https://doi.org/10.18593/r.v47.30425

Pesquisas sobre Pesquisas em Gestão e Financiamento da Educação

Research on Research in Education Management and Financing

Investigación sobre Investigación en Gestión y Financiamiento de la Educación

Cileda dos Santos Sant’Anna Perrella1

Centro Universitário Fundação Santo André; Curso Pedagogia. Pesquisadora do Grupo Escola Pública e Democracia (GEPUD); https://orcid.org/0000-0002-0885-3396

Maria Aparecida Guedes Monção2

Universidade Estadual de Campinas; Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação e Coordenadora do Mestrado Profissional em Educação Escolar; https://orcid.org/0000-0002-4291-0120

Rosana Evangelista da Cruz3

Universidade Federal do Piauí: Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação e Pesquisadora do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Política e Gestão da Educação; http://orcid.org/0000-0002-8341-0835

Resumo: A gestão e o financiamento da educação são temas abrangentes que abarcam diversos subtemas e perspectivas teórico-metodológicas. Este artigo tem por objetivo analisar os estudos de revisão sobre gestão e financiamento da educação quanto ao desenho metodológico e aos aspectos analisados pelos autores. Trata-se de um estudo de revisão, de abordagem qualitativa, com base em análise documental. O corpus do artigo compreende 12 produções que foram submetidas à leitura e análise integral. O estudo revelou a necessidade de maior diálogo dos autores com a literatura sobre os estudos de revisão, a importância da constituição de banco de dados, bem como a relevância de pesquisas coletivas desenvolvidas em rede para o avanço do conhecimento.

Palavras-chave: Produção de conhecimento; Estudos de revisão; Estado da Arte; Gestão da Educação; Financiamento da educação.

Abstract: The management and financing of education are comprehensive themes that encompass various sub themes and theoretical-methodological perspectives. This article aims to analyze the review studies on education management and financing regarding the methodological design and the aspects analyzed. This is a review study, with a qualitative approach, based on documental analysis. The corpus of the article comprises 12 productions that were submitted to full reading and analysis. The study revealed the need for greater dialogue of authors with the literature on review studies, as well as the relevance of collective research developed in a network for the advancement of knowledge.

Keywords: Knowledge production; Review studies; State of art; Education Management; Education financing.

Resumen: La gestión y el financiamiento de la educación son temas amplios que engloban varios subtemas y perspectivas teórico-metodológicas. Este artículo tiene como objetivo analizar los estudios de revisión sobre la gestión y financiación de la educación en cuanto al diseño metodológico y los aspectos analizados por los autores. Se trata de un estudio de revisión, con enfoque cualitativo, basado en el análisis de documentos. El corpus del artículo comprende 12 producciones que fueron sometidas a lectura y análisis completos. El estudio reveló la necesidad de un mayor diálogo entre los autores y la literatura sobre estudios de revisión, la importancia de establecer una base de datos, así como la relevancia de la investigación colectiva desarrollada en red para el avance del conocimiento.

Palabras clave: Producción de conocimiento; Revisar estudios; Estado del arte; Administración de educación; Financiamiento de la educación

Recebido em 03 de junho de 2022

Aceito em 13 de outubro de 2022

1 INTRODUÇÃO

O crescimento das pesquisas em Educação está associado ao processo de formação e consolidação dos Programas de Pós-Graduação no território brasileiro. Esses programas agregam estudos provenientes de mestrado, doutorado e pesquisas realizadas pelos docentes das universidades, os quais resultam em publicações, na forma de artigos, livros autorais ou coletâneas.

O primeiro Programa de Pós-Graduação em Educação iniciou em 1965, por isto pode-se afirmar que a pesquisa em Educação tem uma trajetória recente. Entretanto, ao longo desses 56 anos foram criados e credenciados, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), 191 programas de Pós-Graduação em Educação. Destes, 44 correspondem apenas ao mestrado e 94 agregam, também, doutorado acadêmico. Ainda compõem a oferta no Brasil o mestrado profissional (49), o mestrado/doutorado profissional (três) e o doutorado acadêmico não integrado ao mestrado (um) (BRASIL, 2020). Tais dados revelam que, apesar de recente, é significativa a oferta da pós-graduação em educação, o que resulta em vasta produção acadêmica na área.

A relevante produção de pesquisas gerada nesses programas demanda a permanente sistematização dos estudos, considerando os múltiplos temas educacionais, a fim de conhecer e compreender sua amplitude, tendências teóricas, perspectivas metodológicas, contribuições ao campo, lacunas e contradições, de modo a contribuir com a análise da produção de conhecimento a partir de um processo de ordenamento do conjunto de informações e de avaliação dos resultados obtidos nos diferentes estudos.

Nessa perspectiva, o texto em tela parte dos dados levantados em investigação desenvolvida em rede nacional, com a participação de pesquisadoras e pesquisadores de diversas universidades brasileiras. Essa pesquisa contou com aporte financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e teve por objetivo caracterizar os estudos de revisão, a partir de um conjunto específico de 113 trabalhos, publicados em formato de livro e artigos na Série Estado do Conhecimento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep) e em periódicos nacionais da área da educação registradas no ScientificElectronic Library (Scielo). O material foi coletado com base nos títulos, nas palavras-chaves e nos resumos.

O objetivo deste artigo é analisar os estudos de revisão sobre gestão e financiamento da educação localizados na pesquisa supracitada, nos aspectos referentes ao desenho metodológico e aos elementos analisados nas pesquisas. O desenho metodológico contempla o tipo de estudos de revisão, o recorte temporal, o ano de publicação, as fontes do estudo, os descritores de busca e o tipo de leitura. Os elementos analisados referem-se aos aspectos priorizados pelos autores: nível ou etapa de ensino, dependência administrativa, recorte espacial, evolução temporal das produções e procedimentos metodológicos.

Este trabalho, que analisa 12 estudos desenvolvidos de 2000 a 2016, consiste num estudo de revisão, com base na análise documental das produções selecionadas e na revisão da literatura sobre o tema, com o intuito de contribuir com investigações que se dedicam a realizar pesquisa sobre pesquisa e com a produção de conhecimento, mediante estudos de revisão sobre gestão e financiamento da educação básica.

O presente artigo está estruturado em quatro seções, além desta introdução. A primeira apresenta breves considerações sobre os estudos de revisão em educação. A segunda traz elementos centrais do esforço de produção do conhecimento em gestão e financiamento da educação. Na terceira seção se estabelece um panorama das produções que compõe o corpus do estudo sobre o tema foco do artigo. Na última seção são tecidas as considerações finais.

2 SOBRE ESTUDOS DE REVISÃO

A criação e a ampliação dos programas de pós-graduação no campo da educação resultaram no aumento considerável de pesquisas que abordam o fenômeno educacional em seus múltiplos aspectos. Essa realidade exige que, periodicamente, realizem-se pesquisas que possam inventariar e avaliar essas produções, indicando suas características, tendências e desafios, o que contribui, de forma considerável, para divulgação e fortalecimento dos vários objetos que compõem o campo educacional.

Esse esforço inventariante implica no desenvolvimento dos chamados estudos de revisão, os quais têm características específicas e contribuem para o avanço do campo científico. Romanowski e Ens (2006, p. 38) informam que a ampliação da produção em determinado campo motiva inúmeros questionamentos, de âmbito temático e metodológico, e reforçam a necessidade de que se realizem balanços e mapeamentos que desvendem e examinem “o conhecimento já elaborado e apontem os enfoques, os temas mais pesquisados e as lacunas existentes”. Vosgerau e Romanowski (2014, p. 167), acrescentam que isso inclui “abordagens metodológicas, procedimentos e análises, os aportes teórico-metodológicos, resultados que possam ser replicados ou evitados, bem como as lacunas que podem estimular a produção de novas pesquisas” ou mesmo criar novas perspectivas para resultados já divulgados.

As referidas autoras classificam os estudos de revisão em dois grandes grupos: os que mapeiam e os que avaliam e sintetizam (VOSGERAU; ROMANOWSKI, 2014). Os que mapeiam incluem os chamados Estado da Arte, também denominado Estado do Conhecimento; Revisão de Literatura; Revisão Bibliográfica; Levantamento Bibliográfico e Estudo Bibliométrico.

As revisões que avaliam e sintetizam resultados das pesquisas são dedicadas à sintetização, por integração e agregação, denominadas Meta-análise ou Metassumarização, ou à interpretação das evidências, denominadas Revisão Sistemática, Revisão Integrativa, Síntese de Evidências Qualitativas e Metassíntese Qualitativa (VOSGERAU; ROMANOWSKI, 2014).

No âmbito deste artigo, prevaleceu a tipologia Estado da Arte, tipo de estudo que pode “significar uma contribuição importante na constituição do campo teórico de uma área de conhecimento”, conforme Romanowski e Ens (2006, p. 38), já que “podem conduzir à plena compreensão do estado atingido pelo conhecimento a respeito de determinado tema - sua amplitude, tendências teóricas, vertentes metodológicas.” (idem, p. 40).

Neste sentido, esse tipo de estudo tanto identifica como ocorre a produção do conhecimento, como revela “os temas abordados; os referenciais teóricos que subsidiaram as investigações”, entre outros aspectos, uma vez que “esses trabalhos não se restringem a identificar a produção, mas analisá-la, categorizá-la e revelar os múltiplos enfoques e perspectivas” (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p. 39) envolvendo a sistematização de diferentes frentes de produções, como teses, dissertações, artigos em periódicos, comunicações em anais de congressos, entre outros.

3 SOBRE ESTUDOS DA ADMINISTRAÇÃO/GESTÃO E FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

A temática gestão ou administração escolar tem seus primeiros estudos realizados no Brasil entre as décadas 1930 e 1960 contando com autores como Antônio Carneiro Leão (1939) e José Querino Ribeiro (1986), que consideravam que a gestão escolar poderia se ancorar nos princípios da teoria geral da administração, sem uma análise de que esses princípios, na maioria das vezes, são utilizados para garantir os objetivos da empresa mercantil capitalista cujos métodos se sustentam pelas relações verticalizadas de mando e de submissão. Em outra perspectiva, destaca-se Anísio Teixeira (1968) ao evidenciar as diferenças entre os objetivos da empresa dos da educação considerando-as polarmente opostas.

Nas décadas seguintes, esse debate permanece com estudos que reforçam que empresa e escola têm estruturas similares e necessitam de métodos para garantir sua eficiência. Por outro lado, tomam força pesquisas que apontam a especificidade da administração escolar com aporte teórico próprio articulado com a visão da educação (SANDER, 1982; PARO, 1986). A busca de um conceito de administração escolar mais rigoroso e integrado à concepção de escola, possibilitou incorporar uma análise crítica a respeito dos estudos anteriores.

Paro (1986) apresenta um conceito amplo de administração, definido como a utilização racional de recursos para a realização de fins determinados, considerando as atividades administrativas como condição necessária à vida humana que contemplam as contradições e forças sociais em conflito e podem tanto servir para a transformação social quanto para a manutenção das relações de dominação.

A gerência, na perspectiva capitalista, materializa-se como controle do trabalho alheio, restringindo a vontade e a autonomia das pessoas, desconsiderando o ser humano como sujeito capaz de pensar e transformar a realidade em que atua. Na visão gerencialista, busca-se a manutenção do capital e a apropriação do saber do sujeito submetendo-o a relações de mando e submissão. Paro (2001) afirma que para garantir a especificidade da gestão escolar é necessário que ela seja duplamente democrática, como relações sociais de cooperação entre os envolvidos e como mediação para a concretização de fins educacionais.

A relevância da temática requer que se realizem, de maneira sistemática, investigações sobre o tema, assim como pesquisas inventariantes dessas produções. Neste sentido, Benno Sander (1982) realiza um estudo de revisão sobre gestão escolar a partir de uma perspectiva histórica, analisando-a sob quatro dimensões diferentes: jurídica, organizacional, comportamental e sociológica.

Nessa mesma direção, visando a identificar a produção em território nacional, Souza (2006) apresenta um levantamento bibliográfico da produção no País acerca de gestão escolar, destacando, dentre outros aspectos, a existência de estudos significativos que ainda analisam a gestão com um fim em si mesma, não considerando a temática como mediação a serviço da organização e do desenvolvimento do trabalho pedagógico.

Outrossim, Maia (2008) assinala a trajetória de construção do campo de conhecimento em gestão escolar a partir da contribuição da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), mediante realização de congressos e financiamento de pesquisas como forma de ampliar as reflexões teóricas e práticas da área e fortalecer a produção de conhecimentos.

No contexto após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que envolveu a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e dos Planos Nacionais de Educação nº 10.172/2001 e nº 13.005/2014, estudos sobre gestão democrática na escola e democratização dos sistemas tomam força. Isto decorreu da mobilização da sociedade civil, que buscava incidir sobre as políticas, levando à instituição de conselhos, e da ampliação da autonomia da escola, especialmente em relação às verbas descentralizadas, o que agilizou a organização de questões de ordem pedagógica e material.

Diferentemente da gestão educacional, o financiamento da educação ainda é campo de estudo em consolidação no Brasil. Velloso (2001) informa que até os anos de 1980 a produção brasileira era diminuta sobre o assunto. Situação modificada após o ano de 1996, conforme apresentam os estudos de Santos (2013; 2017); Souza (2019) e Jacomini e Cruz (2019).

A instituição da política de fundos, as preocupações relacionadas ao monitoramento e ao controle social e a constatação de que os recursos disponíveis para o financiamento da educação são insuficientes para a efetiva qualificação da oferta (ALVES; PINTO, 2011) foram elementos motivadores para expansão das produções científicas sobre o tema em formato de teses, dissertações, livros e artigos (DAVIES, 2014; SANTOS, 2017).

A literatura vem indicando, de forma sistemática, que o modelo de financiamento da educação no Brasil não assegura o direito educacional, sendo um dos seus limites a insuficiência de recursos, principalmente nas regiões e entes federados de menor capacidade tributária, decorrente das desigualdades no desenvolvimento econômico. Nesses casos, há maior dependência dos entes, especialmente das esferas municipais, em relação às transferências federais.

O conjunto de questões implicadas na gestão e no financiamento da educação, no que se refere aos sistemas e unidades escolares, se expressam nos estudos de revisão contemplados neste artigo, cujos resultados são apresentados e discutidos a seguir, abordando o desenho metodológico e os aspectos analisados nos estudos.

4 ESTUDOS SOBRE GESTÃO E FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

No recorte do estudo ora apresentado, privilegiou-se a análise de “pesquisas sobre pesquisas” publicadas no período entre 2000 e 2016, tendo como foco as produções voltadas à gestão e ao financiamento da educação, que consistiram em 12 estudos: três artigos em periódicos, um livro autoral e oito artigos de duas coletâneas, como apresentado no Quadro 1, a seguir.

Quadro 1 – Publicações analisadas: título, autor(es), tipo de produção e ano da publicação, 2000-2016

Título

Autor(es)

Tipo de produção

Ano de publicação

1

Estado do Conhecimento em Administração da Educação: uma análise dos artigos publicado em periódicos nacionais 1982-2000

Marta Castro e

Flávia Werle

Artigo

2004

2

Estado da arte: gestão, autonomia escolar e órgãos colegiados (2000/2008).

Angela Martins e Vandré Silva

Artigo

2011

3

A produção científica sobre avaliação educacional e gestão de sistemas e de escolas: o campo da questão entre 2000 e 2008

Angela Martins e Sandra Zákia Sousa

Artigo

2012

4

Financiamento da Educação no Brasil: o estado da arte e a constituição do campo (1996-2010)

Alfredo Ribas dos Santos

Livro autoral

2013

Políticas e Gestão da Educação (1991-1997).

Lauro Wittmann e Regina Gracindo

Coletânea

2001

5

Pesquisas no país sobre o Financiamento da Educação: onde estamos?

Jacques Velloso

Artigo

2001

6

Municipalização e Gestão Municipal da Educação

Cleiton de Oliveira e

Lúcia Helena Teixeira

Artigo

2001

7

Gestão de Sistemas Educacionais: a Produção de Pesquisas no Brasil

Regina Gracindo e

VaniKenski

Artigo

2001

8

Gestão da Escola

Antonio Elizio Pazeto

Lauro Wittmann

Artigo

2001

Estado da arte: gestão, autonomia da escola e órgãos colegiados (2000/2008).

Angela Martins e Vandré Silva

Coletânea

2011

9

Estado da arte: gestão, autonomia escolar e órgãos colegiados: uma visão geral

Angela Martins e Vandré Silva

Artigo

2011

10

A produção científica discente: teses e dissertações sobre gestão, autonomia e órgãos colegiados

Ângela Martins, Vandré Silva e

Marialva Tavares

Artigo

2011

11

Processos de gestão, autonomia escolar e órgãos colegiados nos anais de eventos nacionais da Anped e Anpae (2000-2008)

Donaldo Bello de Souza

Artigo

2011

12

A produção de artigos em periódicos sobre gestão, autonomia e o funcionamento de órgãos colegiados

Cleiton de Oliveira e Valéria Virgínia Lopes

Artigo

2011

Fonte: os autores.

Os estudos analisados, quanto ao tipo de revisão, se autodenominam ou se inserem em publicações intituladas como estado da arte, com exceção de um que utiliza o termo “campo da questão” no título (MARTINS; SOUSA, 2012), sem diálogo com a literatura que o defina.

No conjunto das produções, verifica-se o predomínio de pesquisas realizadas coletivamente, em geral em redes de colaboração, e isto se justifica pela complexidade e volume de trabalho próprios dos estudos de revisão. A única produção individual (SANTOS, 2013) decorreu de um pós-doutorado. Somente três estudos não informaram a existência de apoio financeiro por meio de agência de fomento (CASTRO; WERLE, 2004; MARTINS; SOUSA, 2012; SANTOS, 2013).

Nas análises, oito artigos são de duas coletâneas. A primeira, intitulada Políticas e Gestão da educação (1991-1997), consiste em livro cujos autores, a partir de um banco de dados da Anpae, organizado em eixos aglutinadores, desenvolveram seus artigos em formato livre, articulados à temática central (WITTMANN; GRACINDO, 2001). Diferentemente, na coletânea Gestão, Autonomia e Órgãos Colegiados (2000-2008), também resultado de um banco de dados de pesquisa, os artigos se articularam a partir de categorias temáticas de análise que perpassam todas as produções (MARTINS, 2011).

No escopo deste estudo, se inserem três artigos localizados na base da Scielo, sendo dois frutos da mesma pesquisa sobre estado da arte em gestão, autonomia da escola e órgãos colegiados, um publicado na revista Cadernos de Pesquisa (MARTINS; SILVA, 2011) e outro na revista Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação (MARTINS; SOUSA, 2012); e um sobre a produção do conhecimento em administração da educação, na qual se apresenta a construção de um banco de dados publicado neste mesmo periódico (CASTRO; WERLE, 2004). Além desses, se inclui na base deste artigo um livro autoral sobre financiamento da educação no Brasil (SANTOS, 2013).

O conjunto de produções analisado revela a potencialidade das pesquisas desenvolvidas em rede, metodologia de trabalho coletivo que promove a aproximação e o diálogo entre pesquisadores de diferentes regiões e instituições, assim como a possibilidade de ampliação das fontes e de exploração de uma diversidade de temáticas específicas dentro de determinado campo de conhecimento, o que não seria possível em estudos em menor escala.

Sobre as características dos trabalhos, iniciando pelo recorte temporal, verifica-se que os artigos da coletânea organizada por Wittmann e Gracindo (2001) analisam sete anos de produções dos anos de 1990. Os estudos decorrentes da pesquisa coordenada por Martins (2011) contemplam nove anos de produções dos anos de 2000. Com recorte mais amplo, Castro e Werle (2004) abarcam 18 anos de produção, sendo o único, na base deste artigo, que inclui os anos de 1980. Em Santos (2013), são analisados quinze anos de produção em financiamento da educação.

No que se refere às fontes, destaca-se que a constituição de bancos próprios de dados para estudos de revisão foi verificada na pesquisa, tendo por locais de busca o Banco de teses e dissertações da Capes, os periódicos científicos, os anais de eventos da área, estudos de revisão realizados e bibliotecas de referência. Do conjunto de trabalhos, somente um estudo adota fonte exclusiva (CASTRO; WERLE, 2004), artigos em periódicos, elemento que pode ter facilitado o levantamento, uma vez que o estudo contempla o maior recorte temporal da base analisada (18 anos), assim como um elevado número de títulos (3.573). Os demais utilizam fontes mistas em seus estudos de revisão.

No caso dos artigos provenientes de coletâneas, embora partam da mesma base de dados de uma pesquisa mais global, ocorre a extração de obras coerentes com o recorte temático abordado ou com o tipo de produção. Ademais, destaca-se o quantitativo das produções analisadas nos estudos de revisão, que variaram de 25 a 3.573 títulos, implicando na forma de tratar o material do estudo de revisão.

O cruzamento dos critérios local de busca e fonte analisada revela a prevalência de artigos (4.076), sendo 130 deles em anais de eventos, seguidos por teses e dissertações (550) e por pesquisas de docentes (52). Destaca-se que somente um estudo de revisão da base deste trabalho contempla livros como fonte, especificamente sobre financiamento da educação (Santos, 2013), totalizando 156. Em síntese, os dados apontam a relevância dos artigos científicos e a constituição de bancos de dados para o desenvolvimento de estudos de revisão.

Sobre o tipo de leitura contemplado pelos autores em relação às fontes, verificou-se que a maioria dos estudos se restringiu a partes dos trabalhos analisados, em geral, ao título, resumo e, em alguns casos, palavras-chave, em que pese a autocrítica dos autores sobre os limites dessas partes para a análise das produções, como ressaltado por Ferreira (2002) entre outros, quando problematizam a qualidade do resumo como texto acadêmico que, muitas vezes, é desprovido de informações básicas que possibilitem a adequada apresentação do trabalho. A leitura completa é destacada nas publicações de Oliveira e Lopes (2011), em parte das fontes de Martins e Silva (2011b), Souza (2011), Martins e Sousa (2012).

No que se refere aos aspectos metodológicos, o Quadro 2, a seguir, apresenta a configuração dos trabalhos, nos aspectos definidos, no âmbito deste artigo, como importantes na construção e análise dos estudos de revisão. Para tanto, destaca dois blocos de informações: 1) aspectos do estudo de revisão, analisando se o autor informa os descritores/palavras-chave de busca para selecionar seu corpus de análise; se situa e tece diálogo com a literatura sobre estudos de revisão; e se apresenta a construção metodológica do seu estudo; 2) aspectos analisados no estudo de revisão, verificando os recortes privilegiados pelos autores na abordagem dos trabalhos estudados, como evolução temporal, dependência administrativa, sexo/gênero, nível e/ou etapa de ensino, territorialidade, instituições de origem e procedimentos metodológicos dos estudos analisados.

Quadro 2 – Autores, aspectos do estudo de revisão e aspectos analisados nos estudos de revisão

n.

 Autores

Aspectos do estudo de revisão (das publicações aqui analisadas)

Aspectos analisados nos estudos de revisão (recortes dos autores)

Palavra-chave de busca

Diálogo com literatura estudos de revisão

Procedimentos metodológicos

Evolução temporal

Dependência Administrativa

Sexo

Gênero

Nível ou etapa de ensino

Recorte espacial

Instituição de origem

Procedimentos metodológicos

1

Castro e Werle

X

X

X

X

X

 

X

X

X

 

2

Martins e Silva

 

 

X

X

 

 

 

X

 

X

3

Martins e Sousa

 

X

4

Santos

X

X

X

X

X

X

5

Velloso

X

X

6

Oliveira e Teixeira

 

 

X

X

X

 

 

X

 

X

7

Gracindo e Kenski

 

 

X

 

X

X

X

X

X

X

8

Pazeto e Wittmann

X

 

X

X

X

 

 

X

 

 

9

Martins e Silva

X

*

X

X

 

 

 

X

X

X

10

Martins, Silva e Tavares

X

*

X

X

 

X

X

X

X

11

Souza

X

X

X

X

 

 

 

X

X

X

12

Oliveira e Lopes

X

*

 

X

 

 

 

X

X

X

Fonte: os autores.

Nota: O diálogo com a literatura de revisão é assegurado na introdução da coletânea, não nos artigos analisados.

No que se refere aos aspectos dos estudos de revisão, relacionados ao desenho da pesquisa, considerou-se importante saber como os autores chegaram aos trabalhos após a definição da fonte e do local de busca. A maior parte das 12 produções analisadas, partiu de descritores consolidados em palavras-chave de busca, importante recurso para a identificação dos estudos atinentes à proposta de revisão. Oliveira e Lopes (2011, p. 265) reconhecem a importância dos descritores, pois identificam que há “[...] conclusões advindas do tratamento dos descritores, dos procedimentos metodológicos adotados pelos autores e dos conteúdos sendo capazes de informar sobre as pistas e tendências que o conjunto dos artigos pode aportar” e ainda consideram que descritores facilitam o acesso do leitor à fonte. Castro e Werle (2004, p. 1056) acrescentam que “a distribuição temporal das palavras-chave parece espelhar o debate e os temas prevalentes em determinado período”, conforme contexto histórico, político e legal.

Pesquisas cuja busca ocorre de maneira mais livre, sem a definição prévia de descritores, parece exigir maiores esforços tanto na coleta quando no momento da seleção e classificação do material, como ocorreu no estudo coordenado por Wittmann e Gracindo (2001), o qual só foi possível pela criação de uma ampla rede de pesquisadores de diferentes Unidades da Federação.

Na análise das produções corpus deste artigo, procurou-se verificar se há diálogo com referências que tratam dos estudos de revisão ou com outros estudos com essa mesma característica. No entanto, em somente três, das 12 produções, os autores citaram outros estudos de revisão (CASTRO; WERLE, 2004; SOUZA, 2011, SANTOS, 2013), denotando pouco diálogo entre pesquisas dessa modalidade. Essa questão também foi ressaltada por Souza (2019) em artigo de atualização de estudos de revisão.

Quanto aos procedimentos metodológicos utilizados nos estudos de revisão, foi possível observar que maior parte apresenta o caminho de construção da pesquisa, porém com bastante flexibilidade, já que alguns o fazem com significativa riqueza de detalhes, como Castro e Werle (2004), e outros de forma mais genérica. Em alguns trabalhos esses procedimentos estão ausentes no corpo do artigo, possivelmente por considerar a metodologia apresentada na introdução da coletânea da qual faz parte. Essa ausência tem repercussões para a análise dos estudos de revisão, levando ao risco de unir, como alertado por Martins e Silva (2011b, p. 70), “diferentes perspectivas metodológicas reunidas em um único estudo” ou “diferentes técnicas de coleta de dados, sem explicação acerca dos possíveis cruzamentos”, o que compromete a própria análise da validade do conhecimento produzido.

No que se refere aos aspectos analisados nos estudos de revisão corpus deste artigo, a evolução temporal da produção esteve presente em quase todos. Apenas dois não mencionaram tal recorte temporal (VELLOSO, 2001; MARTINS; SOUSA, 2012), mas ele é importante, especialmente em estudos com grande base de dados, porque evidencia tendências de desenvolvimento das investigações no campo.

Aspectos relacionados à dependência administrativa sobre a qual se ancoram as investigações foram valorizados pela metade dos estudos de revisão. No entanto, quando considerados o nível, a etapa ou modalidade de ensino, predominou a ausência de informação mais detalhada, pois apenas três apresentaram tal recorte (VELLOSO, 2001; GRACINDO; KENSKI, 2001; CASTRO; WERLE, 2004). Isso pode ter ocorrido porque quando se trata de gestão escolar ou dos sistemas de ensino, assim como do financiamento da educação, ela pode abranger diferentes etapas e modalidades,

Apenas um trabalho trouxe recorte por sexo/gênero para tratar dos autores das produções (GRACINDO; KENSKI, 2001). A ausência da informação denota certa invisibilidade e homogeneização dessa questão, que também é importante para caracterizar o campo.

O recorte espacial esteve presente na análise de quase todos os estudos de revisão, aspecto não contemplado apenas em dois (VELLOSO, 2001; MARTINS; SOUSA, 2012). Considerando a distribuição espacial das produções, se contatou concentração na região sudeste (WITTMANN; GRACINDO, 2001; MARTINS, 2011; SANTOS, 2013), situação que tem como antecedente a forma de instituição e ampliação da pós-graduação no Brasil, assim como uma maior concentração dos periódicos científicos e dos eventos nacionais, o que favorece a concentração da produção.

Da mesma forma, a origem dos estudos analisados, no que se refere ao vínculo institucional dos autores, foi contemplada nos estudos que adotaram as teses e dissertações, mediante a identificação da Instituição de Ensino Superior, assim como em artigos em revistas e anais de eventos. No entanto, esse recorte ficou comprometido na análise dos livros, dada a forma diferenciada de sua publicação. Nesse item também se revelou discrepâncias regionais nas produções, visto que há concentração em universidades públicas da região sudeste, cujos autores também se fazem mais presentes tanto nos periódicos quanto nas reuniões nacionais da Anpae e da Anped, por exemplo.

A abordagem de aspectos metodológicos dos trabalhos que são base dos estudos de revisão é fundamental para a compreensão de como as pesquisas vem sendo desenvolvidas e quais desafios precisam ser enfrentados para a qualificação das produções sobre gestão e financiamento da educação. Entre os 12 estudos analisados, cinco não contemplaram essa questão (VELLOSO, 2001; PAZETO; WITTMANN, 2001; CASTRO; WERLE, 2004; MARTINS; SOUSA, 2012; SANTOS, 2013). Os estudos de revisão que valorizaram esse aspecto indicaram lacunas: técnicas confundidas com opções metodológicas; diferentes perspectivas metodológicas reunidas em um único estudo; diferentes técnicas de coleta de dados, sem explicação acerca dos possíveis cruzamentos; incoerências entre aspectos metodológicos abordados e conclusões, ou entre os capítulos teóricos anunciados e as conclusões; prevalência de abordagens analítico-descritivas; baixa produção de estudos de cunho quantitativo; pouca problematização teórico conceitual; pouca incidência de trabalhos quantitativos, os quais ainda são rotulados como positivistas.

Os estudos de revisão que compõem o corpus deste artigo fizeram suas análises a partir de categorias temáticas, por vezes apresentando também subcategorias. Cada estudo adotou metodologia própria de definição das referidas categorias. Algumas são previamente definidas no próprio desenho da pesquisa, outras são realizadas no processo de análise dos trabalhos, sendo procedimentos legítimos de construção metodológica das pesquisas. As categorias temáticas oferecem um panorama para os estudos de revisão da área em questão, seus desafios, tendências e lacunas, evidenciando sua relevância para novos estudos de revisão sistemática com recorte temático.

Na sequência, sem a intenção de explorá-las em profundidade, dados os limites deste artigo, apresenta-se uma síntese das categorias analisadas pelos autores, agrupadas em três blocos: financiamento da educação, gestão educacional, gestão da escola.

5 FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

Os dois autores que desenvolveram estudos de revisão sobre financiamento da educação definiram categorias específicas para analisar o conjunto de trabalhos sobre o tema. Velloso (2001) definiu três grandes categorias: níveis de ensino e esfera de governo; grandes temas transversais, que atravessam esses níveis e esferas; e tópicos temáticos específicos tratados em cada produção. Santos (2013), definiu duas categorias: a primeira pautada nos artigos e publicações que abordam o tema financiamento no Brasil sob a perspectiva dos recursos orçamentários; a segunda sobre os recursos não orçamentários, com ênfase no salário educação.

Velloso (2001), a respeito dos níveis de ensino, informa que nos estudos predominou o ensino fundamental, segunda etapa da educação básica, a única obrigatória até o ano de 2009. Souza (2019), atualizando o estudo que deu origem ao artigo de Velloso (2001), considerando a produção de 1998 a 2015, publicada na Revista Brasileira de Política a Administração da Educação (RBPAE) e na base da Scielo, destaca a prevalência de estudos sobre o financiamento da educação básica pública. Santos (2013) não adota um recorte que considere os níveis de ensino nos estudos analisados, embora destaque, entre os temas que demandam aprofundamento, mediante pesquisas, vários aspectos do ensino superior.

Especificamente sobre os temas, Velloso (2001) problematiza que os recursos públicos são objeto quase que exclusivo de análise, havendo abordagens ocasionais sobre o financiamento privado da educação. Santos (2013, p. 29), destaca a predominância da categoria recursos orçamentários, especificamente sobre temas como “o Fundef, o Fundeb, os Cacs, a atuação dos Tribunais de Contas, os cenários, os contextos e os discursos oficiais, os parâmetros legais, os atos normativos, as decisões políticas”, entre outros.

Ainda analisando os temas, Velloso (2001, p. 68) destaca o fato de que os estudos “tratam do financiamento sob a ótica da alocação dos recursos ou da aplicação das verbas”, diferentemente do contexto internacional, dedicado mais à discussão das fontes, receitas e captação de recursos. Essa tendência é, de certa forma, reiterada por Santos (2013), ao indicar que, no conjunto dos trabalhos, os temas apresentados com maior frequência são as seguintes: defesa da manutenção da vinculação de recursos para a educação pública; aumento dos recursos financeiros (com ênfase no percentual do PIB em educação, visando alcançar 10% no PNE); consolidação de mecanismos de controle social sobre os recursos da educação; definição do custo aluno-qualidade e atuação dos Tribunais de Contas.

Dos tópicos específicos abordados, Velloso (2001) indica que, positivamente, a produção científica no Brasil tem uma diversidade significativa. Destaca a avaliação institucional conectada à alocação de recursos no ensino superior e as despesas de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE). Os demais pulverizam-se em questões específicas. Santos (2013), embora não adote as mesmas categorias destaca que referente a recursos não orçamentários, o salário-educação é abordado incipientemente nos estudos sobre financiamento da educação.

O referido autor ainda destaca que os temas de investigação no campo financiamento da educação são pautados na relação entre Estado e pesquisadores, isto porque a relação é contraditória e conflituosa: “no mesmo momento em que os pesquisadores fazem a crítica sobre a agenda política do referido estado, o faz a partir da agenda definida pelo poder público, além de recorrer aos subsídios públicos para a consecução de suas pesquisas e respectivas análises” (SANTOS, 2013, p. 71).

A análise supracitada é, de certa forma, reiterada por Souza (2019, p. 7): “a conjuntura política pauta a pesquisa”. Isto ficou evidente nos estudos sobre financiamento da educação.

A necessidade de maior intersecção dos estudos sobre financiamento da educação com a área de finanças públicas (VELLOSO, 2001) e com a contabilidade, economia e administração (SANTOS, 2013) é destacada pelos autores analisados. Também há consenso de que a discussão sobre o clientelismo na alocação das verbas do ensino e de análise dos convênios entre poder público e escolas privadas ainda é modesta nos estudos analisados.

Velloso (2001), sugere, ainda, maior aproximação da produção brasileira com os temas e desafios que se colocam nos cenários nacional e internacional, como financiamento da educação infantil e do ensino médio, problema que se manteve nas décadas seguintes, embora se observe um movimento de reversão, ainda tímido, dessa situação (SOUZA, 2019). Ainda no campo dos desafios para as pesquisas sobre o financiamento da educação, Santos (2013) apresenta 26 assuntos que não foram analisados ou foram abordados incipientemente no conjunto das publicações corpus do seu livro, indicando as lacunas no campo.

Em que pesem as referidas lacunas, é reconhecido que o avanço das produções em financiamento da educação, no período retratado, foi impulsionado, como bem descreve Santos (2013; 2017), pela criação de espaços institucionais que agregaram pesquisadores no País, como a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), ou pela articulação dos pesquisadores em torno de espaços já instituídos como o Grupo de Trabalho Estado e Política Educacional da Anped; a Anpae; a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), reforçando uma característica do campo que é pesquisa e intervenção na realidade educacional visando assegurar condições de oferta de qualidade na educação pública brasileira.

6 GESTÃO EDUCACIONAL

Nos estudos de revisão sobre o campo Gestão Educacional no Brasil é possível constatar existência de muitas categorias que o compõem, bem como alternância de tendências ou temáticas em função das questões políticas, sociais e econômicas que circundam políticas educacionais.

Segundo Castro e Werle (2004), a administração da educação pode ser compreendida como a expressão da política educacional que se materializa na escola, revelando a abrangência e a complexidade do campo de estudo, que necessita da interlocução com outras áreas de conhecimento. A amplitude desse campo fica evidente pela diversidade de palavras-chave encontradas no estudo das referidas autoras, que abrangeu o período de 1982 a 2000, totalizando 59 unitermos.

Para as autoras, a administração da educação integra, concomitantemente, perspectivas específicas e gerais, o que evidencia complexidade e, ao mesmo tempo, possibilidades de uma diversidade de análises que “[...] permite a adaptação à realidade em questão não fazendo uma predição, mas considerando os fatores de instabilidade, complexidade e a intersubjetividade.” (CASTRO; WERLE, 2004, p. 1061).

A Gestão dos Sistemas Educacionais tem sido abordada sob diferentes perspectivas, tendo em vista o momento histórico e a legislação vigente em nosso país. Até a década de 1980, a mobilização social e os estudos sobre essa temática pretendiam evidenciar a importância da municipalização, mediante descentralização de competências, considerando que isso resultaria na democratização do acesso. Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, os municípios se fortaleceram e assumiram um papel importante na promoção do ensino, processo consolidado com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/1996 e com a implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), mecanismo que induziu a municipalização da oferta dessa etapa da educação básica.

Os estudos sobre gestão evidenciam esse processo. Neste sentido que Oliveira e Teixeira (2001) elegeram duas categorias de análise: municipalização do ensino e gestão municipal do ensino. A primeira agrega trabalhos sobre a temática de forma geral, ressaltando as condições necessárias para efetivar a municipalização, especialmente no que se refere à participação e à autonomia. Busca-se compreender como a municipalização ocorre em determinado contexto e se o princípio da democratização apoia esse processo. Os autores constataram a predominância de uma visão mais concreta, ligada à prática de como ocorre o processo de municipalização, em detrimento da dimensão teórica e conceitual.

A segunda categoria, gestão municipal do ensino, evidenciou a predominância de análise dos sistemas municipalizados, tendo como temáticas recorrentes a dimensão administrativa da gestão do ensino municipal; a dimensão pedagógica (qualidade e mudança); a dimensão política (democratização) e; em menor escala, a questão da participação (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 2001)

Também abordando a temática gestão dos sistemas educacionais, Gracindo e Kenski (2001) asseveram que, na bibliografia educacional, os termos gestão e administração são tratados de maneiras diferentes, o que causa confusão entre os conceitos e evidencia a disputa de forças político-ideológicas em torno da temática. Nos documentos orientadores das políticas educacionais, oriundos da articulação do governo com os organismos internacionais, a gestão corresponde a gerência, compreendida como um processo instrumental que implementa as políticas. No âmbito das pesquisas educacionais, o termo gestão foi utilizado por alguns autores, em contraposição à visão tecnicista que marcou os estudos sobre administração da educação desenvolvidos entre as décadas de 1960 e 1970.

Gracindo e Kenski (2001) assinalam, como uma alternativa para ampliar o campo de estudos sobre gestão dos sistemas educacionais, a realização de pesquisas por coletivos de docentes, uma vez que a temática exige um conhecimento profundo sobre a organização e o funcionamento do sistema, visto que a gestão da educação sobrepuja a questão técnica, pois envolve, também, a perspectiva política, oriunda da natureza pública e de direitos própria da gestão educacional. A estratégia proposta pelas autoras pode colaborar para configurar essa temática como um campo de estudo, contribuindo, positivamente, para a definição de políticas públicas e para a melhoria da qualidade social da educação.

Em estudo de revisão recente, Souza (2019) assinala que, na atualidade, as categorias municipalização e gestão municipal da educação não se sustentam mais como temáticas de pesquisa, na medida em que a descentralização foi efetivada e que os municípios assumiram sua parcela de responsabilidade na garantia do direito à educação. Para o autor, o que anteriormente estava alocado na temática gestão municipal da educação hoje se insere como pesquisas sobre gestão de sistemas educacionais. Entretanto, destaca que, no período analisado, houve diminuição dos estudos sobre a temática, possivelmente em função da ampliação de investigações acerca do planejamento educacional.

7 GESTÃO DA ESCOLA

A produção sobre a temática gestão da escola é analisada por Pazeto e Wittmann (2001), em período anterior à aprovação da LDB/1996, a partir das seguintes categorias: Democratização da Gestão e Autonomia; Organização do Trabalho Escolar; Função e Papel do Gestor; e Gestão Pedagógica. Em todas as pesquisas analisadas pelos autores, a escola foi o foco central de preocupação, destacando-se as crises, os problemas, o peso burocrático e as relações de poder.

Ao tratar da Democratização da gestão e de autonomia, os autores informam que os estudos sugerem especial atenção para as seguintes subcategorias: a) Mecanismos institucionais: conselhos e direção colegiada; b) Envolvimento da comunidade: importância e experiências; c) Provimento do cargo e papel do gestor; d) Identidade e autogoverno; e) Participação: fundamentos e dificuldades; f) Políticas e sua implantação; g) Democratização da gestão e melhoria pedagógica (PAZETO; WITTMANN, 2001). Essas questões também se destacam em estudos de Martins (2011), Oliveira e Vasques-Menezes (2018) e Souza (2019), os quais identificam reposicionamento das categorias de análise diante do contexto de cada período pesquisado.

Em estudo desenvolvido sobre produções do período entre 2000 e 2008, as categorias priorizadas foram relações e práticas intraescolares; programas e projetos; espaços e canais de participação intraescolar e teorias e conceitos (MARTINS, 2011; MARTINS; SILVA, 2011b). Nota-se, nesses estudos, que a variação da análise decorre da fonte adotada, já que, após uma abordagem geral da pesquisa, feita pelos autores supracitados, os trabalhos analisados são aglutinados por tipo específico de produção, como teses e dissertações (MARTINS; SILVA; TAVARES, 2011), trabalhos em anais de eventos (SOUZA, 2011) ou artigos em periódicos (OLIVEIRA; LOPES, 2011). Desta forma, a partir do mesmo banco de dados, as categorias estão articuladas aos descritores e constituem o eixo aglutinador da pesquisa conferindo unidade e amplitude ao conjunto da publicação.

Partindo das referidas categorias, os autores evidenciam problemas sobre e da escola, analisando a democratização da gestão e a autonomia escolar, ressaltando a sua relevância e indicando a necessidade de mais estudos sobre o tema. Essa questão foi reafirmada recentemente por Oliveira e Vasques-Menezes (2018) e Souza (2019), que demonstraram o aumento do interesse de pesquisadores pelos temas gestão democrática, descentralização e autonomia.

Martins (2011), em seu contexto de pesquisa, chama a atenção para a baixa produção nas categorias espaços e canais de participação intraescolar e teorias e conceitos. No entanto, percebeu presença significativa de produções nas categorias relações e práticas intraescolares e programas e projetos. Nesse cenário, a gestão democrática parece associar-se mais à democratização das relações diante dos desafios postos pelas relações interpessoais e de poder presentes no cotidiano escolar. Para Souza (2019, p. 14) “mesmo a gestão democrática não tendo tomado a cena da gestão escolar no cotidiano das instituições educativas brasileiras, ela pauta a pesquisa desse campo de conhecimento”. O autor verifica que a atenção de pesquisadores com a questão da participação em espaços institucionalizados se alterou após a inserção do princípio da gestão democrática na CF/1988 e na LDB/1996, envolvendo lutas sociais pela sua implementação.

Nesse sentido, na produção discente dos programas de pós-graduação (MARTINS; SILVA; TAVARES, 2011) se evidenciou a sobreposição de perspectivas teórico-metodológicas, com coleta de dados não condizente com as metodologias indicadas, como evidenciado na categoria “Relações e Práticas intra-escolares”. Esta categoria foi a de maior incidência, também, na análise dos trabalhos publicados nos anais de eventos da Anpae e da Anped (SOUZA, 2011), bem como nos artigos dos periódicos nacionais (OLIVEIRA; LOPES, 2011). De acordo com Souza (2019), o crescimento dos estudos sobre relações e práticas intraescolares está relacionado ao uso de perspectivas metodológicas e de técnicas de pesquisa construídas no campo das Ciências Humanas.

A categoria “Teorias e Conceitos” foi a que obteve menor atenção na produção discente da pós-graduação, nos anais de eventos e nos periódicos. Tal categoria surgiu como demanda, ainda que tímida, na pesquisa de Pazeto e Wittmann (2001), tornando-se categoria de análise em estudos posteriores, a exemplo de Martins, Silva e Tavares (2011), tendo seu crescimento confirmado em estudo de Souza (2019). O autor salienta ainda que teorias e conceitos surgiram como uma categoria inédita na leitura de trabalhos sobre a política, como manifestação objetivada na gestão, em geral como “trabalhos de revisão bibliográfica, na forma de estados da arte ou do conhecimento” (SOUZA, 2019, p. 14)

Identificaram-se, no período estudado, algumas lacunas na temática gestão escolar que merecem ser aprofundadas, tais como a polissemia do termo gestão/administração; a relação entre gestão da escola e resultados escolares; os órgãos colegiados; a “discrepância entre lei e realidade”; a relação gestão escolar e as tendências políticas atuais. Essas questões revelam a necessidade de novos estudos e, ao mesmo tempo, a existência da diversidade de concepções sobre o campo administração escolar (MARTINS; SILVA, 2011a; MARTINS, 2011)

Martins e Sousa (2012), por sua vez, buscam relacionar a avaliação de desempenho de alunos com modelos de gestão, alertando que é necessário cuidado ao tratar dessa temática, visto que a multiplicidade de sentidos atribuídos ao termo “gestão democrática” possibilita riscos de haver confusão entre “[...] o tema com o próprio ‘objeto de pesquisa’ tendo em vista que a constatação de ‘uma boa gestão escolar’ não pode estar fundamentada – linearmente – em sua relação com o desempenho de alunos” (p. 23), consideração importante, especialmente no atual contexto em que a avaliação em larga escala é tomada como sinônimo de indicador de qualidade da escola.

8 À GUISA DE CONCLUSÕES

A primeira questão a ser destacada nestas considerações finais refere-se ao fato de que a quase totalidade dos estudos foram desenvolvidos em redes de pesquisa, fato justificado pela complexidade e volume de trabalho próprios dos estudos de revisão. As redes de pesquisa potencializam a produção de conhecimento e promovem a aproximação e o diálogo entre pesquisadores de diferentes regiões e instituições, contribuindo para o avanço da comunidade científica.

A organização em coletivos de pesquisadores se justifica pela complexidade das pesquisas de revisão que consideram, em geral, significativo recorte temporal, como no conjunto de trabalhos analisados neste artigo, os quais contemplaram de sete a 18 anos de produção sobre gestão e financiamento da educação, captada em Banco de teses e dissertações, em periódicos científicos, em anais de eventos da área ou em bibliotecas de referência, além daqueles se debruçaram sobre bancos próprios constituídos em movimento de pesquisa.

A constituição de bancos de dados próprios pelas equipes de pesquisadores, em muitos casos com o apoio de entidades da comunidade científica, como no caso da Anpae, em muito contribui para o avanço do campo e para os estudos de revisão, permitindo a possibilidade da releitura e de contextualização de categorias, já que os estudos são desenvolvidos em diferentes períodos da história da política educacional brasileira.

No que se refere às fontes documentais, destacam-se a prevalência dos artigos em periódicos e o quantitativo das produções, que variaram de 25 a 3.573 títulos, cuja variedade conformou o tipo de leitura, na maioria dos trabalhos restrita a partes, como título, resumo e palavras-chave. Essa restrição, em que pese o reconhecimento de seus limites, se justifica pelo volume de produções.

Com relação ao desenho da pesquisa, foi importante constatar que a maior parte das 12 produções analisadas buscou os trabalhos a partir de descritores/palavras-chave de busca, o que, além de facilitar a coleta, definindo parâmetros claros para toda a equipe executora da pesquisa, delineia o conjunto de trabalhos submetido ao estudo de revisão, contribuindo na etapa de sistematização e análise.

O diálogo com referências que tratam dos estudos de revisão ou com outros estudos com essa mesma característica foi incipientemente verificado nos trabalhos, restringindo-se a três das 12 produções analisadas, sendo um limite que precisa ser superado nos estudos de revisão, visto que a sua exposição, junto aos procedimentos metodológicos, contribui para coerência e fundamentação teórico-metodológica dos estudos sobre produção de conhecimento.

Quanto aos aspectos analisados nos estudos de revisão constatou-se que a evolução temporal; a dependência administrativa sobre a qual se ancoram as investigações sobre gestão e financiamento da educação e o recorte espacial e institucional dos estudos, são aspectos importantes para as revisões de conhecimento, embora não contemplados por todos os autores dos estudos sistematizados no presente artigo. Especificamente sobre a distribuição espacial e institucional das produções, ela é importante por permitir analisar sua repartição entre as regiões, unidades da federação e instituições de ensino superior, aspecto relevante para acompanhar o processo de concentração e desconcentração da produção científica sobre a temática no país.

A abordagem dos aspectos metodológicos dos trabalhos que compõe o corpus dos estudos de revisão é importante, relacionada a análise da trajetória e da validade da construção do conhecimento no campo, em que pese não ter sido enfrentando pela quase metade dos trabalhos analisados. Não são secundárias constatações de lacunas, imprecisões, equívocos ou prevalências teórico-metodológicas nos estudos, conforme verificado pelos autores que contemplaram esse aspecto. Por isto, as questões teórico-metodológicas são fundamentais para o avanço do campo científico.

As categorias temáticas de análise, sejam previamente definidas no desenho da pesquisa, sejam consolidadas no processo de análise dos trabalhos, são importantes para delinear o panorama dos estudos de revisão, contemplando seus desafios, tendências e lacunas, portanto evidenciam o estado do campo e permitem o diálogo entre diferentes produções, como evidenciado nos temas financiamento da educação, gestão educacional e gestão escolar.

O estudo permitiu concluir que ainda existem desafios significativos para estudos de revisão, dentre os quais se destaca a pouca atenção com recortes como: sexo, gênero, raça. Contemplar tais recortes tende a proporcionar a abertura do leque de análise e ressignificação do campo da gestão e financiamento da educação.

Ressalta-se ainda a observância da prioridade de pesquisas voltadas ao Ensino Fundamental, bem como a escassez de estudos de gestão da educação e da escola e financiamento da educação, com foco na Educação Infantil e Ensino Médio. É necessário o aprofundamento dos estudos sobre essas etapas, sem dissociação com a visão geral dos estudos sobre educação.

Destaca-se, também, a necessidade de maior aproximação dos pesquisadores com a literatura sobre o tema estudos de revisão. Ademais evidencia-se a relevância de pesquisas desenvolvidas em rede por coletivos de pesquisadores, como aquele que deu origem ao presente artigo, sendo imprescindível para o avanço do conhecimento e para a consolidação pesquisa e de intervenção social do campo gestão e financiamento da educação.

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Endereços para correspondência: Universidade Federal do Piauí - UFPI Campus Universitário Ministro Petrônio Portella, Bairro Ininga - Teresina - PI -CEP: 64049-550; rosanacruz@ufpi.edu.br


1 Doutorado e Mestrado em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

2 Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo; Mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

3 Doutorado e Mestrado em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.