https://doi.org/10.18593/r.v48.30538

Aprendizagem significativa em física: estudo envolvendo experimentos de pensamento históricos1

Meaningful learning in physics: a study involving historical thinking experiments

Aprendizaje significativo en física: un estudio que involucra experimentos de pensamiento históricos

Alisson Cristian Giacomelli2

Universidade de Passo Fundo; Professor da Área e Curso de Física da Universidade de Passo Fundo.

http://orcid.org/0000-0002-8490-4132

Cleci Teresinha Werner da Rosa3

Universidade de Passo Fundo; Professora Permanente nos Programas de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências e Matemática; Professora do Curso de Física-L.

http://orcid.org/0000-0001-9933-8834

Luiz Marcelo Darroz4

Universidade de Passo Fundo; Professor Permanente nos Programas de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências e Matemática; Professor do Curso de Física-L.

http://orcid.org/0000-0003-0884-9554

Resumo: O presente estudo se dedica a discutir a potencialidade dos Experimentos de Pensamento (EPs) para a aprendizagem significativa em Física, tomando como referência a Teoria da Aprendizagem Significativa. Como questão de investigação formulou-se a seguinte pergunta: que indícios de aprendizagem significativa são evidenciados a partir da utilização de EPs como recurso didático para apropriação de conceitos e fenômenos físicos? O objetivo está em identificar indícios dessa aprendizagem frente à utilização didática de episódios históricos envolvendo EPs. Para tanto, o estudo realizou uma intervenção didática junto a quatro estudantes de um curso de licenciatura em Física para abordar dois episódios de EPs históricos. Tais episódios foram antecedidos por um questionário para identificar os conhecimentos prévios dos estudantes em conformidade com o referencial teórico adotado no estudo. Do ponto de vista metodológico, a pesquisa toma como referencial a abordagem qualitativa, tendo como instrumentos para produção dos dados, o uso dos registros na forma de áudio e vídeo referente as discussões entre os participantes e deles com o pesquisador, bem como os materiais escritos pelos acadêmicos durante os episódios de ensino. Os resultados apontaram que os EPs se revelam uma tarefa potencialmente significativa, possibilitando averiguar indícios de aprendizagem significativa, todavia, ainda carece de mais estudos empíricos que mostrem a melhor forma de utilizá-los em sala de aula.

Palavras-chave: Teoria da Aprendizagem Significativa; Experimentos de Pensamento; Ensino de Física.

Abstract: This study is dedicated to discussing the potential of Thought Experiments (TEs) for learning in Physics from the Theory of Meaningful Learning (TML). As a research question, the following question was formulated: what evidence of significant learning is evidenced from the use of TEs as a didactic resource for the appropriation of concepts and physical phenomena? The objective is to identify evidence of this learning in the face of the didactic use of historical episodes involving TEs. To this end, the study carried out a didactic intervention with four students of a degree course in Physics to address two episodes of historical TEs. Such episodes were preceded by a questionnaire to identify the students’ previous knowledge in accordance with the theoretical framework adopted in the study. From a methodological point of view, the research takes a qualitative approach as a reference, having as instruments for data production, the use of audio and video records referring to the discussions between the participants and between them and the researcher, as well as the written materials by academics during teaching episodes. The results showed that the TEs are a potentially meaningful task, making it possible to investigate evidence of meaningful learning, however, it still lacks more empirical studies that show the best way to use them in the classroom.

Keywords: Theory Meaningful Learning; Thought Experiments; Physics Teaching.

Resumen: El presente estudio está dedicado a discutir la potencialidad de los Experimentos del Pensamiento (EPs) para el aprendizaje significativo en Física, tomando como referencia la Teoría del Aprendizaje Significativo. Como pregunta de investigación se formuló la siguiente interrogante: ¿Qué evidencias de aprendizaje significativo se evidencian a partir del uso de los EPs como recurso didáctico para la apropiación de conceptos y fenómenos físicos? El objetivo es identificar evidencias de ese aprendizaje frente al uso didáctico de episodios históricos que involucran um EP. Para ello, el estudio llevó a cabo una intervención didáctica con cuatro estudiantes de la carrera de Física para abordar dos episodios de EP históricos. Dichos episodios fueron precedidos por un cuestionario para identificar los conocimientos previos de los estudiantes de acuerdo con el marco teórico adoptado en el estudio. Desde el punto de vista metodológico, la investigación toma como referencia un enfoque cualitativo, teniendo como instrumentos para la producción de datos, el uso de registros de audio y video referentes a las discusiones entre los participantes y entre estos y el investigador, así como el escrito. materiales por académicos durante los episodios de enseñanza. Los resultados mostraron que los EPs resultan ser una tarea potencialmente significativa, posibilitando investigar evidencias de aprendizaje significativo, sin embargo, aún faltan más estudios empíricos que muestren la mejor manera de utilizarlos en el aula.

Palabras-clave: Teoría del Aprendizaje Significativo; experimentos mentales; Enseñanza de la Física.

Recebido em 26 de junho de 2022

Aceito em 05 de setembro de 2023

1 INTRODUÇÃO

A experimentação trata-se de um procedimento bastante utilizado no desenvolvimento da ciência e também no ensino de Ciências. São inúmeros os exemplos de experimentos que podem ilustrar a sua recorrência na produção do conhecimento, na mesma proporção que são as propostas didáticas para sua inserção em sala de aula. Em ambos os contextos, identificamos dois tipos de experimentos, os concretos (“mundo físico”) e os de pensamento (ou mentais). No caso do ensino, e reportando-se ao primeiro caso e que envolve materiais manipuláveis ou realizados no “mundo físico”, a literatura tem evidenciado a sua importância e possibilidades de uso (MILLAR, 1987; BORGES, 2002; HOFSTEIN; LUNETTA, 2004).

Todavia em relação aos experimentos de pensamento (ou mentais) que são os realizados no plano do imaginário, a literatura apesar de reconhecê-los como importantes no que diz respeito a sua presença na construção dos conhecimentos em ciência, tem discutido pouco possíveis alternativas didática para sua inserção em sala de aula. A esses Experimentos de Pensamento (EPs) nos dedicamos nesse artigo, particularmente em relação a sua utilização como recurso estratégico para o ensino de Física e voltado a promover uma aprendizagem significativa.

De acordo com Kiouranis (2009), foi o físico alemão Ernest Mach (1838-1916) quem adotou e popularizou a expressão “Gedankenexperiment”, expresso na língua inglesa por “Thought experimente”, ou ainda na tradução para o português “Experimentos Mentais” ou “Experimentos de Pensamento”. Hans Christian Oersted (1977-1851) já havia utilizado a palavra “Gedankenexperiment” com o mesmo significado, mas que foi Mach quem a popularizou e ficou conhecido por empregá-la.

Por mais que a utilização desse tipo de experimento é relativamente antiga e abrangente, as discussões acerca de sua definição e classificação só tomaram proporções importantes mais recentemente. Dentre os autores que vem discutindo o significado dos (EPs) está Sorensen (1992), que afirma tratar-se de uma forma de raciocínio que visa levantar problemas e convencer os outros sem se envolver com experimentação real. Na maioria dos casos em EPs típicos, toda a construção do mundo hipotético é realizada de forma autônoma na mente do sujeito, sem estar relacionada, ou até mesmo condicionada, a arranjos físicos concretos. Nessa consideração reside uma das principais potencialidades da realização dos EPs, segundo Sorensen (1992), que consiste no fato destes não estarem limitados pela viabilidade de arranjos concretos.

Brown (1991) mostra que a maior dificuldade na realização de um EP encontra-se no fato de que ele é estabelecido na imaginação de um fenômeno, ou seja, é necessário que se imagine toda a situação. Segundo o autor após isso ser estabelecido, a teoria é acessada quase que automaticamente. Ainda, segundo Brown (1991), o experimentador de pensamento imagina algum tipo de situação e, então, deixa-a correr para ver o que acontece. Ou seja, analogamente a um experimento físico, o EP, como descreve Reiner (1998), geralmente satisfaz elementos como: (a) um mundo hipotético; (b) uma hipótese; (c) uma experiência; (d) resultados baseados em experiências passadas, intuições ou derivações lógicas; e (e) uma conclusão baseada em derivações lógicas da evidência e em resultados.

O apresentado relata que os EPs apresentam uma estrutura de organização mental que se revela análogo a que se utiliza nos experimentos concretos, todavia, em termos didáticos, isso se revela um problema aos olhos do professor, pois tudo acontece no campo imaginário. Entretanto, mesmo podendo ser problemático inserir no contexto das aulas de Física esse tipo de experimento, ele se faz necessário, uma vez que muitos dos experimentos utilizados na produção do conhecimento em Ciências se utilizou dele. Essa realidade mostra que se não buscarmos alternativas didáticas para sua utilização em sala de aula, poderemos estar privando nossos estudantes de parte importante do processo de construção dos conhecimentos.

As pesquisas que apontam possibilidades didáticas dos EPs no campo da Educação em Ciências, revelam-se frágeis em termos de uma análise referente aos processos de aprendizagem, particularmente no que concerne às relações entre as atividades propostas pelos professores e a aprendizagem significativa dos estudantes sobre os conceitos abordados. Em outras palavras, o problema de investigação anunciado para o presente texto refere-se à potencialidade desses EPs em termos de promover uma aprendizagem significativa. Mais do que buscar uma viabilidade didática para seu uso em sala de aula, nos atemos nesse texto a buscar a partir de uma proposta didática, discutir suas contribuições para a aprendizagem significativa dos conceitos físicos. Em outras palavras, o estudo aqui apresentado toma como questionamento central a seguinte pergunta: como os EPs podem favorecer a aprendizagem significativa de conceitos em Física? Ou dito de outra forma: que indícios de aprendizagem significativa são evidenciados a partir da utilização de EPs como recurso didático para apropriação de conceitos e fenômenos físicos? O objetivo geral do estudo está em identificar indícios dessa aprendizagem frente à utilização didática de episódios históricos envolvendo EPs.

Para responder a esse questionamento e alcançar o objetivo do estudo, tomamos como referência dois EPs históricos, sendo um deles relacionado Navio de Galileu e o outro ao Lançamento vertical de Aristóteles. A organização didática envolve a apresentação da situação-problema envolvendo o EP em discussão e a partir disso pontua aspectos para instigar os estudantes a pensar nas situações descrita. O contexto de aplicação foi um grupo de quatro estudantes de um curso de licenciatura em Física que por livre adesão se dispuseram a participar do estudo. Como suporte teórico o estudo volta-se a Teoria da Aprendizagem Significativa e no campo metodológico se apoia em uma pesquisa de abordagem qualitativa, utilizando como instrumentos para produção dos dados as respostas dos estudantes a um teste inicial, as produções deles no decorrer das atividades e os registros realizados a partir de videogravações das discussões, tanto das duplas de trabalho como na interação com o pesquisador.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

De acordo com Ausubel, Novak e Hanesian (1983) a aprendizagem significativa está associada à aquisição de um novo conhecimento por meio da relação não arbitrária e substantiva (não literal) com aquilo que já está presente na estrutura cognitiva do sujeito. O conhecimento prévio desse sujeito interage de forma significativa com o novo conhecimento que lhe é apresentado, o que, por consequência, provoca mudanças em sua estrutura cognitiva. Essas mudanças devem ser de tal natureza que, além de modificarem os conhecimentos já existentes, ofereçam conteúdo recuperável em longo prazo, superando a aprendizagem memorística, vinculada a processos mecânicos e reprodutivos.

Portanto, a ideia central da TAS é a identificação daquilo que o aprendiz já possui em sua estrutura cognitiva, para a partir de então e assentado sobre ele, apresentar o novo conhecimento. Essa nova informação deve estar ancorada em conceitos relevantes – denominados “subsunçores”, que são aqueles já existentes e significativos na estrutura cognitiva do aprendiz. Entretanto, outras condições são estabelecidas como relevantes e consideradas como desencadeadores de uma aprendizagem significativa: o aprendiz deve possuir uma pré-disposição em aprender significativamente e o material ou tarefa precisam ser potencialmente significativos. Além disso, Ausubel, Novak e Hanesian (1983) mencionam princípios que consideram como facilitadores da aprendizagem significativa: a diferenciação progressiva e a reconciliação integradora. O primeiro princípio está associado a ideia de que os conceitos mais gerais e inclusivos da matéria, devem ser apresentadas no início da atividade de ensino e, progressivamente, diferenciados em termos de suas especificidades; o segundo princípio está pautado na tese de que à matéria de ensino propriamente dita, além de proporcionar a diferenciação progressiva, precisa estar direcionada a explorar explicitamente relações entre conceitos e proposições, destacar as diferenças e semelhanças e reconciliá-los.

A TAS divide a aprendizagem significativa em três tipos fundamentais: aprendizagem de representações, aprendizagem de conceitos e aprendizagem de proposições. O primeiro se aproxima, em certa medida, da aprendizagem por repetição (mecânica), uma vez que ocorre quando o indivíduo estabelece uma equivalência entre o significado de símbolos arbitrários e os seus referentes, por exemplo, objetos, eventos, conceitos etc.

A aprendizagem de representações pode ser significativa quando as proposições de equivalência representacional se relacionam de forma não arbitrária, como casos particulares de uma generalização presente na estrutura cognitiva do indivíduo. A aprendizagem de conceitos se caracteriza pela função simbólica derivada da equivalência entre um símbolo abstrato e os atributos que o definem, regularidades ou critérios comuns entre diferentes exemplares de seu referente (PALMERO et al., 2008). Esse tipo de aprendizagem significativa ocorre de maneira mais complexa e depende de uma gama razoavelmente ampla de elementos. A aprendizagem proposicional, por sua vez, consiste em aprender ideias expressas verbalmente, sendo estas constituídas de conceitos, correspondendo, assim, a um significado composto. Não se trata de uma simples soma de vários conceitos, ou seja, para compreender, por exemplo, a proposição “o cachorro é um animal, e, portanto, um ser vivo”, é necessário que se compreenda o significado de cachorro, animal e ser vivo.

A aprendizagem significativa decorre da interação de um novo conhecimento com outro já existente na estrutura cognitiva do indivíduo. À medida que a aprendizagem significativa vai ocorrendo, essa interação faz com que novos conceitos sejam desenvolvidos, elaborados e diferenciados. De acordo com a teoria de Ausubel o desenvolvimento de conceitos pode ser facilitado ao se introduzir elementos mais gerais e inclusivos em um primeiro momento. Posteriormente ele é progressivamente diferenciado, no que diz respeito a seus detalhes e especificidades. A esse princípio Ausubel dá o nome de diferenciação progressiva (MOREIRA; MASINI, ٢٠٠١).

Para Ausubel e seus colaboradores, o princípio de diferenciação progressiva deve ser levado em consideração ao se planejar e organizar o conteúdo de uma disciplina. Inicialmente é necessário que se identifiquem quais são as ideias mais gerais e inclusivas de uma determinada disciplina; e, é necessário que estes sejam apresentados no início, para que posteriormente possam ser progressivamente diferenciados. Seguindo essa perspectiva, além da programação de um conteúdo promover a diferenciação progressiva, ela também deve explorar as relações existentes entre conceitos e proposições, no sentido de identificar diferenças, similaridades e/ou inconsistências, reconciliando-as no processo de aprendizagem. A essa recombinação de elementos na estrutura cognitiva Ausubel dá o nome de reconciliação integrativa (MOREIRA; MASINI, ٢٠٠١).

A TAS atribui grande importância aos conhecimentos prévios no processo de aprendizagem significativa, porém, o que fazer quando não existem tais conhecimentos? A teoria de Ausubel propõe a utilização de organizadores prévios que possam fazer uma ligação entre aquilo que o aluno já sabe e aquilo que ele precisa aprender. Assim, organizadores prévios são materiais introdutórios, apresentados antes do material que precisa especificamente ser aprendido, todavia, em um nível mais alto de abstração, generalidade e inclusividade. Nesse sentido, conforme Moreira (2016), os organizadores prévios não podem ser compreendidos como sumários ou visões gerais do assunto a ser aprendido, pois estes, geralmente, são apresentados no mesmo nível de abstração, generalidade e inclusividade do material que os segue, simplesmente destacando determinados aspectos.

3 METODOLOGIA

A pesquisa desenvolvida neste estudo toma como referencial a abordagem qualitativa, pois em conformidade com o questionamento central do estudo, temos que a análise busca valorizar o percurso realizado, interpretando-o de modo a enfatizar o processo e não apenas os resultados obtidos. Nesse entendimento é necessário dar voz aos participantes, proporcionando uma visão integral do fenômeno em suas múltiplas dimensões. Essa valorização da voz dos sujeitos ou como mencionado por Stake (2011), a expressividade da população investigada, não corre de uma única forma, mas em uma “enorme coleção de formas” (p. 41).

No que tange aos procedimentos metodológicos, e com o intuito de responder ao problema de investigação, buscamos selecionar dois EPs históricos que foram abordados a partir de situações-problemas. Participaram do estudo um grupo de quatro estudantes (três do gênero masculino e um feminino) de um curso de licenciatura em Física de uma universitária comunitária localizada na região norte do Rio Grande do Sul. O grupo de acadêmicos está identificado no texto pela letra “A” seguido de numeração que inicia em 1 e termina em 4, foi selecionado por livre adesão, tendo como critério principal a disponibilidade em participar dos encontros em turno alternativo ao funcionamento do curso. O estudante A1, no momento da aplicação do estudo, cursava o quarto semestre; A2 e A3 o sexto; e, A4 o oitavo semestre.

O estudo foi desenvolvido em três encontros, a saber: no primeiro foi solicitado que respondessem a um teste de conhecimentos prévios de forma individual; no segundo e terceiro encontro, os participantes trabalharam em duplas, sendo cada um dos encontros abordado um dos EPs. Como recolha dos dados referentes as produções dos acadêmicos no estudo, foram utilizadas as respostas do teste, os materiais produzidos por eles durante os encontros, bem como as videogravações obtidas a partir de câmeras posicionadas na sala e que capturavam imagem e áudio das discussões. Essas câmeras estavam posicionadas de modo a coletar os diálogos realizadas nas duplas de trabalho, bem como para as discussões com o pesquisador. As falas dos acadêmicos e do pesquisador durante os episódios foram transcritas e utilizadas neste texto, passando por um processo de correção de linguagem.

No segundo e terceiro encontro foram realizados, respectivamente, o EP do Navio de Galileu e Lançamento vertical de Aristóteles. Os dois EPs foram selecionados por serem relacionáveis entre si, mostrando-se como uma extensão dos mesmos princípios e conceitos. O Quadro 1 ilustra as situações-problema apresentada aos estudantes em cada um dos EPs.

Quadro 1 – Situações-problema apresentadas aos estudantes

Experimento de Pensamento número 1: Navio de Galileu

Formulação do problema: A figura abaixo mostra um navio sobre a superfície da água do mar. Imagine um sistema ideal onde a água está totalmente em repouso em relação à margem (areia) e que não existe nenhum tipo de ondulação ou vibração. Em repouso em relação a areia se encontra o observador O1, em repouso em relação ao navio o observador O2 segurando uma esfera de chumbo.

Uma imagem contendo Diagrama

Descrição gerada automaticamente

1º Problema: Se o observador O2 abandonar a esfera de chumbo, sendo que a queda da mesma leve um segundo, em que local do navio ela irá cair quando: (considere a aceleração gravitacional no local como 10m/s²).

1. O navio estiver em repouso em relação à água?

2. O navio estiver em movimento retilíneo e uniforme em relação à água com velocidade de módulo igual a 10m/s e orientada de oeste para leste, na direção horizontal?

2º Problema: Para os dois estados de movimento do navio mencionados no 1º problema, como será a TRAJETÓRIA da esfera?

Hipóteses: Registre aqui às hipóteses formuladas para os problemas apresentados.

Atividade: Na segunda jornada de sua obra “Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano”, Galileu (2001) apresenta e discute o chamado experimento do navio. A ideia é razoavelmente simples: imagina-se um navio com um mastro de onde é possível abandonar um objeto “pesado” (uma esfera de chumbo) em queda. Para a realização do experimento imaginasse a água totalmente em repouso em relação à margem e livre de qualquer ondulação ou vibração, é necessário também que se desprezem os efeitos do ar. Fixam-se, então, a água e o navio em relação a dois referenciais, S1 e S2, respectivamente. Em repouso em relação a margem se encontra o observador O1 e em repouso em relação ao navio o observador O2. O experimento consiste no observador O2 abandonar a bola de chumbo do topo do mastro quando o navio estiver em dois estados de movimento distintos: o primeiro quando o navio estiver em repouso em relação à água; e o segundo quando ele estiver em movimento retilíneo e com velocidade constante em relação à mesma.

Utilizando as informações fornecidas no item 1.1 (formulação do problema) desenvolva o experimento de pensamento do navio buscando solucionar os problemas levantados. Todo o andamento do experimento de pensamento deve ser relatado na folha em anexo, esse relato deve conter o maior número de informações possíveis, tais como, texto, desenhos, diagramas, gráficos, cálculos etc.

Conclusão: Após realizada a atividade deixe aqui as conclusões conflitando-as com as hipóteses iniciais

Experimento de Pensamento número 2: Lançamento vertical de Aristóteles

Formulação do problema: Com base na discussão histórica acerca dos modelos geocêntrico e heliocêntrico, considere os dois modelos possíveis para o estado de movimento rotacional da Terra: o primeiro afirma que a Terra não efetua nenhum tipo de movimento rotacional (modelo geocêntrico) e que o efeito da mudança do dia pela noite (entre outros) ocorre devido ao movimento do Sol em torno da Terra, já o segundo afirma que a Terra gira em torno de seu próprio eixo (modelo heliocêntrico) e que é devido a esse movimento que percebemos a alternância do dia pela noite.

Levando em consideração a possibilidade “ou não” de se detectar por meio de algum experimento o estado de movimento da Terra buscasse formular o experimento de pensamento descrito na sequência. Para a formulação mais precisa imaginemos dois sistemas de referência: o primeiro (S1) é um sistema de referência inercial em relação ao qual pretendesse definir o estado de movimento rotacional da Terra, ou seja, ela estará em movimento ou em repouso em relação a ele. O segundo (S2) se encontra em repouso em relação a um ponto na superfície da Terra, ponto este, situado sobre a linha do equador terrestre, que coincide com a origem do sistema de coordenadas S2.

Se uma pessoa em repouso em relação a S2 e situada na origem deste sistema de coordenadas, jogasse verticalmente para cima um objeto “pesado”, por exemplo, uma pedra, sendo que esta levasse um décimo de segundo para retornar ao chão, em relação ao local de lançamento (origem do sistema de coordenadas S2) em que local a esfera cairia se:

1º A Terra estivesse imóvel em relação a S1?

2º A Terra se movesse em relação a S1 de oeste para leste com velocidade tangencial no equador de aproximadamente 1.670 km/h, ou 460 m/s?

3º Qual seria a trajetória desenvolvida pela pedra para um observador em repouso em relação a S1?

4º Qual seria a trajetória desenvolvida pela pedra para um observador em repouso em relação a S2?

5º Com o resultado dado a essas questões é possível sustentar um modelo em que a Terra gira? Como?

6º Com o resultado dado às questões é possível sustentar um modelo em que a Terra está imóvel? Como?

Hipóteses: Registre aqui às hipóteses formuladas para os problemas apresentados.

Atividade: Na antiguidade, Aristóteles, sugere o seguinte experimento: Lança-se um objeto “pesado”, como uma pedra, por exemplo, verticalmente para cima. Após um determinado intervalo de tempo é sabido que ela retorna ao chão. A questão reside em definir, como foi discutido no item 2.1, em que posição a pedra retorna ao chão, ou seja, mais a leste, à oeste, ou na mesma posição de lançamento?

Seria possível argumentar sobre o fato de que a diferença gerada na posição de queda da pedra devido ao movimento de rotação da Terra seria desprezível, mesmo que ela ocorresse como afirma a física aristotélica. Porém se levarmos em consideração que a Terra dá uma volta completa em 24h, e tomando seu raio, é possível determinar facilmente a sua velocidade tangencial em qualquer ponto, por exemplo, no equador essa velocidade seria de aproximadamente 1.670 km/h, ou 460 m/s. Sendo assim, se lançarmos a pedra, e esta ficar no ar durante um décimo de segundo, partindo do argumento aristotélico, é possível determinar facilmente qual deveria ser o deslocamento sofrido pela pedra devido ao movimento de rotação da Terra.

Utilizando as informações fornecidas no item 1.1 (formulação do problema) desenvolva o experimento de pensamento do lançamento vertical da pedra buscando solucionar os problemas levantados. Todo o andamento do experimento de pensamento deve ser relatado na folha em anexo, esse relato deve conter o maior número de informações possíveis, tais como, teto, desenhos, diagramas, gráficos, cálculos etc.

Conclusão: Após realizada a atividade deixe aqui as conclusões conflitando-as com as hipóteses iniciais.

Fonte: os autores, 2018.

4 RESULTADOS

Para apresentação dos resultados optamos por organizá-los de forma a contemplar inicialmente uma breve discussão sobre o teste inicial; na sequência uma análise mais detalhada dos resultados referentes nos episódios de ensino realizados nas duplas; e, a seguir, as discussões realizadas coletivamente.

4.1 TESTE INICIAL

Uma das premissas fundamentais da TAS está relacionada a ocorrência de aprendizagem significativa. Para a aprendizagem ser considerada significativa é necessário que o novo conhecimento se relacione de forma substancial e não arbitrária com elementos pertinentes e existentes na estrutura cognitiva do indivíduo. Nesse contexto, Moreira (2016) salienta que os conhecimentos prévios do aprendiz, ao se tornarem mais amplos e inclusivos são chamados de “conhecimentos subsunçores”, por desempenharem o papel de subsunção em relação aos novos conhecimentos a serem aprendidos. Como forma de buscar evidências desses subsunçores, organizamos o teste contendo questões que contemplam conceitos relacionáveis com aqueles que poderiam ser utilizados durante a execução da atividade relatada. O questionário foi estruturado contendo três questões abertas e uma fechada, como apresentado no Quadro 2.

Quadro 2 – Teste inicial

Questão 1: O que diferencia um referencial inercial de outro não inercial?

Questão 2: Um corpo que efetua um movimento circular com velocidade linear de módulo constante (MCU) pode ser considerado um corpo de referência inercial? Justifique a sua resposta.

( ) sim, ( ) não

Questão 3: Um ônibus se move com velocidade constante em módulo, direção e sentido em relação ao leito de uma estrada perfeitamente plana e horizontal. Tanto o leito da estrada como o ônibus podem ser considerados corpos de referência inerciais. Uma bola de gude é posta para rolar (sobre o assoalho do ônibus que precisa ser considerado perfeitamente plano e horizontal) de uma das laterais do veículo até a outra, o vetor que representa sua velocidade inicial forma um ângulo de 90º em relação a lateral do ônibus. Para responder as questões abaixo considere que a observação é realizada a partir da vista superior, ou seja, de cima para baixo.

a) como será a trajetória da bola de gude definida por um observador que se encontra em repouso em relação ao ônibus?

b) como será a trajetória da bola de gude definida por um observador que se encontra em repouso em relação ao leito da estrada?

Questão 4: O que você entende pelo princípio da relatividade dos movimentos de Galileu?

Fonte: os autores, 2018.

Os resultados obtidos por meio do teste inicial e que optamos por apresentar de forma mais sintetizada neste artigo, possibilitaram estruturar especificidades relativas às formas como os EPs poderiam e precisariam ser organizados, de modo a buscar os conhecimentos subsunçores necessários para ancorar os novos. Nesse contexto, identificamos que a maioria dos acadêmicos apresentavam conhecimentos subsunçores relativos à definição do que seria um referencial, todavia, observamos que se revelavam carentes e deficitários no que diz respeito à abrangência e à inclusividade desse conceito. Esse resultado remete a uma estruturação deficitária e pouco abrangente deles como ancoradouros de novos conhecimentos.

O mencionado pode ser verificado pelo fato de que a grande maioria respondeu de forma coerente a primeira questão, que tratava de um questionamento sobre às características de um referencial inercial, porém, todos responderam que um corpo em movimento circular uniforme poderia ser considerado inercial. Na terceira questão novamente observamos uma dificuldade no que diz respeito a abrangência e formulação das leis físicas em relação a sistemas de referência inerciais.

Nesse sentido, o resultado do teste permite fazer pelo menos duas inferências sobre os conhecimentos subsunçores dos estudantes, a saber: (1) os estudantes em sua maioria possuem conhecimento adequado sobre o que é um referencial inercial; (2) o grau de diferenciação, abrangência e algumas das implicações em se considerar eventos em relação a referenciais inerciais não é tão apurada. A partir dessas constatações organizamos as atividades dos EPs a serem realizadas nos próximos encontros. Mais especificamente, buscamos selecionar e estruturar as proposições de colocação de problema e a apresentação dos EPs de forma que pudessem ser relacionados de forma substancial e não arbitraria com os conhecimentos subsunçores evidenciados no teste inicial.

4.2 DADOS PRODUZIDOS DURANTE A APLICAÇÃO DOS EPS

Nesta seção analisamos inicialmente as videogravações e as produções escritas dos participantes e, na sequência, procedendo a triangulação desses dados. Iniciamos pelos dados que se constituem basicamente de textos e construções gráficas, como desenhos e diagramas. Os EPs estão identificados seguindo a numeração 1 para o utilizado no segundo encontro – Navio de Galileu (EP1) e 2 para o utilizado no terceiro encontro – Lançamento vertical de Aristóteles (EP2).

4.2.1 EP1 por A1 e A2 – análise dos materiais escritos

Em nível de hipótese os participantes A1 e A2 levantaram que para o caso do navio em repouso, a esfera cairia próxima ao seu mastro, considerando que este estivesse em repouso. Quanto à trajetória o inferido pelos acadêmicos foi ser retilínea para os dois observadores. Todavia, quando o navio estivesse em movimento, A1 e A2 levantaram a hipótese de que a esfera cairia fora do navio e que a trajetória seria uma diagonal independente de qual observador a definisse. A Figura 1 traz a representação que os estudantes construíram para a situação.

Figura 1 - Representação utilizado por A1 e A2 para a situação do navio em movimento em relação a margem

Desenho de um pássaro voando no céu

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa

Fonte: Dados de pesquisa, 2018.

Com a realização da atividade, A1 e A2 chegaram a um resultado bastante semelhante ao das hipóteses, com a reformulação de alguns detalhes e a formalização de algumas propriedades fundamentais. Ao término dos procedimentos da atividade os estudantes concluíram que de fato a esfera cairia fora do navio (quando este estivesse em movimento em relação a margem). Notadamente, uma das correções feitas pelos estudantes diz respeito à trajetória da esfera, onde foi possível perceber que eles atribuíram uma diferença correspondente à qual referencial ela seria definida, ou seja, cada observador definiria uma trajetória diferente e condizente com o seu referencial. O observador em repouso no topo do mastro definiria uma trajetória retilínea e vertical, já o observador em repouso na margem, definiria uma trajetória parabólica. Porém, os acadêmicos continuaram defendendo que a esfera cairia fora do navio.

A seguir, conforme pode ser observado na Figura 2, construída por A1 e A2, ilustramos como eles interpretaram a definição da trajetória feita pelo observador em repouso em relação à margem.

Figura 2 - Representação utilizado por A1 e A2 para a situação do navio em movimento em relação a margem

Texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Dados de pesquisa, 2018.

A construção feita por A1 e A2 da trajetória definida pelo observador em repouso em relação a margem está coerente, em contrapartida a posição de queda da esfera está equivocada como se pode ver na Figura 2. A parte interessante é que A1 e A2 fizeram uma construção adequada vetorialmente para a composição dos movimentos, chegando a calcular de forma aproximada a velocidade resultante da esfera em relação ao observador na margem. Essa construção pode ser constatada na Figura 3, onde eles constroem um diagrama da velocidade da esfera e do navio em relação a margem e o utilizam para determinar a velocidade resultante da esfera.

Figura 3 - Diagrama da velocidade da esfera e do navio em relação a margem construído por A1 e A2

Texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Dados de pesquisa, 2018.

4.2.2 EP2 por A1 e A2 – análise dos materiais escritos

Na semana seguinte (terceiro encontro) foi realizado o segundo EP, seguindo o proposto. Este experimente remetia à queda dos corpos, a exemplo do anterior, e poderia ser resolvido utilizando argumentos semelhantes ao utilizados no EP1. Muitos dos conceitos a serem empregados na realização deste EP são os mesmos dos utilizados no EP do Navio de Galileu. Os acadêmicos A1 e A2, em nível de hipótese, definiram corretamente as trajetórias, assim como a posição de queda da esfera. No que diz respeito à realização da atividade podemos extrair informações mais ricas. Por exemplo, em relação à trajetória, A1 e A2 afirmaram corretamente que ela deve ser aproximadamente, uma parábola completa quando definida por um observador em repouso em relação a S1. A Figura 4 ilustra a representação mencionada pelos acadêmicos.

Figura 4 - Diagrama de representação do movimento realizado pelo corpo em relação a S1, construído por A1 e A2

Desenho de um pássaro voando no céu

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte: Dados de pesquisa, 2018.

Na sequência da descrição A1 e A2 desenham a mesma situação, porém contextualizando o observador e a Terra. Nessa nova representação ilustrada na Figura 5, identificamos uma inconsistência em relação às afirmações anteriores.

Figura 5 - Representação do movimento realizado pelo corpo em relação a S1, definido em um ponto sobre a superfície da Terra construído por A1 e A2

Uma imagem contendo ao ar livre, água

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Dados de pesquisa, 2018.

Uma inconsistência identificada está relacionada à trajetória, que segundo o texto e a fala dos acadêmicos é uma parábola completa, todavia, na figura eles representaram apenas meia parábola. É difícil afirmar se esse foi um equívoco conceitual ou uma dificuldade de representação dos acadêmicos, mas de qualquer forma as duas fontes de materiais (escrita e gráfica) se mostram em certa medida inconsistentes.

4.2.3 EP 1 por A3 e A4 – análise dos materiais escritos

No EP associado ao navio de Galileu e a situação do barco em repouso em relação a margem, A3 e A4 definem a nível de hipótese que a esfera deveria cair logo abaixo do mastro, com uma trajetória retilínea, tanto para o observador O1, como para o observador O2. Para o barco em movimento as hipóteses foram de que para o observador O2 a trajetória seria também retilínea, como no caso do navio em movimento. Para justificar tal resultado A3 e A4 registraram em seus escritos que:

Para O2 a esfera percorrerá uma trajetória reta para baixo (tal como com o barco em repouso), pois como ele se desloca de oeste para leste, a inércia desse movimento sob a esfera resulta na impressão, para O2, de que a esfera não se desloca de oeste para leste com relação a sua posição.

Seguindo a realização do EP, A3 e A4 constroem uma representação coerente em relação a composição dos movimentos vertical e horizontal da esfera como argumento para descrever que sua trajetória em relação a O1 não será igual da descrita em relação a O2. Porém, percebemos falta de clareza no que diz respeito ao formato da trajetória, visto que os estudantes definem apenas as componentes e, consequentemente, a resultante das velocidades, como mostra a Figura 6.

Figura 6 - Diagrama de representação do movimento realizado pelo corpo construído por A3 e A4 e utilizado para determinar a velocidade resultante

Lousa branca com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Dados de pesquisa, 2018.

4.2.4 EP2 por A3 e A4 – análise dos materiais escritos

Para o segundo EP, os acadêmicos definiram, a nível de hipótese, que a esfera cairia na posição logo abaixo da que foi lançada, independentemente do referencial adotado. Com relação a trajetória, A3 e A4 definiram que a esfera desenvolveria uma trajetória vertical e retilínea em relação a S2 e parabólica em relação a S1. Durante a realização da atividade os estudantes, de certa forma, corroboram as hipóteses, porém, novamente foi identificado uma falta de clareza, ou confusão, entre os conceitos de composição de velocidades e formato da trajetória. Os acadêmicos registraram em seus escritos durante o EP que: “Para o observador em S1 a esfera descreve dois movimentos distintos, ambos parabólicos”. Para os estudantes, esses dois movimentos estão associados ao movimento de rotação e de translação do planeta Terra. Como eles consideraram esses dois movimentos (diferentemente dos demais que consideraram somente a rotação) surgiu dificuldade na representação gráfica de como seria a trajetória.

Para ampliar o entendimento dos estudantes sobre os EPs realizados, recorremos as videogravações realizadas durante as atividades no momento em que realizavam cada um dos EPs propostos. Tais filmagens possibilitaram a obtenção de um conjunto de dados, os quais passamos a analisar.

4.2.5 EP1 por A1 e A2 – análise das videogravações

Na gravação é possível identificar que A2 manifesta em diálogo com A1, a intensão de determinar quantitativamente por meio de uma função matemática a posição da esfera. Nas palavras de A2: “Eu estava pensando aqui em determinar a posição da esfera no instante zero e no instante 1,0 s, ou pelo menos uma função que desce a posição no instante zero e no instante 1,0 s”. Entretanto, ao buscar por esses valores, A2 percebe que são de fácil manipulação matemática e opta por fazer tudo mentalmente. A velocidade final da esfera na vertical, foi determinada de forma coerente pelos acadêmicos (10 m/s), porém, ao definir a altura do mastro, eles cometem um equívoco, definindo um valor de 10 m, que na verdade trata-se do alcance horizontal da esfera quando definido por O1. Esse valor poderia ter sido obtido pelos estudantes considerando constante a velocidade horizontal da esfera, argumento que pode ser utilizado pela condição de se desconsiderar qualquer influência que não seja a da gravitação terrestre. Para a determinação da altura do mastro os estudantes precisariam ter considerado a componente vertical do movimento, que se trata de um movimento acelerado, e, portanto, o valor da altura do mastro seria diferente de 10 m. Outro argumento que ficou confuso foi a fala feita por A2 de uma velocidade “final” para o movimento horizontal da esfera medida por O1 (10 m/s), o que, sob o ponto de vista do valor está correto, entretanto, não faz sentido falar em velocidade final na horizontal, uma vez que ela pode ser considerada constante ao longo de todo o movimento de queda, segundo as condições impostas ao EP.

Outro momento do diálogo entre A1 e A2 que merece destaque é quando eles tentam definir a trajetória da esfera observada por O1 e O2. Nessa parte do diálogo eles definem em comum a trajetória como sendo uma semiparábola quando observada por O1, porém, inicialmente apresentam dificuldade em definir a trajetória vertical e retilínea observada por O2. Em um primeiro momento eles definem uma semiparábola, porém, em sentido contrário a aquela observada por O1, todavia, posteriormente A1 chama a atenção de que se trata de um movimento com velocidade constante, e que por essa razão a trajetória definida por O2 deveria ser vertical e retilínea.

A2, em certo momento de sua fala, afirma que “se o observador está se movendo com velocidade constante tudo se comporta como se ele estivesse em repouso”. Essa afirmação de A2 refere-se a uma demonstração fundamental acerca de seu entendimento (implícito ou explicito) sobre o princípio da relatividade galileano. Na sequência, A1 prossegue afirmando que isso é verdadeiro apenas para referenciais inerciais, que são aqueles que não possuem aceleração.

No diálogo, A2 afirma que a esfera diminui sua velocidade e “perde” energia cinética. A2 concorda com a afirmação de que a energia cinética diminui ao longo da queda, porém não fica claro que ele está considerando o efeito da resistência do ar ou não, o que talvez estivesse embasando as afirmações, todavia, mesmo com o efeito dissipador do ar a energia cinética tenderia a aumentar ao longo da queda e não diminuir. Esse aumento está atrelado ao aumento do módulo da componente vertical da velocidade.

4.2.6 EP2 por A1 e A2 – análise das videogravações

Inicialmente A2 relata estar com dificuldade em separar a parte das hipóteses em relação a atividade em si. Tal dificuldade provavelmente está atrelada a consideração já feita anteriormente, sobre a natureza da atividade, ou seja, por se tratar de um EP, esses passos são difíceis de serem rigidamente controlados. A1 afirma que a esfera, em relação a S1 descreveria um movimento parabólico pelo fato de que em 0,1s (tempo de subida e descida da esfera) a esfera e a Terra teriam se deslocado a mesma distância para um observador em S1. Porém, na continuidade do diálogo, A1 afirma que dependendo da posição em que o observador em repouso em relação a S1 realiza a observação, ele também poderia observar uma linha reta. Ou seja, segundo A1 se for realizada a observação de forma paralela a uma tangente da linha do equador se registraria uma linha reta, porém se fosse realizada a observação perpendicularmente a uma tangente da linha do equador, se observaria uma parábola. Nesse momento do diálogo ambos os participantes concordam que esse problema mostra novamente como a definição, tanto do estado de movimento como das propriedades do mesmo, dependem de como se fazem essas observações e medições. Todavia, na fala de A1 e A2 não fica clara a distinção entre observação e medição, ou seja, algumas das possibilidades citadas por eles estão atreladas a observação e não exatamente a medição.

Ainda nesse EP, A1 e A2 definem dois instantes do movimento da esfera, entretanto, definem que 0,1 s é somente o tempo de descida (não é possível afirmar se tratasse de um equívoco conceitual ou apenas um erro de representação). No diálogo, ao término da atividade o participante P2 comenta com seu colega que entendeu a relação entre essa situação e a da semana anterior, ou seja, entre o EP2 e o EP1.

4.2.7 EP1 por A3 e A4 – análise das videogravações

Com relação ao problema apresentado no EP1, mencionamos que durante a resolução não surgiram muitas discussões, visto que quase imediatamente os acadêmicos chegaram a um consenso. Porém, um ponto interessante a ser destacado no diálogo entre A3 e A4 foi com relação a dificuldade em fazer algumas das abstrações necessárias para a visualização mental dos eventos. O ponto a ser destacado é que o participante A4 afirma ter dificuldade em imaginar a água totalmente em repouso, sem nenhum tipo de oscilação ou ondulação, como expresso na fala: “[...] automaticamente quando você imagina um barco na água, você imagina a água oscilando”. A inferência de A3 no diálogo foi de concordância com a situação relatada por A4: “Pois é, eu também não consigo imaginar a água totalmente parada, ou está oscilando ou com correnteza”.

Essa dificuldade mencionada por A4 e A3 pode estar relacionada a alguma construção mental prévia que os acadêmicos trazem sobre como representar um barco sobre a água. Na realização de EPs não se executa a manipulação de objetos físicos como em experimentos concretos, e sim de imagens mentais. Segundo Reiner (١٩٩٨), as imagens podem ser de dois tipos: corporais ou visual-pictóricas. Com relação as imagens visuais-pictóricas, a autora mencionada que são criadas a partir de uma situação animada pela mente do sujeito. Os elementos envolvidos nessa criação não foram vivenciados anteriormente em nenhuma situação real, e muitas vezes isso nem seria possível. Já as imagens corporais estão relacionadas a experiências concretas vivenciadas pelo sujeito. Certamente tanto A٣, como A٤, já vivenciaram experiências concretas onde interagiram com a superfície de um lago, rio ou oceano. Provavelmente, nessas experiências a superfície da água nunca estava totalmente em repouso, sem nenhum tipo de vibração, ondulação ou correnteza. Nesse sentido, pode ser que a imagem, que pode ser considerada como corporal, era de uma superfície sempre possuindo algum tipo de movimento devido a essa vivência prévia dos estudantes.

Na construção da representação acerca do movimento da esfera quando observado por O1, A4 faz as seguintes colocações em seu diálogo com A3: “[...] a esfera tem um movimento em x e outro em y, nesse caso o movimento da esfera é a resultante desses dois movimentos”. Com essa fala A4 demonstra um entendimento bastante elaborado sobre a ideia de composição bidimensional de movimentos. A4 ainda menciona que a diferença nas trajetórias definidas por O1 e O2 está relacionada a inércia do movimento da esfera, o que faz com que o movimento pareça retilíneo para O2 e parabólico para O1.

4.2.8 EP2 por A3 e A4 – análise das videogravações

Com relação ao segundo EP, uma primeira dificuldade apresentada por A3 e A4 foi sobre os sistemas de referência inerciais. Sobre isso A4 pergunta a A3: “Esses referencias estão onde, na Terra?”. No restante deste trecho do diálogo ambos os acadêmicos demonstraram confusão sobre a utilização dos sistemas de referência, inferindo a necessidade de este estar atrelado a uma posição específica no espaço.

O texto orientador do EP mencionou que o tempo de subida e descida da esfera, seria de 0,1 s. Ao se deparar com esse dado A3 apresenta bastante dificuldade na visualização mental do movimento vertical e de um objeto que levaria apenas 0,1 s para se deslocar. Esse dado foi colocado propositalmente no sentido de aumentar o grau de abstração do EP e também para que fosse possível (caso algum participante desejasse) testar a hipótese aristotélica para o resultado da experiência. Ou seja, de acordo com a Física aristotélica no instante que se abandonasse a esfera, no caso do planeta Terra estar em movimento de oeste para leste, a esfera cairia certa distância a oeste do local de lançamento. Se fosse feito o cálculo com a velocidade tangencial fornecida no enunciado do EP se chegaria ao resultado absurdo de, aproximadamente 46 m, isso considerando o tempo de subida e descida de somente um décimo de segundo, o que resulta em um deslocamento vertical extremamente pequeno, de aproximadamente 0,012 m, em relação a um deslocamento horizontal de, aproximadamente, 46 m.

Ao se questionar sobre a possibilidade de ocorrência de um movimento vertical que leve apenas 0,1 s (o que é perfeitamente possível desde que a altura fosse muito pequena), A4 faz a seguinte argumentação inicial: “Qual é o peso desse objeto para que o movimento fosse com um tempo tão pequeno?”. Ao longo do diálogo e com a intervenção do pesquisador, A4 concluiu que o tempo do movimento seria o mesmo independentemente do peso, e que na verdade o que se alteraria seria o trabalho realizado para realizar o lançamento. A partir disso A4 afirma: “[...] quanto maior for a massa maior será o trabalho necessário para gerar o mesmo movimento”.

Em um determinado momento o texto orientador questiona sobre a possibilidade de com os resultados obtidos pelo EP afirmar se a Terra gira ou não. Sobre esse aspecto A3 e A4 levantam várias argumentações sobre a possibilidade de se utilizar o modelo geocêntrico ou heliocêntrico para o entendimento de alguns eventos celestes, tal como o movimento aparente do Sol. Mas também falam sobre a incoerência em assumir que para a Terra estar “parada”, tal argumento, segundo eles, implica em que todo o universo deveria se mover “seria muito mais gasto de energia”.

No que diz respeito a trajetória descrita pela esfera em relação a S1 os acadêmicos tiveram dificuldade ao considerar o movimento de rotação e translação da Terra. Isso ocorreu porque, com base nos diálogos, eles tiveram dificuldade de representar uma trajetória sobre a Terra que seria o resultado dos movimentos rotacional e translacional do planeta. A4 afirmou em uma de suas falas que deveriam existir dois efeitos, um atrelado a rotação e outro a translação. Destacamos que a interpretação de A4 foi correta, porém, o nível de dificuldade na representação aumenta significativamente com a composição desses dois movimentos, resultando no fato de que os estudantes não conseguiram fazer a representação gráfica da situação.

4.2.9 EP1 – análise das discussões coletivas

No primeiro EP identificamos que o compartilhamento e as discussões realizadas coletivamente, ao final da realização do EP, possibilitaram ampliar consideravelmente o alcance dos experimentos. Por exemplo, A4 fala da composição dos movimentos, A2 fala que o movimento começa quase somente horizontal e vai se tornando cada vez mais vertical até certo momento se tornar totalmente vertical e nada horizontal. Os participantes mencionam a dificuldade em relação a fixar-se em um referencial, por exemplo, para observar a trajetória de um objeto em queda de um prédio fixando o referencial em um carro que passa com velocidade constante V. A4, por sua vez, menciona a dificuldade em definir o estado de movimento dos objetos a partir de um referencial que não seja a Terra: “a gente está tão acostumada a dizer que o movimento é relativo, mas na hora de definir esse movimento no geral utilizamos a Terra como referencial imóvel”.

4.2.10 EP2 – análise das discussões coletivas

No que diz respeito às discussões correspondentes ao segundo EP, ressaltamos que A3 e A4 definem algo importante, ou seja, o fato da trajetória ser parabólica para um observador em repouso em relação a S1 não significa necessariamente que ele definirá que a posição de queda da esfera será para longe do local de lançamento definido como um ponto sobre a superfície da Terra, ou seja, continuará caindo logo abaixo do local de lançamento assim como definido por S2. Nas palavras de A2: “Um observador em S1 observaria uma parábola, mas a esfera ainda cairia nos pés de quem fez o arremesso”. Nessas falas, particularmente nas expressas por A2 e A4, percebemos claramente que estes estabeleceram de forma satisfatória a relação desta atividade com a do navio de Galileu trabalhada na semana anterior. Nas palavras de A2: “A diferença dessa atividade e da outra é que nessa a esfera descreve um movimento oblíquo completo e na outra é apenas uma parte, porque o movimento já começa no ponto mais alto”.

5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A partir dos resultados apresentados procedemos a sua análise frente ao referencial teórico do estudo, focando na formação e utilização de conceitos por parte da população investigada. Ou seja, a análise se constitui nos processos cognitivos utilizados pelos acadêmicos durante a realização dos EPs, e que podem estar relacionados com os indícios de aprendizagem significativa. Compreendemos que, como esses experimentos foram estruturados com o intuito de promover uma tarefa de aprendizagem relacionada a atividade de resolução de problemas, também existe a necessidade do emprego de proposições. Nesse sentido, o padrão buscado nos dados decompostos, notadamente, está relacionado aos conceitos, princípios e proposições utilizados e/ou formados pelos participantes do estudo durante a realização dos EPs e em consonância com o referencial teórico que subsidia o estudo, a TAS.

Os conceitos, princípios e proposições estão dispostos em quadros para melhor visualização e foram organizados separadamente para cada dupla de trabalho. Na sequência são apresentadas as discussões desses dados e que se referem aos dados da atividade no sentido geral, ou seja, decorrente das discussões das duplas juntamente com os diálogos coletivos referentes aos dois EPs.

O Quadro 3 apresenta os conceitos, princípios e proposições referentes aos participantes A1 e A2.

Quadro 3 - Conceitos, princípios e proposições referentes aos participantes A1 e A2

Conceitos e princípios

Proposições

• Princípio da relatividade galileano

1. Se o observador está se movendo com velocidade constante tudo se comporta como se ele estivesse em repouso.

• Conservação de energia mecânica

2. Ao longo da queda a esfera “perde” energia cinética.

• Composição de movimentos

3. A trajetória é parabólica para O1, mas a esfera cai fora do barco.

• Sistema de referência inercial

4. Referencial inercial é o que não possui aceleração, portanto tudo se comporta como se ele estivesse em repouso.

Fonte: Dados de pesquisa, 2018.

Os EPs utilizados no presente estudo foram organizados na forma de situações-problema. Para essa categoria de situação os estudantes precisam partir de algumas proposições já estabelecidas no momento da atividade de resolução de problemas, a essas proposições Ausubel (2003) dá o nome de “proposições de substrato”. O autor divide as proposições de substrato em dois tipos: “(1) proposições de colocação de problemas, que definem a natureza e as condições da situação problemática atual; e, (2) proposições anteriores, que consistem em aspectos relevantes de conhecimentos anteriormente adquiridos (informações, princípios) que se apoiam no problema” (AUSUBEL, 2003, p. 96).

As proposições de colocação de problema foram definidas e discutidas com os estudantes de forma expositiva. Essas proposições variam de um EP para outro e estão relacionadas basicamente as condições e idealizações de cada situação proposta. Por exemplo, no EP do navio de Galileu: a água deve ser totalmente plana, deve estar em repouso em relação a margem e não possuir nenhum tipo de ondulação ou vibração; o navio pode estar em dois estados de movimento distintos, repouso ou MRU; o observador O1 está em repouso em relação a margem e o observador O2 em repouso em relação ao navio. Todas essas proposições na verdade possuem um único propósito, que é estabelecer as condições para que em todos os casos os objetos envolvidos no EP possam ser considerados corpos de referência inerciais.

No que diz respeito as proposições anteriores, buscamos seus indícios com a aplicação do teste inicial, cujos resultados serviram de referência para a estruturação dos EPs, de forma a que a atividade pudesse ser considerada como potencialmente significativa. Todavia, mesmo com esse cuidado não temos garantia que os participantes relacionem de forma substancial e não arbitraria as proposições de colocação de problema com as proposições anteriores, formando e utilizando conceitos no processo. Nesse sentido, por meio dos dados decompostos, buscamos identificar quais proposições anteriores os estudantes empregaram durante a tarefa de resolução de problemas, e como estas se relacionaram com as proposições de colocação de problema.

Com relação aos dados referentes a A1 e A2 apenas duas das proposições elencadas parecem se relacionar de forma significativa e conceitualmente correta com as proposições de colocação de problema utilizadas. Trata-se da proposição de número 1 e número 4 apresentadas no Quadro 3. No que diz respeito à proposição de número 1, que remete a uma ilustração do princípio da relatividade inerente a Física Clássica, identificamos que os estudantes evocam corretamente e claramente a proposição e a aplicam de forma competente na resolução do problema relacionado ao EP do navio de Galileu.

A proposição de número 2 apresenta indícios de que os estudantes, de fato, não compreenderam com a clareza necessária, e, em toda a sua abrangência, a razão pela qual a trajetória da esfera é parabólica. Nos diálogos eles afirmam que a esfera “perde” energia cinética e devido a isso o seu movimento que, inicialmente era totalmente horizontal, vai ficando cada vez mais vertical. Segundo a conclusão dos estudantes, em um determinado momento a esfera deveria se mover somente na vertical. Optamos no momento da estruturação do EP por deixar em aberto a proposição acerca da possível influência do ar no experimento. Todavia, observamos que os estudantes não fizeram nenhuma menção a essas possíveis influências. Obviamente que se o ar fosse considerado é verdade que em algum momento, devido às dissipações de energia, o movimento teria velocidade horizontal nula. Porém, salienta-se que a energia cinética não poderia diminuir, visto que na vertical a força peso continuaria atuando.

A proposição número 3 remete a duas características interdependentes do ponto de vista físico. Novamente, definindo a influência ou não do ar, poderia haver alguns desvios tanto na trajetória, como na posição de impacto da esfera ao atingir o chão. Todavia, se fosse considerado o efeito dissipativo do ar, a posição de impacto deviria ser desviada em uma quantidade no sentido contrário ao movimento. Porém, na representação gráfica criada por A1 e A2 a esfera cai fora do navio, a uma distância, respectivamente no mesmo sentido de seu movimento.

No que diz respeito à proposição número 4, os estudantes trouxeram uma definição de referencial inercial condizente a que se encontra na maioria dos livros-texto de Física geral. Essa proposição aplicada na resolução dos problemas como as propostas neste estudo, mostrou-se bastante clara, principalmente para A2, que mencionou em vários momentos este enunciado em suas falas.

A seguir, no Quadro 4, é possível observar as respostas dos participantes A3 e A4.

Quadro 4 - Conceitos, princípios e proposições referentes aos participantes A3 e A4

Conceitos e princípios

Proposições

• Composição de movimentos

1. Existe um movimento em x e outro em y, juntando os dois resulta no movimento da esfera.

• Movimento inercial

2. A inércia desse movimento sob a esfera resulta na impressão, para O2, de que a esfera não se desloca de oeste para leste.

• Sistema de referência inercial

3. O observador precisa estar “no sistema de referência inercial”.

• Trabalho mecânico

4. Quanto maior a massa maior será o trabalho necessário para realizar o mesmo movimento.

Fonte: Dados de pesquisa, 2018.

Uma das proposições importantes que foi mencionada e utilizada por A3 e A4 durantes a realização dos dois EPs foi a número 1, que pode estar relacionada ao conceito de composição bidimensional dos movimentos. Os estudantes empregaram esse conceito em ambas as atividades, inclusive se serviram dele para calcular de forma aproximada a velocidade resultante da esfera no EP1. Todavia, a argumentação sobre essa ideia parece não estar adequadamente formalizada, ou seja, os estudantes não especificam ou diferenciam os referentes a composição das velocidades em um determinado instante e a formação da trajetória parabólica ao longo de todo o movimento.

Nesse sentido, podemos elaborar ao menos duas hipóteses acerca do conceito de movimento bidimensional tal como empregado pelos estudantes: primeiro que eles podem estar utilizando um grau de elaboração não muito elevado acerca desse conceito; segundo, que o problema não está no grau de elaboração ou diferenciação, mas na dificuldade de representação e/ou verbalização em relação às atividades propostas. Quais dessas possibilidades estão ocorrendo, é algo que o presente estudo deixa em aberto, uma vez que não há elementos suficientes para inferir o que de fato está ocorrendo.

Durante a realização das duas atividades, A3 e A4 utilizam a proposição número 2 como argumento para a trajetória observada. A proposição, claramente, pode ser relacionada com o princípio da inércia. Ou seja, existe a tendência de um corpo que está em movimento retilíneo e uniforme ou em repouso, permanecer nesse estado. Essa “tendência” pode ser utilizada, com as devidas aproximações e idealizações, para corroborar com as hipóteses levantadas por A3 e A4.

A ideia relacionada a um Sistema de Referência Inercial, refere-se a uma abstração, ou seja, ela está atrelada a um sistema de coordenadas em condições inerciais em relação ao qual pretende-se, ou pode-se definir grandezas e/ou eventos físicos. As coordenadas espaciais de um determinado objeto ou evento físico, podem, ou não, coincidir com a origem desse sistema de coordenadas. Na maioria dos estudos relacionados a cinemática ou dinâmica o mais significativo não são as coordenadas espaciais em relação a um sistema de referência inercial definido arbitrariamente, mas o estado de movimento em relação ao mesmo. A proposição número 3 remete a uma dificuldade relacionada a essas ideias expressa oralmente pelos estudantes A3 e A4.

A proposição número 4 surgiu diante de uma dificuldade apresentada por A3 e A4 na imaginação de um movimento vertical que acontecesse em apenas um decimo de segundo. Ao ser apresentado esse dado, A4 questionou o pesquisador de quanto deveria ser a massa da esfera para que levasse um intervalo de tempo tão pequeno para subir e retornar ao solo. Ao longo do diálogo e com as devidas intervenções do pesquisador, A4 esclareceu que na verdade a massa não deveria influenciar no tempo de queda, desde que se desprezasse a resistência do ar. Todavia, a massa influenciaria no valor do trabalho realizado para que se pudesse gerar tal movimento.

Nenhum dos princípios e conceitos apresentados nos Quadros 3 e 4 foram explicitamente citados pelos estudantes durante a atividade. A constatação de que estes possuíam e/ou construíram algum conhecimento acerca deles, foi atribuída por meio principalmente das proposições e dos caminhos percorridos na resolução dos problemas. Todavia, podemos fazer uma inferência importante no que diz respeito a abrangência das ideias empregadas. Considerando estritamente a formação de conceitos, podemos dizer que, de acordo com a TAS, trata-se de um processo relacionado a abstrair as características comuns e essenciais de uma classe de objetos e/ou fenômenos chegando a uma representação genérica para os mesmos. Nesse sentido, a perspectiva teórica define duas classes de termos conceituais: aqueles mais particularizados que se constituem de uma imagem modelada ou idealizada de um conceito relativamente concreto; e, os resultantes de várias combinações de significados conceituais que constituem conceitos mais abstratos e complexos.

Consequentemente quanto mais abstrato e complexo for o conceito, mais abrangente ele se torna, podendo ser aplicável em uma gama cada vez mais ampla de situações. Entre a primeira atividade (EP1) e a segunda (EP2), percebemos de forma geral em todos os participantes, um refinamento na aplicação das proposições e na utilização dos conceitos. Os mesmos também reconheceram explicitamente em suas falas que haviam percebido que a aplicação daquelas ideias poderia ser válida para qualquer situação, desde que os referenciais fossem considerados inerciais.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Frente ao realizado no estudo verificamos que os sujeitos participantes utilizaram proposições relacionáveis com os seguintes conceitos e princípios físicos: princípio da relatividade clássica; conservação de energia, trabalho mecânico; composição de movimentos; referencial inercial e princípio de inércia. Entre a primeira atividade (EP1) e a segunda (EP2) percebemos, de forma geral, em todos os participantes um refinamento na aplicação das proposições. Além disso, eles reconheceram explicitamente em suas falas que haviam percebido que a aplicação daquelas ideias poderia ser válida para qualquer situação, desde que os referenciais fossem considerados inerciais. O que leva a inferir como primeiros resultados que os EPs podem contribuir para a estruturação de ideias cada vez mais gerais e inclusivas.

Em termos da validade do uso de EPs como promotores da aprendizagem significativa em Física, destacamos que a sua realização permitiu identificar potencialidades ao constatar que o formato dos EPs na forma de situações-problema se revela promissor, no sentido de oportunizar a reflexão e o conflito das hipóteses com ideias mais elaboradas que surgem no decorrer da atividade. A ideia de dispor os EPs em dois encontros, e estes serem relacionáveis entre si como uma extensão de aplicabilidade dos mesmos princípios e conceitos, se revelou igualmente promissor. Outro aspecto identificado no estudo realizado foi o aprimoramento na elaboração mental dos conceitos dos estudantes, especialmente no momento em que identificaram que poderiam utilizar essas leis de forma universal (desde que algumas condições fossem satisfeitas).

Por fim, destacamos que os EPs podem contribuir para a aprendizagem significativa dos conceitos e fenômenos físicos, se revelando tarefas potencialmente significativas para o ensino de Física. Os EPs, por lidarem com a imaginação e representação interna, não permitem ao professor ter acesso imediato ao movimento cognitivo realizado pelos estudantes durante o exercício de pensar sobre uma dada situação. Essa característica os diferencia dos experimentos físicos, em que os elementos postos para desenvolver a atividade estão disponíveis a todos e visíveis sobre as bancadas. No caso dos EPs, o professor precisa ficar atento àquilo que os estudantes externalizam, para que consiga captar a forma como o pensamento está se estruturando e como os conhecimentos estão sendo elaborados. Na investigação realizada, foi possível identificarmos que, quanto maior a bagagem de conhecimentos que o estudante tem, maiores serão as conexões estabelecidas e, consequentemente, mais rica será a construção hipotética necessária para a realização do EP, como já propõe a TAS.

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Endereço para correspondência:

Instituto de Humanidades, Ciências, Educação e Criatividade

BR 285 Km 292,7, Campus I, Bairro São José, 99052-900, Passo Fundo, RS. alissongiacomelli@upf.br; cwerner@upf.br; ldarroz@upf.br.


1 O texto apresentado tem partes extraídas de uma tese de doutoramento de um de seus autores, defendida em 2020, cujos resultados foram retomados e discutidos novamente no grupo de pesquisa.

2 Doutor em Educação pela Universidade de Passo Fundo; Mestre em Ensino de Ciências e matemática pela Universidade de Passo Fundo.

3 Pós-Doutora em Ensino de Física pela Universidad de Burgos, Espanha; Doutora em Educação Cientifica e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina; Mestra em Educação pela Universidade de Passo Fundo.

4 Doutor em Educação em Ciências Química da Vida e Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Mestre Profissional em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.