https://doi.org/10.18593/r.v47.30146

A didática no epicentro da formação de professores: crise e superação em contexto de pandemia

Didactics at the ipicenter of teacher education: crisis and overcoming in a pandemic context

La didáctica en el epicentro de la formación del profesorado: crisis y superación en un contexto pandémico

Rosana Aparecida Ferreira Pontes1

Universidade Católica de Santos, Professora de Cursos de Licenciatura

https://orcid.org/0000-0001-9215-7248

Suzana dos Santos Gomes2

Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social

http://orcid.org/0000-0002-8660-1741

Vania Finholdt Angelo Leite3

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Educação: Processos Formativos e Desigualdades Sociais

https://orcid.org/0000-0003-4583-7165

Resumo: A Didática, historicamente, tem ocupado um papel central na formação de professores. Em uma perspectiva humanizada, caracteriza-se como um importante lócus de resistência às orientações legais brasileiras para os cursos de licenciatura que têm favorecido a dicotomia teoria e prática, a fragmentação das áreas de conhecimento, a padronização e o controle, como decorrência do entendimento político neotecnicista dos conceitos de educação, ensinar e aprender. Em meio a esse cenário já conturbado, a educação brasileira adentrou a crise provocada pela pandemia do SARS-CoV-2. Frente a tal problemática, no intuito de compreender como os estudantes dos cursos de licenciatura perceberam e caracterizaram o ensino de Didática, implementado por meio do Ensino Remoto Emergencial (ERE), este artigo analisa resultados de pesquisa realizada no país, em universidades públicas federais e estaduais, no período de 2020 a 2021. Trata-se de pesquisa quanti-qualitativa, cujo recorte apresentado refere-se à região sudeste que envolveu estudantes dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, representando 27,8% do total de 487 participantes. O instrumento que gerou o corpus da investigação foi um questionário on-line, com 46 questões abertas e fechadas. A análise, sob a perspectiva crítico-dialética, fundamentou-se em Pimenta, Libâneo, Marin, Freire, dentre outros. Os resultados evidenciaram que, apesar de todas as mazelas que a pandemia causou, os estudantes reconheceram o valor da interação pedagógica, mediada pelas tecnologias digitais, a relevância da disciplina, bem como os professores de Didática como propulsores do processo de ensino-aprendizagem que se volta para a formação profissional crítica e cidadã.

Palavras-chave: Didática; Formação de professores; Pandemia; Ensino Remoto Emergencial.

Abstract: Historically, Didactics has occupied a central role in teacher education. From a humanized perspective, it is an important locus of resistance to the Brazilian legal guidelines for undergraduate courses, which have favored the dichotomy between theory and practice, the fragmentation of knowledge areas, standardization, and control, because of the neotechnic political understanding of the concepts of education, teaching and learning. Amidst this already troubled scenario, Brazilian education has entered a crisis provoked by the SARS-CoV-2 pandemic. Faced with this problem, to understand how students of undergraduate courses perceived and characterized the teaching of Didactics, implemented through Emergency Remote Learning (ERE), this article analyzes the results of a survey conducted in the country, in federal and state public universities, from 2020 to 2021. This is quanti-qualitative research, whose cut presented refers to the southeastern region that involved students from the states of Minas Gerais, São Paulo and Rio de Janeiro, representing 27.8% of the total of 487 participants. The instrument that generated the corpus of the investigation was an online questionnaire, with 46 open and closed questions. The analysis, from a critical-dialectical perspective, based on Pimenta, Libâneo, Marin, Freire, among others. The results showed that, despite all the evils that the pandemic caused, the students recognized the value of pedagogical interaction, mediated by digital technologies, the relevance of the subject, as well as the Didactics teachers as propellants of the teaching-learning process that focuses on critical professional training and citizenship.

Keywords: Didactics; Teacher training; Pandemic; Emergency Remote Teaching.

Resumen: La didáctica, históricamente, ha ocupado un papel central en la formación del profesorado. Desde una perspectiva humanizada, se caracteriza como un importante locus de resistencia a las directrices legales brasileñas para las carreras que han favorecido la dicotomía entre teoría y práctica, la fragmentación de las áreas de conocimiento, la estandarización y el control, como resultado de la comprensión política neotecnicista de los conceptos de educación, enseñanza y aprendizaje. En medio de este escenario ya problemático, la educación brasileña ha entrado en la crisis provocada por la pandemia de SARS-CoV-2. Frente a este contexto, con el fin de comprender cómo los estudiantes de graduación percibieron y caracterizaron la enseñanza de la Didáctica, implementada a través del Aprendizaje a Distancia de Emergencia (ADE), este artículo analiza los resultados de la investigación realizada en el país, en las universidades públicas federales y estatales, en el período de 2020 a 2021. Se trata de una investigación cuanti-cualitativa, cuyo corte presentado se refiere a la región sudeste que involucró a estudiantes de los estados de Minas Gerais, São Paulo y Río de Janeiro, representando el 27,8% del total de 487 participantes. El instrumento que generó el corpus de la investigación fue un cuestionario en línea, con 46 preguntas abiertas y cerradas. El análisis, bajo la perspectiva crítico-dialéctica, se basó en Pimenta, Libâneo, Marin, Freire, entre otros. Los resultados mostraron que, a pesar de todos los males que causó la pandemia, los estudiantes reconocieron el valor de la interacción pedagógica, mediada por las tecnologías digitales, la relevancia de la asignatura, así como a los profesores de Didáctica como propulsores del proceso de enseñanza-aprendizaje que gira en torno a la formación profesional y ciudadana crítica.

Palabras clave: Didáctica; Formación de profesores; Pandemia; Aprendizaje a Distancia de Emergencia.

Recebido em 20 de abril de 2022

Aceito em 19 de maio de 2022

1 INTRODUÇÃO

Nosso estudo faz parte de uma pesquisa coordenada pela Associação Nacional de Didática e Prática de Ensino (ANDIPE) – Ensino de Didática nos Cursos de Licenciatura de Universidades Públicas de modo remoto: a visão dos estudantes – que envolveu 487 estudantes de cursos de licenciatura de universidades públicas federais e estaduais de todo o país.

Quanto à metodologia, caracteriza-se como um estudo de abordagem quanti-qualitativa, cujo recorte refere-se à Região Sudeste, mais especificamente aos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, representando 27,8% do total de participantes.

Torna-se relevante destacar o contexto que provocou a implementação do ERE nas universidades. A doença infecciosa denominada Covid-19, causada pelo coronavírus SARS-COV-2, teve os primeiros casos comprovados na província de Wuhan, na China, no final de novembro de 2019. Em poucos meses, tomou proporções globais e foi declarada pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março de 2020. No Brasil, o governo federal decretou estado de calamidade pública no mesmo período. (BRASIL, 2020a)

Como formas de enfrentamento dessa situação calamitosa, a quase totalidade dos países impôs a seus habitantes medidas restritivas de circulação, fechamento de estabelecimentos, adoção de normas de distanciamento e de isolamento social. Assim, além de estabelecimentos comerciais, transporte público e outros serviços, as escolas e as universidades do mundo inteiro foram fechadas por prazo indeterminado, afetando milhões de estudantes.

Em abril de 2020, o governo federal instituiu o Comitê Operativo de Emergência do Ministério da Educação (COE-MEC) para a definição de ações para mitigar os efeitos da pandemia na educação. Um dos procedimentos adotado pelo Comitê foi a publicação da Portaria MEC n. 343, de 17 de março de 2020, que autorizava, excepcionalmente, a “substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas que utilizassem meios e tecnologias de informação e comunicação” (BRASIL, 2020b). Estava, então, instituído o Ensino Remoto Emergencial (ERE)

Em decorrência da implementação do ERE, constatou-se uma crescente demanda por alternativas de integração das tecnologias digitais no processo de ensino-aprendizagem. Nesse formato, as aulas ocorreram na modalidade on-line, de forma síncrona ou assíncrona, sendo indispensável, portanto, a mediação tecnológica.

É fato que a pandemia acelerou o processo de inclusão digital nos espaços educacionais, sendo obrigatório repensar as formas de ensinar e aprender, pois os ambientes físicos se tornaram virtuais e tanto professores quanto estudantes precisaram ampliar suas habilidades tecnológicas de um dia para o outro, devido ao distanciamento social imposto para evitar a disseminação do vírus. Por outro lado, as dificuldades de acesso à internet e a falta de recursos de grande parte dos estudantes se tornaram as maiores barreiras para as aulas remotas.

Diante do exposto, o ensino da disciplina Didática, por meio do ERE, estimulou nossa leitura crítica da crise resultante da pandemia da Covid-19, que tem provocado impactos sociais e colocado em pauta o sentido e o significado dessa crise.

Em busca de problematizar a crise, Costa (1998) entende-a como momentos de verdade que demandam atenção e compromisso para a tomada de decisões. Para Arendt (2011), a crise pode ser interpretada como o momento de explicitação das fragilidades inerentes ao processo educacional, colocando em xeque as certezas e a segurança que sustentavam o passado. Santos (2020), em A cruel pedagogia do vírus, demonstra que a crise, na verdade, é reflexo de um processo histórico, cultural e político anterior, referente ao modo de vida da humanidade, sob os efeitos do capitalismo, bem como do aprofundamento do neoliberalismo enquanto modelo econômico.

Assim, considerando as definições dos autores referidos, abordamos o conceito de crise como transversal à nossa problemática. Por conseguinte, procuramos desvelar as contradições que perpassam nossa crise educacional, a área de formação de professores e, mais especificamente, o campo da Didática, em relação ao capitalismo financista e suas demandas à educação brasileira.

No tocante à formação de professores no Brasil, podemos caracterizá-la como um campo em disputas. Existe um movimento de reformadores da educação (FREITAS, 2012)4 que atua diretamente dentro do Ministério da Educação5 e é responsável pelas atuais políticas públicas educacionais. Políticas essas que impactam o trabalho dos formadores de professores para a Educação Básica, nas IES/Universidades e que, a partir da BNC – Formação, Resolução CNE/CP n. 2/2019 – elaborada a portas fechadas e sem diálogo com as entidades acadêmicas, científicas e sindicais da área –, a Didática está fragilizada, em prol de um praticismo neotecnicista.

As atuais orientações legais para a Formação de Professores estão voltadas para os resultados, para as dicotomias teoria e prática, ensino e pesquisa, para a fragmentação das áreas de conhecimento, para a padronização e o controle, como decorrência do entendimento político restrito dos conceitos de educação, ensinar e aprender. Portanto, estão em total desacordo com as necessidades históricas da formação e valorização profissional do magistério em nosso país. Com essas reformas, questionamos se a Didática possui ainda protagonismo nos cursos de licenciatura, em qualquer IES/Universidade do Brasil.

No campo da Didática, destacamos estudos comprometidos com uma formação crítica e situada. Para Marin, Pena e Rodrigues (2012), a Didática é entendida como uma área de conhecimento fundamental para a compreensão da prática docente articulada à teoria. Seus estudos enfatizam demandas por uma revisão crítica da Didática e o entendimento da disciplina como esfera acadêmica de estudos e componente formativo dos professores. Pimenta (2019) confirma a crise da Didática e propõe a abordagem crítica como forma de resistência à ideologia neoliberal impregnada na área.

O protagonismo da Didática nos cursos de licenciatura também foi objeto de estudo de Marin e Pimenta (2015). Segundo as autoras, a Didática, como área epistemológica tem estatuto e objetos próprios e se constitui como área curricular fundamental na formação de professores. Nessa perspectiva, o ensino e a aprendizagem são entendidos como prática social historicamente situada. Na mesma direção, Libâneo (2013), Franco e Pimenta (2010) afirmam que a Didática está no centro da formação profissional dos professores. Entendida como ciência, investiga saberes a serem mobilizados na ação docente.

Em consonância com os autores citados, reconhecemos a crise da Didática, em meio à crise sanitária e conjectural em que mergulhamos, em busca de possibilidades de superação. Assim, ao ponderarmos sobre a complexidade desse contexto, delimitamos o seguinte problema de pesquisa: como os estudantes dos cursos de licenciatura perceberam e caracterizaram o ensino de Didática, implementado por meio do ERE? Coerente com essa questão principal, torna-se relevante também indagar: que implicações o contexto da crise apresenta para a educação? Que lições a crise permite apreender? Qual o sentido da Didática no epicentro dessa crise? E como extrair da crise aprendizagens para prosseguir, atuando em defesa da vida e de um projeto de educação pública, democrática e inclusiva? Para responder tais questões, desenvolvemos nossas análises sob uma perspectiva crítico-dialética.

Á guisa de sistematização, organizamos este artigo em quatro seções. Na primeira seção, apresentamos a metodologia e o perfil dos sujeitos da pesquisa, dando ênfase às condições de acesso à internet. Já nas seções seguintes, analisamos três eixos da pesquisa que consideramos essenciais para a compreensão do ensino da Didática, no contexto do ensino remoto emergencial, por meio das percepções e caracterizações dos estudantes. Concluímos, refletindo sobre as possibilidades de resistência e luta frente à crise.

2 A PESQUISA EM TELA: A METODOLOGIA E OS SUJEITOS

Realizamos uma pesquisa de abordagem quanti-qualitativa, utilizando o questionário on-line como instrumento para a construção do corpus de análise. Esse instrumento mostrou-se adequado para o momento pandêmico, uma vez que não necessitaria da presença do pesquisador e otimizaria o tempo, mantendo o distanciamento exigido pelos protocolos sanitários.

Os sujeitos foram 487 estudantes de cursos de licenciatura de universidades públicas federais e estaduais do Brasil que estavam cursando ou finalizaram a disciplina Didática de modo remoto, como também aceitaram as condições apresentadas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Escolhemos as universidades públicas, devido às semelhanças nos aspectos estruturais, no perfil dos docentes e dos estudantes. Nosso recorte concentrou-se nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, com 117 participantes.

O questionário foi constituído de 46 perguntas, sendo 34 fechadas e 12 abertas, distribuídas em cinco eixos: perfil dos estudantes; condições de acesso e uso de tecnologias/internet/Ava; ensino remoto emergencial de Didática – desafios e possibilidades nos processos de interação e mediação; ensino de Didática e tecnologia; ensino de Didática – relevância, conteúdos e especificidades.

Os eixos solicitaram opiniões dos estudantes sobre: avaliação de condições emocionais, carga de estudos, conciliação e equilíbrio entre atividades domiciliares de trabalho e estudo; sugestões gerais; sugestões para melhoria das práticas didáticas; a importância de utilização das tecnologias digitais e outras tecnologias; importância da utilização das tecnologias para o futuro como professor(a); pontos positivos e negativos; principais dificuldades enfrentadas na disciplina; autoavaliação da aprendizagem na disciplina Didática, dentre outros detalhes.

Os questionamentos ofereceram uma ampla visão dos sujeitos participantes, bem como possibilitaram a análise das condições adversas enfrentadas, durante os duros tempos do ensino remoto emergencial, apresentando as precariedades, as dificuldades e os transtornos diversos causados no ensino, na aprendizagem e nas rotinas de vida. Assim, por meio das respostas abertas, as estudantes puderam expor descontentamentos e fragilidades do ensino da Didática.

No tratamento dos dados, especialmente envolvendo as questões abertas, optou-se pela análise de conteúdo, com base nas contribuições de Bardin (2011). Assim, o consolidado obtido, por meio das respostas ao questionário, foi objeto de análise das pesquisadoras que demandou análise crítica, articulação e cruzamento de dados. Esse movimento permitiu identificar desafios enfrentados pelos estudantes no componente Didática ofertado no formato remoto, como também, aprendizagens e implicações pedagógicas a serem consideradas no retorno ao modo presencial.

No que se refere ao perfil dos respondentes, os sujeitos eram predominantemente jovens, 72,02 % possuíam entre 20 e 29 anos de idade; 67,22% afirmaram ser do sexo feminino, 31,93% afirmaram ser do sexo masculino. Quanto à questão étnico-racial, 50,42% afirmaram ser brancos, 29,41 % pardos, seguido de 17,64% que afirmaram ser pretos. Quanto às características domiciliares, 85,71% afirmaram residir em domicílios familiares com aproximadamente duas ou três pessoas. Eram dependentes financeiramente de pais e/ou responsáveis.

Quanto à vida estudantil, frequentavam universidade federal; em sua maioria, cursavam a primeira licenciatura, no período noturno. Dentre os cursos citados: 21,36% eram estudantes de Letras; 19,65% de Ciências Biológicas; 17,94% de Pedagogia; 7,69% de Geografia; 5,12% de Enfermagem, História, Matemática, Química, respectivamente; 4,27% de Ciências Sociais; 2,56% de Educação Física; 1,70% de Dança, Filosofia e Teatro, respectivamente; seguidos de 0,85% de Física.

As estudantes eram das seguintes universidades: 31,90% da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); 17,20% da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM); 10,30% da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); 9,50% da Universidade de São Paulo (USP); 8,60% da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG); 7,80% da Universidade Federal de Uberlândia (UFU); 7,80% da Universidade Estadual de Montes Claros (UEMC); 5,20% da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP) e 1,70% da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Em relação aos equipamentos para acessar às aulas, predominou o celular (61,14%), seguido pelo computador e/ou notebook (56,47,8%). Somente 5,12% das estudantes utilizaram equipamentos emprestados e/ou oferecidos pela universidade. Esses dados denotam que as estudantes tiveram equipamentos para estudo e acompanhamento das aulas de Didática em ensino remoto. Entretanto, consideramos o celular, primeiro colocado, como um equipamento pouco adequado.

Quanto às condições de acesso e uso de tecnologias, a maioria das estudantes não teve problema para acompanhar o ensino remoto emergencial síncrono ou assíncrono. Contudo, 35% relataram dificuldades para acompanhar as atividades, por falta de acesso à internet, morarem em bairro com pouca rede de internet e falta de um lugar adequado para realizar as atividades. Percentual considerável de pessoas com acesso restrito à internet. Condição adversa que, certamente, constituiu-se como entrave para o processo ensino-aprendizagem.

Nesse sentido, a falta de acesso à internet foi o dado mais alarmante divulgado pelo relatório Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2021, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estudo apontou que 55% dos estudantes, matriculados na rede pública de ensino, não possuíam equipamentos ou acesso à internet para acompanhar as aulas remotas durante a pandemia. Dado que comprovou a exclusão digital de milhares de estudantes, bem como a falta de preocupação, por parte dos órgãos competentes, com a população mais pobre.

As condições reveladas pelas participantes deste estudo são alarmantes e nos remetem ao estudo de Saviani e Galvão (2021), que denunciam a falácia do ensino remoto. O pesquisador e a pesquisadora referidos alertam para as consequências do ERE que abriu espaço para a ampliação desmedida da Educação a Distância, deixou professores e estudantes com esgotamento mental, bem como trouxe retrocessos para a educação democrática e de qualidade. Como consequência, teremos que enfrentar a crise, resistir aos ataques mercantilistas e lutar mais do que nunca pela qualidade da educação.

3 ENSINO REMOTO EMERGENCIAL DE DIDÁTICA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NOS PROCESSOS DE INTERAÇÃO E MEDIAÇÃO

A pandemia da Covid-19 impôs mudanças que atingiram fortemente a área da educação. O Ensino Remoto Emergencial (ERE) demandou inúmeros desafios pedagógicos para as instituições de educação superior que, em um curto espaço de tempo, tiveram que se reorganizar pedagógica e administrativamente, a fim de implementar o ERE, por meio das tecnologias digitais e plataformas virtuais de aprendizagem.

Os professores universitários tiveram que adaptar os planos de ensino e as aulas presenciais foram reformuladas para o novo formato. Essa reformulação requereu o uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) de um modo nunca dantes experimentado. As TDIC transformaram-se no recurso pedagógico mais importante, alterando as formas do trabalho didático, de comunicação, relacionamento, interação entre docente e discentes e, principalmente, as formas de aprender. Logo, a transição das aulas presenciais para o ERE exigiu tempo e dedicação dos professores e estudantes e provocou níveis de estresse, ansiedade e problemas relativos à saúde mental, conforme constatamos pelas respostas dos sujeitos desta pesquisa.

De fato, o ERE colocou em questão o trabalho didático, pois, rapidamente, os professores universitários perceberam que as práticas pedagógicas, mediadas pelas TDIC, possuíam características próprias e não era possível realizar uma transposição direta do ensino presencial para o remoto. O ERE exigiu maiores níveis de interação e dinamismo da aula, a fim de se minimizar os graus de dispersão da turma. Esta pode ter sido, para os professores responsáveis pelo ensino da Didática, a maior preocupação para a tão propagada reinvenção do ensino.

Assim, buscamos, nesta seção, compreender o ensino da Didática mediado pelo ERE, questionando-nos: quais desafios e quais possibilidades foram identificados pelas estudantes, no que concerne aos processos de interação e mediação?

Sobre as principais dificuldades, verificamos que eram de âmbito estrutural e emocional. Quanto aos aspectos estruturais, 37,06% das estudantes indicaram a ausência de espaço adequado em casa para assistir às aulas e estudar; 25% reclamaram da falta de qualidade dos equipamentos (celular, notebook ou computador); seguidas de 19,82% que ressaltaram a falta de qualidade da internet e/ou rede wi-fi. Quanto aos aspectos emocionais, 45,68% das estudantes sinalizaram falta de motivação para os estudos; 25,13% expressaram tristeza pela perda de parentes ou amigos vitimados pela Covid-19; 10,34% destacaram a falta de entendimento dos conteúdos abordados na disciplina; 9,48% revelaram desinteresse pelo conteúdo da disciplina e 5,17% afirmaram ter contraído Covid-19.

Essas respostas revelaram que houve um profundo abalo da normalidade cotidiana. Professores e estudantes tiveram que se adaptar para um novo formato de aulas que invadiu e se confundiu com a vida privada dos envolvidos. Podemos, então, afirmar que os sujeitos da pesquisa enfrentaram problemas em relação ao acesso a recursos tecnológicos; à adaptação ao ensino no formato remoto e ao enfrentamento de questões relativas à saúde física e mental.

Ponderamos ser relevante estudar as percepções dos estudantes sobre a interação com o professor de Didática. Assim, 55,17% das estudantes consideraram que a interação foi excelente; para 32,75%, a interação foi boa; 9,48% indicaram que a interação foi regular; somente 0,86% afirmaram que foi insatisfatória.

Podemos inferir que essa avaliação tem estreita ligação com a disponibilidade manifestada ou não pelos(as) docentes na interação com as estudantes que poderia ocorrer por meio do acolhimento aos questionamentos, solução de dúvidas relativas ao conteúdo de estudo e apoio às demandas do contexto acadêmico. Nesse sentido, 68,96% das estudantes disseram que o(a) professor(a) de Didática era muito acessível; 27,58% o(a) consideraram acessível. Somente 1,72% o(a) avaliaram como pouco acessível e 1,72% afirmaram que o(a) professor(a) não era acessível.

Sobre a interação com os colegas, 42,20% das respondentes indicaram que a interação foi muito boa; 34,50% indicaram que a interação foi mediana; 19% afirmaram que não houve interação, pois, as atividades foram realizadas individualmente; 4,30% afirmaram que houve pouca interação.

Quanto a esse quesito, avaliamos que os processos de interação são inerentes às atividades de ensino. A mediação e a interação pedagógicas são essenciais para a Didática. A evolução dos processos de interação e comunicação no ensino independe das tecnologias digitais, mas depende dos sujeitos envolvidos no processo. Assim, interagir com o conhecimento e com as pessoas, para melhor aprender, é fundamental e uma condição para o trabalho didático existir.

Concordamos com Gomes et al. (2022) que as trocas entre professor e estudantes, os múltiplos posicionamentos diante dos conteúdos, os debates e análises críticas constituem-se em processo de ensino-aprendizagem efetivo. Portanto, as múltiplas interações e trocas comunicativas entre os sujeitos da aprendizagem permitem que o conhecimento seja permanentemente reconstruído e reelaborado. Acreditamos, conforme Freire (1996), que, para haver a produção de conhecimento novo, é preciso que o conhecimento ensinado seja problematizado coletivamente. O referido autor define esse processo como ciclo gnosiológico. Ou seja, um ciclo gnosiológico termina, quando há produção de conhecimento e, por conseguinte, um novo ciclo se inicia.

Vale ressaltar que a interação pressupõe envolvimento, pois interagimos com pessoas. Com um grau maior de complexidade nas formas de interação e comunicação, tanto estudantes quanto professores podem promover um ensino didaticamente ativo, construído com a cooperação coletiva. Trata-se de um ensino baseado em trocas e desafios que envolve e motiva os estudantes para a participação e a expressão das suas percepções.

Nesse ensino interativo, mediado pelas tecnologias digitais, a participação de todos é indispensável. Em uma abordagem cooperativa de ensino (GOMES; TAVARES; MELO, 2019, PADILHA; ZABALZA, 2016), o estudante tem maior autonomia e maior grau de responsabilidade. Tem tarefas a cumprir e se posiciona mais facilmente, pois sempre haverá tempo e espaço para atuar como sujeito que pensa e problematiza a realidade. Enfatizamos o ensino cooperativo independe do uso das tecnológicas, mas depende da boa qualidade das relações humanas estabelecidas. E pudemos constatar que houve qualidade e ensino ativo, apesar do ERE.

Em uma abordagem crítica da Didática, a relação professor-estudante pode ser profundamente alterada pelo uso das tecnologias, pois estas possibilitam a criação de novas formas de integração do professor com a organização acadêmica e com os sujeitos da aprendizagem. Assim, os novos processos de interação e comunicação, no ensino mediado pelas tecnologias, podem orientar-se para a formação de um sujeito autônomo, crítico, consciente da sua responsabilidade individual e social, enfim, um novo cidadão para uma nova sociedade (D’AVILA; MACHADO; CHAVES, 2020). Esta foi uma possibilidade que identificamos junto aos sujeitos da investigação.

A despeito dos desafios enfrentados, provocados pelo isolamento social, verificamos que as estudantes destacaram aspectos positivos, como a relevância dos professores presentes no contexto da pandemia, interagindo com os estudantes, gravando aulas e preparando atividades síncronas e assíncronas. 59,82% das estudantes disseram ter vivenciado atividades relevantes e aulas participativas e, mesmo remotamente, houve interação com professores e colegas. Os estudantes destacaram que a dinâmica remota possibilitou a troca de perspectiva e promoveu atividades integradas; 13,67% disseram ter vivenciado atividades que estimularam o compromisso com a educação de qualidade, a diversidade das aulas e a relação com os pares; 9,40% disseram ter vivenciado atividades que permitiram o desenvolvimento de habilidades para a atuação docente, possibilitaram refletir e repensar, valorizaram a atuação docente e a adequação do conteúdo ao formato remoto. Tais aspectos destacados nos fizeram refletir que a qualidade das relações humanas prevaleceu. Relações essas que definem a Didática como um campo de interação entre humanos que se desenvolve em situação de ensino-aprendizagem, até no modo virtual.

Assim, com base nas contribuições de Libâneo (2010), podemos afirmar que o desafio maior da Didática não é o ERE, mas avançar na problematização das práticas docentes, desenvolvidas no contexto escolar e universitário, de modo a promover melhorias no processo ensino-aprendizagem.

A Didática, disciplina pedagógica, é também campo de investigação e de exercício profissional. Nesse sentido, pode-se afirmar que a sua especificidade é o estudo do processo ensino-aprendizagem em contextos pedagógicos situados: “a principal tarefa da Didática, para fundamentar o sucesso do processo de ensinar-aprender será a de, ao tomar o ensino como prática social, buscar compreendê-lo em todas as suas determinações”. (FRANCO; PIMENTA, 2010, p. 9)

Franco (2010) defende a compreensão da Didática como teoria da formação, pautada em uma perspectiva crítico-reflexiva que promove o empoderamento dos sujeitos para transformação das práticas. Coerente com essa perspectiva, constatamos que, em contraposição ao modelo neoliberal educacional, testemunhamos esforços e resistência de muitos professores de Didática, na reconfiguração das práticas pedagógicas, promovendo a formação docente em contextos controversos e paradoxais de crises. E foi esse protagonismo que identificamos nas respostas das estudantes em discussão.

Embora as estudantes tenham respondido que a interação com o(a) professor(a) de Didática tenha sido muito boa, sugeriram algumas ações para aprimoramento das práticas docentes no formato remoto: 10,25% das estudantes indicaram simulações de práticas de ensino, de modo que fosse possível preparar e apresentar aulas, mesmo no formato remoto; 10,25% sugeriram problematizar as questões didáticas, a fim de dinamizar as aulas e envolver os estudantes nas discussões; 7,69% sugeriram organizar turmas menores, a fim de garantir mais tempo para os estudantes participarem das discussões; 7,69% sugeriram diversificar as metodologias de ensino e reduzir a quantidade de atividades no formato remoto; 5,98% indicaram alternância entre encontros síncronos e assíncronos para garantir acesso às aulas aos estudantes que não possuíam equipamentos e/ou não contavam com boa conexão de internet; 5,98% sugeriram que os professores de Didática continuassem buscando sempre aprimorar as metodologias de ensino, a fim de tornarem as aulas mais agradáveis; 5,12% sugeriram aprimorar o uso das tecnologias e inserir dinâmicas sobre diferentes possibilidades didáticas de ensino; 4,27% sugeriram garantir maior equilíbrio entre as aulas teóricas e as aulas práticas.

Podemos afirmar que a disciplina Didática apresenta um caráter singular, qual seja o de propiciar ao(à) professor(a) a oportunidade de exercer a docência, ao mesmo tempo em que a problematiza. A singularidade que reveste a experiência de um professor de Didática está estreitamente ligada a uma concepção crítica. Consideramos a Didática como uma disciplina que, ao possibilitar a reflexão sobre uma prática pedagógica, ou, mais especificamente, sobre o processo ensino-aprendizagem, busca elementos que subsidiem a construção de novos projetos de ação didática.

Portanto, é fundamental que o(a) professor(a) de Didática não só compreenda e problematize a realidade da sala de aula, da universidade e do ensino, mas também intervenha sobre ela. Esse trabalho exige conhecimento profissional peculiar para a composição da unidade teoria-prática na práxis didática.

Embora a universidade se encontre permeada pelas crises provocadas pela modelo neoliberal – crise institucional, de hegemonia e de legitimidade –, há, ainda, possibilidades para que o(a) professor(a) exerça o seu papel com autonomia. E isso aconteceu, apesar do ERE, conforme constatamos. É perceptível que há nas universidades professores(as) capazes de realizar um trabalho docente comprometido politicamente com seus estudantes e com a sociedade. Se assim o fazem, é por determinação e por convicção da importância de seu papel como profissionais da educação e do ensino.

4 ENSINO DE DIDÁTICA: RELEVÂNCIA, CONTEÚDOS E ESPECIFICIDADES

Iniciamos esta seção, ratificando que o objeto de estudo da Didática é o processo de ensino como prática social. Nas palavras de Pimenta, significa “examiná-lo nos contextos sociais nos quais se efetiva, nas aulas e demais situações de ensino das diferentes áreas do conhecimento, nas escolas, nos sistemas de ensino, nas culturas, nas sociedades, estabelecendo-se os nexos entre eles”. (PIMENTA, 2011, p. 41)

Notamos, então, que as situações de ensino ocorrem em diferentes locais. Acrescentamos a sua relação com as condições e os modos de transformação do estudante com relação ao saber, à cultura, ao contexto social, em que esse processo ocorre.

Quanto aos conteúdos de Didática, mencionados pelas estudantes desta pesquisa, classificamos as respostas abertas em quatro grupos.

O primeiro grupo, com 65% das participantes, destacou dois objetos de estudo da Didática, são eles: a profissão docente e a ação de ensinar. O fato de referirem-se à “profissão docente” nas aulas de Didática, confirma a tendência verificada nos estudos de Marcondes; Leite; Leite (2011) e Pimenta (2011), em que as autoras identificaram que as pesquisas na área de Didática estão articuladas com a formação docente, desde os anos 1990.

Em excertos das respostas, notamos que as estudantes alegaram que os conteúdos aprendidos, nas aulas de Didática, proporcionaram um referencial teórico para que possam “trabalhar sua didática em sala de aula”, “ter uma percepção mais acurada dos discentes”, “ampliar as capacidades de aprendizagem dos estudantes”.

Destacamos um trecho que define: “Didática que acolha, [...] ensine e amplie a capacidade de aprendizagem”, indo ao encontro da proposta de Libâneo (2020, p. 50), em defesa do ensino que assegure o “processo de conhecimento pelo aluno, sob a condução pedagógica do professor”. Além disso, percebemos que as estudantes participaram de discussões teóricas que lhes salientaram a responsabilidade do docente na condução do processo ensino-aprendizagem, dialogando com as necessidades do aluno, quando respondem: “ter uma percepção mais acurada dos discentes”, “lidar com a sala de aula, com sua dinâmica”.

No que tange à ação de ensinar, o cerne do objeto de estudo e pesquisa da Didática, as estudantes apontaram conteúdos fundamentais para essa ação, tais como: saber atuar em sala de aula, realizar o planejamento, atentar-se para o conteúdo e sua relação com o aluno e o contexto, como ilustramos:

[...] em relação ao que eu esperava, a metodologia de elaborar um planejamento coletivo foi bastante significativo, mesmo eu não conseguindo identificar os aspectos que deveria aferir

[...] Sinto que melhoraram minha compreensão sobre formas de oferecer e planejar uma aula.

[...] Sem uma boa planificação da aula não seria possível alcançar os objetivos da disciplina.

[...] os conteúdos têm fundamental importância, uma vez que abriram meus olhos para práticas e modelos de ensino que eu não tinha conhecimento.

[...] faz a ponte entre os conteúdos, o professor e o aluno;

[...] nos faz compreender que existem diversas possibilidades em dar uma aula e como ser abordada, não existe uma forma em dar uma aula.

[...] para entender sobre a forma de trabalhar os conteúdos levando em consideração o/a professor/a, o/a aluno/a, a escola e tudo ao seu entorno.

[..] O conteúdo de didática é extremamente importante para que possamos realizar a transposição didática dos conteúdos para a sala de aula, de modo a atender ao aluno adequadamente.

Percebemos, no primeiro excerto destacado, que a estudante valoriza o planejamento abordado nas aulas de Didática, mas, na sua autoavaliação, pontua que ainda não se apropriou desse conteúdo. Essa atitude de autoavaliar-se é fundamental no desenvolvimento profissional dos estudantes. Além disso, as respostas demonstram outros conhecimentos que “desnaturalizam o ensino” (PIMENTA, 2011, p. 73), atendendo, portanto, ao objetivo da Didática. São eles: o planejamento que considere “o(a) professor(a), o(a) aluno(a), a escola e tudo ao seu entorno”; “abriram meus olhos para práticas e modelos de ensino que eu não tinha conhecimento”, “diversas possibilidades em dar uma aula e como ser abordada”.

Destacamos, ainda: “a transposição didática dos conteúdos para a sala de aula, de modo a atender ao aluno adequadamente”. Esta afirmação denota a intencionalidade docente em abordar conteúdos que contemplem os alunos, articulando-os ao contexto político-social-cultural de seus estudantes. Essa mediação didática corrobora a assertiva de Libâneo (2020, p. 56): “criar as condições para assegurar a relação do aluno com um saber, levando-o a uma mudança qualitativa nas relações com esse saber, promovendo o desenvolvimento humano”.

O segundo grupo, com 20,5% das estudantes, indica os conteúdos da relação entre professores e estudantes, um dos objetos da Didática – o ensino situado historicamente. Reafirmamos que todos estávamos enfrentando uma calamidade com inúmeras mortes, isolamento social, problemas financeiros, acúmulo de trabalhos domésticos, dentre outros problemas graves. Diante desse contexto, percebemos que os(as) professores(as) tiveram a preocupação em mobilizar as estudantes no processo de construção de conhecimentos nas aulas (FRANCO; PIMENTA, 2016), acolhendo-as em um momento de tanta incerteza, o que “é extremamente importante”, assim, a relação entre esses sujeitos, tornou-se objeto de ensino e reflexão, nas respostas:

[...] a lição de vida que nos deu o professor sobre o que é ser professor, e o que é realmente importante na vida.

[...] era inspiração no modelo da professora de Didática a ser exemplar.

[...] a professora foi muito acolhedora, compreensiva e clara durante as aulas.

[...] a troca com os colegas da sala e com a professora.

[...] relação professor aluno é extremamente importante.

[...] relação com os alunos certamente foi um ponto diferencial, porque a relação que a professora tinha com a turma serve como modelo para minhas futuras relações.

[...] relação com alunos, pois pude escutar relatos diferenciados de colegas sobre as suas práticas laborais que me ajudaram a refletir sobre os conteúdos teóricos.

As estudantes disseram que as aulas proporcionaram “uma lição de vida do que é ser professor”, “modelo de ser professora de Didática”, “modelo para minhas futuras relações”. Esses depoimentos denotaram que os(as) professores(as) de Didática ensinaram os conteúdos, vivenciando-os na relação pedagógica com as estudantes, nas aulas remotas, demonstrando uma coerência entre o que se pretendia ensinar e sua interação com a turma. Elas experienciaram um fazer docente “impregnado com as concepções de mundo, de vida e de existência dos sujeitos da prática” (FRANCO; PIMENTA, 2016, p. 548). Por isso, as estudantes enfatizaram: “a relação com os alunos certamente foi um ponto diferencial”.

O terceiro grupo, com 12,8% das estudantes, apontou que os conteúdos contribuíram para uma formação de sujeitos críticos, o que corrobora a assertiva de Pimenta e Severo (2020, p. 109), quando destacam a disciplina Didática, nos cursos de formação de professores:

[...] a ser uma possibilidade de contribuir para que o ensino, núcleo central do trabalho docente, resulte nas aprendizagens necessárias à formação dos sujeitos em relação, equipados para se inserirem criticamente na sociedade, com vistas a transformar as condições que geram a desumanização.

Notamos nos excertos, a seguir, que os conteúdos abordados nas aulas remotas proporcionaram às estudantes aprofundar o papel do professor, investir na própria práxis, interpretar o ambiente escolar e as condições impostas por ele. Exemplificamos com os depoimentos:

[...] Os conteúdos abordados trazem reflexões para analisarmos nossos próprios pensamentos para construirmos novos, a partir do que foi ensinado, alterando assim a forma como agiremos futuramente.

[...] Aprendi muito sobre como devemos conduzir e instigar os outros a pensarem, ampliando meu campo de visão sobre as formas e métodos de ensino e avaliação.

[...] Enxergar o aluno como sujeito e compreender o papel do docente na sala de aula, bem como o fato de que o aluno tem um repertório é essencial para que se eduque um grupo de sujeitos críticos.

[...] para construção de um professor crítico e com personalidade educacional voltada para suas características e a construção de um ensino de qualidade. Isso porque a Didática possibilita a compreensão das abordagens socioeducativas que o professor pode seguir, fazendo com que o professor não fique aprisionado a sua experiência de aluno.

Assim, “analisar nossos próprios pensamentos”, “instigar os outros a pensar”, “enxergar o aluno como sujeito” são afirmativas que coincidem com a concepção de Didática crítica, uma vez que as estudantes se colocam como sujeitos de sua própria aprendizagem, questionam o papel do docente que não é o do “ficar aprisionado na experiência do aluno”, mas de iniciar por ela, “ampliando seu campo de visão” a respeito do conhecimento, considerando o contexto sociopolítico e cultural em que se encontra a escola. Essa apreensão da realidade pelas estudantes se aproxima das palavras de Freire (1999, p. 76): “a capacidade de aprender, não apenas para nos adaptar, mas sobretudo transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a”.

Entretanto, nem todas as 117 estudantes apontaram aspectos positivos nos conteúdos abordados, como encontramos no quarto grupo. 1,7% indicaram pontos negativos em relação aos conteúdos abordados. Para elas, a disciplina Didática não contribuiu para sua formação, porque foi muito teórica, com pouca aplicabilidade dos conteúdos. Embora tenham mencionado esses pontos negativos, valorizaram a didática, em suas palavras: [...] “eu vi a necessidade da Didática para atender às diferenças na sala de aula”, como também, “nada do que eu aprendi nos cursos de educação são utilizados por mim. Eles focam muito na pesquisa, mas esquecem da aplicabilidade da coisa”.

Nessas respostas, destacamos “a necessidade de Didática para o atendimento das diferenças”, o que nos mostra o reconhecimento das diferenças presentes na sala de aula e da heterogeneidade dos estudantes. Além disso, as estudantes disseram “focam muito na pesquisa”. Se por um lado, não tenham percebido que para ensinar é necessário “pesquisar para conhecer o que ainda não conheço” (FREIRE, 1999, p. 32), como também, a universidade como o local de produção e socialização de novos conhecimentos, através da pesquisa educativa. Por outro lado, parece que as estudantes tinham a expectativa de uma Didática tecnicista, em que o(a) professor(a) de Didática foca no “como fazer” descolado do contexto e da realidade das escolas, pelo fato de responderem: “esquecem da aplicabilidade da coisa”. Portanto, os conteúdos abordados, nas aulas remotas, não foram totalmente negativos para as duas estudantes.

Finalizamos esta segunda seção, destacando duas respostas que, a nosso ver, resumem o que as estudantes consideraram do ensino de Didática na pandemia: “o valor de um conteúdo não está na quantidade, mas na sua abordagem e boa administração”. Notamos que os(as) professores(as) de Didática, mencionados na pesquisa, trataram os conteúdos essenciais para atuação como futuros(as) professores(as), como percebemos no 1º grupo das respostas. Ou seja, “o ensino enquanto prática social viva” (PIMENTA, 2011, p. 61), eles/elas trouxeram para as aulas a pandemia e as aulas remotas como temas para discussão, reflexão e análises, não reduzindo o ensino de Didática ao fenômeno da aula, mas para além dela.

Embora o contexto pandêmico tenha acirrado mais variáveis no processo de ensino, tais como problemas emocionais, financeiros e de saúde, mesmo assim, as estudantes disseram que tiveram bom aproveitamento, por exemplo: “gosto do contato olho no olho, de conversa, de troca presencialmente. Mesmo que o período tenha sido encurtado, não me pareceu ter tido algum prejuízo de conteúdo”.

Portanto, houve, na opinião das estudantes, uma seleção essencial de conteúdos de Didática, devido ao excelente nível de preparo dos(as) professores(as) indicado por 62,06% das estudantes, seguidas por 24,13% com bom preparo e somente 8,1% consideraram o preparo regular dos docentes. O preparo dos(as) docentes de Didática ficaram evidentes também no 2º e 3º grupos analisados, nesta seção, pelo fato de vivenciarem com professores em formação inicial o que era esperado, para que estes realizassem o trabalho didático necessário com seus alunos da educação básica, no futuro próximo.

5 ENSINO DE DIDÁTICA E TECNOLOGIAS DIGITAIS

Em nosso estudo, a Didática como área da Pedagogia, ciência da educação, é também compreendida como ciência do ensino, na perspectiva crítica e emancipatória.

Nesse sentido, apoiamo-nos em Pimenta (2019) que identifica três ondas críticas da Didática em movimento, destacando potencialidades para a resistência ao neotecnicismo neoliberal. Refere-se à concepção “praticista” das diretrizes curriculares nacionais e estaduais para a formação de professores que, a cada nova versão, têm retomado e agravado o pragmatismo tecnicista dos anos 1970. A autora referida confirma a influência dos conglomerados financistas formados por empresários da educação inseridos nos aparelhos de Estado, principalmente no Ministério da Educação, que consideram o professor como simples técnico. Trata-se de concepção originária principalmente dos Estados Unidos, com vistas à expansão do capitalismo neoliberal e, consequentemente, à privatização da educação.

A primeira onda crítica compreende o movimento da didática instrumental à didática fundamental, no período de transição da ditadura militar para a democratização do país. Vera Candau teve influência decisiva nesse momento, quando propôs uma Didática Fundamental, a fim de reposicionar a técnica e alinhá-la a pressupostos teórico-críticos, ao encontro da dimensão política da prática pedagógica que é o real objeto de estudo da Didática. Entretanto, esse movimento crítico foi rebatido pelo entendimento equivocado de que a disciplina Didática, nos cursos de formação de professores, poderia ser substituída por outras disciplinas como o Currículo, a História da Educação, a Política Educacional, a Filosofia da Educação, a Sociologia da Educação, a Psicopedagogia, a Avaliação, a Formação Docente (LIBÂNEO, 2014, apud PIMENTA, 2019). Ainda não foi nesse momento que a Didática Crítica ganhou projeção. Houve, na verdade, um esvaziamento dos conteúdos dessa disciplina. Entretanto, a movimentação das pesquisas começou a preparar o campo para a reconfiguração que viria a seguir.

A segunda onda crítica – do (quase) sumiço da disciplina Didática à sua ressignificação – aconteceu nas duas últimas décadas do século XX, cujo marco histórico foi a redemocratização do país. Nesse contexto, a Didática foi ressignificada pelo trabalho de pesquisadores brasileiros – Libâneo, Marin, Martins, Pimenta, Saviani, Veiga, dentre muitos outros – que se embasaram no materialismo histórico-dialético e nas teorias críticas frankfurtianas, em consonância com a transformação social e política pela qual o Brasil passava. Foram as categorias do MHD – totalidade, mediação, práxis, dialética, historicidade, trabalho –, expressas pelas pesquisas desses autores, que ampliaram as possibilidades de investigação na área da educação.

Assim, a formação de professores passou a ser o cerne dos estudos e das políticas educacionais, bem como ratificou-se a necessidade de retomada da Didática, em seu sentido fundamental, nos cursos de licenciaturas. Houve também, afirma Pimenta (2019), maior compreensão da importância da formação docente em serviço, de modo que os professores pudessem problematizar e propor soluções para as situações limites que o ensino, enquanto prática social, enfrentava nas escolas. O reconhecimento dessas necessidades formativas suscitou novas propostas curriculares e programas de formação contínua, por parte das secretarias de educação, muitas delas com assessoria de universidades.

Todo esse movimento de transformação social e de pesquisa permitiu que a Didática voltasse a ser valorizada como disciplina nos cursos de formação de professores, bem como demandou maior compreensão de seu real status epistemológico, no sentido de aprofundar reflexões sobre o ensino-aprendizagem como objeto complexo.

A terceira onda crítica compreende as duas décadas iniciais do século XXI, em que diferentes perspectivas se entrelaçam em busca da superação das desigualdades educacionais. Essas perspectivas, algumas advindas das teorias pós-críticas ou pós-modernas, além dos rebatimentos recentes, por parte de autores da área do Currículo e das Didáticas Específicas, estão configurando uma ressignificação da Didática Crítica. Existe, na atualidade, um movimento de crítica à Didática Crítica, afirma Pimenta (2019), proveniente da concepção pós-moderna de educação.

Faria (2018), por sua vez, afirma que a “crítica à didática crítica não é crítica, isto é, a crítica oriunda do modo pós-moderno de pensar não é crítica” (p. 53). Isto porque uma crítica só é crítica quando apreende um fenômeno, considerando seus contextos, sua totalidade, indo até suas raízes, como a perspectiva do Materialismo Histórico-dialético é capaz de fazer. Reconhece a autora citada o papel da Didática crítica na formação de professores:

Nesse sentido, entende-se que o papel da didática nos cursos de formação de professores e no trabalho docente é central, pois, na medida em que é teoria, é ciência do ensino, exercerá a mediação entre as finalidades da formação humana e a organização das condições de ensino potencializadoras e mobilizadoras da aprendizagem crítica. Essa é tarefa que exige o emprego das mais complexas e refinadas capacidades humanas, como a análise, a reflexão, a crítica e a síntese. Por meio dessas exigências, a didática se liberta do viés pragmatista e tecnicista do ensino e se erige como pensamento científico, propiciador da formação didático-pedagógica dos professores, coerente com a elevação do modo sincrético de pensar a uma visão de síntese da profissão de professor. (FARIA, 2018, p. 52).

Na perspectiva apontada por Pimenta (2019) e Faria (2018), a Didática que defendemos vai muito além da prescrição técnica e do emprego de metodologias ativas de pronta entrega, tão em moda no momento. A Didática crítica provém da autoria do professor, da produção coletiva de conhecimento em sala de aula, em que todos os sujeitos são partícipes do processo criativo de ensinar-aprender. Desse modo, os sujeitos do ato didático – professor e estudantes – são capazes de emanciparem-se criticamente, transformar suas compreensões de mundo e, consequentemente, de transformar a práxis didática, superando situações limites.

Assim, à luz da Didática crítica, analisamos o corpus deste terceiro eixo, destacando o uso da tecnologia como recurso didático obrigatório e limitado, no contexto da pandemia.

Indagadas sobre o nível de conhecimento prévio que possuíam sobre o uso das TDIC e outras tecnologias educativas, 68,37% das estudantes consideraram possuir conhecimento mediano; 20,51% afirmaram possuir alto conhecimento e apenas 11,11% responderam ter pouco conhecimento. Em relação ao uso das tecnologias digitais na formação acadêmica, 86,32% disseram utilizá-las muito; 11,96% informaram uso razoável e 1,70% declararam uso pequeno.

Essas respostas indicam que as TDIC já se faziam presentes na formação das estudantes. Contudo, o ERE demandou imersão em um formato de aula, em que a tecnologia se tornou obrigatória. Como o ensino-aprendizagem passou a ser mediado pelas tecnologias, houve, por um lado, a necessidade de maior autonomia por parte dos discentes, por outro, o(a) professor(a) continuou sendo o elo fundamental na relação de mediação entre os sujeitos e o objeto de conhecimento. Compromisso preponderante na aquisição e produção de conhecimentos dos estudantes, para que a utilização das tecnologias em sala de aula virtual adquirisse sentido. Houve, portanto, grande esforço físico e mental de ambas as partes que os levou a um esgotamento, conforme constatamos pelas respostas ao nosso questionário.

Quanto aos recursos utilizados pelo(a) professor(a) de Didática no ensino remoto emergencial, 93,10% dos estudantes indicaram leitura de textos; 91,37% aulas síncronas; 84,48% ambientes virtuais; 74,13% e-mails; 72,41% aulas síncronas; 55,17% filmes e documentários; 45,68% grupos em WhatsApp ou similares; 39,65% vídeo aulas; 34,48% fóruns; 28,44% chats; 8,62% outros.

As respostas a essa questão nos instigou a refletir, com base em Saviani e Galvão (2021), que o trabalho didático ficou condicionado a aulas síncronas que se multiplicaram em atividades assíncronas, oferecendo poucas possibilidades de variação didática aos(as) docentes. Consideramos que o uso da tecnologia não pode ser o mais importante em uma situação de ensino-aprendizagem, pois o(a) professor(a) pode ensinar de formas variadas e, no ERE, sua atuação ficou bastante restrita.

Quanto à importância do uso das tecnologias digitais no desenvolvimento das aulas de Didática, 93,16% das estudantes expressaram opiniões positivas, mas com ressalvas, em relação ao uso das tecnologias: a) útil para o bom andamento das aulas”; b) “facilita os estudos, o acesso de conteúdos e a elaboração de atividades”; c) “importante para o ensino remoto, para a comunicação entre professor e alunos e para o compartilhamento de materiais e bibliografias”; d) “essencial no presente contexto, mas é um apoio para outros contextos também”; e) “é um processo formativo para os alunos que serão professores”; f) “permite a flexibilidade de horários e tarefas”; g) “os recursos digitais ajudaram a complementar as aulas”; h) “questão financeira de não gastar com deslocamento e com cópias de textos”; i) “extrema importância, desde que as TDIC estejam agregadas à nossa humanidade e não o contrário”.

Os aspectos positivos elencados estão relacionados com o uso didático das TDIC nas aulas da disciplina Didática, no contexto do ERE, mas que podem também ser estendidos a outros contextos. Entretanto, as ressalvas que as estudantes fizeram nos indicam um posicionamento crítico, no sentido de que as tecnologias ajudaram a “complementar as aulas” e que foram de “extrema importância, desde que as TDIC estejam agregadas à nossa humanidade e não o contrário”. Esta última fala resume as verdadeiras funções da educação e da Didática, conforme a perspectiva crítico-dialética que defendemos, quais sejam: a função da educação é a humanização das pessoas, a função da Didática é promover um ensino humanizado. Nesse sentido, foi possível compreender que havia consciência da provisoriedade do ERE e de que o verdadeiro ensino era o presencial. Essa nossa percepção se confirmou pelas respostas seguintes.

Sobre a utilização de tecnologias digitais como futuros professores, 58,11% das estudantes disseram que as TDIC fazem parte do cotidiano e da atualidade, por isso não poderão ficar de fora da prática pedagógica. Acrescentaram que, mesmo que requeiram do professor maior conhecimento para seu uso, dever-se-á levar em consideração a questão financeira dos estudantes, de acesso à internet e de possuírem ou não computadores ou similares. Outras 32,47% respondentes focaram nas questões da prática pedagógica, tais como: a) “usá-las pensando no objetivo, na finalidade, no porquê de sua utilização”; b) “a favor do ser humano”; c) “para o aproveitamento do processo de ensino e aprendizagem”; d) “considerar as condições de acesso dos estudantes antes de propor uma atividade”; e) “nos aspectos da elaboração da atividade, da comunicação e acompanhamento dos estudantes”; f) “facilitam acesso a materiais internacionais”; g) “usá-las como ferramentas, como apoio e não como a solução para tudo”. 9,40% das estudantes mencionaram que a tecnologia não poderá substituir as aulas presenciais.

Portanto, os sujeitos desta pesquisa não eram ingênuos, tampouco foram convencidos pela narrativa dominante de que o ensino remoto foi uma alternativa viável para a substituição do ensino presencial, indiscriminadamente, desconsiderando as escolas e universidades públicas. Manifestaram-se como sujeitos que pensam e são críticos da realidade, não aceitando o pacote ERE como a solução dos problemas sociais que a crise do capital, em contexto de pandemia, provocou. Retomando Saviani e Galvão (2021):

No paradigma neoliberal e de mundialização do capital, as relações sociais, econômicas, políticas e culturais estão essencialmente marcadas pelas mudanças tecnológicas e pela desregulamentação das legislações trabalhistas, ambientais e sociais, constituindo um modelo de sociedade que se caracteriza pela privatização das políticas sociais e pelas inovações tecnológicas, o que atravessa incessantemente todos os aspectos da vida social e pessoal, mas, essencialmente, a educação.

Desse modo, ressaltamos que a crise mais profunda, na qual estamos imersos, não é a provocada pela pandemia, mas sim pelo capital, em sua versão mais financeirizada. Por essa razão, precisamos questionar as intencionalidades políticas por trás do ERE, tais como: o crescimento do ensino a distância, a privatização da educação pública, enriquecimento da elite capitalista, intensificação e proletarização do trabalho docente, aumento da desigualdade social, perda de direitos sociais e humanos, por fim, a falta de humanidade que contraria as verdadeiras vocações da educação e da Didática, qual seja a humanização.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hoje, ao escrevermos estas considerações, já nos distanciamos do ERE e retomamos o ensino presencial. Entretanto, há muito que lutar para superarmos a crise pós-pandemia que, na verdade, espelha a crise do capitalismo financista. A cada dia, em nosso país, aprimoram-se as formas de opressão. Tentam nos vender, por meio de narrativas reacionárias, a educação a distância como se fosse uma modalidade superior ao ensino presencial. Essas narrativas atendem aos interesses privatistas que desconsideram a importância social da educação pública.

A crise adentra nossas Universidades públicas, acelerada pelo atual governo, por meio de cortes orçamentários e intervenções na autonomia universitária. A formação de professores, no país, está sendo precarizada. Por conseguinte, a Didática tem sido descartada, em prol de uma perspectiva neoliberal praticista, orientada para o ensino de competências, em que as TDIC e metodologias ativas surgem como soluções milagrosas para o ensino. Assim, desconsidera-se a dimensão técnica, política e humana da Didática que implica a prática criativa, o ensino com pesquisa, o pensar crítico, o ensino colaborativo e tantas outras formas ativas de construção de conhecimento.

Contudo, nossas conclusões sobre esta pesquisa são esperançosas. Consideramos que os professores de Didática fizeram muito bem sua parte. Foram criativos, usaram a tecnologia “agregada à humanidade” das estudantes, como bem respondeu um dos sujeitos. Desenvolveram o ensino crítico e situado no contexto sócio-histórico da pandemia, lendo e problematizando o mundo com seus alunos. Por sua vez, as estudantes entrevistadas demonstraram consciência crítica sobre o uso das tecnologias no ensino da Didática, ponderando que as TDIC são um meio e não um fim em si mesmas.

Nesse sentido, os resultados evidenciaram que, apesar de todas as mazelas que a pandemia causou, as estudantes reconheceram o valor da interação pedagógica, mediada pelas tecnologias digitais, a relevância da disciplina, bem como os professores de Didática como propulsores do processo de ensino-aprendizagem que se volta para a formação profissional crítica e cidadã.

Portanto, houve superação, há resistência e a educação não será entregue tão facilmente, como julga o mercado financista. Estamos em momento de mudança política no país e lutaremos por governantes melhores e comprometidos com o povo e o país, de modo a revertermos as perdas que sofremos, no que se refere, principalmente, à democratização e qualidade da educação pública.

Finalizamos afirmando que a Didática ocupa papel central na formação de professores (PONTES, 2020). E a Didática crítica tem em seu cerne o compromisso com a emancipação e humanização dos sujeitos em formação.

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1 Doutora em Educação pela Universidade Católica de Santos (UniSantos). Mestre em Educação. Professora dos cursos de licenciatura e membro da equipe da Coordenadoria Pedagógica da UniSantos. Conselheira Fiscal da Associação Nacional de Didática e Práticas de Ensino (ANDIPE). E-mail: rosana.pontes@unisantos.br.

2 Pós-Doutora em Educação pela Universidade de Lisboa (U.L) e Universidade de São Paulo (USP). Doutora e Mestre em Educação. Professora Associada do Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG). Membro da Diretoria da Associação Nacional de Didática e Práticas de Ensino (ANDIPE). E-mail: suzanasgomes@fae.ufmg.br.

3 Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Mestre em Educação. Professora Associada do Programa de Pós-graduação em Educação: Processos Formativos e Desigualdades Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Membro da Diretoria da Associação Nacional de Didática e Prática de Ensino (ANDIPE). E-mail: vfaleite@uol.com.br.

4 Freitas (2012) denuncia a influência nefasta dessas políticas no Brasil, em que conglomerados privatistas – formados por empresários, institutos diversos, mídia, pesquisadores, intilulados Reformadores Empresariais da Educação – propagam as ideias de responsabilização dos professores pelo fracasso escolar; dos testes para avaliação dos resultados do ensino/aprendizagem; da meritocracia (com bônus aos melhores professores); das escolas charters; da privatização por meio de bolsas de estudos concedidadas pelo Estado, beneficiando escolas/IES particulares; bem como influenciam diretamente a formação de professores.

5 Recentemente, a mídia jornalística noticiou o escândalo envolvendo pastores evangélicos que atuam junto ao MEC em um esquema de propinas e em defesa de seus interesses privados. Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/noticias/agencia-estado/2022/03/25/dez-prefeitos-ja-denunciaram-esquema-de-pastores-no-ministerio-da-educacao.htm>. Acesso: 28 mar. 2022.