https://doi.org/10.18593/r.v48.30697

Universalização do ensino médio com qualidade social: desafios dos estados de Alagoas e Goiás

Universalization of secondary school with social quality: challenges of Alagoas and Goiás states

Universalización de la escuela secundaria concalidad social: desafíos en los estados de Alagoas y Goiás

Gilvan Luiz Machado Costa1

Universidade do Sul de Santa Catarina; Professor e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina. https://orcid.org/0000-0003-4882-6824

Mônica de Morais Sampaio Silva2

Secretaria Municipal de Saúde de Maceió; Enfermeira do Secretaria Municipal de Saúde de Maceió. http://orcid.org/0000-0002-2554-2477

Resumo: O artigo buscou responder à pergunta diretriz: quais os limites e possibilidades à universalização do Ensino Médio com qualidade social nos estados de Alagoas e Goiás? No âmbito dos aspectos teórico-metodológicos, optou-se pela abordagem dialética. Foram utilizados dados estatísticos relacionados, obtidos por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua e do Censo Escolar, nos anos de 2016 e 2019. O estudo aponta as desigualdades educacionais entre dois estados de uma mesma nação e a distância que ambos estão da materialização do proposto nas metas do Plano Nacional de Educação (2014-2024). Ao Ensino Médio é relevante e urgente ter todos os jovens de 15 a 17 regularmente matriculados, professores com formação e condições de trabalho adequadas e, por fim, mas não menos importantes, escolas com infraestrutura ampla. Materializar as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação é um caminho profícuo à universalização do Ensino Médio com qualidade social.

Palavras-chave: ensino médio; qualidade social; universalização.

Abstract: This article sought to answer the guiding question: which are the limits and possibilities for the universalization of secondary school with social quality in the states of Alagoas and Goiás? In terms of theoretical-methodological aspects, it was chosen the dialectical approach. Statistical data related to the theme were used, obtained through the Continuous National Household Sample Survey and the School Census, in the years 2016 and 2019. The study points out educational inequalities between two states of the same nation and the distance that both are from the materialization of what is proposed in the goals of National Education Plan (2014-2024. In secondary school, it is relevant and urgent that all young people between 15 and 17 are regularly enrolled, teachers have adequate training and working conditions and schools have an ample infrastructure. Materializing the goals established in National Education Plan is a fruitful path to the universalization of secondary school with social quality.

Keywords: secondary school; social quality; universalization.

Resumen: Este artículo Busca responder a la pregunta guía: ¿cuáles son los límites y las posibilidades para la universalización de la Enseñanza Media con calidad social en los estados de Alagoas y Goiás? En el ámbito de los aspectos teóricos y metodológicos, se optó por el enfoque dialéctico. Se utilizaron datos estadísticos relacionados con el tema, obtenidos a través de la Encuesta Nacional Continua de Hogares y el Censo Escolar, en los años 2016 y 2019. El estudio señalalas desigualdades educativas entre dos estados de la misma nación y la distancia que ambos están de la materialización de lo propuesto en las metas del Plan Nacional de Educación (2014-2024). El bachillerato es relevante y urgente para tener a todos los jóvenes de 15 a 17 años matriculados regularmente, profesores con una formación y condiciones de trabajo adecuadas y, por último, escuelas con una amplia infraestructura. Materializar las metas establecidas en el Plan Nacional de Educación es un camino fructífero para universalizar el Bachillerato con calidad social.

Palabras clave: escuela secundaria; calidad social; universalización.

Recebido em 03 de agosto de 2022

Aceito em 18 de maio de 2023

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, o direito à educação ganha força na Constituição Federal de 1988 (CF/88). Em seu art. 6º está definido que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Apesar dessas garantias expressas, e a educação constar como o primeiro dos direitos sociais, ainda existem alguns desafios a serem enfrentados quanto à universalização e à qualidade do ensino no Brasil. A educação no país, apesar de alguns avanços, ainda carrega consigo muitos entraves, como podem ser observados nas metas do atual Plano Nacional de Educação (PNE). A Lei nº 13.005/2014, que aprovou o referido Plano para o decênio 2014-2024, aponta para a conquista da universalização da Educação Básica com qualidade.

Mas a que qualidade se está referindo? Com base em Dourado e Oliveira (2009), a qualidade da Educação Básica está condicionada às dimensões extra e intraescolares. No âmbito da dimensão extraescolar, enfatizam-se as questões que afloram fora dos muros da escola. Não se pode desconsiderar as questões relacionadas às desigualdades sociais, culturais e econômicas que forjam a sociedade brasileira e que interferem na qualidade da Educação Básica. Ao mesmo tempo, vislumbram o papel das dimensões intraescolares. Segundo Dourado e Oliveira (2009), quatro planos se destacam nesse âmbito: Plano do Sistema, da Instituição, do Professor e do Aluno.

Interessa, no presente artigo, a última etapa da Educação Básica, o Ensino Médio. Mais especificamente, aspectos do acesso e das condições de oferta. Assim, a discussão realizada aproxima-se dos Planos do Aluno, Professor e Instituição. Articula-se com as Metas 3, 15, 17 e 18 do PNE (2014-2024), que apontam para a universalização do Ensino Médio e à valorização dos seus professores. Essa perspectiva reforça a necessidade de problematizar os fatores que impedem/dificultam a universalização da última etapa da Educação Básica, que se constitui em seu acabamento (CURY, 2008). Sugere também problematizar as assimetrias regionais e estaduais (DOURADO, 2013).

Importa identificar e analisar dados de estados da federação distintos, dentro de um mesmo país, e que podem materializar as metas do PNE de forma diferenciada. Para Dourado (2013), os estados da federação são assimétricos no que tange à universalização da Educação Básica. Entende-se que a manutenção das assimetrias evidencia um contexto de exclusão, que necessita ser superado. Os estados da federação, por força da CF/88, são os responsáveis prioritários pelo Ensino Médio. Compreender a materialização das metas do PNE em diferentes estados torna-se fundamental. Serão focados os limites e desafios de dois estados da federação, nomeadamente Alagoas e Goiás. O primeiro estado apresenta uma história de indicadores educacionais preocupantes. O segundo se destacou em 2019 com o melhor Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Com base no exposto, redigiu-se a seguinte pergunta diretriz: quais os limites e desafios à universalização do Ensino Médio com qualidade social nos estados de Alagoas e Goiás?

A fim de responder à questão norteadora, apontam-se os aspectos teórico-metodológicos. Compreende-se que a temática que a contém está inserida em um contexto mais amplo, o que a aproxima da abordagem dialética, por ser “uma linha metodológica que descreve o particular, explicitando, dialeticamente, suas relações com o contexto econômico, político, social e cultural” (NOSELLA; BUFFA, 2005, p. 356). Para compreender aspectos do Ensino Médio, foram extraídos indicadores educacionais disponibilizados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) e por meio do Censo Escolar, referentes aos anos 2016 e 2019. Na PNAD Contínua, problematizou-se a Taxa de Frequência Líquida (TFL). No Censo Escolar, foram priorizados os indicadores Taxa de Distorção Idade-Série, Adequação da Formação Docente, Esforço Docente e Infraestrutura.

As categorias da dialética, ou as categorias metodológicas, guiaram a análise (WACHOWICZ, 2001). Do diálogo da literatura com os dados coligidos emergiram duas categorias de conteúdo: acesso e permanência exitosa; condições de oferta. Buscou-se compreender a universalização do Ensino Médio, ou sua negação, imersa nas contradições e nas fragilidades persistentes da educação brasileira, como também enfatizar aspectos que permitiram compreender o Ensino Médio, seus limites e desafios no tempo presente, cuja centralidade é a reforma trazida pela Lei nº 13.415/2017 e com ela o Novo Ensino Médio.

2 ACESSO E PERMANÊNCIA EXITOSA NO ENSINO MÉDIO COMO CONDIÇÃO NECESSÁRIA

Em 2014, com a aprovação do PNE, ressurge “uma oportunidade rara e histórica de o Brasil superar a pesada herança do passado excludente e lançar políticas que nos ponham no caminho de mudanças atuais na educação brasileira que molde uma verdadeira educação de qualidade” (CURY, 2014, p. 1065). A compreensão do conceito de qualidade da educação é histórica e pode assumir diferentes significados. Em se tratando de educação, em países marcados pela desigualdade como o Brasil, não há qualidade sem quantidade. Qualidade significa, por exemplo, todos os jovens de 15 a 17 anos incluídos no Ensino Médio. Sugere o dever do Estado na superação da evasão escolar, da distorção idade-série, da inadequada infraestrutura, da desvalorização dos profissionais da educação e todos os outros aspectos que interferem na universalização do acesso e na qualidade da Educação Básica (GIROTTO, 2019).

Ao avançar nessa discussão de acesso e qualidade e responder à pergunta do porquê os jovens não estão frequentando o Ensino Médio, é necessário tratar da TFL, indicador que expressa, por exemplo, o percentual da população de 15 a 17 anos que frequenta o Ensino Médio e daqueles que já o concluíram. A tabela 1 permite avaliar o acesso dos estudantes de 15 a 17 anos nos dois estados: Alagoas e Goiás.

Tabela 1 - Taxa ajustada de frequência escolar líquida, por sexo e faixa etária, por curso frequentado, de 15 a 17 anos no Ensino Médio

Variável – Taxa ajustada de frequência escolar líquida (%)

Brasil e Unidades da Federação

Grupo de Idade

15-17

Anos

2016

2019

Brasil

Total

68,2

71,4

Alagoas

Total

55,1

58,7

Goiás

Total

69,8

75,1

Fonte: os autores, com base na PNAD 2016 e 2019.

Os dados apontam a existência de muitos jovens de 15 a 17 anos excluídos do Ensino Médio no Brasil. Uma TFL de 71,4% indica que 28,6%, ou aproximadamente 2,7 milhões, de brasileiros perderam, em 2019, a oportunidade de se apropriar dos conhecimentos necessários à sua formação (NOSELLA, 2011). Um contingente expressivo de jovens brasileiros afastados do direito de frequentar a última etapa da Educação Básica (DOURADO, 2013). Os estados pesquisados também negam o acesso ao Ensino Médio. Alagoas tem mais de 40% excluídos e Goiás, com aproximadamente 25%. Os dados mostram que em um universo de 1.000 jovens alagoanos, 413 não frequentam essa etapa da Educação Básica. Em Goiás, os dados são melhores, mas igualmente preocupantes. A cada 1.000 jovens, 249 perdem a oportunidade de criar as condições necessárias para engendrar a autonomia moral e a autodisciplina intelectual (NOSELLA, 2011).

Ambos os estados estão distantes do preconizado na Meta 3 do PNE, que estabelece 85% dos jovens pertencentes ao grupo de idade entre 15 e 17 anos frequentando a última etapa da Educação Básica. A constatação de que 41,3%, ou 75.992 jovens de 15 a 17 anos, em Alagoas, não frequentavam o Ensino Médio em 2019 reflete a realidade cruel de uma escola que não é para todos (CURY, 2008). Suscita, de um lado, o descaso com a formação da juventude brasileira (SAVIANI, 2013) e, por outro lado, sugere a responsabilidade política de todos os entes da federação na materialização da Meta 3 do PNE.

Ao constatar que os jovens não estão no Ensino Médio, emerge a questão: onde eles estão? Fora da escola ou retidos no Ensino Fundamental. Ao problematizar a Taxa de Escolarização (TE) do Brasil, constatou-se que, com uma TE de 89,2% em 2019, de cada 1.000 estudantes, 108 não estão na escola. Como 286 em 1.000 não estão no Ensino Médio, constata-se que 178 estão retidos no Ensino Fundamental. Alagoas e Goiás traçam caminhos semelhantes do resto do Brasil. Em Alagoas, a TE em 2019 foi de 83,2%. Assim, de 1.000 estudantes, 168 não estão na escola. Com base na TFL, 413 estão fora do Ensino Médio, logo, 245 estão retidos no Ensino Fundamental. Ao mesmo tempo, Goiás apresenta 86 estudantes fora da escola e 163 ainda frequentando o Ensino Fundamental. A estratégia3.5 do PNE se mostra central quando indica a necessidade de se

manter e ampliar programas e ações de correção de fluxo do ensino fundamental, por meio do acompanhamento individualizado do (a) aluno (a) com rendimento escolar defasado e pela adoção de práticas como aulas de reforço no turno complementar, estudos de recuperação e progressão parcial, de forma a reposicioná-lo no ciclo escolar de maneira compatível com sua idade. (BRASIL, 2014)

Fica evidente que o direito à educação de qualidade já foi tolhido para um expressivo contingente de jovens brasileiros. Os dados mostram a urgência de trazer todos os jovens para a escola e, mais ainda, para o Ensino Médio, pois são “portadores do pleno direito à educação” (SILVA, 2015, p. 65). Ter todas as crianças no Ensino Fundamental e todos os jovens no Ensino Médio é uma necessidade imprescindível para o Estado que tem o dever de cuidar “seriamente da educação de suas crianças e jovens, propiciando às novas gerações uma formação adequada” (SAVIANI, 2013, p. 759). O direito a um percurso formativo exitoso desde a Educação Infantil ao Ensino Médio está positivado (CURY, 2014). Os dois entes federados pesquisados estão distantes de efetivar o que está disposto nos ordenamentos legais. Uma história de negação e de exclusão se mantém, quando “as estatísticas educacionais oficiais revelam um quadro ainda por se fazer no acesso, na permanência e na qualidade da educação”. (CURY, 2018, p. 878).

Tal direito, ratificado no PNE, constrange a realidade exposta pelos dados e sugere a relevância e a urgência do acesso ao Ensino Médio dos jovens de 15 a 17 anos fora da escola e/ou retidos no Ensino Fundamental, nos estados de Alagoas e Goiás. Indica também um olhar para dentro do Ensino Médio, que diz respeito ao percurso formativo nessa etapa da Educação Básica, que se quer sem interrupção. Tal compreensão sugere problematizar a Taxa de Distorção Idade-Série. Esse indicador considera o aluno cuja idade está 2 anos acima da idade esperada para a série em que ele está matriculado. Isto, geralmente, ocorre em função das sucessivas reprovações e abandonos. A tabela 2 evidencia a frequência de jovens alagoanos e goianos que já poderiam estar em séries mais avançadas, ou até mesmo ter concluído o Ensino Médio, e expressa um contexto adverso.

Tabela 2 - Taxas de Distorção Idade-Série do Ensino Médio

Brasil e UF

2016

2019

Brasil

32,9

26,2

22,2

30,0

25,9

21,0

Alagoas

42,8

34,9

31,7

37,9

31,5

26,5

Goiás

29,5

24,9

22,1

24,0

19,2

12,8

Fonte: os autores, com base nos dados do Censo Escolar 2016 e 2019.

Embora a Distorção Idade-Série no Ensino Médio tenha caído nos últimos anos, como apontam os dados, muito há o que ser feito no sentido de superar esse problema. Esse contexto adverso é explícito e se verifica também nos dois estados pesquisados. Como se vê, a Taxa de Distorção no ano de 2016 em Alagoas era de 42,8% na primeira série, mantendo-se em queda até a terceira série do Ensino Médio. Em Goiás, a Taxa de Distorção se inicia com 29,5% e cai na segunda e terceira séries. Em 2019, os números são melhores, mas ainda preocupantes. O Ensino Médio, previsto para atender a população de 15 a 17 anos, não dá conta de oportunizar um percurso formativo sem interrupção. Os dados sugerem um contexto de não qualidade educacional que, segundo Cury (2014, p. 1055), “se expressou e ainda está presente nas repetências sucessivas redundando nas reprovações seguidas do desencanto, da evasão e abandono”.

A preocupação com a Distorção Idade-Série faz parte da história educacional. O PNE (2001-2010) dá ênfase à sua superação. A Meta 3 do PNE (2014-2024) prevê que até o final de sua vigência o percentual de alunos dentro da faixa etária de 15 a 17 avance para 85% na média nacional. Tem-se, com isso, uma perspectiva de que todos os jovens de 15, 16 e 17 anos estejam matriculados na 1ª, 2ª e 3ª séries, respectivamente. Isso não impede que os jovens com mais de 17 anos frequentem o Ensino Médio, pois se trata de um direito.

Os dados apontam que a formação do jovem que frequenta o Ensino Médio tem problemas. Indicam que o Brasil e os estados pesquisados estão longe de universalizar esta importante etapa da Educação Básica com qualidade social (KUENZER, 2010). Em 2014, com a aprovação do PNE, criou-se um contexto otimista. Entretanto, a partir de 2016 a política educacional se distancia do referido plano. Ganha destaque a Medida Provisória nº 746/2016 que desencadeia a reforma do Ensino Médio. Ganha holofotes a flexibilização do currículo. Mais uma vez, a urgência de ter todos os jovens de 15 a 17 anos no Ensino Médio e de se apropriarem, no tempo certo, dos conhecimentos historicamente produzidos foi secundarizada e protelada (SAVIANI, 2013).

A reforma do Ensino Médio foi implantada sem diálogo, tendo como principal justificativa para a sua implantação as Taxas de Reprovação e Abandono. Os argumentos dos propositores se pautaram nos fracassos da referida etapa e silenciaram suas ausências (COSTA, 2019). Editada por meio da Medida Provisória nº 746/16, a nova reforma traz um currículo para o Novo Ensino Médio, que tem como principais objetivos ampliar o tempo escolar e flexibilizar o conteúdo que será ensinado aos alunos dividido ao longo dos três anos em quatro áreas de conhecimento e uma quinta possibilidade de formação chamadas de itinerários formativos, que são: linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional. Destaca, de um lado, os Componentes Curriculares Matemática e Língua Portuguesa e, por outro lado, explicita-se a secundarização de Artes, Educação Física, Sociologia e Filosofia, consideradas não obrigatórias, o que compromete a formação integral dos jovens. Diante dessa realidade, questiona-se: uma mudança curricular é capaz de dotar o Ensino Médio de qualidade social?

Com “a corrosão do direito à educação, perceptível no conteúdo da lei n. 13.415/2017” (LIMA; MACIEL, 2018, p. 21), faz-se necessário incluir os milhares de jovens ausentes das escolas de Ensino Médio do Brasil. Para os autores, todos os jovens de 15 a 17 anos têm direito a frequentar uma escola de qualidade socialmente referenciada. Os estudantes do Ensino Médio “não aguentam mais é uma escola sucateada, sem laboratórios, auditórios, espaços para desenvolvimento de atividades de cultura e lazer”. Eles reivindicam “nada mais que condições decentes para estudar” (LIMA; MACIEL, 2018, p. 15).

Assim, percebem-se, nos estados de Alagoas e Goiás, limites relacionados ao acesso e à permanência à etapa de acabamento da Educação Básica. Como resultado, milhares de jovens continuam fora da escola e, por extensão, do Ensino Médio. Os dois estados pesquisados estão longe de materializar a Meta 3 do PNE. A primeira parte da Meta 3 já deveria ter sido alcançada em 2016. Seu segundo objetivo não será materializado até 2024. Evidencia-se também a exclusão no Ensino Médio com a persistente Taxa de Distorção Idade-Série. A universalização da terceira etapa da Educação Básica com qualidade pressupõe, segundo Kuenzer (2010), ações que visem à inclusão de todos no processo educativo, com garantia de acesso, permanência e conclusão de estudos com bom desempenho. Para a autora, requer, por parte do Estado, “elevado investimento; o desenvolvimento de um currículo amplo e articulado de caráter geral; exige professores qualificados e bem pagos, espaço físico adequado” (KUENZER, 2010, p. 864). Importa problematizar as condições de oferta articuladas às condições de acesso e permanência exitosa.

3 CONDIÇÕES DE OFERTA NO ENSINO MÉDIO ALAGOANO E GOIANO: DESAFIOS À PERMANÊNCIA EXITOSA

Os dados empíricos expressam os desafios colocados aos estados de Alagoas e Goiás no âmbito do Ensino Médio. Para além do acesso, vislumbra-se que sejam oferecidas a todas as crianças e jovens “condições educativas para o aprendizado intelectual, o qual pressupõe denso tempo de leitura, laboratórios, espaço de lazer, arte e cultura” (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2011, p. 620). Entre os aspectos da educação de qualidade, apresentados por Dourado e Oliveira (2009) no Plano do Sistema, estão a infraestrutura e características da escola, bem como a qualidade do ambiente e das instalações escolares. Pautar uma formação integral de todos os jovens matriculados no Ensino Médio reivindica, segundo Moura (2013), adequada infraestrutura física e pedagógica das escolas. A infraestrutura escolar e a disponibilidade de equipamentos são entendidas como requisitos necessários para efetivação da qualidade da educação (CARREIRA; PINTO, 2007).

O PNE, nas estratégias das Metas 6 e 7, aponta para melhoria da infraestrutura das escolas. Destaca-se, na Meta 6, a estratégia 6.3:

institucionalizar e manter, em regime de colaboração, programa nacional de ampliação e reestruturação das escolas públicas, por meio da instalação de quadras poliesportivas, laboratórios, inclusive de informática, espaços para atividades culturais, bibliotecas, auditórios, cozinhas, refeitórios, banheiros e outros equipamentos, bem como da produção de material didático e da formação de recursos humanos para a educação em tempo integral. (BRASIL, 2014).

Assim, buscaram-se dados que pudessem orientar esta análise nestes quesitos, comparando dados dos estados de Alagoas e Goiás no ano de 2019, apresentados nas tabelas 3 e 4.

Tabela 3 - Infraestrutura das escolas estaduais de Ensino Médio de Alagoas – 2019

Espaços

Total

Não possui

%

Possui

%

Sala de professores

222

24

10,8%

198

89,2%

Biblioteca

222

93

41,9%

129

58,1%

Laboratório de informática

222

59

26,6%

163

73,4%

Laboratório de ciências

222

111

50%

111

50%

Pátio coberto

222

32

14,4%

190

85,6%

Quadra de esporte coberta

222

162

73%

60

27%

Auditório

222

155

69,8%

67

30,2%

Fonte: os autores, com base nos microdados do Censo Escolar de 2019.

Tabela 4 - Infraestrutura das escolas públicas estaduais de Ensino Médio de Goiás – 2019

Espaços

Total

Não possui

%

Possui

%

Sala de professores

668

63

9,4%

605

90,6%

Biblioteca

668

59

8,8%

609

91,2%

Laboratório de informática

668

177

26,5%

491

73,5%

Laboratório de ciências

668

484

72,5%

184

27,5%

Pátio coberto

668

280

41,9%

388

58,1%

Quadra de esporte coberta

668

436

65,3%

232

34,7%

Auditório

668

559

83,7%

109

16,3%

Fonte: os autores, com base nos microdados do Censo Escolar de 2019.

Os dados dispostos nas tabelas 3 e 4 mostram números preocupantes. Revelam que elementos estruturais de suporte às escolas de Ensino Médio em ambos os estados não são adequados, com ausência, por exemplo, de quadras de esportes cobertas, bibliotecas, auditórios e laboratórios de ciências, espaços considerados importantes para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem (GIROTTO, 2019). No que se refere à infraestrutura escolar inadequada nos estados pesquisados, vale destacar que faltam, por exemplo, auditórios em 559 escolas de Goiás, o que caracteriza ausência de qualidade da educação oferecida aos alunos do Ensino Médio. A defasagem na infraestrutura dificulta a possibilidade de os docentes desempenharem com desenvoltura e qualidade suas ações no processo de ensino-aprendizagem.

Os dados possibilitam constatar que Alagoas e Goiás estão longe de garantir às escolas condições físicas adequadas. Revelam escolas desiguais, já apontadas por Girotto (2019). Para o autor, esse contexto se torna mais desigual quando mais aspectos da infraestrutura são problematizados. Ao considerar “outros equipamentos, como salas de atendimento educacional especializado, laboratório de robótica, brinquedoteca, sala multimídia, entre outros, o quadro de desigualdades se torna ainda mais evidente”. (GIROTTO, 2019, p. 10).

A ausência de espaços vai de encontro ao preconizado na CF/88, quando destaca aspectos alinhados à “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, além da “garantia de padrão de qualidade” (BRASIL, 1988). Na mesma direção, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional vigente (LDB), em seu artigo 4º, estabelece que é dever do Estado garantir “padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem” (BRASIL, 1996). Fica evidente a negação aos alunos alagoanos e goianos das condições de ensino adequadas a uma permanência exitosa no Ensino Médio. A ausência de qualidade é explícita e pode se intensificar quando se problematiza a formação e condições de trabalho docente. Suscita atenção sobre os professores e sua constante busca “por salários mais dignos, tais docentes não usufruem de jornada integral e, nos mais diferentes diagnósticos, muitos sofrem de desistência laboral. Formados há como licenciados que se deslocam para outros nichos do mercado profissional ao invés do exercício da docência”. (CURY, 2014, p. 1060).

A relevância do professor sugere, inicialmente, problematizar sua formação, considerada elemento central na conquista do direito à educação de qualidade social. Ganha destaque, mais uma vez, o PNE como possiblidade de tornar-se uma política educacional de Estado e fundamental para a uniformização das condições de oferta do ensino brasileiro. Destaca uma das dimensões da valorização dos professores, a formação inicial, ao declarar na Meta 15, que todos os professores e as professoras da Educação Básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. (BRASIL, 2014).

Trata-se de uma proposição relevante e urgente ao considerar que a formação profissional é condição necessária a um processo educativo qualificado. A tabela 5 apresenta o indicador Adequação da Formação Docente, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) e oportuniza discutir aspectos relacionados ao professor do Ensino Médio nos estados de Alagoas e Goiás. Os grupos G1, G2, G3, G4 e G5 compõem o referido indicador:

  1. Grupo 1 - Docentes com formação superior de licenciatura (ou bacharelado com complementação pedagógica) na mesma área da disciplina que lecionam.
  2. Grupo 2 - Docentes com formação superior de bacharelado (sem complementação pedagógica) na mesma área da disciplina que lecionam.
  3. Grupo 3 - Docentes com formação superior de licenciatura (ou bacharelado com complementação pedagógica) em área diferente daquela que lecionam.
  4. Grupo 4 - Docentes com formação superior não considerada nas categorias anteriores.
  5. Grupo 5 - Docentes sem formação superior.

Tabela 5 - Professores do Ensino Médio, por Adequação da Formação Docente e dependência administrativa, nos períodos de 2016 a 2019

Brasil e UF

Taxas

2016

2019

G1

G2

G3

G4

G5

G1

G2

G3

G4

G5

Brasil

Estadual

59,7

3,1

24,8

6,8

5,6

63,1

2,9

26,3

5,4

2,3

Alagoas

Estadual

57,4

2,5

25,8

4,4

9,9

65

3,5

26,1

4,4

1,0

Goiás

Estadual

45,2

0,9

36,6

4,2

12,5

46,7

2,8

35,2

7,4

7,9

Fonte: os autores, com base nos dados do INEP 2016 e 2019.

Explicita-se, com os dados da tabela, a predominância do Grupo 1, entretanto, distante dos 100% apontados pela Meta 15 do PNE. No Brasil, na rede estadual de ensino, o percentual de professores com formação adequada (G1) em 2016 correspondeu a 59,7%, enquanto, em 2019, esse percentual foi de 63,5%. Esses números apontam que, a cada 1.000 professores brasileiros do Ensino Médio, 365 não possuem licenciatura na disciplina que lecionam. No estado de Alagoas, em 2016, o percentual foi de 57,4%, enquanto em 2019 subiu para 65,0%. Os números de Goiás em 2016 foram de 45,2% e em 2019 subiu para 46,7%, e expressam que a maioria dos professores goianos não tem formação adequada para lecionar. A condição adversa expressa na dependência administrativa estadual de Goiás é preocupante. Com 533 a cada 1.000 professores sem licenciatura na disciplina que lecionam, em 2019, o estado surpreende negativamente.

Mesmo considerando um pequeno aumento em todos os âmbitos, os números ainda se encontram distantes da materialização do proposto na Meta 15 do PNE. A inadequação da formação docente mostra que as redes estaduais de ensino atuam no sentido de reforçar as desigualdades sociais e educacionais já existentes. Os dados apontam os persistentes desafios quanto ao acesso e quanto à permanência e às condições de oferta. A formação do professor com licenciatura na área que leciona é premissa fundamental para a qualidade do ensino. O nível de formação dos professores que atuam no Ensino Médio em Goiás é alarmante. Preocupa, em especial, o fato de 15,3% dos docentes atuarem sem serem professores. Integram o Grupo 4 e o Grupo 5, portanto, ou não possuem licenciatura ou sequer concluíram uma graduação. Ressalta-se que por não possuírem licenciatura não são professores e, com base na LDB, não poderiam lecionar no Ensino Médio. A referida lei estabelece em seu artigo 62:

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal. (BRASIL, 1996).

Fica evidente na legislação que a formação exigida para atuar no Ensino Fundamental - Anos finais e no Ensino Médio é a licenciatura. Porém, o que se percebe nas escolas é a existência de um número enorme de profissionais sem esse requisito básico para atuar como professor. Os dados, especificadamente no estado de Goiás, apontam a gravidade da formação dos profissionais da rede estadual de ensino e anunciam a distância da materialização da Meta 15 do PNE. No período analisado, verificou-se um tímido aumento de professores pertencentes ao Grupo 1 nas escolas estaduais, o que expressa “o grande desafio de garantir a formação, em nível superior” (DOURADO, 2016, p. 39), preconizado nos diplomas legais.

Há problemas quantitativos explícitos. Para Pinto (2014), há professores “habilitados em número mais do que suficiente para assumir as turmas existentes, concluindo-se que se trata essencialmente de um problema de falta de atratividade da carreira docente” (PINTO, 2014, p. 3). A ausência de professores habilitados justificada pela baixa atratividade da carreira docente é ratificada por Saviani (2011) ao enfatizar que o êxito da formação se relaciona às “medidas correlatas relativas à carreira e às condições de trabalho que valorizem o professor”. (SAVIANI, 2011, p. 16). A jornada de trabalho do professor não pode ser extensa e tampouco intensa. A qualidade do trabalho pedagógico eleva-se com “jornada de trabalho de tempo integral em uma única escola com tempo para aulas, preparação de aulas, orientação de estudos dos alunos, participação na gestão da escola e reuniões de colegiados e atendimento à comunidade” (SAVIANI, 2011, p. 16).

Atento ao trabalho do professor, o INEP construiu o indicador Esforço Docente, que busca sintetizar, em uma única medida, aspectos do trabalho do professor que contribuem para a sobrecarga no exercício da profissão. Compõe o cálculo do referido indicador o número de turnos de trabalho, escolas e etapas de atuação, além da quantidade de alunos atendidos na Educação Básica. O indicador classifica o docente em níveis de 1 a 6 de acordo com o esforço empreendido no exercício da profissão, níveis elevados indicam maior esforço. Os níveis do indicador são descritos abaixo, conforme as características usuais dos docentes pertencentes a cada um deles:

  1. Nível 1 - Docente que, em geral, tem até 25 alunos e atua em um único turno, escola e etapa.
  2. Nível 2 - Docente que, em geral, tem entre 25 e 150 alunos e atua em um único turno, escola e etapa.
  3. Nível 3 - Docente que, em geral, tem entre 25 e 300 alunos e atua em um ou dois turnos em uma única escola e etapa.
  4. Nível 4 - Docente que, em geral, tem entre 50 e 400 alunos e atua em dois turnos, em uma ou duas escolas e em duas etapas.
  5. Nível 5 - Docente que, em geral, tem mais de 300 alunos e atua nos três turnos, em duas ou três escolas e em duas etapas ou três etapas.
  6. Nível 6 - Docente que, em geral, tem mais de 400 alunos e atua nos três turnos, em duas ou três escolas e em duas etapas ou três etapas.

Nesse âmbito, apresenta-se a tabela 6, que retrata aspectos da jornada de trabalho do professor do Ensino Médio.

Tabela 6 - Professores do Ensino Médio, por Esforço Docente e Dependência Administrativa, nos períodos de 2016 a 2019

Brasil e UF

Dependência

Administrativa

2016

2019

N1

N2

N3

N4

N5

N6

N1

N2

N3

N4

N5

N6

Brasil

Estadual

0,9

7,2

21,5

45,6

16,7

8,1

0,9

7,5

22,4

44,8

16,2

8,2

Alagoas

Estadual

0,1

4,1

16,7

36,6

21,6

20,9

0,2

4,8

20,1

36,4

21,4

17,1

Goiás

Estadual

0,6

6,2

24,9

49,2

14

5,1

0,3

6,6

28

47,2

12,3

5,6

Fonte: os autores, com base nos dados do INEP 2016 e 2019.

Os dados mostram que os professores alagoanos e goianos do Ensino Médio das escolas estaduais se concentram nos três últimos níveis. Os níveis 4, 5 e 6 são os níveis que expressam a intensificação do trabalho do professor. Explicitam a ausência de políticas públicas que venham efetivamente ao encontro da valorização dos profissionais da educação. Nesse contexto, com escolas dotadas de ambientes estimulantes, os jovens poderão ter um percurso formativo exitoso “resultado de um trabalho pedagógico desenvolvido seriamente, próprio de profissionais bem-preparados e que acreditam na relevância do papel que desempenham na sociedade, sendo remunerados à altura de sua importância social” (SAVIANI, 2008, p. 16).

Torna-se absolutamente central uma estrutura básica da jornada que contemple horas de trabalho extraclasse a serem cumpridas na escola e estimulem a dedicação exclusiva à docência, preferencialmente, em uma única escola. Acredita-se que as condições necessárias, embora não suficientes, para um salto de qualidade na Educação Básica estarão dadas. Na contramão, encontram-se os docentes alagoanos e goianos, que possuem uma jornada de trabalho extensa e intensa. Os dados apontam um número expressivo de professores do Ensino Médio alagoano no nível 5. Docentes que, em geral, têm 300 alunos e atuam nos três turnos, em duas ou três escolas e em duas etapas ou três etapas. Em 2019, em Alagoas, esse índice foi de 21,4%. Os dados apontam que professores das escolas estaduais estão submetidos a precárias condições de trabalho e expressam que os estados pesquisados, sobretudo Alagoas, estão na contramão da necessária materialização da universalização do Ensino Médio com qualidade social.

Um dos grandes desafios da educação brasileira é alcançar a universalização do acesso e garantir a permanência dos estudantes na escola, assegurando a qualidade social em todas as etapas e modalidades da Educação Básica. Essa qualidade, por sua vez, demanda profissionais bem formados e valorizados (SAVIANI, 2011). Na explicitação das precárias condições de trabalho, encontram-se os professores que compõem o nível 6. Um docente que leciona para 400 alunos e atua nos três turnos, em duas ou três escolas e em duas etapas ou três etapas, sem dúvida, tem uma jornada de trabalho extenuante. Em 2019, Alagoas apresentou 17,1%. De forma contraditória, a rede estadual de ensino, responsável pela grande maioria das matrículas, não valoriza seus professores. Ao considerar os professores que compõem os dois últimos níveis, Alagoas apresenta 385 a cada 1.000 que, em geral, têm mais de 300 alunos e atuam nos três turnos, em duas ou três escolas e em duas etapas ou três etapas. Goiás apresenta 179.

Fica claro, portanto, que resta ainda um longo caminho a percorrer do ponto de vista do atendimento educacional no país, não só considerando as necessidades de uma nação que aspira ao desenvolvimento econômico e social, mas para atender à própria legislação. O Esforço Docente, caracterizado por professores cansados e sem estímulo, mal remunerados e sem infraestrutura adequada para realizar seu trabalho, reflete-se na permanência não exitosa dos alunos do Ensino Médio.

O alcance das Metas 15 a 18 do PNE e as estratégias ainda se encontra distante de sua materialização. Conceber o Ensino Médio na perspectiva de sua universalização com qualidade enquanto direito social, superando os aspectos prático-profissionais, exige, por parte do Estado, “[...] elevado investimento; o desenvolvimento de um currículo amplo e articulado de caráter geral, exige professores qualificados e bem pagos, espaço físico adequado” (KUENZER, 2010, p. 864). Pressupõe, portanto, atenção especial sobre o professor e as condições de ensino, intimamente relacionadas às condições de aprendizagem e à permanência com sucesso escolar dos estudantes.

Vale destacar que a materialização nas escolas do que preconiza o PNE exige mais investimentos em educação pública. Na contramão, no segundo ano de implementação do referido plano a CF/88 foi modificada por meio da Emenda Constitucional nº 95/2016. Impôs um ajuste fiscal e o congelamento dos investimentos em políticas sociais por vinte longos anos. Para Amaral (2016), foi decretada a morte do PNE. Sem a ampliação de recursos, fica inviabilizado superar o contexto adverso apresentado pelos dados que apontam a precarização das condições de infraestrutura, formação e condições de trabalho docente. Impede, assim, a superação da desigualdade de oportunidades educacionais que marca a história da educação brasileira.

Entende-se que o PNE contempla, em suas metas e estratégias, possibilidades de superar esse contexto de precarização do Ensino Médio. Tomando-o como epicentro da política educacional brasileira, pode contribuir na superação das condições de oferta tão díspares. De forma contraditória, nos últimos anos, o PNE é secundarizado e ganha centralidade a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Novo Ensino Médio. Segundo Girotto (2019, p. 17), a BNCC, enquanto política pública, não reúne condições para reverter o quadro de desigualdade da educação pública no Brasil. O debate curricular é fundamental, mas em articulação “de forma complexa, a outros temas e problemáticas sem as quais qualquer mudança curricular se torna letra morta” (GIROTTO, 2019, p. 17).

Na mesma direção está o Novo Ensino Médio, ao ganhar destaque com a Medida Provisória nº 746/2016, transformada na Lei nº 13.415/2017, que desencadeia uma reforma no Ensino Médio. Ganha holofotes a flexibilização do currículo. Mais uma vez, a relevância e a urgência de ter no Ensino Médio todos os jovens de 15 a 17 anos regularmente matriculados e professores valorizados foi secundarizada e postergada. Com base na análise realizada, pode-se inferir que os problemas do Ensino Médio são complexos e exigem igualmente soluções complexas. Os defensores da reforma parecem desconsiderar os limites e desafios ao acesso e à permanência exitosa no Ensino Médio, como sugerem os dados. Reeditam os erros de políticas pretéritas e repetem uma política curricular que carrega as variáveis filantropia, protelação, fragmentação e improvisação (SAVIANI, 2013), tornando-se, dessa forma, frágil em assegurar a todos os brasileiros do grupo de 15 a 17 anos o direito de frequentar o Ensino Médio, dotado de qualidade social.

Enfrentar seriamente as precárias condições de sua oferta nos dois estados “pressupõe debate sério e consistente sobre a relação entre condições de ensino e direitos de aprendizagem. Isso significa dizer que é preciso avançar na consolidação de um Sistema Nacional de Educação baseado nos debates previstos no Plano Nacional de Educação (2014–2024)” (GIROTTO, 2019, p. 17). Apesar de a CF/88 garantir o direito à educação como um direito para todos, sem fraudes e privilégios, é possível afirmar que o Ensino Médio é excludente. A desigualdade de oportunidades continua sendo um aspecto que marca a última etapa da Educação Básica no Brasil.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do artigo, objetivou-se analisar os limites e possibilidades da universalização do Ensino Médio com qualidade social nos estados de Alagoas e Goiás. A análise dos dados relacionados ao acesso e à permanência se articulam à qualidade educacional. A omissão dessas dimensões reflete na desigualdade educacional brasileira e implica diretamente no processo de ensino-aprendizagem.

No âmbito do acesso, os dados apontam a existência de muitos jovens de 15 a 17 anos excluídos do Ensino Médio no Brasil e nos estados pesquisados. Aproximadamente 2,7 milhões brasileiros não usufruíram do direito de frequentar a última etapa da Educação Básica. Os números do estado de Alagoas são mais alarmantes, com mais de 40% excluídos. Os dados mostram que 75.992 jovens de 15 a 17 anos, no referido estado, não frequentavam o Ensino Médio em 2019. Goiás apresenta números melhores, mas distantes do preconizado na Meta 3 do PNE. Excluídos do Ensino Médio, em Alagoas, de 1.000 estudantes, 168 não estão na escola e 245 estão retidos no Ensino Fundamental. Ao mesmo tempo, Goiás apresenta 86 estudantes fora da escola e 163 ainda frequentando o Ensino Fundamental.

Os dados sugerem políticas públicas regulares para garantir um percurso formativo para todos e sem interrupção. Importa aos estados alcançar as metas estabelecidas no PNE, com destaque para a Meta 3. A necessária universalização não se materializou. Os dados dos estados pesquisados expressam uma dimensão da desigualdade educacional, com percursos formativos marcados por interrupções. É importante destacar que só o acesso não é suficiente, é necessária a permanência na idade/série adequada. Os dados evidenciam percalços formativos. Os limites da trajetória estudantil se expressam nos alarmantes índices de Distorção Idade-Série. Esse contexto adverso se acentua no Ensino Médio e se explicita também nos dois estados pesquisados. Como visto, a Taxa de Distorção no ano de 2019 em Alagoas era de 37,9% na primeira série. Em Goiás, a Taxa de Distorção foi de 24%. O Ensino Médio, previsto para atender a população de 15 a 17 anos, não dá conta de oportunizar um percurso formativo sem interrupção.

Nesse âmbito, destaca-se a infraestrutura das escolas. Constatou-se a ausência de espaços essenciais nos ambientes escolares, para contribuir no processo de ensino-aprendizagem. As escolas estaduais alagoanas e goianas não dispõem de uma infraestrutura compatível com uma educação de qualidade social. Os dados evidenciam que as escolas carecem de espaços importantes para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. Não há, por exemplo, laboratório de informática, quadra coberta, laboratório de ciências, biblioteca e auditório na maioria das escolas de Ensino Médio. Os estados pesquisados não dispõem de infraestrutura compatível com uma educação de qualidade social.

No âmbito dos professores, os dados evidenciam a gravidade da formação desses profissionais. Em Goiás, o percentual de professores com formação adequada foi de apenas 46,7% no ano de 2019. Significa que a cada 1.000 professores do Ensino Médio das escolas estaduais, 533 não possuem licenciatura no componente curricular que lecionam. Os números se encontram distantes da materialização da Meta 15, que aponta atingir os 100% de professores com formação na área do conhecimento. A inadequação da formação docente no estado de Goiás é evidente. Alagoas apresenta números melhores, mas ainda distantes do preconizado na referida meta. Esse contexto adverso atua no sentido de reforçar as desigualdades sociais e educacionais já existentes. A licenciatura na área em que o professor leciona é condição fundamental na qualidade do ensino.

Os dados sugerem superar a forte presença de professores sem licenciatura na disciplina que lecionam. Indicam que a ausência de professores habilitados está condicionada à precarização das condições de trabalho e à baixa atratividade da carreira. A análise do indicador Esforço Docente aponta um número expressivo de professores do Ensino Médio alagoano nos níveis 5 e 6 e expressa uma jornada de trabalho intensa e extensa. Mais de 300 alunos, três turnos de trabalho, duas ou três escolas e em duas ou três etapas compõem a jornada de 38,5% dos professores das escolas estaduais alagoanas. Ao considerar os professores que compõem os dois últimos níveis, Alagoas apresenta 385 a cada 1.000 que, em geral, têm muitos alunos, turnos, escolas e etapas. Goiás apresenta 182 nessa condição. Os dados indicam que os professores estão submetidos a precárias condições de trabalho e que os estados pesquisados estão na contramão da necessária materialização da universalização do Ensino Médio com qualidade social. Expressam ausências de políticas públicas que venham efetivamente ao encontro da valorização dos profissionais da educação.

No Ensino Médio, é relevante e urgente ter todos os jovens de 15 a 17 anos matriculados, professores com formação e condições de trabalho adequadas e, por fim, mas não menos importantes, escolas com infraestrutura adequada. No contexto do Ensino Médio analisado, problemas e soluções são igualmente complexos e exigem a colaboração dos demais entes federados, sobretudo da União. Os três entes federados, em regime de colaboração, são os responsáveis por materializar o direito à educação com qualidade. Ressalta-se a concretização do PNE em política de Estado como condição necessária para a garantia de uma Educação Básica com o mesmo padrão de qualidade para todos. Materializar as metas estabelecidas no PNE é um caminho profícuo para ter todos os jovens de 15 a 17 anos no Ensino Médio e condição necessária à sua universalização com qualidade social.

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Endereços para correspondencia: Av. José Acácio Moreira, 787 - Dehon, Tubarão - SC, 88704-900; gilvan.costa@unisul.br


1 Pós-Doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais; Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas; Mestre em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. E-mail: gilvan.costa@unisul.br.

2 Mestre em Educação pela Universidade do Sul de Santa Catarina; Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal de Alagoas; Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre o Ensino Médio. E-mail: monkamorais@hotmail.com.