https://doi.org/10.18593/r.v48.30086

Resenha: Educação Bilíngue no Brasil: reflexões a partir da práxis

Review: Bilingual Education in Brazil: reflections from the praxis

Reseña: La Educación Bilingüe en Brasil: reflexiones desde la práctica

Patrícia Ferreira Miranda1

Universidade Federal de Rondônia; Doutoranda em Educação Escolar.

https://orcid.org/0000-0002-8143-8850

Marli Lúcia Tonatto Zibetti2

Universidade Federal de Rondônia; Professora do Departamento de Psicologia.

https://orcid.org/0000-0003-3939-5663

Débora Ferreira da Silva Feitosa3

Universidade Federal de Rondônia; Doutoranda em Educação Escolar.

https://orcid.org/0000-0001-5902-8153

RESENHA DESCRITIVA

Educação Bilíngue: como fazer? (2021), obra organizada por Antonieta Megale, destaca-se ao trazer contribuições extremamente relevantes de professores e pesquisadores do ensino de línguas estrangeiras, considerando as dimensões sociais, históricas, culturais e econômicas sob as quais o Ensino Bilíngue está implicado, no Brasil, considerando também os desafios antepostos pelas implicações do contexto pandêmico de Covid-19.

A organizadora da obra, que é Doutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além de docente do curso de Pedagogia, atua na coordenação do curso de pós-graduação em Educação Bilíngue, ambos no Instituto Singularidades. Antonieta Megale tem dedicado seus estudos e produções diversas à temática no Bilinguismo no Brasil, seus matizes e desdobramentos, a partir de análises ancoradas na Educação e na Linguística Aplicada.

Sendo o Bilinguismo o processo de estabelecimento da comunicação em dois idiomas, discuti-lo sob a ótima nacional implica em desfazer equívocos sobre a aprendizagem e o ensino de línguas estrangeiras, considerar as peculiaridades de um país aparente e erroneamente monolíngue e, sobretudo, em construir um caminho dialógico entre o debate constituído na academia e a realidade dos profissionais da Educação, ainda, na contramão de demandas mercadológicas colocadas às línguas de prestígio, em um país de dimensões continentais.

Sob projeto da Fundação Santillana e com selo da Editora Richmond, o livro foi prefaciado por Claudia Hilsdorf Rocha que enfatiza a priorização da práxis sob as dimensões multiculturais e multilíngues que entremeiam a escolarização brasileira, a obra tem a introdução de Cecília Lemos que, por sua vez, endossa a relevância do surgimento de pesquisas e debates científicos que têm colaborado para o adensamento da compreensão sobre a educação bilíngue.

Essa mesma produção, por conseguinte, colaborou para a consolidação do primeiro documento regulador do ensino bilíngue no país, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Educação Plurilíngue, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), em 2020. Constituído por um relatório e um projeto de resolução, essas DCM buscam estabelecer, em nível nacional, princípios, conceitos, valores e orientações pedagógicas para um trabalho plurilíngue – que endossa a aprendizagem de Língua Brasileira de Sinais e de línguas indígenas, inclusive – e, a despeito de eventuais limitações, em se tratando de um documento normatizador para um país rico em diversidades e especificidades, não deixa de se constituir como elemento imprescindível e inequívoco para o avanço das discussões sobre o tema no país.

No texto que abre a discussão, Como implementar a multiculturalidade, Antonieta Megale e Fernanda Coelho Liberali abordam a necessidade de reflexão sobre a multiculturalidade na Educação Bilíngue, propulsionada pela aprovação do citado documento, ao passo que também discutem formas dessa implementação. Tal problematização tangencia elementos como a concepção de cultura e a busca por um ensino de línguas baseado em uma pedagogia multicultural que desafie as ideologias hegemônicas. Nessa via, as autoras apontam, a partir das esferas de atuação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), focos de atuação e de práticas que visam atividades sociais que propiciem o trabalho multicultural.

O segundo capítulo, intitulado Como promover oralidade em aula de L2 na Educação Bilíngue, com autoria de Marcello Marcelino e Janaína Weissheimer, trata de uma questão muito sensível na realidade do ensino e da aprendizagem da língua-alvo, considerando as dimensões internas e externas que sustentam o desenvolvimento da oralidade e que exacerbam a prática de estruturas gramaticais. Para tanto, os autores tecem uma análise que engloba elementos da teoria linguística e do processamento da linguagem no cérebro, sem perder de vista a necessidade de articular estes fatores à questão fundamental do que se deve “ter em mente” na promoção da oralidade em L2.

O capítulo que segue, escrito por Maria Cristina Meaney, colabora para a ampliação das questões do texto anterior. Ao tratar da Linguagem em diferentes áreas do conhecimento na Educação Bilíngue, Meaney objetiva formas de superação das dificuldades relacionadas ao que ela identifica como uma equívoca distinção entre linguagem e conteúdo no contexto da Educação Bilíngue. A autora foca, sobretudo, no desenvolvimento de um trabalho que englobe, de maneira imbricada, a atividade humana, a linguagem e os conteúdos, uma vez que o acesso ao conhecimento pressupõe uma prática social, portanto, integradora de diversas áreas do conhecimento.

Na esteira da ampliação sobre as possibilidades da Educação Bilíngue, no capítulo 4, Performance construindo o vir a ser: o sarau escolar como palco de desenvolvimento, a partir de uma concepção vygotskiana do ato de brincar, Airton Pretini discute a potencialidade do trabalho educativo bilíngue por meio das performances nos saraus escolares. A performance, portanto, enquanto (re)produtora de cenas da “vida real”, possibilita o trabalho bilíngue ao mobilizar os sujeitos estudantes em um trabalho pedagógico que engloba a pesquisa, a escrita, a leitura que sustente os papéis a serem desempenhados e as narrativas a serem interpretadas em sala de aula, em língua estrangeira.

No capítulo 5, A leitura literária em contextos bi/multilíngues, através das dimensões teórica e prática, Vivian Maria Marcondes analisa as implicações desta leitura para a aprendizagem e para a cultura escolar, considerando que apesar da presença do livro literário nas instituições, isso não significa que a literatura faça parte das rotinas didáticas do espaço escolar. A autora chama a atenção para o fato de que ao se propor a atividade leitora, a intencionalidade didática deva ser estabelecida em paradigmas dialógicos. Essa dialogicidade é demonstrada por Marcondes, na última parte do capítulo, ao exemplificar, por sugestões de atividades de estudo, o viés prático dos construtos teóricos que permeiam a leitura.

Aline Lorandi, no capítulo seguinte, discute A consciência fonológica em línguas materna e adicional. Já de início, Lorandi comenta acerca do completo e longo percurso de teorização do que vem a ser a consciência e, por conseguinte, a consciência linguística, fonológica, desenvolvida gradualmente e a partir dos processos sociais nos quais o indivíduo está inserido. Em resumo, a consciência fonológica – que compreende os sons organizados em sílabas ou unidades (fones/fonemas) – propicia que os sujeitos façam o uso consciente e intencional de uma língua, resultado de um processo de alfabetização no idioma-alvo, que deve ser trabalho em sala de aula. Assim, por meio da exemplificação de cinco jogos, a autora demonstra possibilidades de trabalho pedagógico focado no desenvolvimento dessa consciência fonológica.

O capítulo 7, escrito por Renata Condi, discute A aprendizagem híbrida na Educação Bilíngue, tendo como fio condutor introdutório os desafios antepostos à escolarização a partir da pandemia de Covid-19 reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em março de 2020. Contudo, a despeito de todas as dificuldades que têm sido atravessadas desde então, a autora foca em pensar como esse hibridismo pode colaborar para o desenvolvimento linguístico dos estudantes. Assim, Condi refaz o percurso histórico das primeiras incursões tecnológicas na educação, desde o início dos anos 1990, nos EUA, passando pela expansão e suposta democratização digital dos anos 2000, até o cenário de urgência que embasou o fortalecimento dos ambientes educacionais mediados por tecnologias no contexto pandêmico, sem deixar de estabelecer a devida caracterização de ensino híbrido e ensino remoto. Nesse sentido, a autora finaliza apontando elementos necessários para o fortalecimento de um ambiente híbrido favorável à Educação Bilíngue, principalmente, considerando as dimensões discentes, infraestruturais e de acesso dos estudantes.

Língua/Linguagem e conteúdo no centro da avaliação, o oitavo capítulo, é assinado por Maria Teresa de la Torre Aranda e, de forma muito auspiciosa, encerra a obra com uma temática de extrema relevância ao processo pedagógico: a avaliação. Com foco em pensar a avaliação como elemento orientador – e não consumador – da aprendizagem, partindo de uma concepção formativa de avaliação, a autora pauta elementos que considera fundamentais para a consolidação de tão complexa tarefa. Na esteira das discussões, Aranda frisa a necessidade de entender a Educação Bilíngue como um projeto construído a várias mãos e sujeito, de forma ininterrupta, à discussão. Ainda, a autora elenca quatro princípios norteadores para avaliação em contexto bilíngue, a saber: propósito, uso, método e instrumento, exemplificando-os. Aranda também evoca a relevância da translinguagem, em detrimento de práticas monoglássicas, considerando-a como elemento fundamental na transição linguística dos estudantes. Maria Teresa de la Torre Aranda finaliza sua escrita reiterando o aspecto inesgotável da discussão sobre a avaliação da aprendizagem e retomando sua indissociabilidade do processo de aprendizagem.

Ao final da leitura da obra – principalmente para aqueles que tiveram a oportunidade de contato com as publicações anteriores da autora, sobre o mesmo tema, neste projeto da Fundação Santillana (MEGALE, 2019, 2020), é possível vislumbrar o percurso a que a autora se lançou, e que abarca um momento histórico de extrema relevância para o amadurecimento das discussões sobre a Educação Bilíngue no país. Ao passar pelas primeiras conceituações na publicação de 2019, e nos desafios e práticas desse ensino abordados na obra de 2020, em Educação Bilingue: como fazer?, nos defrontamos com a angústia compartilhada por professores e pesquisadores – e comum aos profissionais da Educação – a partir do momento que a mais corriqueira dinâmica de contato social se tornou uma tarefa, por vezes, impossível, na pandemia.

Sem o chão real, físico, da escola, pensar um Bilinguismo que colabore para o enfrentamento de processos excludentes, de combate às ideologias hegemônicas, e constituído de caráter reflexivo, vivo, multicultural e propulsor de aprendizagens se tornou ainda mais complexo no contexto pandêmico. A obra, contudo, sem fábulas pedagógicas ou contorcionismos teóricos, se apega à materialidade que ora assombra a todos. Na esperança do arrefecimento do Covid-19 neste ano de 2022, é indispensável pensarmos a própria transição do como fazer, no que parece um retorno gradual à rotina escolar, agora, sob tantos novos atravessamentos.

Nesse sentido, as reflexões trazidas pelos diversos autores que compõem a obra legam uma importante contribuição para se pensar a Educação Bilíngue sob as mais diversas especificidades locais, regionais, econômicas e sociais que, juntamente àquelas que a precedem, organizadas por Megale, representam leituras fundamentais para estudantes das licenciaturas, profissionais da Educação Escolar e gestores, uma vez que, conforme se denota ao longo dos capítulos, o Bilinguismo possível e real demanda esforços coletivos que precisam ser formados através de debates iniciados ainda na formação de professores, na composição dos currículos das licenciaturas, estendendo-se para além da atuação do profissional de ensino de línguas e chegando, como práxis horizontalizada, aos documentos que direcionam a organização do ensino nas microesferas educacionais.

Recebido em 16 de março de 2022

Aceito em 18 de julho de 2023

REFERÊNCIAS

MEGALE, Antonieta (org.). Desafios e práticas na Educação Bilíngue. São Paulo: Fundação Santillana, 2020.

MEGALE, Antonieta (org.). Educação Bilíngue no Brasil. São Paulo: Fundação Santillana, 2019.

MEGALE, Antonieta (org.). Educação Bilíngue: como fazer? São Paulo: Fundação Santillana, 2021.

Endereços para correspondência: Universidade Federal de Rondônia - Campus José Ribeiro Filho, Rodovia Br 364, km 9,5, Zona rural, Porto Velho, Rondônia, 76.801-059. patricia.ferreira@unir.br


1 Mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Rondônia; Graduada em Letras pela Universidade do Estado da Bahia. Universidade Federal de Rondônia - Campus José Ribeiro Filho, Rodovia Br 364, km 9,5, Zona rural, Porto Velho, Rondônia, 76.801-059. patricia.ferreira@unir.br.

2 Doutora e Mestra em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo; Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPsi/UNIR) e do Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação Escolar (PPGEEProf/UNIR). Universidade Federal de Rondônia - Campus José Ribeiro Filho, Rodovia Br 364, km 9,5, Zona rural, Porto Velho, Rondônia, 76.801-059. marlizibetti@unir.br.

3 Mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Rondônia; Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia. Universidade Federal de Rondônia - Campus José Ribeiro Filho, Rodovia Br 364, km 9,5, Zona rural, Porto Velho, Rondônia, 76.801-059. deborafsf@gmail.com.