https://doi.org/10.18593/r.v48.32525

As dicotomias no contexto e no texto da BNCC como projeto educacional

Dichotomies in the BNCC context and text as educational project

Dicotomías en el contexto y el texto de la BNCC como proyecto educativo

Emina Márcia Nery dos Santos1

Universidade Federal do Pará; Professora Titular do Programa de Pós-graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica. https://orcid.org/0000-0003-1532-270X

Luane Tomé dos Nascimento Sampaio2

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Doutoranda em Psicologia da Educação.

https://orcid.org/0000-0002-1472-7441

Francisco Willams Campos Lima3

Universidade Federal do Pará; Professor Adjunto.

https://orcid.org/0000-0002-4753-6422

Resumo: Homologada em sua versão final no ano de 2018, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) representa a materialização de correlações de forças pela direção e condução da educação básica num contexto de pós-golpe de Estado, orquestrado por distintos setores sociais e com implicações diretas para a educação. Neste sentido, o presente estudo teve o objetivo de analisar como se deu a incorporação de elementos antagônicos, marcados por dicotomias, na política educacional brasileira no contexto e no texto da BNCC. Como suporte teórico utilizou-se autores como Luiz Dourado e Gaudêncio Frigotto para basear as investigações do contexto e do processo de elaboração do texto da BNCC. Por meio de pesquisa bibliográfica e documental, os resultados revelaram que três dicotomias se fazem presentes na BNCC, quais sejam: ensino religioso e ensino laico; centralização e descentralização; e público e privado. Esse fato demonstra projetos societários distintos no teor do documento, que intensificaram a lógica privada e do mercado no currículo da escola básica brasileira em vigor, assinalando um alinhamento com as vertentes mercantis que apregoam a utilização da educação em prol do desenvolvimento social.

Palavras-chave: Política educacional; BNCC; Escola Básica.

Abstract: Certified in its final version in 2018, the National Common Curricular Base (BNCC) represents an actualization of force correlations towards Basic Education direction and organization, in a post-coup d’état context, arranged by different social sectors and with direct consequences to education. In this sense, this paper aimed at analyzing how antagonistic elements, marked by dichotomies, have been incorporated to the Brazilian educational policy within the BNCC text and context. As theoretical support we used authors such as Luiz Dourado and Gaudêncio Frigotto to base the investigations of the context and the process of elaboration of the BNCC text. Having carried out bibliographical and document research, results showed three dichotomies present in BNCC, being: religious education and secular education; centralization and decentralization; and public and private. This fact reveals conflicting societal projects within the document content, which intensified a private and market-based logic in the existing Brazilian basic school curriculum, highlighting an alignment with market branches that preach utilizing education for social development.

Keywords: Educational policy; BNCC; Societal projects.

Resumen: Aprobada en su versión final en 2018, la Base Curricular Común Nacional (BNCC) representa la materialización de la correlación de fuerzas hacia la dirección y conducción de la Educación Básica, en un contexto posterior a el golpe de Estado, planeado por diferentes sectores sociales y con consecuencias directas a la educación. En ese sentido, este estudio tuvo como objetivo analizar cómo elementos antagónicos, marcados por dicotomías, fueron incorporados a la política educativa brasileña en el contexto y texto de la BNCC. Como apoyo teórico se utilizó autores como Luiz Dourado y Gaudêncio Frigotto para fundamentar las investigaciones del contexto y el proceso de elaboración del texto de la BNCC. Através de análisis bibliográfica y documental, los resultados mostraron tres dicotomías presentes en la BNCC, siendo estas: educación religiosa y educación laica; centralización y descentralización; y público y privado. Este hecho revela distintos proyectos sociales dentro del contenido del documento, lo que intensificó una lógica privada y de mercado en el actual currículo escolar básico brasileño, apuntando una alineación con las vertientes del mercado que predican utilizar la educación para el desarrollo social.

Palabras clave: Política educativa; BNCC; Proyectos de sociedad.

Recebido em 21 de janeiro de 2023

Aceito em 09 de setembro de 2023

1 INTRODUÇÃO

A educação é um direito humano, social e universal previsto nos marcos legais mais importantes da contemporaneidade. No âmbito internacional, é preconizada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e, em nível nacional, pela Constituição Federal Brasileira de 1988 (BRASIL, 2003), preceito legal mais importante da nação, além dos marcos referenciais normativos infraconstitucionais. Portanto, iniciar um debate a respeito de políticas públicas de educação vigentes no Brasil, aqui tratadas com destaque, requer compreender a garantia desse direito permeado por lutas de classes.

As disputas e tensões em torno da garantia e da efetividade do direito à educação repercutem no modo como as políticas educacionais são institucionalizadas por meio de documentos oficiais. Nesse sentido, os conflitos decorrentes dessa dinâmica complexa advêm, principalmente, das diferentes e antagônicas concepções de homem e de mundo defendida por cada um desses grupos. Sendo assim, o produto construído nesse movimento decorre da tessitura dos conflitos componentes da vida social cotidiana dos envolvidos, bem como da influência de aspectos ideológicos, políticos, culturais e econômicos na edificação e na consolidação do direito.

Toda essa estrutura social reflete os contrastes de narrativas entre grupos opostos e muitas vezes até excludentes, o que torna possível problematizar como a educação enquanto processo essencialmente humano acontece inadiavelmente nos agrupamentos sociais conflitantes, mesmo que a finalidade para a qual se propõe, ou a função social a que serve, vá sempre estar condicionada ao contexto histórico no qual está inserida, algo que se traduz principalmente através de políticas educacionais.

No que se refere à análise de políticas educacionais, Strasburg e Corsetti (2018) consideram que o processo histórico de formulação de todo o marco regulador, que gera as principais fontes e documentos da política educacional brasileira,

revelou a continuidade das disputas de projetos educacionais no cenário da sociedade brasileira que se evidenciaram nas diretrizes curriculares e nas políticas de formação de professores subsequentes (STRASBURG; CORSETTI, 2018, p. 89, grifo dos autores).

Por isso, as pesquisas na área educacional requerem a compreensão do fenômeno educacional a partir de uma perspectiva histórica e dialética, considerando a influência de interesses distintos e, por vezes, opostos, como foi o caso da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em sua versão final no ano de 2018.

Este artigo é construído a partir de uma pesquisa bibliográfica pois “está inserida principalmente no meio acadêmico e tem a finalidade de aprimoramento e atualização do conhecimento, através de uma investigação científica de obras já publicadas.” (SOUZA; OLIVEIRA; ALVES, 2021, p. 65) e documental uma vez que é construída pelo estudo de um documento oficial da política educacional brasileira, pois

A pesquisa documental consiste num intenso e amplo exame de diversos materiais que ainda não sofreram nenhum trabalho de análise, ou que podem ser reexaminados, buscando-se outras interpretações ou informações complementares, chamados de documentos (KRIPKA; SCHELLER; BONOTTO, 2015, p.38).

A construção argumentativa deste artigo, fruto de pesquisa documental e bibliográfica, é pautada no estudo da continuidade das disputas de projetos educacionais, como mencionado a partir de Strasburg e Corsetti (2018), especificamente sobre a articulação da política educacional em torno desse movimento – o qual, não sendo linear, ora atende a interesses de um grupo, ora atende às expectativas de outro, porque educação é perpassada por processos de tensão.

Ao indicar que as políticas públicas revelam, no seu texto e no seu contexto, demandas e interesses historicamente diversos, buscamos compreendê-las a partir de premissas dialéticas, ou seja, de forma dicotômica e constantemente em contradição. Ao conceber que a sociedade é composta por distintos sujeitos, classes sociais, nichos culturais e padrões econômicos, é compreensível que as pautas defendidas não sejam uniformes e criem atritos.

Na construção dos documentos referentes à educação, essas tensões não revelam um paradigma vencedor que constitui integralmente um conteúdo normativo, mas sim a integração de diferentes paradigmas no mesmo texto e contexto, com dicotomias no teor final de documentos oficiais que refletem projetos societários.

Portanto, a análise dialética desse fenômeno permite compreendê-lo para além de seu foco central, que é a política educacional, por meio dos documentos que a configuram, mas também por meio do que isso representa em um aspecto macro na sociedade. Dessa forma, consideramos importante a análise dialética do documento. Para reforçar tal premissa, dialogamos com Nosella e Buffa (2005), que nos indicam que:

[…] a dialética não é uma relação mecânica que descortina, para além da aparência (escola), uma essência metafísica (sociedade), mas, sim, uma condição recíproca de existência. Dito de outra maneira, a criação e o desenvolvimento de uma determinada instituição escolar estão condicionados por uma determinada sociedade que, por sua vez, é influenciada pelos rumos que a escola venha a tomar (NOSELLA; BUFFA, 2005, p. 362).

Logo, compreendemos as pesquisas educacionais como análises da própria sociedade, nas raízes de seus conflitos culturais, econômicos e sociais, que são refletidos em documentos que estruturam o funcionamento humano. Portanto, estudar a educação em uma perspectiva dialética por meio de textos normativos possibilita a compreensão não só de embates histórico-sociais, que não poucas vezes se consolidam em documentos escritos, mas também das narrativas ideológicas que os originam. A partir dessas origens, entramos em contato com os elementos centrais dessa expressão política na educação.4

O objeto de pesquisa deste artigo é a BNCC, para além de sua função curricular, ainda que compreendendo o documento como uma política educacional. Neste sentido, o presente estudo tem a finalidade de analisar como se deu a incorporação de elementos antagônicos, marcados por dicotomia, na política educacional brasileira por meio do texto e contexto da Base.

Podemos elencar alguns autores que se debruçam sobre essa investigação, com destaque para Macedo (2017), Frigotto (2017), Cássio (2018) e Aguiar (2018). Estreitando o interesse em realizar uma pesquisa a respeito das intenções e finalidades da BNCC no contexto do documento, o levantamento teórico a respeito do problema fez compreender a importância de contribuir para um debate acadêmico em torno da temática. Para além das análises jornalísticas e das mídias sociais, ainda é escasso o debate acadêmico a respeito da BNCC e das disputas de narrativas em torno dela.

Além das problematizações preliminares, este trabalho demonstra, em parte, o tipo de educação que a BNCC representa e quais interesses compõem o documento que norteia o currículo da educação básica atualmente. A partir de um contexto de tensões, temos a intenção de desvendar como esses diferentes significados e projetos defendidos durante a elaboração da Base foram incorporados ao documento final da BNCC.

Para elaborar esta investigação dividimos a pesquisa em três partes: primeiro analisamos os conflitos estruturantes da política educacional brasileira que antecederam e contextualizaram a elaboração da BNCC. A seção seguinte dá enfoque principal no texto do documento e sobre as narrativas e disputas que compuseram esse processo. Por fim analisamos três dicotomias presentes no contexto e que refletiram no texto da BNCC.

2 LINHAS E ENTRELINHAS DA BNCC: A PRESENÇA DE CONFLITOS ESTRUTURANTES DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA

Com o intenso movimento de disputas por poder que deu origem a documentos que representaram diferentes interesses, a política educacional é um meio possível para que as pesquisas em educação consigam analisar não só o resultado material desse processo (o documento per se), como também desnudar quais ambições culturais e econômicas e quais projetos de homem e de sociedade referenciaram as discussões e elaboração de tais medidas.

Políticas educacionais recentes, como a reforma do ensino médio de 2017, configurada por meio da Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017a), e a BNCC, com a Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017 (BRASIL, 2017b), aqui servindo como ilustração do que vimos mencionando. Isso, porque estas foram construídas e aprovadas em contextos de disputas políticas acirradas por diferentes narrativas englobando distintos interesses.

O contexto político adverso desses exemplos é de golpe parlamentar que retirou do poder a ex-presidenta Dilma Rousseff (2011-2016), eleita democraticamente. Foi fato que a mesma “teve seu mandato interrompido por um simulacro de julgamento que a condenara por um crime de responsabilidade que, até então, nunca fora considerado crime” (OLIVEIRA, 2016, p. 215).

Trata-se de um conflito que, em meados de 2016, adveio de tensões de grupos políticos opostos, ao passo que se refletiu em várias instâncias da sociedade, dentre elas a educacional. Esta, como conteúdo histórico, é em essência definida e se define a partir desses interesses, o que reforça a relação entre educação e política, visto que: “uma tal separação entre educação e política, ingênua ou astutamente feita, enfatizemos, não apenas é irreal, mas perigosa” (FREIRE, 1981, p. 118).

No Brasil, a representação dessas tensões políticas se dá pelo posicionamento de grupos entre direita e esquerda, os quais defendem premissas de governo e de sociedade de maneira distinta. Existem, atualmente, diversas maneiras de conceituar os grupos supracitados, de modo que optamos neste texto por termos que consideramos mais atuais e completos: as esquerdas brasileiras e a nova direita, sendo moldados a partir das premissas ideológicas de cada grupo.

De acordo com Silva (2009, p. 91),

Não de hoje que a esquerda se divide em várias facções, tendências, ideologias, estratégias e táticas políticas mais ou menos radicais. A rigor é um equívoco referir-se a ‘a esquerda’ no singular, pois não existe uma única esquerda, mas várias, no plural. Por outro lado, o conceito também não pode ser tomado de uma maneira estática e permanente. As forças políticas não existem em abstrato, enquanto ideologias suspensas no ar, mas interagem com os contextos históricos, sociais, políticos, econômicos e culturais de cada época. As palavras, enquanto conceitos que identificam ideologias e práticas políticas, também possuem conteúdo histórico e expressam significados diferentes com a evolução do tempo.

É importante mencionar que o uso da expressão “nova direita”, aqui utilizado, será pautado na percepção de autores como Pereira (2020) sobre a ameaça ao Estado de democracia do país. A autora destaca que o termo “nova direita” se refere ao

[…] conjunto de princípios, ideias e práticas morais, resultante da fusão do neoliberalismo econômico com o neoconservadorismo político, social e cultural, o qual configura um feroz ataque capitalista ao Estado Social e à democracia (PEREIRA, 2020, p. 9).

Sobre o conjunto desses princípios na dinâmica analítica deste artigo, destacamos que o segundo deles compreende a estrutura social de maneira mais conservadora e autoritária, principalmente a partir de princípios de organização cultural. Podemos citar, como exemplo, a presença de premissas religiosas, com destaque para as de matriz cristã. Já o segundo princípio, por outro lado, tende a considerar os processos sociais de modo mais humanista, valorizando diversidades numa perspectiva social-democrata pautada principalmente pelos aspectos culturais e sociais, em detrimento do econômico, para o desenrolar da vida cotidiana.

Importa ressaltar que, de acordo com Cabrera (1995, p. 10),

O termo social-democrata e seus derivados devem ser compreendidos historicamente. Sua origem está vinculada à identificação de grupos, organizados ou não em partidos que, durante a segunda metade do século XIX, se identificavam com o socialismo.

Nesse âmbito, insere-se também o debate da educação como uma possibilidade meritocrática, em detrimento da afirmativa da educação como direito fundamental que deve ser garantido e preservado só que “a meritocracia poderia ser importante se todos tivessem o mesmo ponto de partida, o que não acontece nas sociedades capitalistas” (VALE, 2022, p.29). De acordo com Duarte, Amaral e Cardoso (2020), essa é uma forma de a elite se manter em uma posição social elevada, uma vez que

[…] a meritocracia é entendida como forma de reforçar que essa elite se afirme enquanto merecedores, porque ignora-se assuntos como o ambiente próspero que eles estão inseridos (DUARTE; AMARAL; CARDOSO, 2020, p. 1595).

Esses conflitos em relação à garantia da educação como direito podem ser considerados o eixo norteador e, em determinados momentos, divergentes da estruturação dos paradigmas mais presentes na política educacional brasileira, ao longo de sua constituição como política de Estado.

É necessário mencionar que, além da importância normativa do texto e do seu papel coordenador da política educacional nacional, outro fator que intensificou o interesse em estudar a BNCC foram as polêmicas e interesses em torno do documento, que revelam, na verdade, as disputas entre projetos de educação e de sociedade divergentes entre si, as quais foram significativamente percebidas na análise preliminar.

Dentre tais polêmicas, podemos citar a exclusão do debate sobre gênero e sexualidade, que estava presente na primeira versão do documento, mas que foi integralmente retirado das versões seguintes. De acordo com Macedo:

[…] as exclusões citadas explicitamente se referem a demandas político-partidárias, raciais, de gênero e de sexualidade. O potencial dessas exclusões para deslocar as articulações sobre a BNCC é preocupante, na medida em que elas focam diretamente demandas de grupos minoritários — de raça, gênero e sexualidade — que, ainda timidamente, têm conquistado algum espaço (MACEDO, 2017, p. 517).

Outra questão em destaque é o uso dos termos “competências” e “habilidades” na BNCC, usados para indicar o que deve ser ensinado aos alunos e como devem utilizar tais conhecimentos. Conforme destacaram Dourado e Oliveira (2018, p. 40), “foi reforçada a lógica de uma aprendizagem com base em competências, com concepção curricular restritiva e fortemente articulada a avaliação de tipo padronizada e estandardizada”. Gonçalves, Machado e Correia (2020, p. 349) nos apresentam aspectos da BNCC na contramão das demandas sociais, segundo eles:

Os principais debates em relação a Base Nacional Comum Curricular têm como núcleo a relação impositiva do currículo, no âmbito das políticas neoliberais. Não se trata ainda de uma construção coletiva, mas de uma padronização e homogeneização dos conteúdos e das aulas, onde os professores são meros executores de atividades prescritas e precisam lidar com o encargo de manter a aprendizagem dos alunos em função das demandas do capitalismo. As diferentes formas de definir currículo são essenciais, uma vez que contemplam, além de documentos normativos, uma confluência de práticas” cotidianas nas salas de aulas, daí a relevância das diversas perspectivas teóricas que complementam o debate e situam a base como um dos modelos curriculares, diferentemente do que quer a oficialidade. Antes de serem pensadas como inovadoras, as políticas de reformas curriculares também precisam ser problematizadas no âmbito das realidades escolares e revistas em suas potencialidades.

Esse fato implica o questionamento sobre que tipo de educação a BNCC representa e quais interesses compõem o documento que norteia a educação básica. Partimos da premissa de que há tensões entre pelo menos dois grupos distintos: os defensores da educação emancipadora e os defensores da educação tradicional ou bancária – em uma atualização dos nomes propostos por Paulo Freire.

Dentro desses dois grupos, encontram-se a nova direita, com princípios mais conservadores, e a esquerda, com princípios fundamentalmente humanistas. Pelo fato de a BNCC ter sido elaborada por pessoas, princípios e governantes diferentes, a percepção do documento provavelmente não será única, mas marcada pela incorporação desses diferentes pontos de vistas.

Assim, será identificado a seguir como diferentes paradigmas educacionais influem nas políticas educacionais, dando destaque ao processo de elaboração e ao texto da BNCC, a fim de compreendermos como os divergentes interesses políticos que permearam a educação nacional representam concepções igualmente divergentes, que indicam projetos de sociedade, de indivíduos e de governo distintos.

3 O TEXTO E O CONTEXTO DA BNCC: UM DOCUMENTO A PARTIR DE DISPUTAS E NARRATIVAS ANTAGÔNICAS

A premissa que nos guiou na elaboração deste texto assemelha-se à apresentada por Peroni, Caetano e Lima (2017, p. 48), para quem “a educação, como parte de um projeto de nação, é disputada por visões antagônicas, tanto no sentido de sua direção, quanto na execução”. Tais visões permeiam projetos de sociedades que historicamente tanto disputam espaço na condução da vida social quanto refletem em políticas públicas educacionais – por sua vez, materializadas na escola. Daí essas políticas terem, em sua conformação, sujeitos, perspectivas de vida e interesses econômicos específicos, já que na sociedade capitalista a educação ocupa peça importante para o desenvolvimento econômico dentro dos limites de seu sistema de produção (VALE, 2022).

Para estudar o contexto educacional do processo de elaboração da BNCC, foi preciso mapear alguns dos sujeitos envolvidos, bem como o interesse em se criar uma base de estudos nacionais, especialmente quando percebemos haver uma realidade nacional tão discrepante entre as regiões e escolas públicas e privadas.

Com isso, a BNCC representou um campo de materialização de projetos societários, motivo pelo qual houve tantos investimentos do setor privado, de empresários atuando junto ao Ministério da Educação, do poder público e de educadores fazendo contrapontos. Esse movimento sinaliza como “a disputa pelo currículo torna-se importante, pois nele pode ser impresso o conteúdo e a direção a ser dada à educação e à escola” (PERONI; CAETANO, 2015, p. 341).

Nesse sentido, definimos duas matrizes político-ideológicas que demarcam território discursivo no documento: a concepção humanista; e a neoconservadora. Para isso, indicamos que essas duas concepções, quando relacionadas à educação, conseguem representar quais são as bases desses projetos em disputa, de modo que uma está mais relacionada a uma nova roupagem de modelos tradicionais de ensino, enquanto a outra pautada em uma dinâmica mais social dentro dos limites do capitalismo.

Tomaremos como base ainda as assertivas de Moll Neto (2015), considerado um pesquisador importante para o estudo e compreensão dessa temática. Para ele, o neoconservadorismo se edificou, como ideologia, baseado em premissas do liberalismo e do conservadorismo, as quais se apresentaram com intensidade nos Estados Unidos, especialmente após a guerra do Vietnã, período no qual o país investiu grande parte da economia em armamento, ao passo que a quantidade de desempregados aumentava. Com isso, a busca de auxílios estatais como seguro-desemprego, por exemplo, prejudicava ainda mais a economia estadunidense (MOLL NETO, 2015).

Nesse período, o liberalismo estadunidense era pautado na liberdade individual, condenando a atuação de instituições, como o Estado, que impossibilitaria o exercício da liberdade enquanto processo e produto da individualidade. Assim, os liberais e, posteriormente, os neoliberais defendiam que

o planejamento ou a interferência do governo na economia, inevitavelmente, levaria ao coletivismo ou ao totalitarismo. Assim, os governos deveriam atuar para preservar a competição, a iniciativa e a propriedade privada (MOLL NETO, 2015, p. 48).

Além disso, Moll Neto destaca que as premissas neoliberais giravam em torno de estratégias eficientes para controlar a inflação e reduzir a taxação de impostos, principalmente para quem detinha mais capital. Entretanto, o modelo de Estado mínimo teria a função de utilizar forças armadas para defender propriedade privada e a liberdade individual. Caberia ao Estado, dessa forma, também elaborar programas de incentivo ao trabalho. Em nível internacional, o Neoliberalismo se apresenta com a intenção de incentivar a cooperação entre as nações, a fim de equilibrar a economia e evitar alterações econômicas inesperadas.

Já o conservadorismo estadunidense, segundo Moll Neto (2015, p. 51), “atacou o igualitarismo, a ampla participação política e a cultura popular”. Baseados em uma interpretação calvinista da sociedade, os conservadores defendiam uma organização social baseada no darwinismo social5. Em razão disso, os programas sociais que objetivavam reduzir a desigualdade social eram tidos como perversos, atentados contra as leis de Deus e equivalentes ao socialismo. Além disso, pautavam-se especialmente pela moralidade a partir de preceitos cristãos, os quais a igreja, a família, a sociedade e o Estado deveriam alcançar para garantir liberdades individuais.

A principal diferença entre liberalismo e conservadorismo é que os conservadores depositavam muita importância na moralidade cristã, ao passo que não concentravam seus estudos e esforços para pensar estratégias de melhoria da economia, ao contrário dos liberais, que têm o setor econômico e a liberdade como conjuntos inseparáveis. Essa explicação nos remete à dicotomia entre o ensino laico e o ensino religioso na educação brasileira, algo que é um grande indicador de que o conservadorismo e sua nova forma de apresentação, o neoconservadorismo, são concepções de mundo e de sociedade que fizeram e fazem parte das dicotomias em tensão nas políticas educacionais no Brasil.

O neoconservadorismo consolida-se, então, partir da fusão dessas correntes tão diferentes, de modo que tal união ocorre principalmente porque “ambos tinham os mesmos inimigos em comum: o comunismo, o socialismo e o liberalismo do New Deal” (MOLL NETO, 2015, p. 53). Conforme leituras presentes em Macedo (2017), Frigotto (2017), Vale (2017), Cássio (2018) e Aguiar (2018), consideramos elementos neoconservadores aqueles que tendem à privatização da educação direta e indireta pelo controle da educação, centralização do trabalho educativo e foco no trabalho na formação dos alunos. Para assinalar esse processo, extraímos um excerto da BNCC que demonstra um foco primordial no trabalho em vez de na formação integral dos discentes. A esse respeito, o documento considera que

[...] competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (BRASIL, 2018, p. 8).

O termo “mercado de trabalho” de trabalho é explorado mais algumas vezes no texto, especialmente quando se trata da finalidade de propor habilidades e competências a serem desenvolvidas a partir dos pressupostos estabelecidos pela Base Nacional Comum Curricular.

Em seguida, quase ao final do documento, quando se trata das finalidades do Ensino Médio na contemporaneidade é apresentado uma nova perspectiva sobre o assunto. Nessa justificativa existe uma relação para além do trabalho, mas que engloba a subjetividade dos sujeitos:

Essas experiências, como apontado, favorecem a preparação básica para o trabalho e a cidadania, o que não significa a profissionalização precoce ou precária dos jovens ou o atendimento das necessidades imediatas do mercado de trabalho. Ao contrário, supõe o desenvolvimento de competências que possibilitem aos estudantes inserirem-se de forma ativa, crítica, criativa e responsável em um mundo do trabalho cada vez mais complexo e imprevisível, criando possibilidades para viabilizar seu projeto de vida e continuar aprendendo, de modo a ser capazes de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores. (BRASIL, 2018, p. 465-466).

Ou seja, demonstrando aspectos tanto que se relacionam com o mercado tanto quanto o desenvolvimento integral do sujeito. O conceito de “novo humanismo”, baseado em Estêvão (2013), apresenta o processo educativo como instrumento de desenvolvimento e libertação individual, proporcionado igualmente na sociedade a partir do empenho pessoal, que pode gerar mérito e demérito. Essa nova forma de utilizar o discurso humanista revela, na verdade, uma “igualdade ficcional”, em que a responsabilização individual – com anseios de autovalidação e aperfeiçoamento – é a uma nova forma de dominação social em benefício do mercado.

Nessa perspectiva, surgem problematizações em torno da pedagogia decolonial, intensificada principalmente na América Latina. De acordo com Mota Neto e Streck (2019, p. 210),

Por pedagogia decolonial, nesta perspectiva, entendemos o conjunto de teorias-práticas de formação humana que capacitam os grupos subalternos para a luta contra a lógica opressiva da modernidade/colonialidade, tendo como horizonte a formação de um ser humano e de uma sociedade livre, amorosa, justa e solidária.

Nessa linha de raciocínio, Mota Neto e Streck (2019) defendem que Paulo Freire, educador brasileiro e humanista, pode ser reinventado e interpretado atualmente como um modelo de ensino que expressa a decolonialidade do processo educativo, especialmente ao abordar o modelo de ensino libertador e emancipatório ao oprimido. Com isso, identificamos que Freire, sobretudo com a obra Pedagogia do Oprimido, revela uma concepção de ensino popular, que visa a liberdade de pensamento das pessoas por meio da educação.

Por outro lado, o denominado “novo humanismo”, ao invés de adotar o posicionamento de libertação e emancipação por meio da educação, apresenta o processo de aprendizagem como “construção pedagógica desarticulada do contexto e das questões do conhecimento e da epistemologia, que nos inibe de falar de outros tempos e de outros espaços onde se afirmam outros sujeitos e outras pedagogias (de emancipação, por exemplo)” (ESTÊVÃO, 2013, p. 185).

Apresentadas de maneira indireta nos textos de Vale (2017, 2022), Frigotto (2017), Cássio (2018) e Aguiar (2018), as práticas humanistas nos indicam possibilidades de maior descentralização, igualdade e uma educação pública de qualidade que possibilite emancipação dos sujeitos menos favorecidos para lutarem por melhores condições reais de vida, mesmo que as desigualdades se mantenham na lógica do sistema capitalista de produção vigente.

4 DICOTOMIAS PRESENTES NO TEXTO DA BNCC

Este tópico analisa excertos da BNCC que demonstram as correlações de forças em torno do documento, verificando como o contexto político e econômico no pós-golpe de Estado favoreceu interesses do setor privado, os quais reverberam projetos de sociedade do global em âmbito local – algo com consequências para o Brasil, que, como um país em desenvolvimento, reflete tal cenário de disputas mundiais (RODRIGUES; VALE, 2019).

Para isso, elencamos alguns elementos do texto da BNCC que se interrelacionam, quais sejam: ensino religioso e ensino laico; centralização e descentralização; e público e privado. Tais dicotomias foram analisadas a partir de excertos da própria Base, que revelam um projeto de sociedade alinhado com os valores do mercado e do mundo dos negócios na perspectiva de formação de homens e mulheres.

Apple (2003) nos traz um apanhado de ligações entre mercado, religião e gestão educacional que serão basilares para a compreensão de cada eixo abordado. Em primeiro lugar, o ensino religioso como componente da BNCC é fruto de conflitos, visto que não nasce nesse documento junto com o mesmo, pois é incluído a partir de uma resolução dois anos depois. Pelo próprio documento da BNCC, percebemos mais desse embate anos depois, uma vez que apresenta como: “mais tarde, a Resolução CNE/CEB nº 04/2010 e a Resolução CNE/CEB nº 07/2010 o reconheceu como uma das cinco áreas de conhecimento do Ensino Fundamental de 09 (nove) anos” (BRASIL, 2018, p. 435).

Cunha (2016) considerou frágil a justificativa para a sua inclusão na grande área das Ciências Humanas, que se dá a partir de uma lógica de proximidade teórica com os conteúdos de História e Geografia, e por revelar teor filosófico, a fim de intensificar o caráter democrático e contribuir para o estudo da diversidade religiosa na perspectiva dos direitos humanos. Concordamos com o autor, especialmente por termos construído uma base teórica que nos permitiu contemplar as tensões que envolvem a dicotomia do ensino religioso e confessional.

Analisar o texto referente a esse assunto na BNCC, como indicado nos excertos a seguir, nos faz compreender que estão ausentes justificativas e bases teóricas no que diz respeito ao assunto da laicidade, de modo que se dá ênfase à força de setores privados no documento direcionado à educação pública básica brasileira.

Ao longo da história da educação brasileira, o Ensino Religioso assumiu diferentes perspectivas teórico-metodológicas, geralmente de viés confessional ou interconfessional. A partir da década de 1980, as transformações socioculturais que provocaram mudanças paradigmáticas no campo educacional também impactaram no Ensino Religioso. Em função dos promulgados ideais de democracia, inclusão social e educação integral, vários setores da sociedade civil passaram a reivindicar a abordagem do conhecimento religioso e o reconhecimento da diversidade religiosa no âmbito dos currículos escolares (BRASIL, 2018, p. 435).

Estabelecido como componente curricular de oferta obrigatória nas escolas públicas de Ensino Fundamental, com matrícula facultativa, em diferentes regiões do país, foram elaboradas propostas curriculares, cursos de formação inicial e continuada e materiais didático-pedagógicos que contribuíram para a construção da área do Ensino Religioso, cujas natureza e finalidades pedagógicas são distintas da confessionalidade (BRASIL, 2018, p. 435).

O Ensino Religioso busca construir, por meio do estudo dos conhecimentos religiosos e das filosofias de vida, atitudes de reconhecimento e respeito às alteridades. Trata-se de um espaço de aprendizagens, experiências pedagógicas, intercâmbios e diálogos permanentes, que visam o acolhimento das identidades culturais, religiosas ou não, na perspectiva da interculturalidade, direitos humanos e cultura da paz. Tais finalidades se articulam aos elementos da formação integral dos estudantes, na medida em que fomentam a aprendizagem da convivência democrática e cidadã, princípio básico à vida em sociedade (BRASIL, 2018, p. 437).

Apple (2003) ao tratar da polarização social nos apresenta esse modo de interferência religiosa na educação em que:

[...] uma fração significativa deles tende a acreditar que as escolas públicas devem instruir as crianças com valores claramente cristãos. Mas é importante compreender que, para os evangélicos, essa não é uma tentativa de dominar os outros. É, isso sim, uma crença sólida e profundamente arraigada de que o mundo seria um lugar muito melhor se todos seguissem ‘os caminhos de Deus’ (APPLE, 2003, p. 163).

O ensino religioso em si não é perigoso ou inconstitucional, desde que sua utilização se dê segundo uma vertente de formação de homens e mulheres mais humanos e comprometidos socialmente com valores éticos e de melhoria no convívio social, o que Apple (2003) denomina essa questão como “relação simbiótica”, em que capitalismo e religião dão forma um ao outro.

A inclusão anos depois do ensino religioso na BNCC é um forte indício das tensões em torno dessa temática, especialmente pela frágil justificativa e argumentação teórica de sua inclusão na Base. Os trechos que indicam a finalidade de contribuir para a inclusão e democracia por auxiliar nos estudos da diversidade religiosa no Brasil não conseguem sustentar tal afirmativa, uma vez que não há nenhuma evidência de como isso será estruturado nas escolas.

Além disso, o que deve atender à diversidade religiosa pode também ser usado exatamente de forma contrária, dando prioridade para o estudo de uma religião, em detrimento de outras. Em um país com o histórico de influência do cristianismo desde o período colonial e pelo modo como a religião foi utilizada por séculos como forma de dominação social, se um documento basilar de política curricular nacional que inclua em seu escopo o ensino religioso não tiver uma construção extremamente cautelosa quanto a suas finalidades, ele pode contribuir justamente para o contrário do que se propõe.

Não só pela falta de um aprofundamento rigoroso e criterioso quanto à inserção desse conteúdo no currículo do ensino fundamental, como também pelo seu fraco posicionamento quanto aos direitos humanos, é possível que, no momento de adaptação do texto pelos estados, municípios e pelas escolas, o documento seja utilizado como base para aprofundamento em religiões específicas – no caso do Brasil e seu histórico, especialmente religiões de matrizes cristãs.

Assim, como essência do clima institucional implementado, o neoconservadorismo dinamiza como um dos pilares estruturantes a influência dos pressupostos cristãos na organização e gestão da escola básica, uma vez que o apelo religioso pela moral cristã ainda está fortemente encrustado na educação brasileira. Cunha (2016) nos apresenta o argumento de que o ensino religioso pode interferir no viés democrático do documento e na sua característica facultativa. Isto é, a introdução do ER como componente da área de Ciências Humanas, mais do que um artifício classificatório, possui valores privados de crenças, já que pouco se revela de intuito pedagógico. Com isso, resta ainda o questionamento: o que será daqueles que não possuem fé em nenhuma religião?

É lícito supor que se aprovado o ER na BNCC, o caráter facultativo dessa disciplina ficará enfraquecido; em contrapartida, será reforçada a obrigatoriedade de fato que a caracteriza, no chão da escola (CUNHA, 2016, p. 281).

Por outro lado, não podemos negar a existência de alguns aspectos humanistas nesse texto, uma vez que se mencionam democracia, direitos humanos e inclusão. No entanto, esses elementos foram abordados de forma superficial e sem suficiente embasamento conceitual que os justificasse, permitindo compreender que o uso de tais termos ocorreu somente para cumprir aspectos esperados do documento.

O elemento do neoconservadorismo é subliminar ao texto, visto que o próprio destaque que a BNCC dá à presença do ensino religioso já constitui em si um indicativo de premissas neoconservadoras. Isso se dá porque, não sendo uma disciplina obrigatória, não necessitava de tanto destaque em um documento normativo da política educacional brasileira; porém, por toda a importância dada pelos representantes religiosos, ganhou bastante espaço no documento, comprometendo até seu caráter facultativo.

A segunda dicotomia presente trata-se do público e privado, sobre os quais os estudos de Peroni e Caetano (2015), Vale (2017), Rodrigues e Vale (2019) demonstram uma acentuada disputa entre os setores pelo financiamento, pela condução direta da educação, pela perspectiva de sociedade e demais questões que ganham força no documento em execução no currículo da escola básica brasileira.

As tensões em torno dessa dicotomia se relevam perigosas para um projeto de sociedade mais justo e igualitário, porque a educação é vista como mercadoria e potencializadora de progresso numa vertente de mercado segundo a qual tudo pode virar negócio.

Além disso, desde as décadas finais do século XX e ao longo deste início do século XXI, o foco no desenvolvimento de competências tem orientado a maioria dos Estados e Municípios brasileiros e diferentes países na construção de seus currículos. É esse também o enfoque adotado nas avaliações internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que coordena o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês)11, e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês), que instituiu o Laboratório Latino-americano de Avaliação da Qualidade da Educação para a América Latina (LLECE, na sigla em espanhol) (BRASIL, 2018, p. 13).

Com a homologação da BNCC, as redes de ensino e escolas particulares terão diante de si a tarefa de construir currículos, com base nas aprendizagens essenciais estabelecidas na BNCC, passando, assim, do plano normativo propositivo para o plano da ação e da gestão curricular que envolve todo o conjunto de decisões e ações definidoras do currículo e de sua dinâmica (BRASIL, 2018, p. 20).

A lógica privada no teor da Base se faz presente de algumas maneiras, mesmo que o discurso seja em prol da educação pública. Entre elas, destaca-se a perspectiva de avaliação por números proposta por organismos internacionais que não representam a realidade brasileira. Além disso, destaca-se como as escolas particulares farão suas atualizações curriculares, na medida em que possuem autonomia, recursos técnicos e financeiros, além de uma organização em plano micro que condiz, em parte, com a proposta da Base. Esse fato é relevante por possuírem um público de alunos com condições similares, o que não acontece nas redes públicas, caracterizadas por uma maior pluralidade das condições dos alunos.

Para Apple (2003), existe uma grande comoção de várias instituições, como a mídia, as igrejas, partidos políticos e intelectuais, para discutir e tentar resolver o que há de errado com a educação, principalmente com a educação pública. Nesse movimento, o aumento das instituições privadas surge como um argumento e possibilidade de melhoria da oferta do ensino considerado de qualidade, no padrão por eles estipulado. Esse padrão de qualidade, no entanto, passa por viés mais profundo, a do mercado. E de diferentes formas se materializa a privatização da educação com sujeitos atuando junto ao Estado na formulação de políticas, pelo currículo, pela gestão, pelas ferramentas próprias do setor privado e pela permanente defesa dos valores como meritocracia, individualismo e competição cuja racionalidade empresarial norteia a base da educação e do conhecimento (VALE, 2022).

A questão da educação como um produto a ser comercializado atinge a sociedade também, pois “para muitíssimos dos eruditos, políticos, dirigentes de grandes empresas e outros, a educação é um negócio e não deve ser tratado de forma diferente de nenhum outro negócio.” (APPLE, 2003, p. 1).

Sendo basilar tanto para os currículos das instituições privadas quanto públicas, a BNCC materializou uma íntima relação com as instituições internacionais e seus interesses em torno da educação brasileira. Essa relação se expressa nos ideais de avaliação por índices, foco em perspectiva de futuro, e não do presente do aluno, e em competência para suprir demandas do mercado, aspectos que representam a força do setor privado na formulação do texto final da Base, a princípio em nome de uma educação pública de qualidade (RODRIGUES; VALE, 2019).

Uma vez que essas avaliações existem, compreendemos que o currículo deve ser também pensado a partir desse viés, mas não como elemento central de mensuração. Ora, o Estado pode e deve realizar avaliações, desde que sejam condizentes com a realidade brasileira, marcada pela diversidade das regiões e não somente por modelos endógenos (VALE, 2017).

A questão é que esse é o principal argumento utilizado para reforçar a função social do documento. Enquanto dá amplo destaque para o aspecto econômico, demonstra ainda como o elemento dicotômico em destaque nesse caso é o que tende ao neoconservadorismo, visto seu forte teor econômico orquestrado por consórcios societários6, os quais desejam conduzir a sociedade a partir de sua perspectiva privada de mundo.

Por sua vez, a terceira dicotomia presente se trata da centralização e descentralização, a qual é bastante recorrente no documento analisado. Por isso mesmo, teve implicações no papel do Estado e na condução da política educacional em razão de sujeitos de fora do Estado poderem demonstrar sua força e seus anseios.

Temos um documento relevante, pautado em altas expectativas de aprendizagem, que deve ser acompanhado pela sociedade para que, em regime de colaboração, faça o país avançar (BRASIL, 2018, p. 5).

É também da alçada dos entes federados responsáveis pela implementação da BNCC o reconhecimento da experiência curricular existente em seu âmbito de atuação (BRASIL, ٢٠١٨, p. ١٨).

Legitimada pelo pacto interfederativo, nos termos da Lei nº 13.005/2014, que promulgou o PNE, a BNCC depende do adequado funcionamento do regime de colaboração para alcançar seus objetivos. Sua formulação, sob coordenação do MEC, contou com a participação dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios, depois de ampla consulta à comunidade educacional e à sociedade, conforme consta da apresentação do presente documento (BRASIL, 2018, p. 20).

A atuação do MEC, além do apoio técnico e financeiro, deve incluir também o fomento a inovações e a disseminação de casos de sucesso; o apoio a experiências curriculares inovadoras; a criação de oportunidades de acesso a conhecimentos e experiências de outros países; e, ainda, o fomento de estudos e pesquisas sobre currículos e temas afins (BRASIL, 2018, p. 21).

A lógica de centralização e descentralização é dúbia quanto à responsabilização dos municípios, local onde se materializam as ações educacionais na educação infantil e no ensino fundamental. É frisado que o MEC terá atuação técnica e financeira, porém, não se verificam os limites e possibilidades da responsabilização federal. Os trechos referentes à centralização e descentralização sugerem o viés humanista de sua elaboração, com destaque ao processo considerado amplamente participativo e com boa distribuição das funções entre entes federados. Para Apple (2003):

[...] a competição feroz entre as instituições é patrocinada de tal modo que as instituições públicas são constantemente comparadas com outras privadas, supostamente mais eficientes. Por isso, mesmo que as escolas e outras instituições públicas ainda disponham de fundos suficientes fornecidos pelo Estado, seus procedimentos internos espelham, cada vez mais, aqueles do setor privado, com o argumento de que o governo não pode mais se dar ao luxo de gastar com esses serviços. (APPLE, 2003, p. 35).

A princípio, conclusões com base somente na leitura do texto nos fazem percebê-lo como um processo de gestão que seria de caráter extremamente democrático, com muita participação. No entanto, aqui destacamos a necessidade de não analisarmos nenhuma política educacional desconectada de seu contexto, visto que toda exaltação participativa no texto esconde a rapidez e falhas desse critério da BNCC, sendo um potencial equívoco enxergar somente o ponto positivo dessa situação.

5 CONSIDERAÇÕES

Em um momento inicial, este texto se concentrou em discutir as tensões educacionais a partir de concepções neoconservadoras e do novo humanismo. Foi possível perceber a questão segundo uma visão menos centrada em simples concepções, que englobam não só paradigmas educacionais, mas também de sujeitos, de sociedade e de nação que refletem disputas diversas. Para realizar esta investigação, utilizamos três categorias dicotômicas como roteiro para nossas análises, quais sejam: econômicas, religiosas e de educação.

No que se referem ao campo educacional são representados neste texto por elementos do humanismo e neoconservadorismo como concepções que tiveram características identificadas em tensões dicotômicas ao longo da história da educação nacional. Esses diferentes polos, dicotômicos e em tensão, representam, de um lado, uma proposta de educação tradicional, baseada em dogmas cristãos, patriotismo e na neutralidade docente; por outro, é apresentado como um modelo mais centrado no aluno, em que a educação tem papel social emancipatório e garantidor de direitos historicamente conquistados, com implicações na educação básica brasileira e que se fazem presentes no teor da BNCC.

No entanto, o documento que sofreu influência de ideologias distintas, que em alguns momentos se apresentaram até opostas, não possui um texto que represente somente uma característica ou outra. As tensões foram incorporadas e materializadas em um documento educacional que possui elementos tanto tradicionais quanto progressistas.

O caráter qualitativo desta pesquisa nos levou a questionar o que resultou de um contexto permeado por disputas e sujeitos com diferentes interesses, com destaque para três dicotomias: ensino religioso e ensino laico; centralização e descentralização; e do público e do privado. Tem-se aí um movimento próprio do sistema capitalista, com correlações de forças, e que faz valer seus interesses por meio do currículo da escola básica.

Na intenção de investigar a influência desse processo no contexto das políticas educacionais, elegemos o contexto e o texto da Base Nacional Comum Curricular para serem investigados e compreendidos por meio das lentes teóricas que construímos até aqui. Por isso, foi possível identificar no documento dicotomias que refletem lutas permanentes entre grupos sociais e projetos de sociedade, com ganhos relativos ao setor privado e sua lógica de pensar a educação alinhada ao mercado, num projeto societal cada vez mais individualista, marcado por nuances de empreendedorismo e desmantelamento de lutas sociais, de modo que o novo currículo da educação básica estimula tal processo.

Concluímos que a Base Nacional Comum Curricular possui elementos humanistas e neoconservadores em seu processo e em seu texto final, levando em conta que identificamos como tais dicotomias nesses processos representam ganhos para grupos que pensam a educação como caminho para materializar suas perspectivas sociais, além de um relativo enfraquecimento do Estado quanto a seu poder deliberativo, em função das ideias e projetos societários presentes no teor da Base em vigor.

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Endereços para correspondência:

Emina Santos - UFPA, Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica, Rua Augusto Corrêa, 01, Guamá, Belém, Pará, 66075-110. emina@ufpa.br

Luane Sampaio - PUC SP, Campus Monte Alegre (Perdizes) - Rua Monte Alegre, 984, Perdizes, São Paulo, 05014-901. luanesampaioo@gmail.com

Francisco Willams Campos Lima - Endereço: UEPA, Rua do Una, 156, Telégrafo, Belém, PA, 66050-540. willamscampos@yahoo.com.br


1 Pós-doutora na Université de Tours, França; Doutora em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pela Universidade Federal do Pará; Mestra Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

2 Mestra em Educação pela Universidade Federal do Pará; membro do Grupo de Estudos em Educação em Direitos Humanos (GEEDH) e do Grupo de Pesquisa Núcleo de Pesquisa Internacional em Representações sociais (NEARS) da PUCSP.

3 Doutor e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pará.

4 Para isso, destacamos os significados de política de acordo com Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998), os quais assinalam que a derivação clássica advém de pólis, que “significa tudo o que se refere à cidade e, consequentemente, o que é urbano, civil, público, e até mesmo sociável e social” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 954). Já seu sentido moderno é “comumente usado para indicar a atividade ou conjunto de atividades que, de alguma maneira, têm como termo de referência a pólis, ou seja, o Estado” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 954).

5 De acordo com Bolsanello (1996, p. 154), “O darwinismo social considera que os seres humanos são, por natureza, desiguais, ou seja, dotados de diversas aptidões inatas, algumas superiores, outras inferiores. A vida na sociedade humana é uma luta ‘natural’ pela vida, portanto, é normal que os mais aptos vençam, ou seja, tenham sucesso, fiquem ricos, tenham acesso ao poder social, econômico e político; da mesma forma, é normal que os menos aptos fracassem, não fiquem ricos, não tenham acesso a qualquer forma de poder”.

6 Expressão utilizada por Vale (2022, p. 43) para definir “parceiros que se unem num objetivo em comum, o que inclui alianças de sujeitos da mídia, igrejas, ricos, filantropos, empresários e outros no sentido de propagar um discurso único para manutenção das desigualdades sociais” no caso da educação em seu sentido de formação humana. No caso da educação sistematizada Freitas (2012) destaca os reformadores empresariais da educação (corporatereformers) que é um termo cunhado pela pesquisadora Diane Ravitch em que há a união de defensores do setor privado sob o discurso de “consertar” a educação americana.