionais, que têm como principal objetivo a regulação emocional e a empatia como aliadas para o trabalho a partir do desenvolvimento tecnológico. Isso sem contar com “educação financeira”.

De acordo com Catini (2023, não paginado),

o tempo de escolarização [que] está sendo gasto para se aprender a fazer brigadeiros caseiros, jogar RPG, saber “o que rola por aí” e ajustar os “projetos de vida” à precariedade do empreendedorismo dos pobres, [é] tão importante quanto trazer à tona o desprezo pela formação especializada de professores e professoras de sociologia, história, geografia, física, química, artes etc. e, consequentemente, de tais conhecimentos.

E junto com o esvaziamento dos conteúdos escolares,

a burguesia já não se contenta em tentar controlar a educação e impedir que sirva aos interesses dos trabalhadores. Passou ao ataque cerrado e decisivo, a realizar reformas educacionais, a cortar recursos, atacar os educadores, as instituições e a autonomia universitária, desrespeitar os processos eletivos, e tenta instituir a qualquer custo [a militarização das escolas], a Escola sem Partido e o homeschooling, enfim, a negar o conhecimento e a ciência, ou seja, quer acabar até mesmo com o pouco que resta da possibilidade de ensinar. (Zank, 2020, p. 98).

Para além disso, incute-se nas crianças e jovens a ideia de que as mudanças são naturais, fazem parte da vida, e podem acontecer a qualquer momento, inclusive no trabalho e na profissão, para as quais, os indivíduos precisam aprender a ter muita resiliência e capacidade de controle emocional para lidar com o estresse inerente à efemeridade social.

Quer dizer, “a reforma do ensino médio, assim como grande parte das transformações organizacionais e pedagógicas que estão em curso na educação, fazem parte das estratégias de uma ampla dominação empresarial e financeira.” (Catini, 2023, não paginado), interessada no controle estatal da educação.

Nesse contexto, o mais importante é criar meios para adaptação dos indivíduos à ordem estabelecida. Para isso sim se recorre ao aparato estatal. Segundo Dardot e Larval (2016, p. 87),

É precisamente ao Estado e à legislação produzida ou garantida por ele que cabe inserir as atividades produtoras e comerciais em relações evolutivas, enquadrá-las em normas harmônicas com a especialização produtiva e a extensão das trocas comerciais. Longe de negar a necessidade de um quadro social, moral e político para melhor deixar funcionarem os mecanismos supostamente naturais da economia de mercado, o neoliberalismo deve ajudar a redefinir um novo quadro que seja compatível com a nova estrutura econômica.

Nessa perspectiva, o Estado é utilizado para promover o enquadramento dos indivíduos, com o intuito de “produzir as condições ótimas para que o jogo de rivalidade satisfaça o interesse coletivo”. (Dardot; Larval, 2016, p. 63) e promova a adaptação dos indivíduos à ordem social e econômica.

Nesse contexto se justificam os gastos e o financiamento público para manutenção da educação, desde que, é claro, esteja voltada para a competitividade, para a meritocracia e para o empreendedorismo, como é o caso da reforma do Ensino Médio (Brasil, 2017) e da reorganização curricular via BNCC (Brasil, 2018).

Aliás, as próprias reformas educacionais são justificadas como uma condição para a “melhoria da qualidade da educação”, mas ao fim e ao cabo, não resultam em outra coisa senão na restrição dos conhecimentos científicos aos filhos da classe trabalhadora e, consequentemente, na ampliação das desigualdades sociais.

A redução de disciplinas e a alegada e fantasiosa possibilidade de os estudantes escolherem seus itinerários formativos e estabelecer parcerias com outras instituições, defendidas por “frações da classe dominante e seus aparelhos privados de hegemonia (...)”, por um lado, visa desresponsabilizar o Estado do financiamento da educação pública, e, por outro, “forjar consensos em torno da agenda ultraliberal” (Paziani, 2017, p. 62).

Senão,

por que o Itaú, o Unibanco, o grupo Lemann, a Vivo-Telefônica, o Ifood e tantas outras empresas têm se dedicado a defender o ensino integral, a BNCC, a flexibilização curricular, os itinerários formativos, as disciplinas eletivas, o ensino de empreendedorismo, o protagonismo juvenil, a ênfase na formação profissional e técnica, as habilidades práticas e as competências socioemocionais em detrimento de conhecimentos disciplinares? (Catini, 2023, não paginado).

Ademais, ao se voltar somente para as tais habilidades e competências dos estudantes, os conteúdos e disciplinas são deixados como pano de fundo e a escola tende a reduzir o conhecimento à resolução de problemas do cotidiano e “a aplicabilidade imediata, acarretando na fragilização na formação dos estudantes por meio justamente da perda da centralidade do conhecimento” (Silva, 2017, p. 44).

Em síntese, em vez de se partir de um corpo de conteúdos disciplinares existentes, com base no qual se efetuam escolhas para cobrir os conhecimentos considerados mais importantes, parte-se das situações concretas, recorrendo-se às disciplinas na medida das necessidades requeridas por essas situações. (Ramos, 2006, p. 221).

Nessa perspectiva, importa às crianças e jovens, especialmente aos filhos da classe trabalhadora, estarem aptos às inconstâncias do mundo do trabalho e à resolução de problemas de ordem momentânea sem causar problemas à organização social estabelecida.

Assim sendo, concordamos com Ramos (2006) quando afirma que essa organização não passa de um sistema de controle e adaptação dos sujeitos à instabilidade da vida, especialmente por utilizar mecanismos e instrumentos que levam à interpretação unilateral da organização social, dado pelo esvaziamento de conteúdos e pela primazia da instrumentalização e da experienciação.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por parte da classe trabalhadora não cabe outro posicionamento senão ser contrária à reorganização curricular proposta pela Reforma do Ensino Médio, Pela BNCC e pela BNC-Formação, pois, acarretam uma formação minimalista, parcial e fragmentada, exclusivamente adequada aos interesses da classe dominante, que não só não está preocupada com o acesso aos conhecimentos científicos mais desenvolvidos e à formação integral do ser humano, como se opõe a todas as iniciativas, concepções e teorias pedagógicas contrárias aos seus interesses.

Diante disso, a discussão que verdadeiramente importa para a mudança qualitativa da educação deve começar por discutir as “políticas de formação de professores, a valorização dos profissionais da educação (incluindo a adequada remuneração) e a autonomia das escolas em construir o seu próprio currículo” (Tonegutti, 2016, p. 5), ou seja, seguir na contramão do ideário dominante.

Conforme destaca Macedo (2016),

O lugar que aqueles que somos contra as bases nacionais
curriculares comuns queremos ocupar não é, portanto, o da prescrição e o do controle. Intencionamos, ao contrário, reativar a alteridade não antecipável, o que venho chamando de imprevisível. Em termos de políticas públicas, a opção pelo imprevisível pode parecer idílica (fantasiosa), mas não há alternativa para políticas que pretendem educar. É uma aposta que constitui, sem dúvida, um desafio mais difícil do que produzir uma lista (de conteúdos ou de capacidades de fazer) que sirva de base comum nacional. Ela envolve formar bem os professores, e, principalmente, dar-lhes condições de trabalho e salário compatíveis, investir nas escolas e no trabalho lá realizado, enfim, valorizar a educação, e não o controle que a destrói como empreitada intersubjetiva. (Macedo, 2016, p. 63).

Em sentido oposto a isso, a supervalorização da formação via desenvolvimento de habilidades, sejam elas sociais, técnicas, emocionais ou experimentais, favorece a diminuição da importância dos conceitos científicos, colocando os saberes tácitos com maior relevância.

Em outras palavras, “a dimensão experimental transforma a competência em pressuposto imediato para a realização da atividade” (Ramos, 2006, p. 282), enfraquecendo o estudo dos conceitos e fundamentações vinculadas à qualificação e inerentes à interpretação crítica de mundo.

De acordo com Catini (2023, não paginado),

a subordinação à política empresarial está desqualificando o trabalho docente em todos os níveis – da formação e conhecimento que detém, da autonomia pedagógica, das condições de trabalho, dos processos de decisão política e coletiva dos quais são alijados.

Quer dizer, esse movimento desconfigura a relação intrínseca entre trabalho e educação. Trata-se, ao contrário, de promover uma educação que rompa com as amarras do capital.

Nessa perspectiva, a luta travada em favor da revogação da Reforma do Ensino Médio se revela como

uma luta em defesa do trabalho docente e da formação da juventude, mas é também uma chance de tomarmos a política como nossa matéria e nossa arma, pelo combate à política empresarial e financeirizada da educação que nos subordina como objetos de sua gestão. Uma luta que não se dá apenas nas ruas, mas no cotidiano das escolas, pela auto-organização de coletivos estudantis e docentes, pelo estudo e pela retomada da política como confronto entre projetos antagônicos, que deite por terra esse falso consenso empresarial e nos tire de uma posição meramente defensiva e reativa. É preciso estancar urgentemente o processo de degradação da educação, e isso só ocorrerá por meio da organização e da luta coletiva. (Catini, 2023, não paginado).

Em suma, considerando que a sociedade não é neutra, cabe aos profissionais da educação, trazer à tona as reais motivações e os grandes interesses envolvidos nas políticas educacionais atuais defendidas por organizações empresariais e pela mídia e lutar para que os filhos e filhas da classe trabalhadora tenham acesso a uma educação que lhes possibilite seu desenvolvimento em plenitude.

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Endereços para correspondência:

Debora Cristine Trindade - Rua Nilópolis, 556, Jd. Lancaster, 85869-490, Foz do Iguaçu-PR.

deboracristrindade@yahoo.com

Paulino José Orso - Rua Universitária, 1619, Bairro Universitária, 85819-110,

Cascavel-PR. paulinorso@uol.com.br


  1. 1 Este trabalho tem como base a pesquisa de doutoramento em andamento no programa em Educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, ao qual estudamos as implicações para a formação da juventude e da organização da sociedade determinadas pelos ajustes liberais no histórico das políticas educacionais voltadas para o ensino médio, inclusive a Lei 13.415 (Brasil, 2017).

  2. 2 Mestra em Ensino pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná; Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná; Professora pedagoga da rede estadual de ensino no Estado do Paraná; Professora do curso profissionalizante de Formação de Docentes no Colégio Estadual Barão do Rio Branco; Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Sociedade e Educação no Brasil - GT da Região Oeste do Paraná.

  3. 3 Doutor e Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas; Docente dos cursos de Pedagogia, mestrado e doutorado em educação da Unioeste e líder do grupo de pesquisa HISTEDOPR; Autor dos livros “Um espectro ronda a educação e a escola pública”(2020) e “Universidade Brasileira: história, lutas, contradições e disputas”, ambos pela editora navegando, com acesso gratuito.

  4. 4 4 “As funções superiores compreendem, pois, os atributos e propriedades do psiquismo cuja origem radica na vida social, na produção e apropriação da cultura” (Martins, 2016, p. 60). Trata-se das ações não mediadas por reflexos, imediatas e originarias nas manifestações sensoriais aparentes, mas sim de comportamentos voluntários, pensados e articulados com uma finalidade específica.

  5. 5 As bases conceituais do EM estavam estruturadas na ideia do trabalho como princípio educativo, no conceito de formação politécnica e em um eixo de organização curricular – ciência, cultura e trabalho. Essa perspectiva orientou a elaboração de novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Parecer CNE/CEB 05/2011 e Resolução CNE/CEB 02/2012), que passam a ter como fundamento a formação integral do estudante (Silva, 2017).