https://doi.org/10.18593/r.v48.32247

Qual a origem do saber do auxiliar de classe? Estudo sobre o não lugar profissional1


What is the origin of the knowledge of the class assistant? Study on the non-professional place


¿Cuál es el origen del saber del auxiliar de clase? Estudio sobre el lugar no profesional

Livia Karen Figueredo de Jesus2

Universidade Federal da Bahia; Doutoranda em Educação pelo PPGE da Faculdade de Educação.

https://orcid.org/0000-0003-0845-4931

Lucia Gracia Ferreira3

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia; Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFBA e da UESB. https://orcid.org/0000-0003-3655-9124

Resumo: Esta pesquisa objetivou conhecer qual a origem dos saberes mobilizados pelas pessoas que exercem a função de auxiliar de classe4 e a influência destes na construção do “não lugar” profissional. Trata-se de uma investigação qualitativa, exploratória realizada nos municípios de Itapetinga e Amargosa, na Bahia, com pessoas que atuam nas turmas de Educação Infantil como auxiliar de classe. Foram realizadas no ano de 2020 entrevistas via plataformas digitais com sete colaboradores. Constatou-se que várias são as fontes da origem dos saberes dos auxiliares, sendo as histórias de vida, as experiências pessoais e cotidianas, a formação acadêmico-profissional e a própria prática laboral. Também que o binômio cuidar-educar é de responsabilidade do professor, legitimado historicamente e legalmente e que há muitas diferenças na função de professor e auxiliar. Assim, tudo isso tem apontado para a construção de um “não lugar” profissional dos auxiliares de classe.

Palavras-chave: auxiliares de classe; saberes; não lugar profissional.

Abstract: This research aimed to know the origin of the knowledge mobilized by people who perform the function of class assistant and their influence in the construction of the professional “non-place”. This is a qualitative, exploratory investigation carried out in the municipalities of Itapetinga and Amargosa, in Bahia, with people who work in Early Childhood Education classrooms as class assistants. In 2020, interviews were carried out via digital platforms with seven employees. It was found that there are several sources for the origin of the assistants’ knowledge, including life stories, personal and daily experiences, academic-professional training and work practice itself. Also that the care-education binomial is the responsibility of the teacher, historically and legally legitimized and that there are many differences in the role of teacher and assistant. Thus, all this has pointed to the construction of a professional “non-place” for class assistants.

Keywords: class helpers; knowledge; not professional place.

Resumen: Esta investigación tuvo como objetivo conocer el origen del conocimiento movilizado por las personas que desempeñan la función de asistente de clase y su influencia en la construcción del “no lugar” profesional. Se trata de una investigación cualitativa, exploratoria, realizada en los municipios de Itapetinga y Amargosa, en Bahia, con personas que actúan en aulas de Educación Infantil como asistentes de clase. En 2020 se realizaron entrevistas a través de plataformas digitales con siete empleados. Se constató que existen diversas fuentes para el origen del conocimiento de los asistentes, entre ellas relatos de vida, experiencias personales y cotidianas, formación académico-profesional y la propia práctica laboral. También que el binomio cuidado-educación es responsabilidad del docente, histórica y legalmente legitimado y que existen muchas diferencias en el rol de docente y auxiliar. Así, todo ello ha apuntado a la construcción de un “no lugar” profesional para los auxiliares de clase.

Palabras clave: ayudantes de clase; conocimiento; lugar no professional.

Recebido em 01 de novembro de 2022

Aceito em 23 de novembro de 2023

1 PRIMEIRAS PALAVRAS

O saber é comum no nosso cotidiano, está no nosso dia a dia, desde as coisas mais simples até as mais complexas. Ao tratar dos saberes, Tardif (2014, p.10) o define como “[...] conhecimentos, saber-fazer, competências, habilidade, etc. [...]”. Sendo assim, o saber implica ter conhecimento sobre algo e ser capaz de utilizar esse repertório de aprendizagem no seu cotidiano, realizando tarefas corriqueiras ou atividades mais elaboradas no âmbito do trabalho.

Os saberes referentes às atividades laborais que são relacionadas a uma profissão devem apresentar uma especificidade, pois essa característica diz respeito à própria constituição da profissão, tendo em vista que esta se configura a partir de alguns elementos, e entre eles temos a especificidade de um conhecimento. Assim, professores por integrarem uma categoria profissional, possuem essa especificidade e tem garantido o seu lugar profissional no âmbito das turmas de Educação Infantil. Já os auxiliares de classe, função que tem surgido nas instituições de Educação Infantil, não vivenciam a mesma condição, visto que essa função não conta com uma formação própria e tem ocupado um lugar que pertence a outro profissional.

Diante dessa realidade, foi realizada uma pesquisa que partiu da seguinte questão: “Como se dá a construção do ‘não lugar’ profissional e qual a origem dos saberes utilizados pelos auxiliares de classe da Educação Infantil, articulando as possíveis políticas públicas?”. E, na busca das respostas, foram traçados três objetivos, sendo que apenas um será aqui debatido: conhecer qual a origem dos saberes mobilizados pelas pessoas que exercem a função de auxiliar de classe e a influência destes na perspectiva do “não lugar” profissional. Assim, o presente artigo parte da temática dos saberes dos auxiliares de classe na busca de identificar a origem dos conhecimentos mobilizados no desempenho da função.

1.1 CAMINHOS METODOLÓGICOS

Alicerçado nas indefinições, na ausência de formação específica que garante um saber socialmente aceito e consolidado que caracteriza a função de auxiliar de classe se coloca a necessidade de identificar a origem dos saberes mobilizados pelos trabalhadores ao desempenharem a função. Por isso, o presente texto teve como foco os saberes mobilizados pelos auxiliares de classe ao realizarem as atividades atribuídas a está função laboral.

A partir do fenômeno em estudo, optamos pela abordagem qualitativa, pois há a possibilidade de produção dos dados por meio de palavras, imagens e não há uma quantificação dos resultados, com mensuração de experiências, conhecimentos e histórias e transformação em uma representação numérica (Bogdan; Biklen, 1994). Quanto à finalidade da pesquisa, esta se configura como exploratória, por responder melhor ao objetivo do estudo posto.

Dois municípios baianos, Itapetinga e Amargosa, que integram os territórios de identidade 08 e 09, respectivamente, constituíram-se lócus deste estudo. A escolha do município de Amargosa se deu por este já contar com um cargo instituído na lei municipal. Já Itapetinga foi escolhida por vivenciar uma situação contrária, pois não há o cargo de auxiliar de classe instituído, mas há funcionários públicos exercendo esta função. As condições do ser auxiliar de classe em cada município nos possibilitaram contar com uma diversidade regional e cultural na produção de dados, fato que oportunizou perceber as diferenças e semelhanças das vivências e do ser auxiliar de classe dos municípios citados.

Tendo em vista o objetivo do estudo e a sua relação direta com seres humanos, a necessidade da realização de entrevistas, que ocasionalmente poderiam causar certo desconforto ou tocar em temas sensíveis para os indivíduos, e a garantia do rigor e ética na pesquisa foi realizada a submissão do estudo para liberação pelo Comitê de ética e só após a liberação pelo órgão, realizamos o contato com os auxiliares de classe. Assim, convidamos para participar da pesquisa auxiliares de classe que atuavam em creches públicas com vínculo empregatício efetivo no serviço público. A escolha dos participantes se deu a partir dos critérios: trabalhar em uma creche pública, ser funcionário efetivo e aceitar participar do estudo. O contato inicial aconteceu por telefone, com três possíveis participantes de cada município, com base nas informações passadas pelas equipes gestoras das instituições de Educação Infantil das creches dos municípios que se constituíram como lócus desta pesquisa. Após algumas recusas, contatamos outros auxiliares, fato que levou a inclusão de mais um colaborador no estudo, assim o estudo contou com sete colaboradores no total, sendo três do município de Itapetinga e quatro de Amargosa. A escolha dos participantes deu-se por convite, aqueles que eram convidados e aceitavam já iam sendo inseridos como tal, ficando sete por entendermos que seria interessante a inclusão de um auxiliar do sexo masculino que também aceito participar da pesquisa. Este total de sete participantes se deu pela necessidade de um aprofundamento nas questões tocadas em cada entrevista, tendo em vista que um número elevado de colaboradores inviabilizaria uma análise minuciosa dos dados produzidos, considerando o tempo de pesquisa no âmbito do mestrado.

Na produção de dados optamos por utilizar como instrumento a entrevista narrativa, pois esta possibilitaria, ao pesquisador, transcender o esquema que se baseia em perguntas e respostas, fato que se confirmou ao longo do desenvolvimento do estudo, pois tivemos acesso às narrativas referentes às vivências dos colaboradores (Jovchelovitch; Bauer, 2002). A prática da entrevista teve como finalidade conhecer a história dos indivíduos a partir de suas narrativas o que, após realização, possibilitou enfatizar três eixos: História de vida; Formação e Saberes; e, Atuação e “não lugar” profissional.

Diante da realidade imposta pela pandemia, ocasionada pelo novo Coronavírus, tivemos as nossas rotinas alteradas e necessidade de adotar como principal forma de prevenção o distanciamento social, o que nos levou a realizar o contato com os possíveis colaboradores através de ligação telefônica e mensagens através do aplicativo WhatsApp. Realizamos as entrevistas através de videochamada em plataforma do Google Meet e o aplicativo WhatsApp, as quais se constituíram em momentos proveitosos para a pesquisa. No início das entrevistas, pedimos permissão para realizarmos a gravação dos áudios.

Também solicitamos aos participantes que escolhessem um nome fictício para representá-los neste estudo e pudesse identificá-los, uma vez que não utilizaríamos seus nomes verdadeiros neste estudo. Os nomes fictícios dos participantes são: Sabrina, Vânia e Vitória, do município de Itapetinga; Iracy, Catarina, Julieta e Demétrius, do município de Amargosa. Dentre os sete, apenas um é do sexo masculino. Os participantes do primeiro município são concursados como auxiliar de serviços gerais e estão atuando como auxiliar de classe a partir do desvio de função; referente ao segundo município, todos são concursados como assistente de classe. Em ambos os municípios, todos são concursados com carga horária de 40 horas.

Após o processo de produção dos dados, iniciamos a etapa de tratamento. Assim, foram realizadas as transcrições e foi iniciada a catalogação dos dados. Inicialmente realizamos a leitura de todas as transcrições e estruturamos a catalogação dos trechos das entrevistas a partir de eixos, a fim de categorizá-las (Bardin, 2010). Nesse processo, foram considerados aproximações e repetições das questões trazidas nas falas dos colaboradores (Caregnato; Mutti, 2006) e delas surgiram duas categorias de análises, que formou o corpus deste estudo, sendo elas: saberes e formação e saberes de experiência. Portanto, a análise do corpus e sua discussão, possibilitou alcançarmos o objetivo proposto e o amadurecimento do tema.

2 QUAIS SABERES SÃO NECESSÁRIOS PARA ATUAR DA EDUCAÇÃO INFANTIL?

Toda atividade realizada por um ser humano requer um saber que insere na capacidade do saber-fazer (Tardif, 2014). No campo profissional, os saberes fazem-se presentes e são peças fundamentais para o exercício de cada profissão. Não há profissão sem um conhecimento específico que o caracteriza, o que reforça a necessidade de uma formação, voltada para essa especialização, ou seja, para a profissionalização (Freidson, 1996).

Considerada como uma profissão, à docência possui os seus saberes, e acerca deles Tardif (2014, p. 14) assegura que:

[...] o saber dos professores não é um conjunto de conteúdos cognitivos definidos de uma vez por todas, mas um processo em construção ao longo de uma carreira profissional na qual o professor aprende progressivamente a dominar seu ambiente de trabalho, ao mesmo tempo em que se insere nele o interioriza por meio de regras de ação que se tornam parte integrante de sua “consciência prática”.

De acordo com as palavras do autor entendemos que a construção do repertório dos saberes dos docentes se dá ao longo do processo formativo e da construção da sua carreira. E esse processo de constante construção e reconstrução tende a provocar modificação no próprio indivíduo que, a partir de novos conhecimentos que se integram ao seu ser, vai construindo a sua identidade profissional, que consiste no reconhecimento do eu atrelado às questões da profissão exercida (Dubar, 2005).

Em um processo cíclico, a identidade do sujeito também influencia na construção dos saberes, além dela, outros elementos também interferem nesse processo construtivo, tais como: as relações estabelecidas com outros indivíduos, às vivências e a sua própria história de vida (D’ávila; Ferreira, 2019; Freire; Ferreira, 2020; Silva, 2021; Tardif, 2014). As interferências que ocorrem no processo de construção também se aplicam aos saberes profissionais, fato afirmado por Maurice Tardif (2014, p. 19), ao remeter que “[...] o saber profissional está, de certo modo, na confluência de vários saberes oriundos da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores, das universidades”.

A amplitude do repertório de saberes da profissão docente se dá pela especificidade do exercício da profissão. Assim, não basta apenas saber o conteúdo a ser ensinado, pois saber o conteúdo não garante a capacidade de ensinar.

Tanto para Gauthier et al. (1998) quanto para Tardif (2014), a experiência se constitui como uma base para a construção da gama de saberes docentes, considerando que ela integra a prática e a modifica dando-lhe o status de conhecimento. O saber de experiência5, para esses autores, baseia-se na vivência do sujeito decorrente do exercício da profissão (Gauthier, et al., 1998). Entretanto, não devemos restringir o saber profissional docente, ao saber de experiência no que se refere à prática da profissão, pois para que a atividade docente ocorra faz-se imprescindível um conhecimento no âmbito da formalidade que se configure como base para se construir e reinventar o fazer docente no cotidiano da profissão (Gauthier, et al., 1998).

No âmbito da educação voltada para as crianças, os saberes docentes apresentam especificidades, porque essa etapa da Educação Básica requer uma prática profissional que integre ações de cuidado e educação por conta da faixa etária do público atendido. Vinculadas recentemente ao sistema educacional, através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), as instituições de atendimento à criança apresentam um histórico de ações voltadas para o assistencialismo, pois elas foram criadas para atender as crianças cujas mães precisavam trabalhar (Kuhlmann Jr., 2015).

Por conta dessa vinculação com a assistência social, ainda hoje temos algumas concepções que permeiam o imaginário social, tais como: a vaga da creche é para a criança que a mãe trabalha; na creche as crianças só brincam; e que o critério básico para atuar na creche é ser mulher e gostar de criança. E esta última, traz consequências significativas, pois fomenta a ideia de que não é preciso um processo de profissionalização e que não é necessário ter formação para trabalhar com crianças pequenas, que o cuidar é uma habilidade nata das mulheres, já que elas são consideradas as responsáveis sociais da infância, fato que implica nos saberes dos professores da Educação Infantil e no processo de profissionalização desses sujeitos, pois “no imaginário social, esses profissionais não precisam ser identificados como docentes” (Aquino, 2005, p. 3).

No entanto, por uma exigência da LDB, há a necessidade da formação em magistério ou Licenciatura em Pedagogia para atuar como professor na Educação Infantil. Assim, temos o professor como profissional designado para atuar nas salas das creches, mas junto a ele tem atuado também os auxiliares de classe, que desempenham uma função de apoio ao professor e a quem, na divisão do trabalho, tem se destinado as atividades ligadas ao cuidado. Para esta categoria de trabalhadores não há uma formação específica. Além disso, não há uma especificação da função e nem da nomenclatura, pois também pode ser identificada outras como: monitoras, auxiliar de desenvolvimento infantil, assistente de classe, agente educacional etc.

Tomando como base o termo auxiliar de classe, que optamos por utilizar ao longo do estudo foi possível observar de maneira implícita uma hierarquização do que tange o trabalho, pois ao buscarmos um significado para a terminologia no dicionário encontramos a seguinte definição de AUXILIAR (2021): “Quem oferece ajuda, assessorando outra pessoa no seu trabalho ou contribuindo de alguma forma”. Esta definição reforça a divisão do trabalho na turma de Educação Infantil e reafirma a hierarquização entre os trabalhadores, demarcando o lugar profissional dos professores, ficando aos auxiliares a opção de ocupar o lugar que é destinado a outrem, isto porque, conforme Augé (1994), este “não lugar” profissional demarca a inviabilidade de estabelecer relações que possibilite vinculação com o espaço, nosso caso, o espaço da sala de atendimento as crianças.

A exigência da formação para os professores atuarem é atrelada a questão do direito, e, além disso, temos a necessidade de ter saberes provenientes da formação, isto porque eles são necessários para o indivíduo atuar como profissional e para o reconhecimento de uma profissão (Freidson, 1996). No entanto, ainda temos a função do auxiliar de classe, que não possui uma formação específica, mas se encontra atuando junto às crianças. Essa falta de especificação no que tange a formação dos auxiliares aponta para a não profissionalização desses trabalhadores, já que estes não constroem saberes específicos referentes a uma profissão, no âmbito formativo, também não tem uma exigência legal para tal, visto que também não há um reconhecimento (Brasil, 1990, 1996).

Essa defesa da exigência formativa para ensinar as crianças é reforçada pela especificidade do trabalho docente na Educação Infantil. Os professores da infância precisam de conhecimentos específicos, pois é imprescindível a compreensão das múltiplas facetas do ser criança e linguagens da infância, além de entender a complexidade e a necessidade de integração do cuidar e do educar. Assim, concordamos com Sobral (2017) que aponta as especificidades de saberes dos professores de crianças no âmbito da Educação Infantil.

Os saberes dos docentes da Educação Infantil também carregam as dimensões ligadas ao cuidar e traz a dimensão da vivência dos sujeitos, isto é, da sua experiência, visto que, historicamente o cuidado está atrelado às mulheres. Nesta perspectiva, “a etapa da Educação na qual as funções de cuidado são reconhecidas como parte do trabalho docente e na qual os educandos são crianças pequenas mantém a histórica relação mulher-criança e, também, a atribuição do cuidado ao trabalho feminino” (Dumont-Pena; Silva, 2018, p. 43). Assim, a relevância de pensarmos acerca dos saberes experienciais ao pensarmos a Educação Infantil, se dá pelo processo histórico de construção desse nível educacional, pois, tem-se o discurso historicamente construído que, para trabalhar nestas instituições basta ser mulher e mãe.

Desse modo, não cabe qualquer formação ou qualquer indivíduo para estar nas salas das creches, não basta ser mulher, pois “o professor de educação infantil precisa além do saber docente saber mobilizar seus saberes construídos na formação, proporcionando a criança uma aprendizagem sólida e adequada em cada faixa etária” (Freire; Ferreira, 2020, p. 6). Assim, é preciso uma formação profissional que deve estar em conformidade com a LDB, que estabelece como formação exigida para essa etapa da Educação Básica, a licenciatura em Pedagogia ou, até caducar o atual Plano Nacional de Educação, o magistério do Ensino Médio.

Os auxiliares de classe atuam nas instituições de Educação Infantil, mas não são professoras e vivenciam condições de trabalhos diferentes em relação a salário, carga horária, tarefas e responsabilidades (Cerisara, 2002; Jesus, 2018; Jesus; Cordeiro, 2021). Além do aspecto das condições de trabalho, outro fato deve ser destacado, a falta de regulamentação da função ocasiona uma indefinição da formação exigida para o trabalhador atuar, sendo em algumas situações requisitado o magistério e em outros o Ensino Médio completo (Amargosa, 2012, 2015; Conceição da Feira, 2019). A falta de uma formação específica também indica a ideia de uma não profissionalização, pois como afirma Freidson (1996) toda profissão necessita de um conhecimento específico que é aprendido em cursos que visam o treinamento profissional.

3 QUAIS SABERES? QUAL FORMAÇÃO?

Procuramos a partir do corpus desta pesquisa conhecer qual a origem dos saberes mobilizados pelas pessoas que exercem a função de auxiliar de classe na Educação Infantil e a influência destes na construção do “não lugar” profissional. Nesse processo, tomamos como base as narrativas construídas a partir das entrevistas realizadas com os sete colaboradores.

Sabemos que os saberes são inerentes à vivência humana relacionada ao trabalho, todo fazer requer um saber-fazer (Tardif, 2014). Nesse sentido, todos os trabalhadores possuem um conhecimento, um saber, pois “não creio que se possa falar do saber sem relacioná-lo com os condicionantes e com o contexto do trabalho: o saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa com o intuito de realizar um objetivo qualquer” (Tardif, 2014, p. 11). Assim, os auxiliares de classe também possuem saberes, no entanto eles não se apresentam no âmbito de uma formação específica que se refere ao exercício da função, pois como já ressaltado, os auxiliares não se encaixam em categoria profissional reconhecida. Este fato nos leva a perguntar: de onde vêm os saberes dos auxiliares?

4 SABERES E FORMAÇÃO

Ao longo das entrevistas, buscamos identificar qual a formação dos participantes da pesquisa que exercem a função de auxiliar de classe, isto porque não há instituído um perfil profissional, nem tanto, uma formação mínima para ser auxiliar, visto que também temos diferenças na atuação e no perfil exigido, que varia de lugar para lugar, o que já contribui para indefinições que, por sua vez, ratificam um “não lugar” profissional. Não há um perfil estabelecido para ser auxiliar, como podemos verificar através de análise da LDB, pois a legislação não indica nenhuma definição da função de auxiliar de classe, fato que que complica identificar uma categoria profissional para tal. Assim, com a intenção de conhecermos os colaboradores, apresentamos, a seguir, aspectos referentes à escolarização dos participantes da pesquisa:

Quadro 1 - Perfil formativo dos colaboradores da pesquisa

Colaboradores

Tempo de atuação como Auxiliar

Formação

Vânia

22 anos

Graduada em Pedagogia. Especialista em Educação Infantil

Sabrina

17 anos

Graduada em Pedagogia

Vitória

09 anos

Magistério (Ensino Médio). Graduada em Pedagogia

Julieta

07 anos

Magistério (Ensino Médio). Graduada em Pedagogia

Demétrius

03 anos

Magistério (Ensino Médio). Graduação em Pedagogia em andamento

Catarina

11 anos

Magistério (Ensino Médio)

Iracy

12 anos

Magistério (Ensino Médio)

Fonte: dados da pesquisa.

A partir do quadro acima conseguimos identificar que todos os colaboradores possuem formação para atuar como docentes, sendo o magistério do ensino médio, aceito como formação mínima para docência até findar o PNE (Brasil, 2014) e a formação superior em Pedagogia que habilita para atuação na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, que já atende a meta 15 do PNE. A docência é um lugar profissional reconhecido como profissão, ofício, atividade e trabalho, no entanto, mesmo com a habilitação para atuarem como docentes, os auxiliares não atuam nesse lugar profissional.

A formação profissional é muito importante e, no caso aqui analisado, demonstra que houve a construção de competências para a atuação em atividades cuja profissionalização é referência; também que saberes específicos para atuação em sala de aula vêm sendo construídos, saberes profissionais da docência, o que nos permite inferir que esta formação é uma das bases originárias dos saberes que os auxiliares de classe possuem e que utilizam para exercerem a função. Assim, como acontece com muitas pessoas que possuem uma formação em nível superior, mas que não atuam na área de formação, desse modo também são os auxiliares pesquisados, mas com uma vantagem para estes, ao mesmo tempo desvantagem: os saberes da formação acadêmico-profissional são mobilizados no âmbito da educação e de uma turma de Educação Infantil, conforme demanda aprendizagens da Pedagogia e sua habilitação; porém, neste espaço há um controle e uma limitação do que é permitido mostrar que sabe, pois mesmo sabendo, há estabelecido uma relação de poder, uma hierarquia do que lhe é permitido saber-fazer.

Tudo isso demonstra, então, que não se trata apenas de ter ou não formação acadêmico-profissional, ter ou não saberes para atuar com este público da Educação Infantil, ter ou não saberes plurais, heterogêneos, experienciais; porque tudo isso remete as relações de poder. De quem tem formação para saber e/ou sabe, mas pelo lugar profissional ou não que ocupa não lhe é permitido “saber” e/ou mostrar que sabe. Assim, é com estes auxiliares, a posição que ocupa não lhes permite demonstrar que sabe, porque a formação que possuem, neste caso, se torna extremamente vantajoso num jogo de poder, que explora destes sujeitos saberes profissionais de uma formação superior que possibilita um trabalho relativamente “qualificado”, por um valor financeiro menor do que o que é pago as pessoas cuja formação é compatível com o cargo que ocupa.

O desenvolvimento das atividades dos auxiliares de classes também mostra que o trabalho deles é exercido por 40 horas, enquanto o dos professores cuja formação se iguala a de alguns auxiliares aqui pesquisados, é de 20 horas (Amargosa, 2012, 2015). Constatamos então, que a posição que ocupa é mais determinante que a formação e/ou saberes que possuem. Aqui neste estudo desvelamos estas questões para afirmar a construção do “não lugar” profissional, e as demonstradas aqui são algumas delas.

Ao analisar o artigo 62 da LDB, que trata da formação dos docentes tem-se a regulamentação da licenciatura plena para o exercício docente admitindo a formação em nível médio – magistério ou modalidade normal -, em alguns casos. Desse modo, a exigência do magistério para o cargo de auxiliar de classe não está em consonância com a lei, uma vez que não é o cargo de docente o ofertado. Além disso, algumas atividades realizadas pelo trabalhador a qual ocupa essa função de auxiliar são atribuições do docente, como o cuidar, que integra a prática profissional do professor, no contexto da Educação Infantil, e compõe o binômio cuidar-educar, atividade docente cuja indissociabilidade demarca sua funcionalidade e essencialidade, pois um conjunto de normas e políticas públicas para atendimento da criança se utilizam deste binômio para garantir algumas exigências educativas.

A formação dos auxiliares, apontada no quadro 1, refere-se ao momento de realização da pesquisa, no entanto a situação de ingresso na função se difere nos casos de Vânia e Sabrina, que ao longo da entrevista relataram que a formação se deu posteriormente o início do exercício da função. Acerca desse início as colaboradoras afirmam:

Porque quando a gente começa, começa totalmente despreparado, porque quando eu entrei eu fui totalmente despreparada eu acho assim, que de início, deve ter logo assim um curso, uma preparação para a pessoa já iniciar sabendo muitas coisas. Mas, não acontece (Entrevista – Sabrina).

Nós fomos encaminhadas para sala de aula, para trabalhar junto com o professor sem ter preparação nenhuma, como auxiliar de sala. Os cursos vieram depois, as formações para as auxiliares vieram depois. Vários cursos, várias atividades, dados pela própria Secretaria de Educação aqui do município (Entrevista – Vânia).

A falta de preparo para atuar como auxiliar de classe, relatada por Vânia e Sabrina, não foi colocada por outros participantes, isso pode estar associado ao fato de, exceto elas, todos os outros já apresentarem uma formação para docência que antecedia o exercício da função. No entanto, esse despreparo colocado pelas colaboradoras não se refere às atribuições do cuidado, no que diz respeito ao dar um banho, alimentar uma criança, mas sim fazer tais atividades no âmbito do trabalho em uma instituição educacional, fato que reforça a necessidade de uma formação exigida por lei para atuar nesta etapa. Formação esta, exigida para o exercício da docência, lugar profissional referenciado e reconhecido legalmente, cujos saberes construídos no processo formativo são imprescindíveis para atuação profissional. Quanto aos auxiliares de classe, como exigir formação para exercício de uma função sem identidade no âmbito ocupacional-trabalhista? Quando se tem clareza do que se trata, há também do que exigir.

O processo formativo torna-se imprescindível para a atuação docente, pois são necessários conhecimentos da prática educativa e pedagógica das crianças, que envolve entre inúmeras questões, as ações integradas de cuidar e de educar, pois ambos são básicos e indissociáveis, nesse contexto. As autoras Dumont-Pena e Silva (2018) afirmam a necessidade do reconhecimento da indissociabilidade do binômio e a necessidade de uma formação de professores para atuar na Educação Infantil que o atenda:

No caso dos movimentos sociais da Educação Infantil, tem-se o reconhecimento da indissociabilidade das funções de cuidar e educar das crianças em creches e pré-escolas, reafirmada na literatura da área e nos instrumentos normativos oficiais em nível nacional. A luta se desenvolve no sentido de caracterizar cuidado e educação de forma integrada e valorizá-los, já que, na hierarquia da profissão docente, o trabalho com bebês e crianças até os 5/6 anos é o menos valorizado. Ainda hoje, as professoras da Educação Infantil não contam com formação efetiva e com organização do trabalho que favoreçam práticas adequadas de cuidados com as crianças e que valorizem de fato essa dimensão (Dumont-Pena; Silva, 2018, p. 15).

Como apontado pelas autoras, mesmo com a formação, por vezes, o professor ainda necessita de conhecimentos provenientes do âmbito formativo para atender o aspecto do cuidado, uma vez que nos currículos das licenciaturas o foco tem se dado nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, e, às vezes, as disciplinas que tratam da Educação Infantil não dão conta das especificidades do cuidar e educar crianças na faixa etária de atendimento das creches. (Azevedo, 2013). Assim, saberes e formação se atrelam (D’ávila; Ferreira, 2019; Ferraz et al., 2017; Ferreira, 2010, 2014, 2019, 2020; Ferreira; Ferraz, 2014; Ferreira; Ferreira; Ferreira, 2014; Pires, 2019; Santos; Ferreira, 2019; Pires; Ferreira, 2021) e são essenciais para atuação no âmbito educacional. Na Educação Infantil, a especificidade dita qual formação e quais saberes são necessários. Vale ressaltar a responsabilidade que o profissional docente deste nível de ensino tem para atender as demandas educacionais das crianças, portanto, também cabe avaliar se as pessoas que têm estado nas turmas de Educação Infantil têm tido perfil, identidade profissional, formação e saberes para tal.

5 SABERES DE EXPERIÊNCIA

Como já sinalizado, os saberes provêm de várias fontes, sendo uma delas a experiência. Gauthier et al. (1998), Larrosa (2002), Tardif (2014) entre outros, apontam a importância deste saber, mas é no estudo de Silva (2021), que também afirma esta relevância, que encontramos elementos para afiançar que este saber não é generalizável, mas carregado de uma singularidade que varia de sujeito para sujeito. Nesse sentido, a partir dos dados da pesquisa aqui desenvolvida, foi possível perceber aspectos desses saberes, principalmente nas narrativas de Catarina, Iracy e Vitória:

Experiência assim, eu tinha experiência com criança assim em casa, sempre cuidei dos sobrinhos, é até dos vizinhos também. [...] Mas, a experiência de casa foi essencial também para isso. E o gostar, e o cuidar, que levei para lá (Entrevista - Catarina).

Minha irmã, eu já, eu comecei a aprender desde que eu fui mãe. Desde que eu tive a minha filha, comecei a aprender, a lidar com criança pequeninha, como trocar, como dar banho, como lidar com ela. Então, esse aprendizado já veio desde quando eu fui mãe, e depois quando eu passei a trabalhar com várias crianças, aí vai aprendendo no dia a dia, mais coisas ainda (Entrevista - Iracy).

Bem, eu acho assim, que, quando se fala de cuidado com crianças, a gente aprende mais até mesmo em casa, que é uma função muito materna. E, eu aprendi em casa, [...] (Entrevista – Vitória).

As falas das três auxiliares de classe se convergem e trazem a importância do saber proveniente de vivências anteriores ao exercício da função de auxiliar e que pertencem mais ao contexto pessoal, constituído, assim, um saber fruto das suas histórias de vida, como mulheres e como mães. Assim, temos “a atividade de cuidar, caracterizada por um saber-fazer constituído, sobretudo no cotidiano da vida das mulheres” (Dumont-Pena; Silva, 2018, p. 14). A partir de então, entendemos que a experiência proporcionou a construção de um saber – o saber de experiência -, que, posteriormente, passou a contribuir para o desenvolvimento das atividades no âmbito das classes de Educação Infantil.

Os elementos da maternidade e sua importância para o exercício como auxiliar aparecem nas narrativas e evidenciam a ligação entre ambos, mas é necessária cautela ao tratarmos deles no âmbito profissional. É notável a influência das experiências dessas auxiliares que são oriundas do contexto pessoal no desenvolvimento do metiér, no entanto, é necessária atenção ao analisarmos esses saberes, uma vez que historicamente as mulheres estiveram ligadas ao cuidado e proteção das crianças e isso pode levar a compreensão equivocada que perdurou por muito tempo de que bastava ser mulher, mãe e gostar de crianças para atuar nas instituições de atendimento pueril (Oliveira, 2017). Desse modo, devemos considerar a fala de Vitória, que aponta o valor da experiência sobre o cuidar no contexto familiar, de ser mãe, mas ressaltar que a falta dessa experiência não impede a atuação do indivíduo como auxiliar de classe, assim:

[...] eu não quero dizer com isso que uma pessoa que não seja mãe não possa oferecer a função de auxiliar de classe, ela pode, com certeza, principalmente se ela for uma pessoa sensível, se estiver atenta, mas quando a gente já lida com crianças em casa você já sabe mais ou menos o que elas aprontam como elas pensam, o que elas sentem, então você já age em cima disso, você já tem mais paciência porque você tem uma experiência, [...] (Entrevista – Vitória).

Sendo o cuidar ligado, historicamente, às mulheres e a maternidade, o papel do homem no cuidado é, muitas vezes, pormenorizado, ficando para os homens, “a ajuda” em momentos esporádicos, o que pode provocar a falta de habilidade para cuidar de uma criança, uma vez que o cuidar não é algo nato, mas sim uma habilidade construída/adquirida socio e culturalmente. Atrelada a esta questão, temos à escassez de homens que atuam na Educação Infatil, fato que dificulta que a paternidade seja tomada como referência para o cuidar. No entanto, por contarmos com um colaborador podemos perceber que a paternidade também pode ser um espaço de produção de saberes experienciais acerca do cuidar. Assim, ao questionarmos se o fato de Demétrius ter filhos o ajudou no trabalho de auxiliar ele afirmou que:

Olha, veja bem, ajuda muito porque assim, embora quando elas eram pequenas eu não, eu não dava o banho, inclusive eu fazia tudo menos o banho, porque a mãe estava sempre presente e tal, eu não dava banho, mas, eu às vezes, principalmente a segunda eu ajudava a trocar uma fralda, entendeu, então tudo isso até me ajudou, para quando eu fui mesmo trocar uma fralda que inicialmente foi meio complicado, mas eu já tinha mais ou menos uma, é, uma experiência pequena, mas tinha. E também assim, por estar sempre presente com elas, isso ajudou bastante porque eu acompanhei o desenvolvimento delas. [...] a menor, que hoje tem doze anos, eu acompanhei toda a fase de crescimento, inclusive eu tinha o costume de contar historinhas para ela dormir, colocar ela para dormir, contar historinha, então tudo isso ajudou na minha prática, e eu até coloquei em prática lá também na creche, às vezes eu contava historinha para as crianças, tinha essa facilidade por conta do convívio em casa (Entrevista – Demétrius).

A fala de Demétrius, assim como das outras colaboradoras, traz aspectos da vida pessoal como elementos de aprendizagem. Nesta perspectiva, também revela a construção de saberes, este mobilizado nas atividades que executam ao exercer a função de auxiliar de classe. A paternidade nesse contexto, assim, como a maternidade, se configurou como uma “preparação” para atuação na função exercida, mas, há diferenças no que tange as questões de gênero, uma vez que o cuidado carrega uma relação histórica entre: mulher – criança – cuidado. Além disso, o colaborador pontua que não realizava atividade de banho com suas filhas, delegando essa atividade à mãe. Esta questão também influencia as delimitações do trabalho de Demétrius no ambiente de trabalho mostrando que a sociedade, esta patriarcal, determina, com preconceitos, cuidados e transigência, muito do que somos ou do que tendemos a nos tornar. Assim:

[...] eles acharam por bem, até os pais, eu não dar banho em meninas, em criança do sexo feminino, [...]. Quando era menina eu ajudava na alimentação, ajudava na brincadeira, mas na questão de banho, de levar ao banheiro, ficava para a colega fazer isso. Eu direcionava mais os meninos, nos meninos eu dava banho. Comecei a dar banho nos meninos, fazia tudo, banho, alimento, tudo. Nas meninas dava alimento, brincadeira, colocava para dormir só não fazia dar o banho nas meninas, agora dos meninos eu fazia tudo. [...] já foi, já foi feito há muito tempo, essa divisória, de certa forma, mulher cuida diretamente da mulher. Embora mulher pode cuidar da mulher e do homem, mas a sociedade acostuma, então assim, para quebrar isso eu entendo que seria um pouco complicado, então para mim, eu inicialmente achei estranho a rejeição, mas depois eu compreendi (Entrevista – Demétrius).

As palavras do auxiliar de classe explicitam a divisão social do trabalho no desenvolvimento do próprio trabalho dos auxiliares (além da divisão do trabalho entre professor e auxiliar), em que cuidar se configura muito como uma atribuição das mulheres, consideradas, socialmente, como as responsáveis pelas crianças, sendo que essa associação “ainda perdura, desde o séc. XIX” (Andrade; Sedano, 2019, p. 203). Outro ponto importante que reforça a determinação social já ressaltada é a afirmação de Demétrius de que as mulheres cuidam de homens e de mulheres, mas homens só de homens. Assim, temos a figura da mulher, mais uma vez, como responsável pelo cuidado. Nesse sentido, e na tentativa de mudar essa percepção social, “as organizações de mulheres passaram a dizer à sociedade que o cuidado precisa ser distribuído entre as pessoas: todos precisam de cuidados, portanto, todos precisam cuidar, [...]” (Dumont-Pena; Silva, 2018, p. 14). Nesse âmbito, é perceptível que todos aprendem socialmente e culturalmente, e com isso saberes são construídos, estes que ao serem vivenciados por cada sujeito a sua maneira e se relacionarem as suas histórias de vida, se configuram como saberes de experiência e contribuem para o labor.

Tendo em vista os sujeitos com suas pluralidades, suas histórias de vida e vivências em diversos espaços surgem à necessidade de questionar se haveria outros espaços e situações em que os colaboradores aprenderam a realizar a atividade que executam como auxiliar de classe. Nesse sentido, as auxiliares de classe, Vitória e Sabrina relatam:

E, eu aprendi em casa, aprendi na igreja, por conta de trabalhar com crianças pequenas também na igreja, [...]. (Entrevista – Vitória).

[...] antes de eu trabalhar na creche eu trabalhei muito de babá. Eu tinha certo conhecimento. Assim, como eu trabalhei, cuidei de filho de outras pessoas, trabalhei de babá. Eu creio que me ajudaram sim, porque eu tinha certa prática, porque lá a minha parte, a parte da auxiliar é mais no cuidar, como por exemplo, dar um banho [...] (Entrevista – Sabrina).

Duas novas situações de aprendizagem no âmbito pessoal são remetidas como lócus de construção de experiências, que, atualmente, auxilia para desenvolver o trabalho no contexto da creche. A instituição igreja é colocada por Vitória como espaço de aprendizado para lidar com as crianças. Essa ligação entre igreja, criança e cuidado, tem um caráter histórico e retrata a origem das primeiras ações de proteção à infância no país, através das Rodas dos expostos6, que tinha por intuído proteger as crianças do abandono e do infanticídio. A primeira roda dos expostos brasileira foi instalada na cidade de Salvador na Bahia no século XVIII (Marcílio, 2016).

O trabalho realizado na ocupação de babá também é trazido como uma situação de aprendizagem. As atividades se assemelham, pois, tanto auxiliares de classe como babás, também cuidam de crianças. Por essa semelhança na atividade, em alguns momentos as pessoas que trabalham na Educação Infantil, junto às crianças, são chamadas de “babá de luxo”, reforçando a ideia de que não precisa ter formação para atuar nessa instituição educacional, sendo, por vezes, utilizada em um tom pejorativo com os docentes da Educação Infantil (Uzêda, 2007). Acerca dessa questão Julieta relata:

Foi como eu te falei em outra pergunta, tem muita gente que associa o trabalho de assistente de classe como babá. Tem muitas colegas minhas, que diz assim “a gente trabalha como babá”. Eu não me vejo assim, trabalhando como babá, entendeu? Eu vejo como assistente de classe, eu me vejo como assistente de classe, como uma profissional da educação, que estou ali para auxiliar meu colega professor, entendeu? Mas, não como babá. [...] algumas colegas ficavam dizendo “a gente trabalha como babá de luxo”, então eu não gostava de ouvir aquilo [...] Mas, eu não me vejo como uma “babá de luxo” não, eu me vejo como um assistente, profissional da educação e dou o melhor de mim. É isso (Entrevista – Julieta).

O sentimento que Julieta demonstra ter ao relatar a comparação da função de auxiliar de classe com a atividade de babá, é de descontentamento, pois ela se sente pertencente ao espaço educativo, e se reconhece como profissional, mesmo que a função de auxiliar de classe não se enquadre como tal. A necessidade de se autoafirmar como profissional aparenta vir da necessidade de se afastar do âmbito doméstico, da posição subalternizada do ambiente familiar, para a aproximação do ambiente profissional, que lhe possibilita status e reconhecimento social. Fato que é de extrema importância, uma vez que, historicamente, as trabalhadoras das creches tiveram a sua função ligada apenas ao fato de ser mulher. Acerca do cuidado e da relação com a atividade de babá Uzêda (2007, p. 79), afirma:

Como diriam as próprias professoras, “com todo respeito às babás”, o cuidar na educação infantil não está atrelado a “facilitar a vida das famílias nas suas residências” ou ter uma “ama”, como substituta da mãe, no que se refere aos cuidados com a higiene das crianças e aos cuidados para que sua integridade física fosse mantida até as mesmas voltarem para a guarda de sua família.

Para além de um cuidado no âmbito doméstico, os auxiliares de classe exercem uma função dentro de uma instituição de atendimento infantil que se constitui como um direito da criança e não como uma necessidade da família, mesmo que a atividade de babá sirva em diversas situações como espaço para se constituir um saber de experiência para atuar como auxiliar de classe. Há todo um jogo de poder por trás destas discussões, e sempre será um jogo de hierarquias (professor-auxiliar; auxiliar-babás) em que haverá o que é considerado superior pela posição que ocupa e o subalternizado.

Mas, em meio a tudo isso, fica evidente que as posições ocupadas anteriormente em outros espaços e/ou instituições, independentemente de quais tenham sido, colaboram para aprender e construir saberes para lidar com as especificidades das crianças, desenvolver atividades relacionadas ao cuidar, ao educar, ao brincar e realizar ações partilhadas. Experiências anteriores ao serem ressignificadas no processo laboral, dão outros/novos sentidos aos saberes, saberes de experiência que, como uma engrenagem, mobilizam outros saberes.

As experiências são frutos das vivências que tocam o sujeito e constroem sentidos (Larrosa, 2002). Desse modo, as vivências no âmbito do trabalho também podem tocar o indivíduo e assim, constitui-se como sentido para possibilitar constituição de saberes. Referente à profissão docente, Tardif (2014) afirma que os saberes docentes possuem diversas origens, e dentre elas, a experiência, que auxilia os professores na prática do ensino.

Na perspectiva dos auxiliares, enquanto trabalhadores, que desenvolvem a função no âmbito educacional podem constatar a ideia do saber proveniente da prática do trabalho, mesmo porque sem ser uma temática tocada diretamente no desenvolvimento das entrevistas, os colaboradores por diversas vezes atestaram que este ambiente laboral se constitui como espaço de aprendizagem. Nesse sentido, a auxiliar de classe Julieta ratifica que:

Na época que eu era contratada e também por não querer ficar parada, as vezes tinha colônia de férias no município, hoje não tem mais nas creches a colônia de férias. Então nessa colônia de férias, eu ia trabalhar na creche como professora. Então já via, qual era o papel do auxiliar, de como a auxiliar desenvolvia o trabalho delas. Eu seguia, via o que fazer dentro da sala de aula, a gente chegava para dar nossa aula, cumprir com a rotina de creche e assim aprendi ser auxiliar no decorrer do trabalho (Entrevista – Julieta).

Neste trecho acima, notamos um contato com a vivência do ser auxiliar de classe, mesmo quando ainda atuava como professora. A colaboradora coloca que a aprendizagem se deu através da observação do desenvolvimento da atividade laboral realizado por outro indivíduo. Acerca dessa interação entre os indivíduos e a aprendizagem das práticas do sujeito através de situações tendo como base a experiência, Tardif (2014, p. 50) aponta que “é através das relações com os pares, e, portanto, através do confronto entre os saberes produzidos pela experiência coletiva dos professores, que os saberes experienciais adquirem certa objetividade [...]”. Este saber é singular e Julieta se permitiu construí-lo.

Os saberes provenientes da experiência, no que tange as práticas do trabalho também podem ser percebidos nas falas de outros auxiliares como podemos notar nos excertos a seguir:

E assim é, cada dia ia aprendendo, aprendendo, aprendendo e acabei pegando a prática, porque assim, tudo se consegue desenvolver na prática. A gente vai fazendo, vai adquirindo experiência. [...] inicialmente eu achei um pouco difícil, mas nada como um dia após o outro, observando colegas, contando com a colaboração. Também quando eu peguei a prática foi, foi fácil [...] (Entrevista – Demétrius).

Eu aprendi através da prática. Assim, quando eu comecei, fui trabalhar com uma colega que já tinha alguns anos na prática e através dela, ela foi me passando e todos os dias como a prática você vai aprendendo, vai desenvolvendo o trabalho como deve ser e vai aprendendo. E que a gente nunca aprende tudo né? Até hoje ainda estou em fase de aprendizado (Entrevista – Sabrina).

Nas duas narrativas temos o espaço do trabalho como um lugar de aprendizagem e de trocas de experiências com os outros sujeitos que partilham esse espaço de trabalho, sejam ocupando lugar profissional da docência ou ocupando a função de auxiliar. A prática é esse espaço de construção, consolidação e mobilização de saberes; é lugar de aprendizagens; de reflexão. Outro aspecto importante colocado por Sabrina, diz respeito a constante aprendizagem, mesmo que ela já tenha alguns anos desempenhando a função de auxiliar de classe. Essa construção constante de saberes é colocada também por Vânia, como podemos observar a seguir:

Cada dia que passa é um aprendizado, a gente vai aprendendo uma coisa é uma escadinha que a gente vai subindo, hoje a gente sobe um, amanhã a gente sobe outro e a gente vai aprendendo gradativamente como lidar com esse pequenininho. [...] Você vê quem já está lá fazendo, e você vai observando, você vai aprendendo. Então foi dessa forma que eu aprendi a ser auxiliar de classe. Foi vendo, foi observando direitinho, fazendo igual a colega, e procurando fazer a cada dia melhor do que elas estavam fazendo para que pudesse ser visto de fato que o trabalho da gente tem um certo valor. Então, eles não passam nada, você chega na sala, não vou lhe dizer assim, como uma tábua rasa, de forma alguma, porque você já vem com a bagagem que você era na vida, na sua própria vida, com filhos por exemplo, quem tem filho sabe como lidar com outras crianças. Então foi dessa forma que a gente foi aprendendo observando e procurando fazer a cada dia melhor meu trabalho (Entrevista – Vânia).

A partir dos excertos das narrativas provenientes das entrevistas podemos notar a importância do próprio local de trabalho, da prática diária como elemento da aprendizagem e da constituição de saberes para o exercício da função de auxiliar de classe. Além disso, na fala de Vânia, é perceptível a necessidade do outro, fato que se justifica pelo caráter social que a vivência humana em sociedade proporciona. Mesmo sem ocupar o lugar profissional da docência, tendo em vista a especificidades da profissão docente, o lugar de atuação é o mesmo – sala de aula da Educação Infantil -, o que nos leva a pensar sobre as relações estabelecidas por diferentes pessoas que exercem funções diferenciadas num mesmo espaço e exige responsabilidade, conhecimento, formação e competência para tal; o desgaste que isso pode causar; a complexidade que isso pode trazer (na perspectiva hierárquica), porque todos se acham necessários nesse espaço. Por isso, acreditamos ser importantíssimo que a prática seja reconhecida como este lugar de construção de saberes.

Sabemos que os saberes se relacionam (Charlot, 2000). Estes auxiliares estabelecem relação com o meio em que vivem e trabalham, com outros espaços e outras pessoas que proporcionaram a construção e mobilização de saberes. É perceptível que os saberes da prática são, também, saberes sociais. Na atividade laboral saber o que fazer e o estabelecimento de uma rotina proporcionam a construção de saberes sociais. Para Grzybowski (1986, p. 50), o saber social é “o conjunto de conhecimentos, habilidades, valores e atitudes produzidas pelas classes, em uma situação histórica dada de relações, para dar conta de seus interesses”. Portanto, esse saber é elemento histórico e instrumento de organização. Therrien (1993) aponta a relação que é estabelecida deste saber (social) com a prática. Isso, nos permite compreender que o saber social é oriundo também de “uma prática social e política, de experiências cotidianas e de atividades de produção material do trabalho que se articulam dialeticamente. É nesse sentido que os aspectos sociais são importantes e fundamentais para a produção dos saberes” (Ferreira, 2010, p. 133).

O excerto da narrativa de Vânia aborda também a questão do saber advindo da história de vida e da esfera pessoal, perspectiva que traz mais uma vez, a figura da mulher, do ser mãe vinculado as ações do cuidar. Mas, de maneira ainda mais marcante podemos perceber o local de trabalho como espaço de aprendizagem. A creche compreendida a partir desse ponto de vista, como local que possibilita a construção de saberes, também é afirmado por Demétrius:

Olha, eu de uma certa forma, eu aprendi quando eu ingressei na creche (Entrevista- Demétrius).

As narrativas afirmam o saber de experiência perspectivado na vida pessoal, social, no fazer cotidiano, dos papeis que representam (pai, mãe, filho...), da prática laboral, que demarcam a origem dos saberes dos auxiliares de classe, utilizados para realizar as atividades atribuídas aos auxiliares de classe. No entanto, há uma ausência de saberes que demarcam o lugar profissional do auxiliar de classe, fato que se configura como um dos elementos imprescindíveis para a profissionalização, ou seja, para o reconhecimento de uma classe de trabalhadores que desenvolvem um trabalho específico na sociedade como profissionais. Portanto, entendemos que esta falta também ratifica o “não lugar” profissional dos auxiliares.

Outro fato evidenciado nos excertos dos colaboradores diz respeito à especificidade da Educação Infantil, o cuidar de crianças, no contexto de uma creche, requer ações que vão além das práticas ali realizadas. O cuidado desenvolvido na creche, por mais que se aproxime e utilize os saberes da história de vida, do âmbito pessoal, da maternidade, da paternidade etc., por tratar-se de um ambiente educacional, requer a atuação de um profissional, que tenha formação e saberes legitimados, que legalmente é instituído como professor e que desenvolva sua prática, tendo também como elemento fundador o saber formativo. A partir dessa consideração, apontamos que o trabalho na Educação Infantil demanda um saber específico, um conhecimento que permita a integração das ações de cuidado e educação, a compreensão do sujeito criança e das suas necessidades peculiares. Portanto, consideramos necessário que este profissional tenha uma formação para desenvolver o trabalho docente.

A necessidade de uma formação também é colocada por Sabrina, no entanto ela faz uma associação desse conhecimento com algo mais ligado à prática cotidiana e ao cuidado atrelado mais ao bem-estar, manter a criança limpa e alimentada e em segurança, e não como uma das partes do binômio, como podemos observar:

Não, não tinha nada. Porque, com a prática a gente vai aprendendo, mas, têm coisas que tem que ter um curso uma preparação para gente, como é esses primeiros socorros e tal. Quando a gente foi ter, já tinha alguns anos na área (Entrevista – Sabrina).

Na perspectiva colocada pela colaboradora não há uma integração entre as ações de cuidado e educação, fato que reforça a dicotomia, que a muito tempo vem tentando ser superada, entre as ações de cuidado e educação. A integração do cuidado e educação tem sido apontada por vários teóricos tais como: Azevedo (2013), Tiriba (2005a, 2005b), Campos (1994), Brasil (2010), Kramer, Nunes e Pena (2020), Cerisara (1999) e Santos e Ferreira (2019), como um caminho para uma prática que entenda/atenda a criança como um ser completo e a partir dessa concepção, sejam realizadas práticas integradas, pois esta é uma especificidade da Educação Infantil, tendo em vista o público e as suas peculiaridades.

Essa separação e integração também são abordadas em alguns momentos nas narrativas, como podemos observar:

Bem, eu acho que parece sim, porque cuidar é a mesma coisa de educar, mesmo que eles vejam que o papel da auxiliar só está ali focado no cuidar, no zelar da criança, mas eles têm que entender que você está cuidando da criança, você já está educando, você está dando um banho já é uma parte pedagógica. Porque quando eu estou dando o banho nas minhas crianças, eu costumo cantar a musiquinha: “o sabão lava a minha cabecinha, lava a minha mãozinha, onde está a cabecinha? Eles pegam, onde está o bracinho eles colocam a mão no bracinho”. Então está diferença existe porque quem faz esse papel é só a gente, eles não fazem (Entrevista – Vânia).

Então, a diferença é sutil, mas o professor ele segue um cronograma, ele tem que, por exemplo, ensinar certas funções, certas atividades que a gente não, não atenta para isso. Nós não vamos ficar preocupadas em ensinar a criança a, por exemplo, aprender as cores ou a contar alguns números ou formas. É esse tipo de coisa, a gente não vai estar muito preocupada com isso, com a coordenação motora da criança, mas a gente também vai ensinar a ele quando a gente está brincando com ele ali, quando a gente está dando a alimentação para ele, conversando alguma coisa [...]. Tanto com o professor, quanto com a auxiliar, que a criança chega lá muitas vezes e não sabe segurar nem em uma colher, a gente vai ensinar e o professor vai ensinar à criança a cor, as formas, entendeu, e a gente vai ensinar coisas práticas, do dia a dia (Entrevista – Vitória).

A fala de Vitória aponta que há uma separação entre o que é feito pelo docente e o que é feito pela auxiliar, mas ao mesmo tempo indica que ambos os trabalhadores ensinam as crianças. Já Vânia, no trecho final aponta uma negação do trabalho, do lugar e do ser professor. As falas das colaboradoras assinalam uma separação do binômio através da divisão social do trabalho, e ao mesmo tempo sinalizando que com as práticas de cuidado também educam. Diante disso, é notório que há, ainda, uma falta de entendimento por parte das trabalhadoras do que é o binômio cuidar e educar, além do entendimento das especificidades das práticas e das necessidades das crianças (Azevedo, 2013). Não dá para separar um binômio tão importante como esse somente para fazer sobressair o trabalho de um e inferiorizar o do outro. A ideia não é essa e caso seja, somente quem perderá é a criança. O certo é que a criança tenha suas necessidades atendidas, no âmbito educacional por um profissional que tem formação que lhe permita conhecer (compreender) os saberes que colabore no seu processo ensino-aprendizagem. Cuidar não é a mesma coisa que educar, mas entendemos que é um binômio pela sua integração indissociável, pois não se pode educar a criança sem cuidar dela. É integral, cuja realização também é concomitante.

Dessa forma, “na Educação Infantil o professor precisa estar ciente de todo o desenvolvimento da criança, trabalhando com formas e habilidades que promovam o processo de aprendizagem incluindo o cuidar” (Freire; Ferreira 2020). Assim, é necessário que o professor, em seu processo formativo, possa “[...] conhecer mais sobre educação, desenvolvimento infantil e contextos de desenvolvimento e aprendizagem para entender a criança como sujeito social e da cultura” (Vasconcellos; Aquino; Dias, 2008, p. 18).

Diante das narrativas e reflexões apresentadas é possível afirmar que os auxiliares de classe utilizam como fonte de saberes as suas experiências pessoais, aprendizagens do âmbito formativo e ao mesmo tempo constitui o espaço de trabalho também como contexto de construção, consolidação e mobilização de saberes. No entanto, entendemos que não é sutil a diferença entre ser professor e ser auxiliar; de um para o outro há uma separação, representada por aspectos como formação, saberes, identidade profissional, ocupação, legalização, responsabilidade, função, atividades, condição de trabalho entre outros. Com tudo isso, compreendemos que não é o lugar profissional do professor que estes sete colaboradores ocupam.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O corpus desse estudo apresenta aspectos referentes à origem dos saberes mobilizados pelos auxiliares de classe nas salas de Educação Infantil e a influência destes na construção do “não lugar” profissional. A partir das narrativas de sete auxiliares de classes que colaboraram com este estudo, evidenciamos que todos eles possuem formação profissional ou em nível médio e/ou superior para atuarem como professores, no entanto atuam como auxiliares ou por estar em desvio de função ou já serem concursado para tal. Também, podemos identificar que a condição de possuir a formação não garante ao indivíduo a ocupação do lugar profissional.

No que diz respeito aos saberes dos auxiliares constatamos as variadas fontes que constituem esses saberes, tais como: histórias de vida, as experiências pessoais e cotidianas, a formação acadêmico-profissional e a própria prática laboral. Também mostramos que o saber social é apresentado como aquele que se interliga a vários outros saberes e que há relação entre os saberes e o contexto de trabalho.

Levando em consideração que o contexto laboral onde os auxiliares exercem sua função é o lugar profissional do professor, garantido e legitimado pela legislação brasileira a qual delega a este a responsabilidade de colocar em prática o binômio cuidar-educar, temos a indicação da construção de um “não lugar” profissional dos auxiliares.

Diante de tal situação, há elementos para questionar: qual o papel do auxiliar de classe, tendo em vista que já existe a profissão para desenvolver as atividades atribuídas a esta função? Para buscarmos respostas é preciso olharmos paras as condições externas à instituição principalmente a esfera política, pois a contratação de um auxiliar custa menos para o poder público fato que entra em consonância com as políticas neoliberais de diminuição dos investimentos públicos na educação, e diante dessa realidade temos duas problemáticas. Primeiro, se paga pouco para alguém sem formação exercer as atividades com as crianças comprometendo a qualidade do atendimento ou contrata alguém com formação e oferta condições precárias de trabalho a esse indivíduo que poderia ocupar o cargo de professor, pois possui as condições para tal. No primeiro ponto, temos o não cumprimento da lei e de uma condição básica para a construção de educação pública que é a garantia da formação do trabalhador que atua junto as crianças Nesse segundo ponto, temos a manutenção de uma condição de desvalorização da docência, uma vez que é exigida a formação, mas não é essa a função ocupada.

Quanto à formação acadêmico-profissional entendemos que esta é requisito para o exercício profissional no âmbito da profissão docente, mas que somente esta formação não garante a profissionalização do indivíduo ou sua inserção numa categoria. É preciso a ocupação da função e as atribuições das atividades docentes; é necessário ocupar a posição que garanta o lugar profissional da docência, pois o “não lugar” se forma na impossibilidade de ocupar um lugar e da garantia de todas as suas características constitutivas. Dessa forma, há muitas diferenças entre ser professor e ser auxiliar que perpassa o âmbito dos saberes, social, formativo, laboral, identitário, ocupacional, legal, funcional entre outros.

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Endereço para correspondência:

Livia Karen Figueredo de Jesus - Av. Nestor de Melo Pita, 535, Centro, Amargosa, BA, 45300-000. livia.karen@hotmail.com.


1 Esse texto é parte de uma pesquisa, no nível do mestrado, realizada no âmbito de um Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia.

2 Mestra em Educação pela Universidade Federal da Bahia; Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia; Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Didática e Ludicidade.

3 Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos; Mestrado em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia; Pós-doutorado pela Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia; Professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-Itapetinga.

4 Optamos por utilizar a nomenclatura auxiliar de classe, mas a função também é nomeada por: auxiliar de desenvolvimento infantil, pajem, assistente de classe, monitora etc. A variação na nomenclatura ocorre de região para região, pois não há um consenso acerca da função.

5 Usamos o termo saber de experiência e não saber da experiência porque concordamos com as argumentações de Silva (2021) para tal.

6 “O nome da roda provém do dispositivo onde se colocavam os bebês que se queriam abandonar. Sua forma cilíndrica, dividida ao meio por uma divisória, era fixada no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior e em sua abertura externa, o expositor depositava a criancinha que enjeitava. A seguir, ele girava a roda e a criança já estava do outro lado do muro. Puxava-se uma cordinha com uma sineta, para avisar a vigilante ou rodeira que um bebê acabava de ser abandonado e o expositor furtivamente retirava-se do local, sem ser identificado”. (Marcílio, 2016, p.73).