https://doi.org/10.18593/r.v48.30793

A docência EBTT nos anos iniciais do ensino fundamental: uma proposta de formação em serviço

EBTT teaching in the early years of elementary education: a proposal for in-service training

Enseñanza EBTT en los primeros años de la escuela primaria: una propuesta para la formación en el servicio

Gabriela Neves Barcelos da Costa1

Colégio Pedro II; Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico.

https://orcid.org/0000-0001-8445-2693

Marcel Alvaro de Amorim2

Universidade Federal do Rio de Janeiro; Professor da Faculdade de Educação e do Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Faculdade de Letras.

https://orcid.org/0000-0002-8840-8371

Resumo: Este artigo buscou analisar os discursos de docentes do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) do Colégio Pedro II que atuam no Departamento dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental em relação aos desafios de sua carreira. A partir das discussões sobre profissionalização docente, formação em serviço e trabalho como princípio educativo, discutimos a docência em Educação Profissional e Tecnológica (EPT) e buscamos compreender as possibilidades de atuação para esses profissionais. Enquanto pesquisa qualitativa e intervencionista, foi nossa intenção contribuir para a modificação da realidade do espaço de atuação por meio da oferta de um curso de formação continuada na modalidade EAD. Para interpretação dos dados gerados, utilizamos a Análise Dialógica do Discurso (ADD). Ao analisarmos os resultados, foi perceptível que o curso permitiu que os docentes conhecessem ou aprofundassem conceitos da área de EPT, contribuindo para a construção de uma postura reflexiva desses participantes da pesquisa frente a sua própria prática profissional.

Palavras-chave: Carreira EBTT; Docência em EPT; Formação em serviço.

Abstract: This paper seeks to analyse the discourse of teachers in the career of Basic, Technical and Technological Education (EBTT) from Pedro II School, who work at the Department for Early Years of Elementary School in relation to the challenges of a new career. Based on discussions on teacher professionalization, in-service training and work as an educational principle, we sought to understand the career, and the new opportunities it brings for teachers. As the research is qualitative and interventionist, it was expected that a teacher’s training course contributed for the change of the reality of the teachers’ professional performance. The analysis of the generated data was conducted under the principles of the Dialogical Analysis of Discourse (DAA). In the analysis of the results, it was possible to verify that the course allowed the teachers to get to know or to better understand concepts from the Professional and Technological Education field, contributing to the construction of a reflective posture of these participants in relation to their own professional practice.

Keywords: Career EBTT; Training in service; EBTT Teaching.

Resumen: Este artículo buscó estudiar los discursos de profesores de Educación Básica, Técnica y Tecnológica (EBTT) del Colégio Pedro II que actúan en el Departamento de los Años Iniciales de la Educación Básica en relación a los desafíos de su carrera. A partir de las discusiones sobre la profesionalización docente, la formación en servicio y el trabajo como principio educativo, discutimos la enseñanza en la Educación Profesional y Tecnológica (EPT) y buscamos comprender las posibilidades de acción de estos profesionales. Como investigación cualitativa e intervencionista, nuestra intención fue contribuir a la modificación de la realidad del espacio de actuación ofreciendo un curso de educación continua en la modalidad EAD. Para interpretar los datos generados, utilizamos el Análisis Dialógico del Discurso (ADD). Al analizarmos los resultados, notamos que el curso permitió a los profesores conocer o profundizar conceptos en el área de EPT, contribuyendo a la construcción de una postura reflexiva de estos participantes en relación a su propia práctica profesional.

Palabras clave: Carreira EBTT; Docencia en EPT; Formación en servicio.

Recebido em 24 de agosto de 2022

Aceito em 15 de agosto de 2023

1 INTRODUÇÃO

Atualmente, ser professor exige flexibilidade e acesso a diferentes saberes. A formação inicial já não é, por si só, capaz de dar conta das mudanças que vêm ocorrendo no país e no mundo. Nesse sentido, o profissional da educação precisa estar em constante (trans)formação e em busca de saberes que farão com que sua prática seja cada vez mais dinâmica e significativa.

Camargo e Souza (2016) trazem a ideia da profissionalização docente como uma construção histórica. Atualmente, o magistério não é mais visto apenas como dom ou sacerdócio, pois, como já afirmava Freire (1997, p. 58), “ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma como educador, permanentemente, na prática e na reflexão da prática”. Assim, os profissionais estão em constante busca por aperfeiçoamento e profissionalização, uma vez que não basta apenas saber a matéria que se dispuseram a ensinar, mas é necessário também desenvolver outros saberes, desde os pedagógicos aos profissionais.

Flóride e Steinle (2008) contribuem para a discussão ao trazerem, a partir de dois princípios marxistas, especialmente da ideia de trabalho como categoria fundante da vida humana e da práxis da atividade docente, um conceito para formação continuada. Diante desses princípios marxistas, pode-se inferir que a formação contínua é a articulação entre o trabalho docente, o conhecimento e o desenvolvimento profissional do professor, com a possibilidade de postura reflexiva dinamizada pela práxis (FLÓRIDE; STEINLE, 2008).

A Lei n. 9394, de 20 de setembro de 1996, denominada Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), entre outros aspectos, dispôs de forma específica, em seu Art. 62, sobre a formação continuada dos profissionais da educação:

(...) § 1º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério. (Incluído pela Lei nº 12.056, de 2009).

§ ٢º A formação continuada e a capacitação dos profissionais de magistério poderão utilizar recursos e tecnologias de educação a distância. (Incluído pela Lei nº 12.056, de 2009). (...)

(...) Parágrafo único. Garantir-se-á formação continuada para os profissionais a que se refere o caput, no local de trabalho ou em instituições de educação básica e superior, incluindo cursos de educação profissional, cursos superiores de graduação plena ou tecnológicos e de pós-graduação.

Observa-se que a LDB adota os termos “capacitação” e “formação continuada” para caracterizar aquela formação que, diferente da inicial, se dá após o ingresso do professor no mercado de trabalho. Também destaca que cabe aos sistemas de ensino, em regime de colaboração, promover essa capacitação aos profissionais e garantir que seja oferecida no seu próprio local de trabalho ou em instituições de educação básica e superior. Entretanto, apesar da lei trazer essa garantia no corpo do seu texto, a situação se complexifica quando falamos do profissional do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT).

No final de 2008, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET) foram criados pela Lei n.º 11.892/2008 e apresentados como espaços de oferta de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico. A implantação dos IFETs teve como objetivo derrubar as barreiras entre o ensino técnico e o científico, articulando trabalho, ciência e cultura na perspectiva da emancipação humana (PACHECO, 2010). Com efeito, nasce a carreira docente de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), criada pela Lei n.º 11.784/2008, regulamentada e reestruturada pela Lei n.º 12.772/2012. Entretanto, por ser uma carreira relativamente nova, as discussões a respeito estão apenas começando. Nesse sentido, o debate acerca da formação de professores para a EPT, bem como sobre a carreira EBTT, insere-se em um contexto de grandes desafios.

Percebemos o quanto ainda é desconhecida, por grande parte dos professores, a estrutura da carreira EBTT e as implicações dessa carreira para sua prática pedagógica. Nesse sentido, delimitamos como objetivo principal deste artigo: analisar os discursos de docentes da carreira do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Colégio Pedro II que atuam nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, no que tange a seus conhecimentos sobre a estrutura da carreira EBTT, assim como a suas possibilidades de atuação nessa etapa da Educação Básica. Para tanto, elaboramos e aplicamos um curso de formação continuada docente em serviço, na modalidade da Educação a Distância, sobre temáticas relacionadas à carreira EBTT, a partir de uma perspectiva crítica do processo de profissionalização docente.

Na tentativa de criação de inteligibilidade sobre o objetivo delineado, este artigo organiza-se em mais quatro seções. Na próxima, discutiremos os princípios históricos, legais e as bases teóricas que fundamentam a educação profissional e tecnológica e a própria carreira docente EBTT. Na terceira seção, descreveremos o percurso metodológico da pesquisa. Na quarta seção, é apresentada a análise propriamente dita do artigo para, na última seção, tecermos algumas considerações finais do trabalho. Ressaltamos, por fim, que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética institucional (CAAE 388118020.0.0000.5268).

2 A CRIAÇÃO DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA E DA CARREIRA EBTT

Dominik (2017) situa o ano de 1909 como um marco do percurso da EPT no Brasil, com a publicação do decreto 7.566. A partir desse decreto, foram criadas 19 Escolas de Aprendizes Artífices, que tinham como objetivo formar cidadãos em situação de vulnerabilidade social com o preparo técnico para o trabalho. Em 1930, com a expansão industrial no país, são criados os Liceus Industriais com o mesmo objetivo da antiga instituição: preparação de mão de obra. Somente a Constituição de 1937 iria sistematizar a educação técnica; no entanto, esse documento legal continuava afirmando um dualismo educacional – educação para o trabalho e educação para a intelectualidade –, o que consolidava ainda mais a divisão entre pobres e ricos.

Em 1942, com a reforma Capanema, ocorre uma grande mudança na estrutura da educação brasileira. Os Liceus dão lugar às Escolas Industriais e Técnicas, que passam a oferecer uma educação profissional equivalente ao nível secundário. “Entretanto, se havia organicidade no âmbito de cada um desses segmentos, a relação entre eles ainda não existia, mantendo-se duas estruturas educacionais paralelas e independentes” (RAMOS, 2014, p. 26). Em 1959, as Escolas Técnicas foram transformadas em autarquias, tornando-se, assim, Escolas Técnicas Federais. Em 1961, o ensino profissional foi equiparado ao ensino acadêmico, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 4.024/61.

Já em 1971, a Lei 5.692/71 estabelece que todos os cursos de 2º grau passem a ser profissionalizantes, sendo essa considerada a maior mudança pela qual o ensino secundário já havia passado. Anos mais tarde, em 1978, as Escolas Técnicas Federais do Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro são transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), instituições essas que se espalham pelos mais diversos estados brasileiros e que, em 2008, se tornariam, em sua maioria, Institutos Federais.

Segundo Ramos (2014), a década de 1980 foi designada como “perdida”, uma vez que

a ação do Estado em relação à educação profissional teve uma marca relativamente populista, quando instaurou a expansão da rede federal, com a implantação das Unidades de Ensino Descentralizadas, em um contexto em que não se tinham claras as perspectivas econômicas, sociais e políticas do país (RAMOS, 2014, p. 15).

A década de 1990, por sua vez, foi marcada pela influência neoliberal em várias esferas da sociedade, sobretudo na educação. Em 1996, a nova Lei 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dispôs sobre a Educação Profissional em capítulo separado da Educação Básica (DOMINIK, 2017). Nesse sentido, a educação profissional passa a ser um “processo educacional específico, não vinculado necessariamente a etapas de escolaridade, voltado para o permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva” (RAMOS, 2014, p. 47).

Entre os anos 1990 e os anos 2000, os programas de expansão da rede federal ganharam força, até que, em 29 de dezembro de 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.892/08, que criou 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, com o objetivo de se comprometer com a sociedade para fundar a igualdade na diversidade social, econômica, geográfica e cultural brasileiro (SANTOS; MARCHESAN, 2017). Alinhada a criação dos institutos federais, em 2012, foram publicadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, através da Resolução nº 6, de 20 de setembro de 2012, que buscavam definir essa etapa e modalidade educativa e, ao mesmo tempo, pavimentar caminhos para a consolidação dos Institutos Federais.

Segundo Pacheco (2010), estabelecer os Institutos Federais como política pública representou trabalhar na superação da situação existente: a de subordinação quase absoluta ao poder econômico. O autor afirma que os Institutos surgem com a proposta de uma educação mais humana e contextualizada para, assim, “derrubar as barreiras entre o ensino técnico e o científico, articulando trabalho, ciência e cultura na perspectiva da emancipação humana, [o que] é um dos objetivos basilares dos Institutos” (PACHECO, 2010, p. 14).

Nesse mesmo cenário, acontece a formatação das políticas para a formação dos professores para a EPT nos Institutos Federais, pautando-se no compromisso de assegurar aos profissionais formados a possibilidade de manter-se em desenvolvimento para atuação nesse contexto. A própria Resolução nº 6, de 20 de setembro de 2012, já mencionada, estabelece, em seu Título IV, a necessidade de oferta de formação continuada dos professores da EPT pelos diferentes sistemas e instituições de ensino dessa modalidade. Nesse sentido, Pacheco (2010) também destaca, como abertura para práticas de formação continuada do professor EBTT, a organização pedagógica verticalizada, da educação básica à superior, como um dos fundamentos dos Institutos Federais.

Ela permite que os docentes atuem em diferentes níveis de ensino e que os discentes compartilhem os espaços de aprendizagem, incluindo os laboratórios, possibilitando o delineamento de trajetórias de formação que podem ir do curso técnico ao doutorado (PACHECO, 2010, p. 13).

É perceptível que tanto as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio quanto Pacheco (٢٠١٠) ainda não consideravam a oferta de Educação Infantil e Ensino Fundamental nos Institutos Federais. Entretanto, a Lei ١٢.٦٧٧, de ٢٥ de junho de ٢٠١٢, equipara o Colégio Pedro II aos IFETs, mantendo, contudo, sua característica de Instituição especializada na oferta de Educação Básica. Com a nova institucionalidade, o Colégio passa a contar com novo organograma, novas nomenclaturas e a se reestruturar enquanto Instituto Federal. Dessa forma, os docentes dessa instituição também precisaram se adequar a nova carreira.

3 TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO E A ESTREITA RELAÇÃO COM A FORMAÇÃO E A PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE

A partir das discussões propostas por Saviani (2007, p. 154), compreendemos que tanto o trabalho quanto a educação são ações especificamente humanas e “históricas porque se referem a um processo produzido e desenvolvido ao longo do tempo pela ação dos próprios homens”, além de ontológicas, “porque o produto dessa ação, o resultado desse processo, é o próprio ser dos homens”. Historicamente,

Diríamos, pois, que no ponto de partida a relação entre trabalho e educação é uma relação de identidade. Os homens aprendiam a produzir sua existência no próprio ato de produzi-la. Eles aprendiam a trabalhar trabalhando. Lidando com a natureza, relacionando-se uns com os outros, os homens se educavam e educavam as novas gerações (SAVIANI, 2007, p. 154).

Entretanto, com o passar do tempo e o desenvolvimento da sociedade de classes, houve uma ruptura entre o trabalho e a educação. Essa divisão foi se intensificando ao longo da história e, em um dado momento, a educação assume uma dupla identidade: de um lado, uma educação para o trabalho manual, que se realizava concomitantemente ao próprio processo de trabalho; de outro, uma a educação do tipo escolar, destinada à formação para o trabalho intelectual.

Saviani (2007) afirma que o desenvolvimento da sociedade levou à exigência de um acervo mínimo de conhecimentos sistematizados, sem os quais não se pode participar da vida em sociedade. Moura (2015) corrobora essa discussão ao afirmar que a escola básica brasileira é historicamente dual, priorizando currículos que não abordam questões relativas ao mundo do trabalho, mas sim o saber fazer das profissões, ou seja, o mercado de trabalho.

Indo além, Ciavatta (2005, p. 46) nos faz refletir acerca da categoria trabalho e propõe que conceito não seja visto apenas como sinônimo de emprego, mas como uma “atividade fundamental pela qual o ser humano se humaniza, se cria, se expande em conhecimento, se aperfeiçoa”. É necessário, nesse sentido, superar a ideia de que a escola deve preparar para o mercado de trabalho, pois essa visão desconstrói o sentido ontológico do trabalho, além de desqualificar a própria escola. Ciavatta (2005) também evidencia que os novos desafios, teóricos e práticos, indicam a importância da reflexão com base no pensamento crítico.

É imprescindível, dessa forma, pensar no papel que desempenham os docentes da carreira EBTT atualmente. Esse profissional precisa estar consciente do seu papel de educador na formação de um aluno que não servirá apenas de mão-de-obra qualificada para o mercado, mas que, também, se formará como um cidadão crítico. Nossa pesquisa busca discutir essa formação junto aos docentes dos Anos Iniciais e não só no Ensino Médio Técnico, uma vez que essa carreira perpassa, com a equiparação do Colégio Pedro II aos Institutos Federais, todos os níveis de ensino.

Tardif e Lessard (2014) acreditam na importância de uma reforma educacional que atenda a um contexto socioeconômico de desvalorização dos profissionais da educação3, o que, por conseguinte, não garante investimentos em uma formação continuada de qualidade socialmente referenciada. Nesse sentido, a LDB 9394/96, em seu artigo 62, §1º, prevê que a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime de colaboração, ofereçam a formação continuada e a capacitação para os profissionais do magistério, seja no próprio local de trabalho, seja em instituições de educação básica ou superior.

Diante desse contexto, Paula Júnior (2012) nos convida a conhecer a definição de três termos que acredita estarem intimamente associados: profissionalidade, profissionalismo e profissionalização docente. O autor define profissionalidade enquanto a busca por desenvolvimento profissional e pessoal. A vontade que parte também do professor por conhecimento, pelo aperfeiçoamento. Já o profissionalismo é o compromisso que o professor tem com o projeto político da escola e com o próprio ato de ensinar. Percebemos que as duas primeiras definições dependem do movimento desse professor em busca de algo, mas não a profissionalização. Para Paula Júnior (2012, p. 04),

a profissionalização no magistério está ligada diretamente às políticas públicas educacionais, ao contexto histórico vigente, e a valorização da profissão docente pelas políticas sociais. Com a profissionalização os professores também melhoram seu estatuto, aumentam seus rendimentos e reafirmam sua autonomia como intelectuais que ajudam na formação de cidadãos para o crescimento do país.

Segundo esse autor, a profissionalização se dá justamente por meio de investimentos na educação e na carreira docente. Com a promoção de alternativas capazes de fazer que o que ele define como profissionalidade também aconteça de forma concreta. Assim, podemos constatar que a formação docente faz parte de um processo histórico em que inicialmente os sujeitos que ensinavam eram reconhecidos pela vocação, porém, hoje, esses sujeitos constituem uma categoria em busca de profissionalização.

Essa busca por profissionalização nos faz discutir também como ela se dá na carreira do magistério do EBTT, principalmente entre os docentes do Colégio Pedro II. Conforme apontamos, o Colégio Pedro II faz parte da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, devendo o colégio se organizar e estruturar como os Institutos Federais. Sendo assim, os professores também deveriam se adequar ao novo perfil organizacional da instituição. Com efeito, a Portaria 3.641/19, que atualizou o regulamento das atividades docentes no âmbito do Colégio Pedro II, apresenta, em seu Capítulo 2, “Dos Objetivos”:

Art. 2º O presente Regulamento tem como objetivos, considerando-se as prioridades das atividades da educação básica, no âmbito do Colégio Pedro II:

I. estabelecer critérios para a distribuição das atividades de ensino, de pesquisa, de extensão, de cultura, de formação continuada, de grupos de trabalho ou de estudos e de gestão institucional dos docentes do Colégio Pedro II;

II. orientar o planejamento, a execução, o acompanhamento e a avaliação das atividades de ensino, de pesquisa, de extensão, de cultura, de formação continuada, de grupos de trabalho ou de estudos, de projetos de ensino extracurriculares e gestão institucional dos docentes do Colégio Pedro II;

III. estimular e valorizar a produção acadêmica das atividades de ensino, de pesquisa, de extensão, de cultura, de grupos de trabalho ou de estudos, de projetos de ensino extracurriculares e formação continuada do Colégio Pedro II...

Percebe-se, nesse contexto, que o colégio tem como objetivo fomentar, por exemplo, as atividades voltadas para o ensino-pesquisa-extensão, base da lei de criação dos IFETs, estimulando e valorizando a produção acadêmica. Entretanto, o que percebemos é que ainda há dificuldade, por grande parte dos professores, no trabalho com essa proposta e com várias outras configuram a carreira EBTT. Sendo assim, é importante refletirmos sobre quais são os saberes necessários para uma prática docente, desde os Anos Iniciais, que englobe as exigências da carreira EBTT, que esteja comprometida com a formação integral dos discentes e que configure práticas transformadoras da realidade. Assim, Moura (2008) nos apresenta a ideia de que

A formação e a capacitação devem, portanto, ir além da aquisição de técnicas didáticas de transmissão de conteúdos para os professores e de técnicas de gestão para os dirigentes. Evidentemente, esses aspectos continuarão sendo importantes, mas o objetivo macro é mais ambicioso e deve privilegiar a formação no âmbito das políticas públicas do país, principalmente as educacionais, numa perspectiva de superação do modelo de desenvolvimento socioeconômico vigente, de modo que se deve priorizar mais o ser humano do que, simplesmente, as relações de mercado e o fortalecimento da economia (MOURA, 2008, p. 30).

Por isso, a importância de uma formação crítica, reflexiva e orientada pela responsabilidade social. Segundo Moura (2008), discussões relativas à função social da EPT e sobre o papel do docente EBTT são imprescindíveis. O autor ainda acrescenta que “a função do docente deve contemplar de forma indissociável a unidade ensino-pesquisa no marco de uma profunda interação com o entorno institucional” (MOURA, 2008, p. 35).

Nesse sentido, devemos nos indagar a respeito de onde da formação continuada de professores para atuação nesse contexto. Flóride e Steinle (2008) acreditam que a formação continuada realizada na própria escola seja uma alternativa para contribuir para a melhoria da qualidade socialmente referenciada do ensino porque, para essas autoras,

além de contribuir com a reflexão e a (re) organização da prática pedagógica, ela é feita a partir das necessidades e interesses da comunidade escolar. Sendo assim, atendendo aos interesses e aos problemas comuns a toda comunidade, poderá ser a formação continuada, no cotidiano da escola, um caminho mais seguro na transformação da realidade escolar (FLÓRIDE E STEINLE, 2008, p. 03).

Lima (2001) também traz contribuições importantes nesse sentido, a partir do conceito de trabalho como categoria fundante da vida humana e da práxis4 da atividade docente. De acordo com essa autora, tendo em vista os princípios marxistas, infere-se que a formação continuada se configura como a articulação entre o trabalho docente efetivo, o conhecimento e o desenvolvimento profissional, com a possibilidade de postura reflexiva que seja dinamizada pela práxis. Essa prática reflexiva é justamente o que buscamos com a nossa pesquisa.

4 CARREIRA EBTT E ANOS INICIAIS

Como já pontuamos, quando fala-se em EPT, o foco central é o Ensino Médio, etapa da Educação Básica na qual o aluno normalmente tem acesso ao ensino profissional por meio dos chamados cursos técnicos. Entretanto, não podemos ignorar que algumas instituições que abrigam a carreira EBTT, como o Colégio Pedro II e Colégios de Aplicação de Universidades Federais, também ofertam a Educação Infantil e os Anos Iniciais. Logo, precisamos ter consciência de que quando discute-se a formação docente EBTT não se pode excluir os profissionais que atuam nestas etapas da Educação Básica.

De acordo com o censo escolar de 20165, a Educação Básica é majoritariamente oferecida pelas redes Municipais e Estaduais, somando as escolas Federais 0,4% do total de instituições existentes. Nestas instituições, é perceptível um foco maior no ensino, em detrimento de outras possibilidades de atuação dos docentes. Assim, podemos observar que

a prática docente nesse âmbito, portanto, é apreendida pelo senso comum a partir dessa atuação majoritária. Nesse entendimento, o que se tem espraiada é a ideia de que, grosso modo, professor de escola básica dá aula. E ponto. Distinto do que é previsto para os EBTT, pesquisa e extensão não estão no horizonte da atividade profissional da massa de professores das escolas; pouco além da atuação nas salas de aula é percebido como tarefa inerente à docência nesta etapa, aliás. Podemos concluir, preliminarmente, que existem sentidos hegemonicamente consolidados sobre o fazer docente nas escolas, e esses rebatem diretamente nos profissionais que atuam nessa etapa na Rede Federal (FLORES, 2019, p. 4).

A realidade que vemos nas escolas federais vem a corroborar o que Flores (2019) apresenta, pois, muitas vezes, há uma supervalorização da carga horária de ensino, em detrimento das outras atividades acadêmicas previstas para o professor EBTT, como a pesquisa e a extensão. A Portaria nº 983, de 18 de novembro de 2020, por exemplo, que estabelece diretrizes para a regulamentação das atividades docentes em instituições da EPT federais, regula tempo mínimo de 14 horas – cerca de 18 horas-aula – em atividades de aula para docentes EBTT com Dedicação Exclusiva, o que reduz significativamente o tempo disponível para a realização de outras atividades de ensino – planejamento, correções, projetos de ensino etc. –, mas, sobretudo, para ações de pesquisa e extensão. Nesse sentido, apesar dos professores da Educação Básica federal fazerem parte de uma carreira diferenciada da docência, não é perceptível ainda um movimento de construção coletiva da ideia de quem esses docentes são enquanto categoria profissional e acadêmica.

Segundo Flores (2019), isso se deve ao fato de, apesar de sermos uma só carreira, pertencemos a distintas instituições, com culturas laborais totalmente diferentes, o que vem a dificultar essa ideia de unidade. Com efeito,

Para combater esse processo me parece ser imprescindível a organização coletiva. Tarefa que demanda ação em duas perspectivas que se interpenetram: na consolidação de uma identidade que unifique professores e professoras EBTT, e na consistente investida na percepção crítica dos movimentos que nos cercam (FLORES, 2019, p. 16).

Acreditamos que os fundamentos da proposta Político Pedagógica dos Institutos Federais, assim como os conceitos e concepções a eles relacionados, são a base para o fazer docente EBTT. E quando falamos sobre o fazer docente, não nos referimos apenas às práticas de ensino relacionadas às nossas turmas, mas a todo um “projeto de sociedade e uma visão política da EPT” (PACHECO, 2015, p. 38). Ademais, assim como Flores (2019, p. 16),

Perceb[emos] que é pela assunção de uma perspectiva de carreira que ratifique o viés acadêmico, intelectual, do trabalho dos e das docentes EBTT que nos fortalecemos. Afirmando nossa atividade no tripé ensino-pesquisa-extensão não apenas caminhamos na direção de uma identidade coletiva, como materializamos um horizonte possível a toda a Educação Básica Nacional.

Sendo assim, acreditamos que uma formação continuada que traga possibilidades de discussão e reflexão, pode ser o início de um caminho para colocarmos em prática, desde os Anos Iniciais, a proposta dos Institutos Federais.

5 PERCURSO METODOLÓGICO

O desenho proposto para o presente artigo o caracteriza como pesquisa qualitativa que, de acordo com Denzin e Lincoln (2006), localiza o observador no mundo. Enquanto qualitativa, a pesquisa aqui delineada envolve uma abordagem interpretativa para a realidade social. Nesse sentido, ao agir no espaço educativo, buscando ouvir e interpretar os discursos dos professores EBTT, iremos atuar no que os autores chamam de “cenários naturais”, tentando interpretar os eventos a partir dos significados que os sujeitos da pesquisa a eles conferem.

A investigação também se enquadra enquanto pesquisa intervencionista, uma vez que possui a intenção não apenas de explicar, mas também de interferir na realidade estudada para modificá-la. O curso oferecido aos professores teve como objetivo a formação continuada, em serviço, dos docentes sobre temáticas relacionadas à carreira EBTT, a partir de uma perspectiva crítica do processo de profissionalização docente. Nesse sentindo, a partir das contribuições de Teixeira e Megid Neto (2017, p. 1056), procuramos articular, “(...) de alguma forma, investigação e produção de conhecimento, com ação e/ou processos interventivos”.

Para iniciarmos o processo de geração de dados, realizamos uma pesquisa de sondagem com os docentes por meio de um questionário online com questões abertas e fechadas. Esse tipo de questionário consiste em perguntas formuladas pelo pesquisador, sendo livres as respostas dos participantes da pesquisa (CRESWELL, 2014). Dessa maneira, esperávamos que a subjetividade dos sujeitos fosse preservada. O objetivo, neste momento, foi o de investigar os discursos dos docentes participantes da pesquisa acerca da carreira EBTT e indagar se esses docentes encontravam, no processo de adequação à essa categoria profissional, possibilidades de atuação. A partir dessas primeiras descobertas, iniciamos a construção do curso.

O diário do pesquisador também foi um instrumento essencial durante a realização do curso, uma vez que as experiências vividas no dia a dia do campo de pesquisa podem ser registradas, tornando-se relevante no processo de investigação (CRESWELL, 2014). Nesse sentido, o diário de campo é uma ferramenta de trabalho para a maioria dos pesquisadores que necessitam conhecer um lugar de maneira direta e não apenas a partir de uma perspectiva teórica. No caso da pesquisa aqui descrita, o diário foi utilizado pelos pesquisadores que realizaram anotações sobre o planejamento do curso e o desenvolvimento das aulas.

No decorrer da análise, também consideramos, quando necessário, as postagens dos docentes no ambiente virtual de aprendizagem como dados gerados. Por fim, ao término do curso, outro questionário online – construído por questões abertas e fechadas – foi aplicado, a partir do qual pudemos avaliar o curso oferecido e os saberes construídos no processo.

Para a análise de dados, utilizamos a Análise Dialógica do Discurso (ADD), teoria de base bakhtiniana, que enxerga como indissolúvel a relação entre língua, linguagem, história e sujeitos. Esta metodologia foi escolhida, uma vez que propicia a produção de conhecimento a partir da construção de significados social e ideologicamente situados. Segundo Brait (2015, p. 85), esse modo de Análise do Discurso tem no “sujeito histórico, social, múltiplo, o centro de suas preocupações, entendendo a linguagem como constitutiva desse sujeito”.

Inicialmente, destaca-se a necessidade de recolhermos textos efetivamente produzidos. Em seguida, devemos verificar as interações que os sujeitos realizam com os exemplares desses textos, que ações eles realizam. O próximo passo seria examinar as formas linguísticas em sua significação habitual, uma vez que os enunciados só transformam as significações a partir do contexto, na interação, nas relações. Para Sobral e Giacomelli (2016), uma análise da ADD envolve alguns passos essenciais que vale destacar:

descrever o objeto concreto em termos de sua materialidade linguística e de suas características enunciativas; analisar as relações estabelecidas entre esses dois planos, o da língua (nível micro) e o da enunciação (nível macro); e, por fim, interpretar que sentidos cria a junção contextual da materialidade e do ato enunciativo (SOBRAL E GIACOMELLI, 2016, p. 1092).

Nesse sentido, a ADD contribuiu para o presente artigo, trazendo possibilidades de análise dos enunciados dos participantes da pesquisa, que são os professores dos Anos Iniciais do Colégio Pedro II. E, a partir das análises, essa abordagem pôde contribuir para a compreensão sobre os sentidos construídos pelas ações de pesquisa.

6 ANÁLISE DOS DADOS (RESULTADOS E DISCUSSÕES)

Para esta pesquisa, foi elaborado um curso de formação em serviço docente intitulado Ser docente EBTT nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, com duração de 4 módulos, cada um com 5h de duração, realizados no formato remoto, de forma assíncrona, utilizando o Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle. A escolha por esse formato se deu devido ao isolamento social, causado pela pandemia da SARS-CoV-2, conhecida como Coronavírus (COVID-19), além de entendermos o formato a distância como um facilitador para uma maior participação dos docentes, por conta da grande demanda de trabalho presencial por eles exercida. Para o desenvolvimento desse curso, utilizamos os seguintes recursos didáticos: textos sobre a temática, vídeos, mapas mentais, glossário e wiki.

6.1 O QUESTIONÁRIO DE SONDAGEM

O questionário semiaberto foi aplicado em outubro de 2021. Foram convidados 31 docentes do departamento do Anos Iniciais do Campus Realengo I. Desse quantitativo, recebemos 9 questionários respondidos. Nosso questionário possuía perguntas relativas ao perfil dos professores, além de questões relacionadas a conhecimentos sobre a carreira EBTT, formação em serviço e a familiaridade com cursos à distância e recursos de aprendizagem online. Nosso objetivo com as perguntas foi o de investigar o conhecimento prévio dos professores e assim planejar nosso curso em diálogo com essas informações. O questionário era composto por 14 questões abertas e 7 questões fechadas.

Numa análise das primeiras questões, que tinham como foco a compreensão do perfil dos professores participantes do curso, percebe-se que a proposta atendeu um público que possui, em sua maioria, a especialização (5), mas também tínhamos entre os participantes mestres (2) e doutores (2). Além disso, observamos uma grande diversidade no que diz respeito ao tempo em que trabalham no Colégio Pedro II: de 2 a 35 anos de serviço na instituição. Além disso, observamos que os participantes são quase que unanimemente do sexo feminino (8); com apenas 1 professor do sexo masculino.

Em relação a área de graduação, participaram da pesquisa 9 pedagogos, sendo que um deles também possui uma segunda graduação, em Letras. Os participantes concluíram suas graduações majoritariamente entre os anos 2000 e 2011 (7), entretanto, tivemos 2 participantes que afirmaram concluir em 1989 e 1996. Sobre o questionamento de experiência em outra rede, apenas 1 não teve a oportunidade de vivenciar outras experiências; 8 possuem experiência na rede privada, 4 na rede municipal (Rio de Janeiro, Mesquita, Nova Iguaçu) e 2 na rede Estadual (Rio de Janeiro), experiências essas que foram concomitantes ou não entre si.

A seguir, no questionário, outras cinco questões tinham relação com o conhecimento da carreira EBTT, sobretudo envolvendo as formas de atuação já praticadas pelos docentes. À pergunta Na sua opinião, o que diferencia o professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) de outros professores das redes municipais, estaduais ou privadas?, tivemos uma diversidade de respostas, mas 5 docentes apontaram a formação profissional como um grande diferencial. Em contrapartida, apenas 1 docente citou a dedicação exclusiva e a atuação em ensino, pesquisa e extensão como fator diferenciador. Também tivemos apontamentos no que diz respeito ao plano de carreira, salário, condições favoráveis de trabalho, decisões coletivas e o reconhecimento por parte da sociedade. Selecionamos algumas dessas respostas para análise.

Quadro 1 - Respostas sobre o que diferencia o professor EBTT de outros professores

1.

Além do salário que valoriza mais nossa atuação e formação, trabalhamos em um ambiente que nos propicia mais oportunidades de crescimento acadêmico e profissional. Também há uma grande diferença na valorização da atuação do professor de Anos Iniciais e no planejamento em equipe (que pouco se tem em outras redes); além disso, se diferencia muito pela questão das decisões tomadas, de forma coletiva, consultando a comunidade escolar/departamento.

2.

A diferença não está na rede que oferta o ensino, mas sim, na formação do profissional e naquilo que a instituição venha a ofertar.

3.

A dedicação exclusiva e a atuação em ensino, pesquisa e extensão. Esse caráter agrega compromisso com a instituição e com o repensar e aprimorar as práticas.

Fonte: os autores.

É interessante percebermos que mesmo com um viés diferente, as respostas ١ e ٢ atribuem a diferença da carreira à formação profissional e às oportunidades que a instituição venha a oferecer, enquanto a resposta ٣ foca na prática pedagógica – incluindo “ensino, pesquisa e extensão” – e na postura reflexiva.

Sobre a segunda pergunta - De que forma o professor EBTT pode atuar no Colégio Pedro II? - recebemos 3 respostas que evidenciavam apenas o ensino, não considerando as outras possibilidades de atuação que a carreira tem a nos oferecer. Em relação a essas respostas é interessante observar que seguem o entendimento do senso comum, a partir da atuação majoritária dos professores da Educação Básica (FLORES, 2019). Em contrapartida, outras cinco respostas evidenciaram que a pesquisa é um dos pilares que qualificam a atuação docente. Abaixo reproduzimos 3 dessas respostas, que apontam os principais discursos em circulação.

Quadro 2 - Respostas sobre as formas de atuação do professor EBTT no Colégio Pedro II

1.

Nos campos do ensino, da pesquisa e da extensão, os quais permitem que os docentes possam atuar na educação dos sujeitos, gerando conhecimentos e compartilhando-os, assim como suas experiências, com a comunidade educacional e com a sociedade.

2.

Participando da elaboração de propostas pedagógicas, elaborando e cumprindo o plano de trabalho, colaborando para a promoção da aprendizagem dos estudantes nos seus mais diversos aspectos, cumprir os dias letivos, participando de momentos de planejamentos e avaliação, cumprindo as atividades de manutenção e apoio ao ensino, participando das atividades que envolvem a comunidade, desenvolver atividades que envolvam ensino, pesquisa e extensão e se houver possibilidade, desenvolver atividades na área de chefia, coordenação e assistência à instituição.

3.

Além da sala de aula, somos professores pesquisadores. É possível a participação em grupos de pesquisa, seja como participante ou coordenador, pode também ter um projeto de extensão e inclusive, fazer parte de grupos de trabalho (GTs) que propõem reflexões e ações sobre temas pertinentes para a rotina escolar e a carreira docente.

Fonte: os autores.

As três respostas selecionadas parecem dialogar com os fundamentos da proposta Político Pedagógica dos IFETs, uma vez que compreendem o fazer docente EBTT para além do ensino. A resposta 1 constrói a ideia da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e dialoga com discursos sobre as concepções de pesquisa como princípio pedagógico e o profissional enquanto produtor de conhecimento: “Nos campos do ensino, da pesquisa e da extensão, os quais permitem que os docentes possam atuar na educação dos sujeitos, gerando conhecimentos e compartilhando-os”. As respostas 2 e 3 vão além, pois também dialogam com o eixo de educação, trabalho, ciência e tecnologia, rompendo com o conhecimento fragmentado, agindo em favor de transformações políticas, econômicas e sociais: “elaborando e cumprindo o plano de trabalho” e “fazer parte de grupos de trabalho (GTs) que propõem reflexões e ações sobre temas pertinentes para a rotina escolar e a carreira docente”, por exemplo.

Na terceira pergunta - Você realiza ou já realizou alguma atividade de extensão dentro da instituição? Se sim, explique. – recebemos 3 respostas sim a pergunta, mas somente 1 evidenciou que desenvolveu uma proposta de extensão no Colégio, as outras duas parecem ter participado e não promovido o evento. Portanto, consideramos que apenas 1, dos nove docentes, já realizou atividades de extensão na instituição. Já na quarta pergunta – Na sua opinião, é importante o professor ser também um pesquisador? Explique. –, todas as respostas foram positivas. Selecionamos três delas para análise.

Quadro 3 - Respostas sobre a importância do professor ser também um pesquisador

1.

Sim. Por meio da pesquisa o professor pode problematizar e rever suas práticas, compreendendo-as em sua complexidade prática e teórica. O processo reflexivo permite conhecer suas ações por outros primas, que podem agregar qualidade ao trabalho.

2.

Sim, porque o professor pesquisador é um profissional que indaga, questiona e sempre busca na sua docência criar um momento de aprendizagem, que visa a partilha com outros colegas professores, comunidades acadêmicas ou até mesmo com os próprios alunos.

3.

Sim, pois a pesquisa amplia as possibilidades dos saberes e permite a investigação de sua prática.

Fonte: os autores.

As três respostas ressignificam discursos sobre a ideia de professor pesquisador – “professor pesquisador é um profissional que indaga, questiona e sempre busca na sua docência criar um momento de aprendizagem” ou ainda, em algum nível, de pesquisa-ação – “o professor pode problematizar e rever suas práticas, compreendendo-as em sua complexidade prática e teórica”. A resposta 1 dialogiza uma visão problematizadora para a pesquisa, entendo-a como um processo reflexivo. A resposta 2 enxerga a pesquisa como uma oportunidade de criar momentos de aprendizagem e, dessa forma, poder partilhá-lo com diversas comunidades. Enquanto a resposta 3 considera a possibilidade de o professor ou professora investigar a sua própria prática.

Na quinta pergunta, que envolvia o conhecimento sobre a carreira e as formas de atuação, - Atualmente você faz parte de algum grupo de pesquisa vinculado ao Colégio? - dos 9 participantes, tivemos 6 respostas sim e 3 docentes que disseram não participar de grupos de pesquisa. Portanto, embora todos os participantes achem importante o professor ser também um pesquisador, vemos que uma postura institucionalizada do docente como pesquisador ainda não é amplamente adotada através de participação nos grupos de pesquisa, o que pode ser um indicador de que a carga horária de ensino ainda é supervalorizada, impedindo muitos docentes de se dedicarem à pesquisa na instituição.

No questionário, ainda tivemos perguntas relacionadas à formação continuada, familiaridade dos participantes com cursos à distância e recursos de aprendizagem online. Analisando esse último bloco de perguntas, percebemos que 8, dos 9 participantes da pesquisa, afirmaram já ter participado de pelo menos uma formação em serviço oferecida pelo Colégio. Desse quantitativo, ao responderem à pergunta – Se já participou, quantas dessas formações tinham como objetivo discutir/refletir sobre a carreira do professor EBTT e sobre os saberes que fazem parte da sua formação e prática? – 2 docentes disseram que nenhuma das formações tinham esse objetivo, em contrapartida, 2 afirmaram que todas. O que percebemos é que talvez a pergunta não tenha sido suficientemente bem elaborada. Nesse sentido, poderíamos ter delimitado melhor a pergunta, para que todos entendessem que nos referíamos à carreira EBTT.

Em relação à terceira pergunta – Você acha importante que as discussões sobre essa carreira fiquem em evidência? Por quê? – encontramos nove respostas positivas. Destacamos as seguintes:

Quadro 4 - Respostas sobre a importância de as discussões sobre a carreira ficarem em evidência

1.

Sim, porque assim, conheceremos as realidades e estaremos prontos para enfrentar os desafios da carreira EBTT, coletivamente.

2.

Sim. Pois permite o docente conhecer a natureza do seu trabalho, muitas vezes opacificada pelas demandas burocráticas.

3.

Sim, porque é uma carreira dinâmica, que necessita atualizar sua prática constantemente.

Fonte: os autores.

Percebemos que, pelas respostas, os docentes acreditam que é preciso sim conhecer e discutir, para que a partir daí possamos enfrentar os desafios da carreira, além de atualizar a nossa prática. É interessante, sobretudo, a escolha lexical “coletivamente” na resposta 1, que dialogiza discursos em prol do reconhecimento da carreira como uma questão de coletivo e, em certa medida, de classe. Essa ideia dialoga com as contribuições que Lima (2001) trouxe a este artigo, no sentido da práxis da atividade docente, articulando o trabalho, o conhecimento e o desenvolvimento profissional, com a possibilidade de postura reflexiva.

A quarta pergunta - Se você tivesse a oportunidade de participar de um curso na modalidade da educação a distância focado na carreira EBTT, o que gostaria que fosse abordado durante as discussões? - nos trouxe apontamentos para que a matriz instrucional do curso fosse planejada. A partir das contribuições dos participantes, que sugeriram, especialmente, a discussão sobre práticas pedagógicas, incluindo o tripé ensino-pesquisa-extensão, pudemos revisitar o planejamento inicial do curso, levando em consideração os as sugestões delineadas.

Sobre já terem feito cursos à distância, todos os participantes responderam que sim e, também, afirmaram conhecer alguns ambientes virtuais de aprendizagem, como o Moodle. Isso se deu, provavelmente, pelo fato de a pesquisa ter sido realizada durante a pandemia do COVID-19, quando o Colégio Pedro II intensificou formações e atuação sobre/no ensino remoto através de ambientes de aprendizagem online. Quando questionados sobre os recursos que mais os auxiliam na aprendizagem, 100% dos participantes apontaram os vídeos e 8 participantes apostaram nos textos.

Na última pergunta do questionário - Qual a sua opinião sobre a oferta de cursos à distância para a formação continuada de professores nas instituições federais de educação profissional e tecnológica? – todos os participantes afirmaram ser de grande importância, e ressaltaram que o formato EAD facilitaria o acesso a esses cursos.

6.2 ANÁLISE DO CURSO

O curso Ser docente EBTT nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental começou no dia 29 de novembro de 2021 com 9 professores participando. O primeiro módulo tinha como tema as Narrativas de construção da identidade docente. Iniciamos com um vídeo de narrativa autobiográfica da tutora do curso e trouxemos como proposta de atividade um fórum, no qual os participantes deveriam responder a seguinte pergunta: Como me tornei o que sou? Nesse primeiro momento, nosso objetivo era que os professores participantes pudessem refletir sobre a sua trajetória, pessoal e profissional até tornar-se um docente EBTT. Destacamos abaixo, algumas respostas dos professores para esse questionamento.

Quadro 5 - Resposta 1 no fórum

Me tornei professora quase que de forma empírica. Minha vida, desde a infância foi voltada para a parte artística. Aos 16 anos, comecei a dar aula de dança em escolas pequenas, no subúrbio do Rio de Janeiro. Enquanto isso, estava fazendo o curso normal do colégio Estadual Julia Kubitschek. Antes mesmo de me formar, logo no primeiro ano, o município ficou sem professores, então, as normalistas da época estudavam num turno e davam aula no turno contrário. Ao mesmo tempo, terminei minha formação básica de música com elementos de harmonia, canto/coral e harpa. Ainda terminando o Normal, fui chamada para ser regente do coral infantil da Universidade Gama Filho, onde trabalhei durante 18 anos. Terminei o curso normal e logo surgiu concursos para o CPII e para o CIEP. Fiz os dois e passei bem, porém ambos eram com carga horária de 40h. Optei pelo nosso maravilhoso Colégio. São 35 anos de dedicação à esta instituição! Uma história de vida que graças a Deus é pautada com grande ênfase em conquistas e alegrias! Hoje, aqui, já à porta da aposentadoria, certa de que colaborei ensinando, orientando, aprendendo páginas enriquecedoras de muitas vidas.

Fonte: os autores.

A primeira professora fez um resgate de toda sua trajetória e trouxe a ideia de que se tornou professora de forma natural e empírica. Há 35 anos leciona no Colégio Pedro II e as palavras que usa para se referir a este colégio – “nosso maravilhoso Colégio” – demonstram afeição e carinho pela instituição. Sua contribuição dialoga com discursos que entendem que o professor ao mesmo tempo que ensina, aprende intersubjetivamente: “ensinando, orientando, aprendendo páginas enriquecedoras de muitas vidas”.

Quadro 6 - Resposta 2 no fórum

A docência não foi minha primeira opção profissional, pensava prestar vestibular para a área médica. Quando estava estudando para tal, minha mãe sugeriu que eu fizesse o curso de Pedagogia para garantir alguma formação acadêmica, enquanto não me decidia qual área médica queria cursar. Foi assim que os planos da área médica foram deixados de lado, pois já nos períodos iniciais da Pedagogia fui contratado para lecionar Biologia e Química em um colégio estadual. Ao ensinar química, me interessei bastante pela área e, após formado em Pedagogia, ingressei no curso de licenciatura em Química na UFRN. Cursei quatro períodos, mas tive que interrompê-lo quando vim para o Rio de Janeiro. Aqui optei por fazer especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional, a partir da qual fui abrindo meus horizontes par a formação em pesquisa, planejando cursar o mestrado, o que aconteceu no ano de 2012. No início do segundo ano de mestrado, 2013, fui aprovado como contratado no Colégio Pedro II. Apesar de ter sido uma experiência rica, pois conheci outra realidade educacional que dispunha de recursos, equipe e uma cultura escolar que promovia a formação permanente/continuada dos docentes e mobilizava os professores a darem mais de si, (re)pensando suas práticas; não tinha total noção da natureza do que seria o professor EBTT. Foi em 2014, quando consegui aprovação no concurso para efetivo do colégio que essa especificidade se tornou uma questão pra mim. O tripé (ensino, pesquisa e extensão), que caracteriza a carreira EBTT, tornou-se um desafio de como articular pesquisa e extensão às minhas práticas. Nesse mesmo ano, com o ingresso no doutorado, percebi essa possibilidade à medida que direcionei minha pesquisa de tese para ações em sala de aula. Na estruturação da pesquisa, compreendi a ideia do professor-pesquisador, organizando, junto com colegas da educação básica, nosso grupo de pesquisa, no qual estudamos práticas que articulem a educação em ciências crítica nas séries iniciais. Nossas produções têm constituído produtos que podem caracterizar-se como ações de extensão. Entendo que, com a compreensão da natureza da pesquisa, da extensão e, principalmente, do ensino, pude perceber a possibilidade de um trabalho que integrasse essas dimensões.

Fonte: os autores.

A segunda narrativa que destacamos foi a do único professor participante da pesquisa. Ele apresenta sua trajetória enfatizando que a área da educação não era sua primeira opção, mas que seguiu os conselhos de sua mãe e fez o curso de Pedagogia. Diferentemente da professora da resposta anterior, este professor traz um panorama da sua prática pedagógica, evidenciando características típicas da carreira e dialogando com discursos sobre a docência em EPT: “O tripé (ensino, pesquisa e extensão), que caracteriza a carreira EBTT...”, por exemplo. Esse diálogo parece ter sido essencial para que o docente pudesse pensar sua pesquisa de doutorado, que, como ele afirma, foi direcionada para pensar “ações em sala de aula”.

No dia 06 de dezembro de 2021, demos início ao módulo 2. O segundo módulo tinha como título O que é uma instituição de Educação Profissional e Tecnológica?, e o nosso objetivo era que os participantes pudessem conhecer a história de criação dos Institutos Federais, bem como os princípios norteadores de uma instituição de EPT. Como tarefa, os professores participantes tiveram acesso ao documentário “Uma nova institucionalidade em EPT”, fruto de uma pesquisa também do Mestrado Profissional em EPT. Após assistirem ao vídeo, eles criaram um Glossário, com termos, palavras relacionadas aos Princípios, Objetivos e Finalidades da EPT. Cada docente contribuiu com um termo; trouxemos 2 para análise.

Quadro 7 - Glossário – Indissociabilidade entre educação e prática social

A Educação é uma prática social humana e, como prática social histórica é via de mão dupla, transformando-se pela ação humana e produzindo transformação naqueles que dela participam, portanto, não pode ser objeto de uma só ciência. Nos dias de hoje, ela vem se multiplicando nos mais diversos ambientes, formais e informais, virtuais ou não, devido aos diversos aspectos e exigências da conjuntura social em que vivemos. Logo, a Educação deve estar para além dos muros da escola, como uma prática social voltada para o desenvolvimento integral do ser humano e, por este motivo, acontecer de acordo com a história, a cultura, as habilidades, as potencialidades e as competências de seus sujeitos. Sendo assim, seus sujeitos serão protagonistas de seus processos de aprendizagem, pois estarão incentivados a desenvolverem de forma crítica, autônoma e atuante, a capacidade de construir conhecimento, através de modelos de ensino e práticas sempre inovadores.

Fonte: os autores.

A primeira professora escolheu o princípio da indissociabilidade entre educação e prática social. Além da definição, ela nos apresentou uma imagem esquemática com a concepção de homem, educação e sociedade. Na sua definição, ela traz a ideia de transformação da sociedade e que a educação precisa estar para além dos muros da escola, corroborando as finalidades da Educação Profissional e Tecnológica. Entretanto, as atividades de extensão não são citadas, o que nos faz questionar sobre a clareza desse ponto por parte da profissional.

Uma outra contribuição que trouxemos do Glossário foi a seguinte:

Quadro 8 - Glossário - Formação humana integral

A formação humana integral ou omnilateral deve englobar o trabalho, a ciência e a cultura. Deve garantir o desenvolvimento pleno do cidadão nas dimensões: física, emocional, intelectual, cultural e social.

Fonte: os autores.

Essa segunda professora traz a definição para formação omnilateral, um dos conceitos base da EPT, e desenvolve seu texto dizendo que é a garantia ao desenvolvimento pleno do cidadão. Assim, podemos perceber que o conceito, trabalhado no curso, foi de fácil entendimento e compreensão por parte dos docentes-alunos do curso.

Consta no diário do pesquisador que os acessos foram esporádicos no período de oferecimento deste módulo. Contudo, a atividade alcançou nosso objetivo, pois os docentes trouxeram contribuições que dialogaram ricamente com a proposta. Importante destacar que uma das professoras participantes não realizou esta tarefa e, por conseguinte, abandonou o curso. Essas situações evidenciam que, talvez, o período em que o curso foi oferecido, perto do encerramento do semestre letivo, não favoreceu a participação dos professores.

Na semana seguinte, dia 13 de dezembro de 2021, iniciamos o módulo 3. O tema abordado neste módulo foi o Ser docente EBTT. O objetivo era que os professores se reconhecessem enquanto docentes da EPT, ainda que atuando nos Anos Iniciais. A proposta também buscou trazer contribuições que os ajudassem a entender as especificidades da carreira, refletindo diretamente a prática pedagógica. Para isso, compartilhamos um material que trazia os Fundamentos Político-Pedagógicos dos Institutos Federais e, em seguida, propusemos como atividade a criação de um mapa mental sobre a docência EBTT.

Participaram desse módulo, 8 professores e todos compartilharam seus mapas mentais com os demais. Nesses mapas mentais, os docentes nos apresentaram esquemas que ressignificavam alguns dos pressupostos da EPT já trabalhados até o momento no curso. Esses mapas destacavam princípios norteadores do trabalho – “prática social”, “integração”, “autonomia” etc. – e caminhos podemos seguir para garantir que esses princípios estejam presentes na nossa prática cotidiana – “Desenvolvimento pessoal”, “Formas de ação diferenciadas”, “Trabalho” etc. Ademais, parecem também serem revozeados discursos que entendem a carreira a partir da ideia de coletividade e diálogo – “representatividade”, “autonomia” e “dialogia” – assim como àqueles ligados a princípios que embasariam a atuação profissional docente na EPT – “responsabilidade”, “dedicação”, “construção”, dentre outros.

O módulo 4 teve início no dia 20 de dezembro de 2021, e tinha como tema a docência em EPT nos Anos Iniciais. Nosso objetivo foi buscar caminhos e possibilidades de atuação na carreira, no âmbito do Colégio Pedro II. Para iniciarmos as reflexões, trouxemos um vídeo de uma conversa entre a professora tutora e a professora convidada, Renata Flores, docente EBTT do Colégio de Aplicação da UFRJ. Também foi indicado o texto Prática da Pedagogia Crítica, de Paulo Freire, para que, após leitura e reflexão, os professores pudessem realizar a atividade final: uma Wiki, na qual os participantes deveriam responder à seguinte pergunta: Enquanto docente EBTT, qual o meu compromisso com a educação?

Esta atividade contou com a participação de oito professores. Separamos alguns trechos da Wiki construída por eles para análise.

Quadro 9 - Trecho 1 da Wiki

Em um país com um profundo abismo social como o nosso, estar na área da educação já é um compromisso social muito grande. Além disso, entendendo-a como um campo de disputas, estamos atravessados por diversos interesses sociais, políticos e econômicos que, em sua maioria, não são inclusivos ou objetivam a qualquer igualdade e justiça social. Diante disso, assumo como premissa e dever docente o desenvolvimento de uma educação e ensino que critique essa realidade e formem sujeitos compromissados com a mudança da realidade. Ser docente EBTT é reforçar esse compromisso, visto que, essa categorização que nos forja, é oriunda de política pública que busca romper com o limitado horizonte social que é imposto às classes sociais subalternizadas e vulnerabilizadas pela desigualdade social e econômica que atravessa a população. Penso que, apesar das problemáticas envolvendo nossa práxis, oriundas das políticas e adequações institucionais, temos uma carreira que é um modelo de política educacional a ser valorizada. Não é à toa que somos atacados a todo momento, numa tentativa de desqualificação e depreciação moral e social do nosso trabalho.

Fonte: os autores.

Nesse trecho da Wiki, é importante destacar que eles parecem compreender a educação como um compromisso social, independentemente de ser um docente EBTT. Apontam também que essa carreira surge para reforçar esse compromisso, pois é oriunda de políticas públicas que buscam romper com as desigualdades. Nesse ponto, o texto construído pelos discentes parece dialogar com discursos da Pedagogia Histórico-Crítica, utilizando, inclusive, o termo “romper”, o que aponta para uma educação que vai além da compreensão da realidade, mas que busca também sua transformação do “horizonte social que é imposto às classes sociais subalternizadas e vulnerabilizadas pela desigualdade social e econômica que atravessa a população”. Dessa forma, dialoga-se a educação com questões sociais, econômicas e políticas e reitera-se o compromisso da escola com a formação de sujeitos críticos e transformadores. O texto ressalta ainda que o fato da carreira ser um modelo de política educacional motiva os ataques que os docentes EBTT sofrem. Um outro trecho que vale o destaque é:

Quadro 10 - Trecho 2 da Wiki

Neste aspecto, o compromisso da docência EBTT não está em transmitir conhecimentos (muitas vezes engessados), e sim fazer com que os(as) estudantes desenvolvam suas percepções de mundo por meio de diálogos, questionamentos, problematizações, respeito ao próximo etc. A partir da competência técnica do(a) docente EBTT, torna-se possível proporcionar à comunidade escolar uma experiência educativa de qualidade que tente investir em uma postura crítica e reflexiva dos(as) envolvidos(as), frente às questões sociais.

Fonte: os autores.

Nesse fragmento, os professores destacam que a transmissão de conhecimentos engessados não pode qualificar um docente EBTT, indo de encontro a ideias correntes no senso comum que enxergam a educação como transmissão de conteúdo. A postura crítica e reflexiva é apontada como uma experiência educativa de qualidade e que deve ser ampliada a toda comunidade escolar, mas pensando a prática sempre “frente às questões sociais”. Aqui, novamente, o texto parece ressignificar as diretrizes da EPT, uma vez que engloba questões relacionadas a ensino, pesquisa e extensão numa postura crítica, reflexiva e transformadora, que considera a formação integral do indivíduo para/no mundo social.

6.3 AVALIAÇÃO DO CURSO

Para avaliação do curso proposto, foi aplicado um novo questionário. Este questionário contou com 11 perguntas, sendo 3 fechadas e 8 abertas. Todos os oito professores que concluíram o curso participaram da avaliação. As perguntas tinham como objetivo avaliar o impacto do curso na vida profissional dos docentes e trazer contribuições para o aprimoramento da matriz instrucional

No que se refere a participação, pedimos, na primeira pergunta, que os docentes avaliassem se a sua participação foi muito boa, boa ou regular. 2 deles disseram ter uma participação muito boa, 5 classificaram a participação enquanto boa e somente 1 docente não se mostrou satisfeito com seu desempenho e avaliou como regular. Sobre o Ambiente Virtual de Aprendizagem, objeto da segunda pergunta, apenas um docente disse ter tido um pouco de dificuldade em interagir, o que nos esclarece que a proposta de desenho do curso no Moodle ficou bem delineada e de fácil interação para a grande maioria dos participantes que, conforme o questionário de sondagem, já tinha experiência com ambientes como o Moodle.

Sobre as ferramentas que foram mais efetivas na construção da aprendizagem, questionadas na terceira pergunta, foram citadas as seguintes: os vídeos, textos, fóruns, wiki e mapa mental. O mais citado, no entanto, foi o fórum. Para 5 participantes, esta foi a principal ferramenta no processo de aprendizagem. Isso se deve ao fato de possibilitar a interação e por conseguinte a troca de conhecimento. A quarta pergunta, por sua vez, era sobre a relevância do tema do curso na formação docente ofertado, e todos os participantes responderam positivamente a essa questão, considerando o curso como relevante.

Na quinta pergunta, que tinha por objetivo investigar se o curso trouxe saberes novos, que auxiliaram os professores na compreensão do tema, tivemos 2 respostas negativas; para esses professores, todos os conceitos abordados no curso já eram de seu conhecimento. 2 docentes-alunos enfatizaram que, apesar de já conhecerem os conceitos, foi importante o aprofundamento e as discussões ajudaram a ampliar a compreensão. Outros 4 professores afirmaram que sim, aprenderam novos conceitos durante o curso. Os conceitos citados por eles foram: mapas mentais, politecnia, trabalho como princípio educativo e docente EBTT. Destacamos este último, por compreendermos ser a espinha dorsal de toda pesquisa.

Na sexta pergunta – Você enxerga algum possível impacto do curso em sua prática profissional como docente EBTT do Colégio Pedro II? Qual? – 1 participante respondeu que não. Os outros afirmaram que sim e destacamos aqui duas respostas que refratam os principais discursos em circulação.

Quadro 11 - Respostas sobre os impactos do curso na prática profissional

1.

Sim. Penso que na tomada de consciência das características do nosso trabalho e do compromisso social que temos, o que pode motivar/gerar mudanças e mais comprometimento nas nossas práticas.

2.

É sempre bom trazer à memória o que nos traz a esperança, logo, é claro que fortalece as minhas convicções e me impulsiona a continuar investindo na carreira.

Fonte: os autores.

A partir dessas respostas, percebemos que o curso foi de grande valia para a maioria dos professores. Segundo eles, é muito importante que tenhamos consciência das características que permeiam nosso trabalho e isso pode gerar mais motivação e comprometimento. Também fortalece as convicções e vem a impulsionar o investimento na carreira. É interessante pontuar também que a resposta 1 ressignifica discursos políticos mais amplos que embasam a carreira EBTT ao mencionar o “comprometimento social” do docente EBTT, para além das características estruturais da carreira em si.

A pergunta seguinte ampliou o questionamento – Pensando criticamente, que impacto você enxerga na Carreira EBTT para o próprio Colégio Pedro II? De que modo nosso colégio dialoga/pode dialogar ou não com outras instituições EBTT, como os IFs e CAps. Selecionamos algumas respostas que consideramos relevantes para a construção desse trabalho:

Quadro 12 - Respostas sobre os impactos do curso para o Colégio Pedro II

1.

Acredito que a carreira EBTT agrega a todas as instituições porque podem dialogar mais entre si, além de destacar a importância da diversificação de atuação docente

2.

Pensar na prática da educação básica e intersecções no projeto político pedagógico, além de eventos que possam trocar experiências.

3.

O “desafio” de incentivar o diálogo (presencial ou não) entre educadores e educadoras EBTT, e não apenas entre alguns membros das instituições EBTT.

Fonte: os autores.

Percebemos que as falas se complementam no sentido de que em todas elas o diálogo entre as instituições é destacado: “todas as instituições [...] podem dialogar mais entre si”, “trocar experiências” e “incentivar o diálogo”. Isso demonstra uma importante percepção dos docentes, ao fim do curso, da carreira EBTT enquanto coletividade. Para os docentes, esse movimento é necessário, pois assim pensaremos, na interação, nossa prática na educação básica e realizaremos as intersecções no projeto político pedagógico. A resposta 3 apresenta esse diálogo como um “desafio”, entendendo que não será um caminho fácil a se percorrer.

Quando questionados sobre as temáticas/discussões que gostariam que tivessem sido tratadas no curso, 7 respostas foram no sentido de já terem sido contemplados, 1 dos professores ainda completou “entendi que o propósito foi fazer um rápido esclarecimento sobre a carreira. Seria ótimo para os recém-chegados na rede.” Mas, para 1 deles, seria importante aprofundarmos as discussões “na equiparação da carreira nas instituições para atendimento do ensino, pesquisa e extensão”.

A nona questão foi sobre os pontos positivos e negativos do curso. Dentre os positivos destacados, tivemos os materiais disponibilizados, a possibilidade de diálogo com os pares e o dinamismo do curso. Um dos participantes se colocou “O curso em si é muito importante, pois nos convida a refletir sobre condições, características e compromissos de nossa carreira, mas destaco a variedade de ferramentas didáticas oferecidas pelo curso.” Com relação aos pontos negativos, apenas 2 docentes citaram o período em que o curso foi oferecido, o que já havíamos destacado na seção anterior: “O tempo um pouco corrido, por ter ocorrido junto ao final do ano letivo. Acredito que em outro período, aproveitaria mais”. Concordamos com essas colocações; o diário do pesquisador já apontava para as dificuldades encontradas em conciliar as atividades do curso e todo o trabalho que envolve os encerramentos letivos.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve como objetivo analisar os discursos de docentes da carreira do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Colégio Pedro II que atuam nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, no que tange a seus conhecimentos sobre a carreira EBTT, assim como a suas possibilidades de atuação nessa etapa da Educação Básica, a partir da oferta e avaliação de um curso de formação continuada, em serviço, na modalidade da educação a distância.

Mesmo tendo acontecido em um período que acreditamos não ter sido o mais favorável, houve um engajamento forte por parte dos professores-participantes. Ao final do curso, os docentes relataram o quão relevante foi ter participado dessa formação, uma vez que alguns deles não conheciam as especificidades da carreira e acreditam que essa se configure como uma temática que precisa ser abordada com mais frequência pelas instituições de EPT, incluindo o Colégio Pedro II. A oportunidade de dialogar com os pares auxiliou na reflexão sobre a carreira e, embora o curso não tenha trazido conceitos novos para alguns, aprofundou as discussões e contribuiu com a postura reflexiva da prática pedagógica.

Percebemos que as discussões sobre a carreira EBTT estão só começando, sobretudo no que tange os docentes dos Anos Iniciais de instituições como os Colégios de Aplicação e o Colégio Pedro II, locus de nossa pesquisa. Com nossa pesquisa, buscamos apenas iniciar algumas discussões, contribuindo com os estudos na área da EPT, na esperança de que elas se expandam e se multipliquem.

REFERÊNCIAS

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Endereços para correspondência:

Gabriela Neves Barcelos da Costa

R. Bernardo de Vasconcelos, 941 - Realengo, 21710-261, Rio de Janeiro, RJ – Brasil. gabriela.nbc@gmail.com.

Marcel Alvaro de Amorim

R. Bernardo de Vasconcelos, 941, Realengo, 21710-261, Rio de Janeiro, RJ - Brasil

marceldeamorim@yahoo.com.br.


1 Doutor e Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; líder do Grupo de Pesquisas PLELL - Práticas de Letramento na Ensinagem de Línguas e Literaturas (CNPq).

2 Mestra em Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal do Rio de Janeiro; Pedagoga pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Especialista em Gestão Educacional e Inspeção Escolar pela Universidade Cândido Mendes; Pesquisadora no grupo de pesquisa Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação e Sociedade - GEPES, do Colégio Pedro II; Membra do projeto de pesquisa Ateliê Interdisciplinar de Produção Curricular e Didática, com foco no Ensino de Ciências e Educação Matemática.

3 É importante lembrar, que apenas nos últimos 8 anos, a carga horária em atividades de ensino de docentes EBTT, em detrimento de outras como gestão, extensão e pesquisa, foi ampliada por duas vezes, a partir das portarias 17, de 11 de maio de 2016 e 983, de 18 de novembro de 2020.

4 Práxis, em Freire, é entendida como reflexão sobre ação em determinado contexto, lugar e espaço, com vistas à transformação da realidade e dos processos de resgate e de formação da humanidade (CARVALHO; PIO, 2017, p. 442).