https://doi.org/10.18593/r.v48.32246

Finitude e angústia existencial entre estudantes de ensino médio de uma escola pública: agravantes da covid-19

Finitude and existential anguish between high school students of a public school: aggravatives of covid-19

Finitud y ansiedad existencial entre estudiantes de secundaria de una escuela pública: agravantes del covid-19

Rosilei dos Santos Rodrigues Kepler1

Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões; Doutoranda em Educação (URI), campus Frederico Westphalen.

https://orcid.org/0000-0002-6405-736X

Arnaldo Nogaro2

Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões; Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação do campus de Frederico Westphalen.

https://orcid.org/0000-0003-0517-051

Resumo: Este artigo abriga resultados de uma pesquisa que busca identificar nos depoimentos de professoras de ensino médio como os temas relacionados à finitude humana e angústia existencial estão presentes na vida de seus estudantes. São trazidos aqui dados oriundos da coleta em grupo focal sobre aspectos relacionados ao sofrimento psíquico de jovens e adolescentes que frequentam o ensino médio de uma escola pública da região Oeste de Santa Catarina. A metodologia de coleta dos dados envolveu atividades em 5 encontros com 10 professoras que atuam no ensino médio, com duração aproximada de 60 minutos cada encontro. A pesquisa possui enfoque qualitativo e a interpretação dos dados seguiu o enfoque teórico hermenêutico. É inevitável que o profissional educador, ao longo de sua carreira, em algum momento se defronte com situações cotidianas que envolvem a angústia existencial vividas por seus alunos, necessitando de preparação para lidar com elas. No entanto, nem sempre o educador a possui, o que revela lacunas no seu processo formativo. Em um cenário normal, já há barreiras a transpor, e com a Covid-19, muito mais caótico ficou o espaço escolar e a vida dos adolescentes. A pandemia demonstrou nossas fragilidades e expôs nossa vulnerabilidade humana e profissional para dar conta das questões existenciais e da finitude. Também revelou aspectos de nossa impotência para ouvir e auxiliar os adolescentes em suas crises existenciais e sofrimento psíquico.

Palavras-chave: Adolescência; Finitude Humana; Angústia Existencial; Ensino Médio.

Abstract: This paper holds the results of a research that intended to identify from high school teachers’ testimonies how themes related to human finitude and existential anguish are present in students’ daily life. Data presented here were collected in a focus group on aspects related to the psychological distress of young people and adolescents who attend a public high school in the western region of the state of Santa Catarina, Brazil. The methodology of the data collect took place in activities developed in five meetings with teachers of high school, with an approximate duration of 60 minutes each meeting. This research has a qualitative approach and the interpretation of data followed the theoretical approach of hermeneutics. It is undeniable that the teacher, along his/her career, may face situations that involve existential anguish experienced by his/her students, needing preparation to deal with them. However, the teacher not always have it, which reveals gaps in his training process. In a normal scenario, there are already barriers to overcome, and with Covid-19, the school space and the lives of teenagers became even more chaotic. The pandemic demonstrated our weaknesses and exposed our human and professional vulnerability to deal with existential issues and finitude. It also revealed aspects of the impotence to listen and help adolescents in their existential crises and psychic suffering.

Keywords: Adolescence; Human Finitude; Existential Anguish; High School.

Resumen: Este artículo contiene los resultados de una investigación que busca identificar en los testimonios de profesores de secundaria cómo temas relacionados con la finitud humana y la angustia existencial están presentes en la vida de sus alumnos. Se traen aquí datos de una recolección de grupos focales sobre aspectos relacionados con el malestar psicológico de jóvenes y adolescentes que asisten a la enseñanza media en una escuela pública en la región oeste de Santa Catarina. La metodología de recolección de datos implicó actividades en 5 encuentros con 10 profesoras que trabajan en la secundaria, con una duración aproximada de 60 minutos cada encuentro. La investigación tiene un enfoque cualitativo y la interpretación de los datos siguió el enfoque teórico hermenéutico. Es inevitable que el profesional de la educación, a lo largo de su carrera, en algún momento encontre situaciones cotidianas que envuelven la angustia existencial que viven sus alumnos, requiriendo preparación para enfrentarlas. Sin embargo, el educador no siempre cuenta con ella, lo que revela lagunas en su proceso de formación. En un escenario normal, ya hay barreras que superar, y con el Covid-19, el espacio escolar y la vida de los adolescentes se ha vuelto mucho más caótico. La pandemia demostró nuestras debilidades y expuso nuestra vulnerabilidad humana y profesional para hacer frente a cuestiones existenciales y de finitud. También reveló aspectos de nuestra impotencia para escuchar y ayudar a los adolescentes en sus crisis existenciales y sufrimiento psíquico.

Palabras clave: Adolescencia; Finitud Humana; Angustia Existencial; Escuela Secundaria.

Recebido em 01 de novembro de 2022

Aceito em 23 de junho de 2023

1 INTRODUÇÃO

Este artigo sistematiza aspectos de pesquisa realizada para aprofundar o tema finitude humana e angústia existencial como fatores de risco à saúde mental dos estudantes do ensino médio. O tema delimitado no contexto histórico contemporâneo demarca a área da educação básica e professores do ensino médio como participantes da investigação.

Educar é um desafio que vai além dos ensinamentos propostos no currículo das disciplinas, sobretudo demanda uma abordagem de acordo com as necessidades e realidades dos alunos. A escola enquanto um importante espaço de socialização e formação de pessoas pode se colocar como suporte para os alunos que buscam sanar suas dúvidas, sendo que seu papel é permitir uma educação integral, oferecendo oportunidades de acesso às várias instâncias para o desenvolvimento do ser humano. Neste contexto, a morte faz parte como seu constituinte ontológico.

A adolescência é uma fase marcada por muitas mudanças orgânicas e subjetivas. Essas mudanças físicas e psicológicas caracterizam a transição da infância para a juventude. Durante esse período, o corpo muda, provocando novas formas de pensar, de ver o mundo, o que faz com que, consequentemente, o psiquismo também mude. O turbilhão de transformações desencadeia o surgimento de conflitos entre o mundo objetivo (externo) e o mundo subjetivo (interno). Nesta fase, é recorrente o adolescente enfrentar momentos de angústia, sensações intensas que o colocam diante da própria existência e, em tal cenário, podem se apresentar incertezas acerca de escolhas, do futuro, o que pode produzir frustrações e dores.

Segundo Torres (2012, p. 146), “[...] a problemática da morte é um dos fatores presentes em todos os períodos do desenvolvimento humano”. Para a autora, a adolescência é uma etapa crítica de passagem que é fortemente afetada pela ideia da finitude. De acordo com o plano cognitivo, o adolescente começa a teorizar e levantar hipóteses sobre a morte, como por exemplo: o que acontece depois da morte, de onde eu vim? Ao mesmo tempo em que desenvolve o conceito de morte, também ocorre a aquisição da individualidade e esse se torna aspecto principal de sua identidade total, levando-o à experiência como indivíduo e forçando-o a estabelecer uma nova relação com a morte. Nesta etapa, graças à maturação cognitiva, já existe uma perfeita noção do que são as doenças, como se localizam no corpo e de que suas causas podem ser tanto externas como internas. A pesquisa realizada caminhou na direção de compreender, a partir dos depoimentos dos docentes, como os estudantes vivem, expressam ou enfrentam as questões da finitude e angústia existencial.

Este artigo procura traduzir o percurso realizado, a coleta de dados e sua análise para cumprir o objetivo macro da investigação. Assim, está organizado em três seções: primeiramente, apresenta os procedimentos realizados na pesquisa; na segunda seção, trata sobre a presença concreta dos temas relacionados à finitude humana e a angústia existencial no contexto da escola lócus da pesquisa, onde são descritas as vivências das professoras em relação à finitude humana e angústia existencial no contexto escolar, tratando de situações relacionadas ao sofrimento psíquico dos adolescentes; no terceiro momento, traz-se as considerações finais.

2 METODOLOGIA E PERCURSO REALIZADO3

A pesquisa realizada é de campo com enfoque qualitativo, cuja abordagem reconhece o caráter subjetivo do objeto analisado, estudando suas particularidades e expressões individuais. Nesse sentido, os fenômenos são interpretados e os participantes ficam livres para expressar os seus pontos de vista sobre o assunto. De acordo com Vieira (2019), a pesquisa qualitativa é importante para compreender a dinamicidade, abertura e profundidade, porque este enfoque está atento aos detalhes e prioriza os aspectos subjetivos do problema.

A coleta de dados foi o grupo focal. Envolveu 10 professores que trabalham com estudantes do ensino médio de uma escola pública de um município do Oeste do Estado de Santa Catarina. A escola oferece ensino fundamental e ensino médio, e seu funcionamento se dá nos três turnos diários, matutino, vespertino e noturno, contando com um número aproximado de 1.200 alunos e 50 professores. Os participantes da pesquisa são docentes que atuam como formadores (professores e orientadores pedagógicos). A amostra é formada por indivíduos que se encontram atuando na escola lócus da pesquisa e que concordaram em participar do grupo focal por adesão não probabilística voluntária.

Dentre as 10 participantes da pesquisa, 100% (cem por cento) são mulheres, ٢٩٪ (vinte e nove por cento) possuem somente graduação, 70% (setenta por cento) possui pós-graduação Lato Sensu e 1% (um por cento) pós-graduação Stricto Sensu (mestrado). Dentre elas, suas graduações iniciais estão distribuídas nos cursos de Pedagogia, Letras, História, Geografia e Matemática. O tempo de atuação no magistério varia de cinco a vinte anos de profissão.

A pesquisa ocorreu em 5 encontros, realizados uma vez por semana, com duração aproximada de 60 minutos, com um total de 10 participantes. O tema norteador para o início das atividades foi a existência humana. Como leitura preparatória, foi disponibilizado o texto: “Morte no processo do desenvolvimento humano, a criança e o adolescente diante da morte” da autora Maria Julia Kovács. O encontro iniciou com um vídeo sobre “finitude humana” (duração de 5 minutos e 35 segundos)4, proporcionando interação sobre o assunto e a discussão. Em cada encontro, houve indicação de leitura prévias e orientações de como proceder no próximo.

O enfoque teórico seguiu a corrente filosófica hermenêutica. Esta é vista como uma teoria ou filosofia orientada pela interpretação, capaz de desvelar o fenômeno de estudo para além de sua aparência ou superficialidade. Na ótica de Moraes e Galiazzi (2016, p. 57-58), interpretar é um exercício de construir e de expressar “[...] uma compreensão mais aprofundada, indo além da expressão de construções obtidas a partir dos textos e de um exercício meramente descritivo. Uma pesquisa de qualidade necessita atingir essa profundidade maior de interpretação.” O grupo focal é um método de pesquisa qualitativa que reúne participantes para uma discussão, na qual os indivíduos expõem sobre o tema pesquisado. A técnica de grupo focal é utilizada na pesquisa há bastante tempo, remetendo sua origem aos anos de 1920. No campo da educação, é um processo em construção no período mais recente. Para Gomes (2005, p. 41), o grupo focal é constituído por um conjunto de pessoas “[...] selecionadas e reunidas por pesquisadores para discutir e comentar um tema, que é objeto da pesquisa, a partir de suas experiências pessoais.” No entendimento de Schvingel, Giongo e Munhoz (2017, p. 99), o grupo “[...] focal não é uma técnica em que se alternam perguntas do investigador e respostas dos participantes, mas são lançadas algumas questões sobre um tema e o objeto da pesquisa para o grupo de participantes, levando, a partir disso, à discussão.” A sensibilidade e compreensão do pesquisador e de seu papel são fundamentais para que ele saiba respeitar o princípio da não diretividade e consiga mediar a comunicação sem ingerências indevidas da parte dele, direcionando posicionamentos negativos ou positivos, externando posições particulares. Para a organização dos depoimentos, estruturamos duas categorias básicas: emergência dos temas relacionados à finitude humana e a angústia existencial no lócus da pesquisa; e depois, da Covid-19 como agravante relacionada às questões da existencialidade e finitude humana na escola.

3 EMERGÊNCIA DOS TEMAS RELACIONADOS À FINITUDE HUMANA E A ANGÚSTIA EXISTENCIAL NO LÓCUS DA PESQUISA

A partir dos dados coletados no grupo focal, buscamos apresentar as temáticas relacionadas aos objetivos desta pesquisa apresentando as falas significativas das participantes. Procuramos extrair excertos de seus depoimentos que sejam correlatos aos temas comuns e relevantes vividos pelas professoras na rotina escolar.

No primeiro encontro, iniciamos com o tema finitude humana com objetivo de refletir sobre as vivências diárias do cotidiano escolar. Através destas reflexões, o tema emerge e explicita as questões que estão presentes na percepção das professoras. O depoimento da PA5 exemplifica bem esta questão: “[...] esses temas estão presentes, muitos adolescentes têm dificuldades de lidar com as mudanças que ocorrem com eles, apresentam uma insegurança, aqui na escola temos muitos alunos depressivos.” (2022, [s.p.]). Essa afirmativa vai ao encontro da afirmação de Camargo e Magalhães (2020) que ressaltam que os transtornos mentais mais comuns da população geralmente ocorrem na adolescência. Um estudo conduzido pelo consórcio internacional The World Mental Health Survey Initiative aponta que os problemas de ansiedade começam, em média, aos 15 anos.

Para Camargo e Magalhães (2020 p. 34), “[...] a transição da adolescência para a vida adulta é um momento propício para que vulnerabilidades psíquicas e emocionais apareçam.” Nesta fase, as pessoas se sentem cobradas para tomar uma série de decisões. É neste momento que o estresse surge de forma mais presente na vida dos seres humanos e favorece o aparecimento das fragilidades que, muitas vezes, elas já possuíam. É neste período da vida que a maioria dos indivíduos começa a sair do círculo de proteção dos pais e passa a ser cobrado por seu próprio desempenho e responsabilidades. Nesta fase, os adolescentes podem vivenciar um processo de luto por perdas, sejam concretas ou simbólicas.

Paiva (2011) lembra que o luto tem implicações no processo de ensino e aprendizagem, apresentando déficit de atenção e de concentração, devido a ansiedade e a intensidade dos sentimentos que surgem. O luto implica em uma vivência de sentimentos e emoções difíceis de definir. O processo de luto, na maioria das situações, ocorre de forma saudável, quando a pessoa tem uma vivência adequada das suas manifestações dentro de um contexto familiar, social, espiritual e psicológico bem estruturado. O enlutado necessita de apoio, acolhimento e compreensão de suas dores. As perdas envolvem incertezas, dúvidas, receios, medos, inseguranças, apesar do luto ser um processo normativo e necessário para a continuação da vida sem o objeto perdido.

As perdas e as separações fazem parte da vida de todos os seres humanos, é uma experiência que todos passam. Mesmo assim, é muito difícil aceitar a perda de algo ou de alguém importante. É preciso um tempo para reorganização e elaboração do que aconteceu, porque os sentimentos surgem muitas vezes de forma confusa. De acordo com Worden (1998), a dor física, emocional e comportamental no processo de luto é real. Se essa dor não for reconhecida, ela se manifestará de outras maneiras, resultando em comportamentos anormais, problemas físicos e psicológicos ou até mesmo desenvolver uma doença mental. Manter a negação da perda a longo prazo, impede a superação do luto.

A adolescência, por ser uma fase de muitas mudanças, pode gerar muitos sentimentos confusos aos adolescentes. Para Campos (2012), ela é a fase em que o indivíduo fica particularmente vulnerável. Nela, pode-se intensificar a ansiedade provocada pelas transformações ocorridas, também podem ser intensas as reações emocionais e mudanças repentinas e imprevisíveis de humor, insegurança e ansiedades.

Através dos relatos das educadoras, esses sentimentos estão presentes e, muitas vezes, elas não conseguem identificar qual a causa, porque os adolescentes têm dificuldades de falar sobre seus sentimentos. Mesmo assim, a escola faz uma intervenção de acordo com suas possibilidades. As educadoras dizem ter consciência do objetivo da escola, que não é apenas transmitir conhecimento científico, cumprir o currículo formal, mas também cuidar das necessidades emocionais de seus alunos. Sendo assim, quando é identificada alguma alteração de comportamento no aluno, ele é encaminhado para o atendimento pedagógico e é feita a intervenção, os pais são chamados e orientados para o encaminhamento psicológico.

Embora seja identificado o apoio das educadoras aos adolescentes, percebe-se que elas também necessitam apoio e acolhimento em suas dores. Por esta razão, enfatizamos a necessidade de as escolas terem um espaço para discutir assuntos relacionados à angústia existencial e finitude humana. De acordo com Paiva (2011), assuntos relacionados à finitude humana são pouco discutidos na sociedade, na escola e na família.

A PC revelou que “Existem alunos com problemas emocionais, alunos rebeldes, que sentem ódio de tudo. Qualquer coisa é motivo de ‘explosão’. Muitos desses casos não sabemos realmente qual o motivo, porque os adolescentes não dão abertura para o diálogo.” (2022, [s.p.]). Fica explícito que as docentes lidam com os temas da angústia existencial diariamente, envolvendo a finitude humana e perdas significativas que repercutem em sala de aula. Elas percebem o sofrimento psíquico dos alunos, identificam-no através do seu comportamento. Sabem da importância de abordar esses temas para contribuir com o desenvolvimento integral do aluno, mas se sentem despreparadas para lidar com esta problemática.

A PB identifica uma possível causa das atitudes dos estudantes: “Muitos alunos que apresentam essas alterações de comportamento, são alunos que não têm apoio familiar, percebemos que os pais também são problemáticos.” (2022, [s.p.]). Para Camargo e Magalhães (2020), a família é o primeiro ambiente na vida das pessoas. É no seio familiar que se desenvolvem muitas características básicas de personalidade. É neste ambiente que se cria confiança e vínculos efetivos para se desenvolver psicologicamente. Para os autores, a família pode ter um papel protetor contra o aparecimento dos transtornos psiquiátricos.

De acordo com Kovács (2010), a adolescência sempre foi considerada um período de desenvolvimento com grandes transformações. É uma fase de transição como qualquer outra, um período de lutos. Nela, ocorre a perda do corpo infantil, da identidade como criança, razão pela qual é preciso elaborar a perda dos pais infantis. Segundo Erikson (1976), nesta fase ocorre a tarefa da aquisição da identidade, quando o indivíduo se define como pessoa. Para realizar essa definição, o adolescente precisa romper limites e desafiar o mundo, passa a ter sonhos e ilusões diferentes da infância.

A PD também relata o quadro que encontra em sala de aula na realização de seu trabalho:

Trabalhamos com alunos do ensino médio e sabemos que muitos apresentam quadros depressivos, alguns demonstram alteração de comportamentos que são de riscos para saúde, ex. como se cortar, agressividade, irritabilidade, déficit de atenção. O aluno não consegue se concentrar para fazer as atividades de aula, está sempre com o pensamento longe, apresenta também revolta, que é manifestada através de palavrões e brigas com os colegas. (2022, [s.p.]).

D’Assumpção (2011) fala que o choro, o grito, e até os palavrões são formas de expressão física de dor e sofrimento mental. Para o autor, as emoções existem para ser expressas. “Emoção sem expressão vira depressão. Depressão mata. Mas emoção mal expressa vira confusão.” (D’ASSUMPÇÃO, 2011, p. 232).

Demantova (2020) traz a questão do ato da automutilação, que se situa no núcleo da problemática da adolescência e pode ser uma modalidade de defesa frente às mudanças que surgem com a passagem da infância para a vida adulta. Ao passar por estas transformações sem suporte familiar, os adolescentes podem se sentir desamparados e influenciar para o desenvolvimento das doenças psíquicas. Sabemos que automutilação merece uma atenção da família e dos professores porque está relacionada às doenças psíquicas, o que exige um trabalho contínuo de suporte emocional de uma equipe especializada, sendo que o indivíduo necessita de amparo, atenção e acompanhamento psicológico.

Ameaçar ou desejar tirar a própria vida é um fato bem presente em adolescentes. Não é um tema recorrente apenas em adultos, em quem se acredita que haja maior sobrecarga em função do ritmo de vida de hoje. A PF faz menção a um caso de sua escola: “Teve um aluno que tentou suicídio em casa, tivemos dificuldades de abordar a questão com ele, tivemos conhecimento que os pais o levaram a um psiquiatra e a um psicólogo, e que o aluno estava com quadro grave de depressão.” (2022, [s.p.]). D’Assumpção (2011) ressalta que as pessoas que ameaçam ou já tentaram suicídio, tanto o sobrevivente como a família, precisam de cuidados especiais. Ele alerta que este assunto precisa ser discutido e os sobreviventes precisam ser escutados.

Falar e abordar questões como o suicídio exige preparação, domínio do tema e conhecimento de como fazer a abordagem, e isto parece não fazer parte da formação docente ou de cursos de formação continuada, como revela a PE.

Existe muito pouco material sobre suicídio e sofrimento mental, os currículos da graduação deviam abordar mais sobre este tema, os professores trabalham com jovens que estão confusos, sofrendo devido às crises de angústia existenciais e não sabem como lidar com esta questão. (2022, [s.p.]).

Na perspectiva de Kovács (2010), o suicídio inclui uma gama de situações muito complexas, cujos contornos são vagos e indefinidos. Muitas vezes, é difícil ter clareza para saber se se trata efetivamente de suicídio ou acidentes. O suicídio pode ser entendido como atos de autoagressão em que uma pessoa não tem certeza da sobrevivência, manifestando uma intenção autodestruitiva e uma consciência vaga do risco de morte.

A depressão é a doença mental mais conhecida como desencadeadora do sofrimento psíquico e o gatilho para o suicídio. D’Assumpção (2011) identifica em estados depressivos, desesperanças, dependência de álcool ou de drogas as causas mais frequentes de suicídio. Segundo ele, um dos recursos que podem ser usados para ajudar a evitar o suicídio, mas que deve ser usado com cautela e com bom conhecimento do indivíduo, é o apelo à reflexão.

4 A COVID-19 COMO AGRAVANTE RELACIONADA ÀS QUESTÕES DA EXISTENCIALIDADE E FINITUDE HUMANA NA ESCOLA

A angústia existencial pode emergir da percepção da finitude, da ameaça ou sentimento em relação à morte, mas também diante de outras perdas e sofrimentos vividos pelos adolescentes decorrentes de sua situação socioeconômica ou do isolamento social, como ocorreu na pandemia do Covid-19. A pandemia provocada pelo Covid 19 gerou diversos impactos na educação em nível mundial, tanto para estudantes, como para as instituições. Diante do cenário apresentado, e para evitar o risco de contaminação pelas aglomerações comuns na educação presencial, as autoridades decretaram medidas, começando por férias e suspensão temporárias das aulas. O cenário não obteve diminuição dos casos de contaminação, e meses depois, as instituições de ensino continuaram fechadas e as tecnologias e o ensino a distância se tornaram aliados para dar continuidade ao ano letivo, sendo que os professores e os alunos precisaram se readaptar com novos métodos. Nem todos os alunos tinham os recursos tecnológicos para acompanhar as aulas e dar continuidade ao processo de aprendizagem. Isso também pode ser considerado um fator para o desenvolvimento ou o aumento das angústias dos adolescentes.

Silva (1972) destaca que, apesar das diversas reclamações de muitos professores sobre o desinteresse dos jovens com o conteúdo, pode-se afirmar que muitos gostam de ir à escola porque isso significa investimento em seu futuro, e é neste ambiente que existem outros jovens da sua idade, onde formam muitos vínculos e amizades.

Segundo a organização de desenvolvimento social Child Fund Brasil (2020), com base em sua sólida experiência na elaboração e no monitoramento de programas e projetos sociais, o impacto do COVID-19 atingiu vários setores da sociedade. A população mais afetada é a que vive em maior situação de vulnerabilidade social, incluindo as crianças e adolescentes que integram essa triste realidade. Mesmo que não sejam grupo de risco para a covid-19as crianças e adolescentes necessitam ter seus direitos garantidos, para que possam se desenvolver de maneira plena e saudável.

O cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), é um destes mecanismos para garantir direitos. Ele apresenta um conjunto de leis que regulam de forma direta os direitos da criança e adolescentes na faixa etária entre 0 e 18 anos (crianças dos 0 aos 12 e adolescentes dos 12 aos 18). O Estatuto também cria mecanismos de proteção para eles, com o intuito de que possam se desenvolver com dignidade, saúde, educação, lazer e todos os aspectos que garantem uma infância e adolescência feliz e saudável. Este conjunto de leis resultou de um esforço coletivo, envolvendo Governo, movimentos sociais, pesquisadores, organizações de defesa dos direitos da criança e do adolescente, entre outros autores.

Sem as aulasmuitas crianças também deixam de se alimentar por meio da merenda escolar. De acordo com o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE, 2014), mais de 41 milhões de estudantes são beneficiados por ela. Desse total, há uma parcela significativa para quem é a principal refeição do dia. Não há dados precisos, mas há uma estimativa de que aproximadamente 14 milhões de alunos, dentro dos critérios de pobreza como beneficiários do programa Bolsa Família, que podem depender dessa refeição.

Com o ensino transferido para o online, crianças em situação de vulnerabilidade social foram severamente afetadas, já que o acesso à internet não é algo presente em todos os lares brasileiros. De acordo com a UNESCO, em 2020, cerca de 30% da população ainda não tem acesso à internet, no Brasil. Dos que possuem, 97% o fazem pelo celular, com utilização restrita, o que não oferece as mesmas possibilidades de ensino que um computador.

As crianças e os adolescentes, ao ficarem em casa, deixaram de realizar práticas esportivas, frequentar atividades culturais e ter acesso ao lazer. Todas essas atividades são essenciais para o pleno desenvolvimento. Segundo a FIOCRUZ (BRASIL, 2022), a falta de cuidado em manter as crianças e adolescentes se divertindo e se exercitando pode ter efeitos indiretos como aumento da obesidade e sedentarismo, bem como um distanciamento de atividades que promovem seu bem-estar físico e mental. Por outro lado, dentre aqueles com acesso à Internet e a celulares, houve um exagero no uso, o que pode acarretar efeitos negativos como ansiedade, depressão e maior dificuldade para relacionamentos sociais, bem como problemas na visão pelo excesso de exposição à luz artificial. Outras problemáticas também destacadas foram abuso sexual, cyberbullying, exploração sexual, exposição a conteúdos inapropriados, vazamento e publicação de informações privadas.

A taxa de desemprego também aumentou. Dentre os adolescentes aprendizes, a partir de 16 anos, em um modelo de trabalho que visa a aprendizagem e formação, foi perto de 40%, de acordo com a pesquisa baseada em dados do IBGE (2020). O estudo avalia que o desemprego vai crescer para todas as faixas etárias nos próximos meses, mas acaba por atingir mais duramente a parcela jovem dos trabalhadores. Por terem menos tempo de empresa e menores salários, oferecem menor custo de demissão. São, também, na média, menos experientes. Com isso, muitos adolescentes em situação de vulnerabilidade podem acabar trabalhando de forma informal, sem seus direitos assegurados, para ajudar na manutenção da renda familiar.

Outro fato diz respeito ao combate à violência contra crianças e adolescentes no Brasil e no mundo. Pode ter diminuído, durante o período de isolamento social, e se tornando parte dos efeitos nocivos da covid-19, o baixo número de denúncias. Segundo dados da UNICEF (2020) os registros são subnotificados, já que as denúncias, em sua maioria, se originavam nas escolas e hospitais. Dessa forma, com a situação de pandemia, os serviços de proteção perderam parte do controle sobre registros e ocorrências, o que torna a situação crítica e sem o devido acompanhamento das autoridades competentes.

De acordo com Casellato (2020), uma pandemia é devastadora de várias formas, pois evidencia a impermanência do indivíduo e a fragilidade que impede as transformações rápidas e complexas. Durante ela, os indivíduos vivenciam muitas perdas, mudanças e readaptação, muitos lutos são experimentados de forma privada e coletiva. O desafio em um momento de pandemia é equilibrar as perdas inerentes aos efeitos do contexto com o ato de encontrar recursos internos e externos para enfrentar a ameaça que é incrementada ao risco do contágio progressivo do vírus, ao mesmo tempo em que se convive com o medo da morte.

Segundo Worden (1998), a reação do luto de cada indivíduo varia de acordo com alguns fatores, que podem dificultar ou impedir a elaboração da perda. Estes podem ser: tipos de mortes, perdas múltiplas, os tipos de relação entre o enlutado e o falecido, o não acesso aos rituais de despedida, caixão lacrado, a ausência de uma rede de apoio. A falta dos rituais de luto pode ser um agravante para elaboração do luto. Sem os rituais, não é possível dar e receber o apoio social, construir um significado para e expressar os sentimentos necessários para elaboração da perda.

O caixão lacrado impede os familiares de ter acesso ao corpo do falecido, o que pode causar impactos e trazer complicações no enfrentamento da perda. Quando não se tem acesso ao corpo e aos rituais de despedidas, dificulta-se a percepção da realidade, podendo se tornar uma morte incerta. As mortes na pandemia são experimentadas num cenário desafiador, pois possuem algumas destas características.

O contato físico é uma das experiências sociais que regulam o cérebro do indivíduo. Em uma pandemia, as pessoas são expostas a várias situações ao mesmo tempo, dentre as quais a sua retirada do convívio social, o que eleva o risco de desenvolver ou para agravar transtornos mentais já existentes. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2020), o convívio prolongado dentro de casa aumentou o risco de desajustes na dinâmica familiar. As reduções de renda, o desemprego, e as mortes na família pioram as tensões sobre as famílias. O distanciamento social alterou os padrões de comportamento da sociedade em decorrência do fechamento de escolas, da mudança dos métodos de trabalho e de diversão, da privação do contato próximo entre as pessoas, elementos tão importantes para a saúde mental.

O aumento dos sintomas psíquicos e dos transtornos mentais durante a pandemia pode ocorrer por diversas causas. Dentre elas, pode-se destacar a ação direta do vírus da Covid-19 no sistema nervoso central, as experiências traumáticas associadas à infeção ou à morte de pessoas próximas, o estresse induzido pela mudança na rotina devido às medidas de distanciamento social ou pelas consequências econômicas, na rotina de trabalho ou nas relações afetivas e, por fim, a interrupção de tratamento por dificuldades de acesso. (OMS, 2020, [s.p.]).

Ao viver perdas importantes, os adolescentes podem ter a sensação de que seu mundo acabou. Nesta hora é que o acolhimento da família, amigos e educadores pode resgatar a questão de segurança do estudante em sofrimento. Para Knapman (1999, p. 126), “[...] a vida escolar, com suas horas de intervalo, reuniões, rostos familiares e rituais diários, pode dar um senso crucial de que a vida continua, de que o mundo não está.”

Segundo os dados recentes das OMS (2020), há uma gama de fatores que merecem atenção das áreas médicas e da saúde mental sobre os riscos da população em uma epidemia. Há indícios preocupantes com o aumento do sofrimento psicológico, dos sintomas psíquicos e dos transtornos mentais. Entre estes fatores estão a raiva, frustração ou irritabilidade pela perda de autonomia e liberdade pessoal; preocupação com a possibilidade de o indivíduo ou de membros de sua família contraírem a doença ou a transmitirem a outros; receio pelas crianças em casa não receberem cuidados adequados no caso de isolamento; ansiedade ou reações de estresse ligadas a notícias falsas, e mesmo ao grande volume de informações circulando. Estes fatores estão entre os riscos de esgotamento do indivíduo e são desencadeadores de sofrimento psíquico.

Estes fatos nos fazem refletir sobre o retorno das aulas presenciais. Da importância de os educadores estarem fortalecidos e preparados para fazer um acolhimento aos seus alunos, levando em conta que estes passaram por mudanças de rotina que ocorreram em suas vidas e na vida dos pais, experiências de luto próximas, de seus familiares, amigos e pessoas conhecidas. Essas perdas necessitam de uma atenção especial, sendo que todos esses fatores são desencadeadores de sofrimento emocional que poderá afetar o rendimento escolar do aluno.

De acordo com Aquino (1999), é importante reconhecer os sentimentos de tristeza e de negatividade que são considerados normais na adolescência, mas alerta que quando estes sentimentos são muitos intensos e estão associados a sentimento de culpa, inutilidade e desespero, é muito provável a existência de sentimentos depressivos. O autor enfatiza a importância de o educador estar atento aos comportamentos dos adolescentes. Como o adolescente passa uma grande parte do dia na escola, o contexto escolar cria um ambiente de forte influência preventiva sobre o jovem, por isso é de grande importância a disponibilidade emocional e física dos professores como adultos sensíveis e atentos para as crianças e jovens que estão em risco.

As professoras relatam que muitos alunos têm dificuldades de expressar sua dor através da fala, uma vez que é sabido que o sofrimento faz parte da natureza humana, mas que nem todos conseguem expressar da mesma maneira. D’Assumpção (2011) enfatiza que somos agentes de nossos próprios padecimentos ou somos vítimas de sofrimentos causados por outras pessoas. Para ele, tomar consciência do ato é o primeiro passo para superar a dor. O ato de estar consciente não é espontâneo e exige que se crie as condições e estabeleça um ambiente no qual o estudante se sinta seguro para falar de si. A PG faz um diagnóstico que parece ser muito preciso sobre o quadro vivido pelos estudantes. “Acredito que os alunos não falam sobre sua dor porque talvez nem eles mesmos sabem o motivo do seu sofrimento. Mas demonstram através do comportamento.” (2022, [s.p.]). Nem sempre os adolescentes possuem os recursos necessários para expressar as emoções através da fala. Talvez por seus sentimentos se manifestarem de maneira muito intensa, isso os deixa confusos. Também podemos considerar o silêncio como um sinal de alerta na adolescência.

Segundo Kovács (2010), no processo de aquisição da identidade o adolescente testa e acaba por extrapolar muito seus limites. O herói não sente medo e nem derrota. Se sente medo, é escondido e tem dificuldades de assumir publicamente, ele tem de se manter corajoso diante de todos. Esta afirmação talvez justifique o que as professoras relatam sobre as dificuldades que os adolescentes têm em falar de suas angústias. Para Campos (2012 p. 154), teorias “[...] diferentes levam a concepções diversas do fenômeno, na mesma medida em que diferentes processos históricos imprimem sentidos distintos e oportunidades de conceber e viver a fase da adolescência.” Para a autora, a caracterização da adolescência não constitui tarefa muito fácil, pois aos fatores biológicos específicos da faixa etária somam-se aos condicionantes socioculturais, advindos dos ambientes em que o fenômeno da adolescência ocorre.

Kovács (2010) situa na adolescência o período no qual o jovem está caminhando para o auge da vida, alto risco para que ocorram mortes inesperadas. É nela que ocorre o maior número de suicídios. Números só superados entre os idosos. Esta questão está estreitamente vinculada à finitude humana, sobre o qual as professoras relatam que: “A questão da morte é muito pouco trabalhada nas escolas, talvez através da biologia sobre o nascer crescer e morrer, não temos conhecimento se esse tema é trabalhado na disciplina de ensino religioso e filosofia.” (PH, 2022, [s.p.]). Por sua vez, a PJ confessa suas fragilidades para abordar a questão:

Tenho pouco conhecimento sobre o tema. Acredito que nós professores não temos preparação para trabalhar com isso, porque a finitude humana mexe muito com os sentimentos das pessoas. Às vezes não é tocado no assunto por medo de não dar conta dele. Mesmo sabendo que todos os seres humanos irão morrer um dia, a gente acha que com a gente nunca vai acontecer, só na hora da reflexão que nos damos conta e paramos para pensar, quantos lutos passamos no decorrer da vida e precisamos nos reerguer, reconstruir e dar continuidade na vida. (2022, [s.p.]).

As professoras ressaltam que trabalhar sobre o tema morte é complicado, pois envolve culturas e crenças e que cada aluno pensa diferente, cada família aborda de uma forma. Mas que não seria algo impossível para se trabalhar se o professor tivesse preparação para isso. As professoras se sentiram limitadas para trabalhar com o assunto porque não sabem abordar a questão, como expressa a PC. “As pessoas não estão preparadas para ouvir a dor do outro, porque também têm suas dores.” (2022, [s.p.]).

Segundo Santos (2014), a morte é consequência do processo de luto e faz parte do processo da vida. A morte está associada à perda a dor e, muitas vezes, ao grande sofrimento psíquico, físico, social e espiritual. Diante disso, ela poderia ser de grande valia e utilizada como instrumento pedagógico para ser abordada dentro das instituições de ensino.

Quando perguntamos às professoras sobre os problemas relacionados com a finitude humana na escola, elas citam algumas situações já experimentadas, como morte de familiares e amigos. Durante a pandemia, alguns alunos tiveram perdas, mas não trouxeram queixas através da fala. No entanto, percebeu-se sofrimento e que algo não está bem. A PA explicita seu olhar e compreensão do que vive no cenário presente:

Os alunos trazem pouco, mas percebo que muitos de uma hora para outra começam a demonstrar alterações comportamentais, começam a dispersar atenção, “sentir-se meio avoado”, revoltados. Daí são levados para o atendimento pedagógico. Ex. na semana passada uma professora percebeu a mudança do comportamento de um aluno e levou para o atendimento, durante o atendimento ele começou a chorar e falou que não estava conseguindo superar a morte do pai que ocorreu durante a pandemia. Relatou que a morte não foi de COVID, foi de câncer, isso deixou-o revoltado, até mesmo por ter ocorrido durante este isolamento. Ninguém da sala de aula sabia, nem a professora. Ele não tinha falado com ninguém sobre a morte do pai, “se abriu” só no atendimento pedagógico. (2022, [s.p.]).

O excerto acima demonstra o quanto a proximidade com o estudante tem que ser um componente da relação pedagógica, conhecer os alunos para identificar possíveis alterações comportamentais, proporcionar espaços para diálogo com eles, poder auxiliá-los a enfrentar seus dilemas. Para que isso possa acontecer, é necessário que as professoras estejam devidamente preparadas teórica e praticamente.

Segundo Casellato (2020), a quarentena e isolamento social consiste na separação e na restrição de movimentos de pessoas. Este distanciamento adotado para a minimização de uma doença contagiosa, gera grande risco à saúde mental dos indivíduos, provoca medo de morrer, sentimentos de desesperança, tédio, solidão e depressão pela perda do convívio.

A parceria dos pais e professores trabalhando juntos é uma poderosa ferramenta de prevenção às doenças psíquicas nos jovens. De acordo com Aquino (1999), a parceria de grupo de colegas em períodos de sofrimento emocional pode ser uma poderosa fonte de apoio ao adolescente. Ele enfatiza que em todas as situações de sofrimento emocional é importante que pais e professores estejam atentos, saibam a hora de buscar ajuda de profissionais da saúde mental quando for necessário.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os problemas emocionais dos adolescentes podem ser difíceis de identificar. Às vezes, eles não são claros pois os transtornos de humor são alterações comportamentais que fazem parte da vida das pessoas e são comuns em todos os seres humanos já que há episódios de tristezas que são momentâneos, gerando dificuldade para discerni-los de sintomas doentios. Mas há alguns fatores para os quais torna-se necessário ficar atento. Quando o humor do adolescente se torna persistentemente negativo, passando a causar prejuízos, ele pode estar atravessando um episódio de angústia muito intensa, podendo causar alguma doença psíquica.

Como humanos, a finitude e a angústia existencial são constituintes de nossa natureza. Não podemos nos livrar delas. A vida exige que aprendamos a enfrentar as questões que delas emergem. Demanda que encontremos as melhores respostas. Estas não estão dadas, requerem inteligência e criatividade. A experiência do viver pode nos auxiliar nisso. As crianças e adolescentes que não a possuem, como farão? É para isso que possuem pais e educadores que vão se colocar ao seu lado para auxiliá-los na travessia. Precisamos estar cientes de nosso compromisso e de nossa responsabilidade em suas vidas para que cresçam de forma equilibrada, sem grandes sobressaltos e desenvolvam autonomia conforme o tempo vai passando.

Na escola, podemos nos valer dos dilemas vividos pelos adolescentes e encontrar sua dimensão pedagógica para refletir sobre a vida, a felicidade, o amor, as perdas e especialmente a morte, que nos possibilita identificar vários sentimentos. A pandemia do Covid-19 foi um laboratório que presentificou e esgarçou a realidade das perdas e da morte para todos nós. Gerou nos adultos, jovens, adolescentes e crianças incertezas e medos. Ficarão muitas chagas em aberto e muitas sequelas a serem curadas, embora em relação a algumas temos dúvidas se conseguiremos superá-las, como as perdas de vidas de familiares próximos que provocaram muita dor e sofrimento.

As perdas podem carregar consigo grande sofrimento psíquico, físico, social e espiritual, mas podem ser de grande valia se utilizadas para o aprendizado sobre como viver, sobre o fim da vida e o fechamento de ciclos. Mas para que consigamos chegar a este propósito, ainda há algumas barreiras a ultrapassar, como os depoimentos das professoras revelaram, principalmente no fortalecimento pessoal e preparo profissional de como trabalhar estas questões com os estudantes.

Carecemos ainda de estratégias mais adequadas de como aproximar as famílias da escola para que compreendam melhor os dramas vividos pelos seus filhos, ao mesmo tempo em que saibam como encaminhá-los e apoiá-los para que sejam evitados casos de mutilações ou suicídios, fenômenos muito presentes nesta idade. O apoio de profissionais da saúde para o monitoramento dos adolescentes em sofrimento mental pode auxiliar com conhecimento científico e técnicas especializadas, produzindo bons resultados.

O objetivo da pesquisa foi cumprido, a sistematização dos depoimentos do grupo focal, sua análise e a cotização com o referencial teórico sinalizam isso. A proposta atendeu ao propósito de entrelaçar as experiências e vivências dos professores aos quadros existenciais e de sofrimento humano dos estudantes como mecanismo de reflexão e interpretação do ambiente escolar de ensino médio, sobretudo como as transformações da adolescência impactam no processo de ensino e aprendizagem dos alunos, no sentido de revelar novas possibilidades de compreensão e de emergência de significados para as relações vividas nas vidas pessoais e coletivas.

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Endereços para correspondência: Rua Amirante Barroso, 662, Edifício Plaza Viena, apto. 404, Centro, São Miguel do Oeste-SC, 89000-000; rosilei@kepler.inf.br


1 Mestra em Educação pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões; Psicóloga pela Unoesc; Especialista em Psicologia Clínica Ampliada pela Uri; Especialista em Tanatologia Humana pela Universidade Santa Cecília; Especialista em Docência no Ensino Superior pela Uri; Formação e aprimoramentos em luto e perdas pela Clínica Luspe; Formação em psicologia Hospitalar pelo Hospital Pequeno Príncipe; Rua Amirante Barroso, 662, Edifício Plaza Viena, apto. 404, Centro, São Miguel do Oeste-SC, 89000-000; rosilei@kepler.inf.br.

2 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Mestre em Antropologia Filosófica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Líder do grupo de pesquisa Ética, Educação e formação de professores; Membro do Grupo de Pesquisa Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas e Processos de Educação Superior; AV.   7 de Setembro, 1558, Bairro Fátima, Erechim- RS,  
99709-900; narnaldo@uricer.edu.br.

3 O projeto de pesquisa tramitou e foi aprovado no Comitê de Ética sob o número do C.A.A.E 79248517.1.0000.5352.

4 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7f25udmvr0I. Acesso em: 3 ago. 2022.

5 Para preservar a identidade dos participantes, identificamos os mesmos por letras do alfabeto A, B, C, D, E ... Ex. Professor A= PA, Professor B= PB e assim sucessivamente.