https://doi.org/10.18593/r.v47.30057

Gestão escolar e oferta em extensões de matrícula da rede estadual de ensino do Ceará

School management in the enrollment extensions of the state

Education system of Ceará

La gestión escolar en las extensiones del matrícula en el

Sistema educacional del Ceará

Ana Lea Bastos Lima1

Secretaria de Educação Básica do Ceará (Seduc - CE); Professora da Rede Estadual de Ensino.

http://orcid.org/0000-0003-0847-8845

Sofia Lerche Vieira2

Universidade Estadual do Ceará; Professora titular da Universidade Estadual do Ceará.

http://orcid.org/0000-0002-0271-6876

Eloisa Maia Vidal3

Universidade Estadual do Ceará; Professora associada.

https://orcid.org/0000-0003-0535-7394

Resumo: O artigo analisa a repercussão das ações do diretor escolar na gestão das turmas de extensão de matrícula de ensino médio da rede estadual de ensino do Ceará em cinco municípios e 21 distritos de diferentes regiões do estado. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de natureza exploratória, a partir de um estudo de casos múltiplos. As fontes consistem em documentos oficiais, indicadores socioeconômicos, dados educacionais e informações coletadas durante a pesquisa de campo, a partir do roteiro de observação da infraestrutura e funcionamento das escolas e de entrevistas semiestruturadas com representantes da gestão da Secretaria Estadual de Educação, diretores, coordenadores escolares, professores, estudantes e pais/responsáveis. Os achados mostram que jovens residentes em localidades rurais têm o direito à educação assegurada pelo protagonismo de diretores, que incorporam à sua escola essas extensões e provocam os órgãos regionais e central a atuar para ajudar na implementação desta oferta. O Estado tem mostrado baixa capacidade de resposta a uma demanda antiga, o que leva a duas constatações: a invisibilidade de uma oferta que representa cerca de 17% das matrículas de ensino médio pública e a criação de um espaço de “negociação de balcão” em que a liderança de alguns diretores assegura melhores condições de atendimento, comprometendo o princípio republicano de igualdade de oportunidades para todos.

Palavras-chave: Extensões de matrícula; Ensino médio; Gestão escolar; Anexos escolares.

Abstract: The article analyzes the repercussion of the school director’s actions in the management of high school enrollment extension classes in the state education network of Ceará in five municipalities and 21 districts in different regions of the state. It is a qualitative research of an exploratory nature is used, based on a multiple case study. The sources consist of official documents, socioeconomic indicators, educational data and information collected during the field research, based on the script for observing the infrastructure and functioning of schools and semi-structured interviews with representatives of the management of the State Department of Education, principals, coordinators schoolchildren, teachers, students and parents/guardians. The findings show that young people living in rural locations have the right to education guaranteed by the role of principals, who incorporate these extensions into their school and provoke regional and central bodies to act to help implement this offer. The state has shown a low capacity to respond to an old demand, which leads to two findings: the invisibility of an offer that represents about 17% of public high school enrollments and the creation of a space for “personal negotiation” in which the leadership of some directors ensures better conditions of service, compromising the republican principle of equal opportunities for all.

Keywords: Enrollment extension; High school; School management; School annex classes.

Resumen: El artículo analiza la repercusión de las acciones del director de la escuela en la gestión de las clases de extensión de la matrícula de la enseñanza media en la red de educación del estado de Ceará en cinco municipios y 21 distritos en diferentes regiones del estado. Se trata de una investigación cualitativa exploratoria, basada en un estudio de caso múltiple. Las fuentes consisten en documentos oficiales, indicadores socioeconómicos, datos educativos e información recolectada durante la investigación de campo, a partir del guión de observación de la infraestructura y funcionamiento de las escuelas y entrevistas semiestructuradas con representantes de la dirección de la Secretaría de Educación del Estado, directores, coordinadores escolares, profesores, alumnos y padres/tutores. Los hallazgos muestran que los jóvenes que viven en áreas rurales tienen el derecho a la educación garantizado por el rol protagónico de los directores, quienes incorporan estas extensiones en su escuela y provocan que los organismos regionales y centrales actúen para ayudar en la implementación esta oferta. El Estado ha mostrado una baja capacidad de respuesta a una vieja demanda, lo que lleva a dos hallazgos: la invisibilidad de una oferta que representa alrededor de 17 % de matrícula en escuelas secundarias públicas y la creación de un espacio de “negociaciones personales” en el que el liderazgo de algunos directores asegure mejores condiciones de servicio, comprometiendo el principio republicano de igualdad de oportunidades para todos.

Palabras clave: Extensiones de matrícula; Escuela secundaria; Gestión escolar; Anexos de las escuelas.

Recebido em 03 de março de 2022

Aceito em 30 de novembro de 2022

1 INTRODUÇÃO

Este artigo foi elaborado tomando por base dados de uma pesquisa qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994; GHEDIN; FRANCO, 2011; MINAYO, 2001) do tipo estudo de casos múltiplos (YIN, 2001; ALVES-MAZZOTTI, 2006) realizada em 2019, cujos resultados foram apresentados em tese de doutorado intitulada Escolas invisíveis: as extensões de matrícula de ensino médio da rede estadual de ensino do Ceará, concluída em 2020, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará (LIMA, 2020).

No Ceará, a existência de extensões de matrícula para oferta de ensino médio, também conhecidos como anexos escolares não é um fenômeno novo e tem início por volta dos anos 2000, quando o acesso e conclusão do ensino fundamental por parte de muitas crianças e jovens começa a pressionar o poder público estadual por vagas no ensino médio (SEDUC, 2005). Nesse período, a capacidade de crescimento da rede estadual era limitada por condições de financiamento, uma vez que existia apenas o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), e por uma oferta concentrada eminentemente nas regiões urbanas das cidades. Para as crianças e jovens que concluíam o ensino fundamental nas escolas municipais localizadas nas comunidades e distritos, restava a alternativa de se deslocar por meio de transporte escolar, para as escolas de ensino médio situadas na sede do município.

Essa opção representou uma solução para parcela dos egressos do ensino fundamental, entretanto, um contingente de jovens não conseguiu se encaixar no modelo proposto, por motivos de ordem prática como: as condições de acesso para o transporte escolar, pela ausência de estradas ou barreiras físicas como rios, passagens molhadas, serras, etc., que impediam o uso de veículos em determinadas épocas do ano; o elevado tempo de deslocamento para a escola estadual na sede do município, que em algumas situações consumia uma quantidade de horas superior ao tempo de um turno escolar; a falta de condições para frequentar a escola durante o dia, por necessidade de ajudar aos pais nas atividades do campo e a impossibilidade de frequentar a escola à noite devido a distância entre as localidades de residência desses jovens e a sede municipal. Esse conjunto de condicionantes faz surgir a ideia de criação de extensões de matrículas, ou seja, em vez de o aluno ir até a escola, a escola vai até o aluno, se estabelecendo num espaço físico mais próximo dele, na comunidade ou no distrito (SEDUC, 2005).

Ao longo desses vinte anos, a oferta de ensino médio público cearense convive com anexos escolares ou extensões de matrícula e, embora a Secretaria de Educação do Estado do Ceará (Seduc) em suas diretrizes para os anos escolares de 2004, 2005 e 2006 reconheça a existência desse tipo de oferta e estabeleça orientações e procedimentos para sua organização, lotação de professores e condições de funcionamento, do ponto de vista de política pública, esse tema sempre foi tratado sem a devida atenção. Nas orientações emanadas pela Seduc em anos posteriores, o tema não aparece de forma clara, se evidenciando um vazio normativo sobre sua existência e modo de funcionamento.

Esse tema passa a adquirir destaque quando nos anos de 2014 e 2015, professoras vinculadas ao Grupo de Pesquisa Política Educacional, Gestão e Aprendizagem (GPPEGA) participam de uma pesquisa denominada Políticas para o ensino médio: o caso de quatro estados4, tendo como objetivo “descrever e analisar políticas implantadas por distintos estados brasileiros para o ensino médio, bem como o modo pelo qual as escolas situadas em territórios socialmente vulneráveis respondem aos desafios e às possibilidades colocados por essas políticas” (BATISTA et al., 2016, p. 6). A amostra selecionada incluiu as redes estaduais do Ceará, Pernambuco, Goiás e São Paulo e o trabalho consistia em pesquisa quantitativa e qualitativa, incluindo uma extensa pesquisa de campo num conjunto de escolas selecionadas.

É nesse contexto que ressurge o interesse pelos anexos escolares ou as extensões de matrícula na rede estadual do Ceará, cujos dados fornecidos pela Seduc apontaram que “[…] em ٢٠١٥ existiam ٤٠٢ anexos vinculados a ١٧٣ escolas de ensino médio regular, e neles estavam matriculados ٣٤.٧٨٧ alunos” (VIDAL; VIEIRA, ٢٠١٦, p. ٦١). Os achados da pesquisa mostraram que o Estado atendia a demanda de ensino médio a partir de condições de oferta muito desiguais, e que uma parcela dos alunos de ensino médio frequentava extensões de matrícula, que funcionavam em prédios com precária infraestrutura, em que os alunos tinham menos de ٤ horas-aula por dia e um corpo de professores com parcos recursos pedagógicos, desenvolvendo uma docência polivalente. Desta pesquisa surgiu o interesse em investigar mais profundamente a questão das ofertas nas extensões de matrícula, resultando em uma tese de doutorado, conforme explicitado no início desta Introdução.

A amostra da pesquisa de doutorado foi composta por cinco escolas estaduais e suas 21 extensões de matrícula, localizadas em cinco municípios e 21 distritos de diferentes regiões do estado. No total, foram entrevistados 98 sujeitos: 44 estudantes, 20 pais/mães ou responsáveis (14 mães, 3 avós e 2 pais), dois Secretários Executivos da Secretaria de Educação do Estado do Ceará, a coordenadora da Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação de Itapipoca (Crede 2), cinco diretores, um ex-diretor, dois coordenadores escolares e 22 docentes. A pesquisa seguiu os parâmetros ético estabelecidos para pesquisa científica com seres humanos e todos os entrevistados assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), tendo sido dado a liberdade de desistir ou interromper a entrevista na hora que julgasse conveniente.

O roteiro de observação das escolas e as entrevistas, possibilitou verificar a estrutura física, a organização administrativa e de acompanhamento pedagógico das escolas da sede e das extensões de matrículas, bem como, observar o tratamento da gestão central, regional e escolar para essa oferta (financiamento, infraestrutura, recursos humanos, lotação de professores e apoios pedagógicos, dentre outros aspectos da rotina escolar). Permitiu, ainda, o levantamento de dados das avaliações externas5, de formação dos professores e do perfil socioeconômico6 dos alunos.

O objetivo deste artigo é analisar a repercussão das ações do diretor escolar na gestão das turmas de extensão de matrícula nos contextos pesquisados. Além desta introdução, o artigo contém três seções e considerações finais. Na primeira seção, procura-se descrever o que são as extensões de matrícula e como elas funcionam a partir da escola-sede, o grau de complexidade de gestão que os diretores têm que lidar, bem como os recursos humanos e pedagógicos disponíveis para o apoio da gestão nos anexos. A segunda seção é dedicada a caracterização das escolas e ao perfil dos diretores da amostra e a terceira discute sobre a heterogeneidade da oferta nas extensões de matrícula e a repercussão das práticas de gestão para o seu desenvolvimento. Nas considerações finais são apresentadas as principais constatações da pesquisa.

2 EXTENSÕES DE MATRÍCULA OU ANEXOS ESCOLARES: CONTEXTO DE IMPLEMENTAÇÃO

As extensões de matrícula são definidas como um tipo de oferta educacional existente na rede pública estadual do Ceará, que consiste na matrícula de crianças e jovens numa determinada etapa ou modalidade da educação básica, numa escola que possui, além da sua sede, outros espaços físicos separados territorialmente7. Inicialmente denominadas de anexos escolares, foram inauguradas no início dos anos 2000 como forma de atender à demanda de ensino médio nos locais que não havia escola da rede estadual, principalmente no meio rural. Em sua maioria, essa oferta é desenvolvida em salas de prédios de escolas municipais, no âmbito da colaboração entre estado e municípios8; contudo, há turmas funcionando em outros tipos de prédios adaptados e até mesmo em presídios. Importante destacar que as ofertas das turmas nos anexos integram as matrículas das escolas-sede as quais eles estão vinculados, não sendo identificadas no Censo Escolar, o que levou Vidal; Vieira (2016) a afirmarem que essas ofertas são invisíveis. No entanto, a Seduc dispõe, no seu Sistema Integrado de Gestão Escolar (Sige), da relação dos anexos com suas respectivas matrículas e a vinculação à escola-sede, além de outras informações sobre recursos humanos deste tipo de oferta.

A matrícula em extensões da rede estadual é composta por educação de jovens e adultos, escolas indígenas, ensino médio regular, turmas que funcionam em unidades que abrigam pessoas em privação de liberdade (cadeias públicas, presídios, centro de medidas socioeducativas para menores infratores) e instituições de atendimento especializado às pessoas com deficiência, o que representa o atendimento a diversas demandas educacionais. A pesquisa de doutorado, no entanto, delimitou-se a analisar as extensões de matrícula que funcionam como turmas de ensino médio regular por considerar que esse é o principal público da rede estadual de ensino.

Não foi identificada junto à Secretaria de Educação, além das diretrizes dos anos 2004, 2005 e 2006, que abordava o tema, legislação específica que regulamente a oferta em extensões de matrícula no período entre 2007 e 2014, o que evidencia a pouca importância dada a situação, corroborando sua invisibilidade como aponta Vidal; Vieira (2016). Foi localizada uma portaria de matrícula para o ano letivo de 2016, publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) em dezembro de 2015, que no inciso 2º do anexo III informa que “[…] Somente casos excepcionais justificarão a abertura de turmas como extensão de matrícula, considerando principalmente dificuldades de deslocamento dos alunos por meio do transporte escolar” (CEARÁ, 2015, p. 40).

Ainda neste documento, o inciso 5º do anexo III indicava que “[…] Serão apresentadas orientações complementares a este anexo para balizar a tomada de decisões sobre a abertura de turmas como extensões de matrícula”. Entretanto, em pesquisa nos Diários Oficiais do Estado, não foi localizado o referido documento. Nas portarias de matrícula dos anos seguintes, que regulamentavam o funcionamento dos anos letivos de 2017, 2018, 2019 e 2020, foi encontrado o anexo III que versa sobre a oferta em extensões de matrícula com a mesma redação da Portaria lançada em 2015, contudo, o inciso 5º foi excluído nos quatro anos seguintes.

Sobre a demanda pela criação de extensões de matrícula, o Secretário Executivo de Cooperação com os Municípios da Seduc explica que

Os anexos são criados a partir de uma necessidade. Uma necessidade geográfica de localização da população e de distância dessas localidades, que geralmente são rurais, da sede dos municípios ou dos distritos onde tem escola de ensino médio. Então essa distância que inviabiliza o percurso, o deslocamento dos estudantes, ou seja, tanto pela questão de ser uma distância razoável como da questão das condições da estrada que inviabilizam isso. [deslocamento] […] o fato é que nos municípios você tem a presença de escolas municipais em uma quantidade maior do que a oferta de escola de ensino médio da rede estadual (Grifo das autoras).

O depoimento do Secretário mostra que é de conhecimento do órgão central os contextos em que surgem as demandas por este tipo de atendimento escolar, e que a natureza dos problemas não é intempestiva, mas estrutural, portanto, se estende do passado para o futuro, carecendo, assim, de uma política pública específica que apoie tal demanda.

Ainda sobre o tema, o Secretário Executivo do Ensino Médio e da Educação Profissional da Seduc comenta que a oferta nas extensões de matrícula é feita em parceria com os municípios e que

[…] esse convênio é caso a caso, porque o nível de cooperação com os municípios ele é muito amplo, […] vai do transporte escolar, vai através do Paic9, muitas vezes essa negociação [anexos] se estabelece dependendo das condições físicas, porque essa demanda não é só para o Estado. Muitas vezes a gente abre as extensões por solicitação do próprio município, que quer melhor a condição de atendimento para o transporte escolar e a pedido da população. Então tem muito caso a caso. Tem caso que é a comunidade quem solicita, tem caso que é o próprio município quem faz a intervenção, então tem motivos diversos.

As situações de demandas enumeradas pelo Secretário mostram que elas são pleitos que visam assegurar melhores condições de atendimento educacional a alunos que enfrentam dificuldades associadas às condições físicas [infraestrutura viária], o que leva a uma análise personalizada de cada caso.

Assim, a temática é de amplo conhecimento da gestão superior da Seduc e, conforme as portarias citadas, as Coordenadorias Regionais possuem autonomia para a criação de turmas de extensão de matrícula e cabe a elas a função de articular os acordos de cooperação junto às prefeituras dos municípios de sua abrangência, pois não há um convênio geral do estado com os 184 municípios. De acordo com a Seduc, essa articulação é feita de forma personalizada e sob circunstâncias diversas, ficando a cargo das Regionais promover as condições necessárias para a oferta em extensões de matrícula. Por não haver normativas específicas, aliado às questões territoriais e regionais em relação à cooperação entre os municípios e o Estado, a oferta em extensões se concretiza de forma muito heterogênea.

3 CARACTERIZAÇÃO DAS ESCOLAS E O PERFIL DOS DIRETORES DA AMOSTRA

A pesquisa foi realizada em quatro Escolas Estaduais de Ensino Médio (EEM) e uma Escola Estadual de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI). As EEM funcionam em tempo parcial com quatro ou cinco horas-aula por dia, em dois ou três turnos e podem ofertar turmas de extensão de matrículas, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Atendimento Educação Especial (AEE). Já as EEMTI ofertam nove horas-aula por dia, distribuídas entre os componentes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), da parte diversificada e de disciplinas eletivas e os alunos recebem três refeições diárias.

Quanto à estrutura organizacional das escolas estaduais, elas são classificadas em três níveis e a quantidade de pessoas alocadas nos quadros de gestão é estabelecida a partir do número de matrícula da escola. É comum aos três níveis a lotação de diretor, de secretário escolar e de assessor administrativo-financeiro, variando apenas o número de coordenadores pedagógicos. Escolas que possuem mais de 1.000 matrículas contam com três coordenadores pedagógicos; as que possuem entre 601 e 1.000 alunos, possuem dois coordenadores e naquelas que atendem até 600 estudantes, há apenas uma vaga para a coordenação escolar (CEARÁ, 2019).

Todas as escolas selecionadas para a pesquisa possuem três coordenadores escolares; além deles, as que possuem até três extensões, contam com um coordenador a mais e, a partir de quatro, dois coordenadores adicionais são permitidos. Somando-se ao coordenador pedagógico existem outros profissionais que atuam no apoio pedagógico na escola. Destes, é possível destacar o Professor Coordenador de Área (PCA), o Professor Diretor de Turma (PDT) e os Coordenadores dos ambientes de apoio à aprendizagem (Biblioteca, Laboratório de Ciências e Laboratório de Informática). Essas lotações são reguladas por portarias da Seduc, de vigência anual, que definem critérios gerais e condições específicas de lotação a partir da quantidade de matrículas e número de docentes.

As escolas pesquisadas possuem Índice de Complexidade de Gestão (ICG) nos níveis 4 e 5, como mostra a Tabela 1. O ICG condensa informações de matrículas, turnos de funcionamento, quantidade e nível de complexidade das etapas ofertadas pelas escolas, a partir dos dados obtidos no Censo da Educação Básica. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o “indicador classifica as escolas em níveis de 1 a 6 de acordo com sua complexidade de gestão, sendo que níveis elevados indicam maior complexidade” (BRASIL, 2014).

Tabela 1 - Fatores que compõem o ICG das escolas da amostra, 2019

Município

Escola

Matrícula

Turnos de Funcionamento

Etapas e modalidades de oferta

ICG (Nível)

Amontada

EEM de Amontada

1.203

Sede: 3

Ensino médio regular; Extensões de matrícula.

4

Boa Viagem

EEM Dom Terceiro

1.592

Sede: 3

Ensino médio regular; Extensões de matrícula; Atendimento Educação Especial; EJA presencial.

5

Granja

EEMTI São José

1.124

Sede: 2 (M/T)

Ensino médio em tempo integral;

Ensino médio regular.

4

São Gonçalo do Amarante

EEM Waldemar Alcântara

1.066

Sede: 3

Ensino médio regular; Extensões de matrícula; Atendimento educação especial; EJA presencial

5

Viçosa do Ceará

EEM Dr. Júlio de Carvalho

1.133

Sede: 3

Ensino médio regular; Extensões de matrícula; EJA Mais qualificação profissional.

5

Fonte: CEARÁ, SIGE Escola, 2019. Elaboração das autoras.

A EEM Dom Terceiro, localizada em Boa Viagem, tem o maior porte, com 1.592 matrículas e as demais escolas possuem números aproximados, sendo a EEM Waldemar Alcântara, situada em São Gonçalo do Amarante a que apresenta o menor número de matrículas dentre as escolas pesquisadas. Das escolas-sede, apenas a EEMTI São José, localizada em Granja, não possui oferta no turno noturno. As outras escolas da amostra funcionam à noite, entretanto, a concentração de alunos na sede ocorre durante o período diurno (manhã e tarde).

No que diz respeito ao tipo de oferta, além do ensino médio regular e turmas em extensões de matrícula, as EEM Dom Terceiro e EEM Waldemar Alcântara ofertam atendimento educação especial (AEE) e Educação de Jovens e Adultos (EJA) presencial, possuindo a maior diversidade da amostra; a EEM Dr. Júlio de Carvalho, localizada em Viçosa do Ceará também oferta EJA, entretanto, não possui turmas de AEE; a EEMTI São José de Granja e a EEM de Amontada não ofertam turmas de EJA e AEE, apresentando a menor diversidade de oferta dentre as pesquisadas.

Em relação às extensões, a EEM Dom Terceiro de Boa Viagem possui o maior número, oito no total, todavia, a maior matrícula é verificada na EEMTI São José de Granja, com 800 estudantes, distribuídos em quatro anexos. Apresentando duas extensões e 197 alunos, a EEM Waldemar Alcântara de São Gonçalo do Amarante tem a menor matrícula e número de anexos da amostra, conforme verifica-se na Tabela 2.

Tabela 2 - Número, matrículas e turnos de funcionamento das extensões, 2019

Município

Escola Sede

Nº de Extensões

Matrícula Extensões

Turnos de Funcionamento

Amontada

EEM de Amontada

4

636

2 (T/N)

Boa Viagem

EEM Dom Terceiro

8

652

2 (T/N)

Granja

EEMTI São José

4

800

3

São Gonçalo do Amarante

EEM Waldemar Alcântara

2

197

1 (N)

Viçosa do Ceará

EEM Dr. Júlio de Carvalho

3

584

2 (T/N)

Fonte: CEARÁ, SIGE Escola, 2019. Elaboração das autoras.

Estes fatores potencializam a complexidade da gestão escolar em vários aspectos. Lidar com grande número de estudantes e, consequentemente, muitos professores e turmas, requer mais tempo e disposição no acompanhamento das demandas inerentes à rotina escolar, tais como: aspectos relacionados à gestão da aprendizagem dos alunos, controle de frequência, contornar os problemas de indisciplina, monitoramento pedagógico, organização dos eventos escolares etc. Somam-se a isso, a gestão de recursos financeiros e a burocracia subjacente à sua execução, bem como o planejamento para atender diversas etapas e modalidades de ensino, dentre outras questões do cotidiano da gestão escolar. Destaca-se, contudo, que outros fatores, para além dos que compõem o ICG, podem ampliar a complexidade da gestão da escola, como ter sob sua responsabilidade a gestão de matrículas em anexos e o contexto socioespacial no qual a escola está inserida.

Quanto ao perfil dos diretores, em 2019, quando a pesquisa de campo foi realizada, o da escola de Amontada tinha 38 anos de idade e há 15 atuava na docência, sendo oito anos na escola da amostra. É formado em Pedagogia, possui habilitação em Matemática, tem especialização em Matemática e Física e – à época – possuía seis anos de experiência em gestão escolar na mesma escola. Com 54 anos de idade, a diretora da EEM Dom Terceiro (Boa Viagem) é graduada em Pedagogia, com especialização em gestão escolar e informática educacional. Dentre os diretores entrevistados, é a que possui o maior tempo de gestão, totalizando 20 anos em 2019, dos quais, oito na escola pesquisada. Esteve ainda em cargo de gestão na Crede 12 e é professora efetiva do município de Boa Viagem cedida ao Estado para exercer o cargo de diretora.

A diretora da EEMTI São José (Granja), com 37 anos de idade, é graduada em Letras e tem especialização em gestão escolar e na área de formação inicial. Atua na docência há mais de uma década, possuindo vínculo efetivo com a rede municipal e estadual de ensino. No período da pesquisa, a gestora estava cedida ao Estado desde abril de 2018 por meio de seleção e indicação da Crede 4.

Professor efetivo da rede estadual, com 36 anos de idade, em 2019, o diretor da EEM Waldemar Alcântara (São Gonçalo do Amarante) atuava na gestão há dois anos e possuía experiência de 18 anos na docência, sendo 14 destes nesta escola. É graduado em Pedagogia, com habilitação em Matemática e Física e possui especialização em gestão escolar e educação ambiental. O diretor da EEM Dr. Júlio de Carvalho é professor efetivo de Língua Portuguesa da rede estadual, possui especialização em gestão escolar e na área específica de sua graduação, com experiência de oito anos na docência. Não atuou anteriormente na escola e, em 2019, estava à frente da gestão havia dois anos.

O grupo de diretores escolares da amostra é composto por duas mulheres e três homens e as idades variam de 31 a 54 anos. Todos possuem nível de formação de pós-graduação lato sensu e se submeteram a seleção pública para concorrer ao cargo de diretor escolar. Com exceção da diretora da EEMTI São José (Granja), todo os outros vivenciaram a etapa de eleição por parte da comunidade escolar. A diretora de Boa Viagem é a única que não possui vínculo efetivo com o Estado, entre os gestores da amostra.

4 A HETEROGENEIDADE DA OFERTA NAS EXTENSÕES DE MATRÍCULA E O IMPACTO DA GESTÃO ESCOLAR

Constatou-se que a implementação das turmas de extensões de matrícula possui arranjos e condições diferentes de tratamento em cada município e escola, embora haja características semelhantes entre elas. Antes de destacar os aspectos que afirmam a heterogeneidade das condições de funcionamento deste tipo de oferta, faz-se importante elencar aqueles comuns às escolas pesquisadas. Além do contexto inicial para a implementação dos anexos, apresentado anteriormente, destaca-se o fato de que a Coordenadoria Regional é a instância responsável por avaliar as demandas por extensões de matrícula, possuindo total autonomia para determinar a abertura e fechamento das turmas.

No que se refere ao perfil dos sujeitos, verificou-se como elementos semelhantes, o fato de que todos os diretores são professores com pós-graduação em nível de especialização e que os docentes, em todos os anexos da amostra, são, majoritariamente, professores que possuem contratos temporários e ministram aulas em áreas correlatas a de sua formação original, seja por carência de docentes, seja para complementar a carga horária de trabalho. Nos 21 distritos visitados só se encontrou quatro professores efetivos atuando em turmas de extensão, três em Granja e um em Viçosa do Ceará. Situação semelhante no que se refere ao contrato de trabalho foi encontrada por Vidal; Vieira (2016), em pesquisa realizada em extensões de matrícula em 2014 e 2015, no município de Canindé – CE.

Em relação aos discentes e aos pais/responsáveis, observou-se que são oriundos de famílias com baixo nível socioeconômico, que optaram pela matrícula nos anexos por ser a única oportunidade de continuar a trajetória escolar, sem ter que migrar do seu distrito ou comunidade de origem, o que demandaria investimento de recursos financeiros próprios que essas famílias não possuem.

Chama a atenção dois aspectos semelhantes nas extensões visitadas: a infraestrutura inadequada para a oferta de ensino médio, em alguns locais, com condições mais precárias do que outros, como no caso das turmas que funcionam em prédios adaptados, em relação às que compartilham as escolas da rede municipal; e o compromisso dos professores com o funcionamento das turmas de extensão, para além da atividade docente. Sobre isso, o Diretor da escola de Amontada revela que

Desde que assumi em 2013, reuni os grupos de professores de cada extensão e disse que eles eram os diretores em exercício, que eles teriam total autonomia na minha ausência para resolverem tudo que fosse possível resolver e, acima de tudo, manter a comunicação. A partir daí, qualquer problema relacionado aos alunos, principalmente pedagógicos, eles têm o controle de registros de ocorrências, que também existe na sede. Aquele professor que está em planejamento, chama o aluno e conversa, algumas vezes chama os pais. Caso a situação não se resolva, aí é necessário trazer para a sede resolver. Todo levantamento de faltas de materiais é repassado por esses professores ou coordenadores: merenda, material de expediente, de limpeza. Nós fazemos as visitas, uma ou duas vezes por semana, no máximo, nas extensões. Mas quase não dá para observar essa questão de materiais, pois vamos para discutir as questões pedagógicas. (Grifo das autoras).

Este depoimento aponta para a sobrecarga de trabalho docente nas extensões de matrícula, uma vez que além do exercício polivalente em sala de aula, o professor ainda assume atribuições relacionadas a outras funções, tais como a gestão pedagógica e administrativa, já que o funcionamento daquele espaço não conta com recursos humanos para apoio ao processo educacional. Essa condição, quando comparada ao funcionamento das escolas de ensino médio da rede estadual, mostra elevada iniquidade no atendimento ao direito à educação para esses jovens que já se encontram em situação de grande vulnerabilidade social.

Embora com expressiva sobrecarga de trabalho, para além da docência, todos os segmentos entrevistados afirmam que não há problemas com assiduidade e pontualidade dos professores das extensões de matrículas. Quando perguntados sobre o que mais gostam na escola, pais/responsáveis e estudantes de todas as extensões visitadas apontam para a atuação dos docentes, conforme demonstra o depoimento de estudante de uma das extensões, localizada em Boa Viagem, ao afirmar que

[…] os professores são verdadeiros mágicos, porque eles acabam ensinando aulas que não foram formados […], mas eles passam muito bem. […] se esforçam para não ficarmos sem professor em determinada área. Não deixam os alunos com dúvidas […] temos acesso muito livre com eles, se tivermos dúvidas eles sempre têm um tempo extra para gente. (Grifo das autoras).

Em 2014, o Inep criou o Índice de Adequação da Formação Docente (AFD) e vem monitorando esse indicador anualmente, pela coleta do Censo Escolar da Educação Básica. No caso do ensino médio do público cearense, em 2019, os dados mostram que 66,3% dos professores se encontram em situação de adequação da formação, sendo que 33,7% continuam ministrando disciplinas que não correspondem à sua formação inicial. No caso das extensões de matrículas pesquisadas, os percentuais de docentes que atuam com formação inadequada, são maiores.

Embora as extensões de matrícula apresentem características semelhantes quanto à sua concepção, finalidade e modus operandi, é possível perceber diferenças associadas às condições de implementação. Uma delas diz respeito ao porte das escolas-sede e o número de extensões vinculadas, para o qual não existe um critério estabelecido, cabendo ao órgão intermediário da Seduc, ou seja, a Coordenadoria Regional definir a que escola sede vai se vincular determinado anexo ou mesmo à quantidade de escolas de ensino médio existentes no município.

Outro aspecto que apresenta diferenciação, refere-se aos turnos de funcionamento das turmas de extensão que, quando o espaço físico é uma escola municipal, majoritariamente só podem funcionar no turno noturno, pois os outros turnos abrigam a oferta da rede municipal, não havendo salas disponíveis para as turmas de ensino médio. No entanto, em duas situações, foram encontradas extensões no período diurno: quando as turmas funcionam em prédios adaptados, que não são escolas, tais como, a extensão de Ibuguaçu e Timonha, ambas em distritos do município de Granja, que funcionam, respectivamente, em um mercado público e um equipamento de saúde, que foram reformados para receber as turmas. Ou ainda, em menor incidência, em escolas municipais que possuem salas ociosas, frequentemente no turno da tarde, como é o caso das extensões dos distritos de Sabiaguaba (Amontada) e Manhoso (Viçosa do Ceará) que ofertam turmas de anexos nos turnos vespertino e noturno.

Aspectos relacionados a recursos humanos para apoio e assistência às extensões de matrícula, como o número de funcionários e acompanhamento administrativo e pedagógico, dependem, em parte, da capacidade de articulação política do diretor escolar, e por isso são encontradas situações mais e menos precárias. São exemplos disso, a existência de lotação de Professores Coordenadores de Área (PCA) e a adesão ao projeto Professor Diretor de Turma (PPDT) em alguns anexos e outros, não. Nessa mesma direção, se encontra a destinação de recursos financeiros aos anexos escolares por parte da gestão estadual (Seduc), em que a capacidade de mobilização política do diretor faz grande diferença na obtenção dos pleitos.

Os municípios e os distritos da amostra possuem características diversas que conferem maior ou menor grau de complexidade à gestão das extensões de matrícula, associados ao território, tais como: a extensão territorial dos municípios, a infraestrutura viária e a localização dos domicílios em relação à zona urbana e rural. A forma de povoamento dos territórios, aspectos associados ao relevo da região como acidentes geográficos (rios, serras, serrotes, passagens molhadas) dão a tônica sobre como se constrói historicamente os trajetos vicinais à sede do município e com isso, como os jovens dessas localidades tem acesso à escola pública de ensino médio.

Se no fim dos anos 1990, a universalização e a municipalização do ensino fundamental fizeram com que as redes municipais de ensino se capilarizassem e conseguissem atender as demandas das comunidades e distritos, o mesmo não aconteceu com a rede escolar estadual, que continuou concentrada nas localizadas urbanas das municipalidades. A consequência, já percebida no início dos anos 2000, como citado anteriormente, levou a criação das extensões de matrículas para garantir o direito à continuidade da educação básica a uma parcela desses jovens das localidades rurais, que com sucesso, conseguiam concluir o ensino fundamental.

Assim, pode-se inferir que a oferta de ensino médio público enfrenta um problema estrutural há pelo menos 20 anos, para o qual não existe uma solução única e padronizada como a criação de escolas do campo.

Observou-se na pesquisa realizada que a escola sede de Boa Vigem é a que apresenta o contexto mais complexo, tanto pela quantidade de anexos (oito), quanto pelas grandes distâncias e as condições precárias de acesso aos distritos das turmas de extensão. Soma-se a isso, o fato de ser a única escola estadual regular do município, possuindo assim, grande número de matrículas na sede, funcionando em três turnos. A escola de Granja possui quatro anexos que juntos respondem por 71,2% das matrículas e, assim como em Boa Viagem, é um município que possui grande área territorial e apresenta precária estrutura de acessos rodoviários para os distritos onde se localizam as turmas de extensão.

As escolas localizadas em Amontada e Viçosa do Ceará apresentam nível de complexidade para gestão das extensões similares e possuem, respectivamente, 52,9% e 51,5% dos alunos frequentando as aulas em anexos escolares. Elas apresentam uma quantidade reduzida de estudantes no turno noturno na sede e todas as turmas dos anexos funcionam em prédios de escolas municipais. Destaca-se ainda, que os acessos às extensões dessas cidades apresentam as melhores condições, quando comparado aos demais distritos da amostra.

Percebeu-se que a gestão das extensões da escola de São Gonçalo do Amarante é o contexto de menor complexidade dentre os pesquisados, pois apresenta o menor número de extensões (duas), bem como a menor matrícula em anexos (18,5%). Os distritos são distantes da escola-sede e o trajeto para as extensões se dá por meio de estradas não pavimentadas e de difícil acesso, contudo, as distâncias percorridas e dificuldades de trânsito da maioria das extensões das escolas de Boa Viagem e Granja são muito maiores quando comparadas ao cenário de São Gonçalo.

A heterogeneidade encontrada na oferta das extensões se explica pela diversidade de contextos apresentada. Entende-se que, em cada caso, demandas para o funcionamento das turmas se impõem às normativas gerais para esse tipo de oferta, o que é potencializado pela atuação da gestão escolar e sua articulação com a comunidade, órgão regional, Seduc e gestão municipal.

Os aspectos territoriais impõem diferenciação do tratamento dado pela gestão (estadual e escolar) à oferta de extensões de matrícula. Isso ocorre, porque determinados contextos demandam maior número de extensões e dificultam o acesso às mesmas, tanto pela distância entre a sede e os distritos, quanto pela falta de estrutura das estradas. Tais condições acabam por exigir que os diretores busquem estratégias de gestão administrativas e pedagógicas para dirimir essas dificuldades, seja no âmbito escolar, seja demandando soluções junto à gestão estadual (Seduc) e regional (Crede). Pela ausência de regramentos claros, abre espaço também para negociações políticas de balcão, levando os gestores escolares a se articularem diretamente com atores políticos, para conseguir melhores condições para o funcionamento das extensões de matrículas.

Ainda que as poucas diretrizes da gestão central para ofertas em extensões de matrículas sejam comuns às escolas da rede estadual, os atores se apropriam de acordo com o contexto da prática (BOWE; BALL; GOLD, 1992). Cada gestor escolar, com as condições práticas, possibilidades e limites que os cercam, buscam estratégias para gerir os anexos escolares. Somada às questões territoriais, os arranjos de gestão também geram a heterogeneidade observada neste tipo de oferta.

A EEM Dom Terceiro (Boa Viagem) conta com o maior número de extensões, não só entre as escolas da amostra, mas da rede estadual de ensino em geral. Em 2017, os dados de matrícula demonstravam que não havia outra escola com número de anexos semelhante. Em entrevista, a diretora afirma que a maior dificuldade na gestão deste tipo de oferta é acompanhar e visitar as extensões. Sobre isso, ela afirma que

É uma dificuldade muito grande, o acompanhamento [dos anexos]. A gente faz um rodízio e, a cada semana, eu me programo para ir a uma extensão. Como são oito, mesmo eu indo a uma extensão por semana, eu só estou voltando lá na primeira [visitada] depois de dois meses. […]. (Grifo das autoras).

É nesta escola que se verificou as maiores diferenças de atendimento dos alunos, principalmente no que se refere aos recursos humanos e apoio financeiro destinados especificamente à gestão das turmas de extensão a partir da concessão da Seduc mediante a demanda da gestão escolar. Devido à complexidade de gestão das extensões da escola de Boa Viagem, a diretora conseguiu articular, junto à Crede e à Seduc, algumas concessões visando minimizar demandas das extensões que não são contempladas nas portarias de matrícula e de lotação. A diretora informa que a situação da EEM Dom Terceiro não está contemplada no disposto nas portarias,

A portaria de matrícula geralmente não vem tratando diferenciado. [escolas com extensão]. […] Eu acho que uma escola como a nossa era para ser tratada diferenciada. Eu sei que a nível nacional não tem como, mas estadual. […] não há portaria específica para os anexos, eles são regulados pela escola mãe (Grifo das autoras).

Por possuir 90 professores, a escola de Boa Viagem, segundo a portaria de lotação pode contar com até cinco PCA. Por iniciativa da diretora, a escola conseguiu ampliar a lotação, somando três PCA na sede e oito nas extensões, um em cada distrito, que passaram a atuar na gestão da rotina escolar. A justificativa para essa concessão se deu pela constatação da dificuldade em gerir o elevado número de extensões, somado às grandes distâncias a serem percorridas por meio de acessos precários, além da escola-sede possuir elevado número de matrículas (940 alunos). Sobre o assunto, a Diretora explica:

Eu tenho direito pela portaria a 5 PCA, mas todos os anos eu faço ofício para todo mundo e solicito mais PCA. Então eu deixo 3 aqui [sede], um por área e desloco dois para as duas extensões mais longe e ficam faltando seis [extensões a serem contempladas] e eu corro atrás e consigo esses PCA. Só que esse PCA lá [nos anexos] assume atividades diferentes. Ele não é só para coordenar a parte pedagógica, planejamento. Ele é para tudo (Grifo das autoras).

Não existe na Seduc ou Crede um setor específico que monitore as extensões de matrícula, nem cronograma financeiro que contemple essa oferta, então, o protagonismo do diretor é decisivo para que as demandas das extensões sejam atendidas. A diretora de Boa Viagem destaca que

Não existe [setor específico para atendimento das escolas com extensão de matrícula]. […] Eu sou muito de ir atrás […] eu sempre estou lá [Crede/Seduc] mexendo com um e com outro e hoje, todos pelo menos conhecem a nossa realidade. […] Como eu já trabalhei na Crede [12], eu tenho um certo entrosamento com as pessoas de lá e isso tem facilitado e a gente sempre está aí aperreando um e a outro, é a Crede, é a Seduc (Grifo das autoras).

Além da conseguir ampliar o número de PCA, diante da carência de professores em determinadas disciplinas para algumas extensões, a direção da escola de Boa Viagem teve êxito em obter recursos financeiros para ajudar no deslocamento de professores e, ainda, a contratação de serviço de transporte para os docentes da sede que atuam num dos distritos. No final de 2017, conseguiu um transporte institucional e recursos para combustível de modo a assegurar os deslocamentos regulares da gestão para as extensões de matrícula. A diretora, com essas ações, conseguiu amenizar o que considera ser a maior dificuldade na gestão das turmas de extensão:

Ainda é a questão do deslocamento [a maior dificuldade na gestão das extensões]. […] a gente tem uma ajuda de custo para combustível, a gente tem um cartão [crédito para combustível] e o carro. Porque a gente tinha que ir em nossos carros, você viu como é a estrada, a gratificação geralmente era para combustível, pneu, manutenção [dos automóveis particulares]. […] Então a gente tem toda essa dificuldade do acompanhamento, tanto porque a demanda é grande, como também pela questão do acesso (Grifo das autoras).

Outro exemplo de iniciativa da gestão escolar, é o caso da EEM de Amontada, em que o diretor, visando ampliar carga horária para minimizar as dificuldades no acompanhamento das turmas de extensão, lotou professores efetivos readaptados (por questões de saúde não estão aptos a ministrar aulas e são lotados em ambientes de apoio pedagógico das escolas, Credes e Seduc) nos ambientes de aprendizagem na escola sede, para conseguir acrescentar 60 horas semanais de lotação para a escola e, assim, distribuir parte para as extensões. Essa estratégia só foi possível, porque a portaria de lotação para o ano de 2019 autorizava que a carga horária destinada aos professores readaptados nesses ambientes pudesse ser redirecionada a outras lotações na escola, sob critério da gestão escolar. Assim, o diretor lotou PCA em todas as extensões e, como em Boa Viagem, eles também exercem funções administrativas.

Em 2019, o diretor da EEM de Amontada conseguiu a previsão de recursos financeiros para o deslocamento da gestão para as extensões de matrícula. Sobre isso, explica que “Conseguimos algo muito importante em 2019, que foi um recurso para deslocamento, um recurso de 12 mil reais, um aporte complementar para contratar transporte. Mas agora que foi empenhado [junho]”. Nas demais escolas da amostra, não se verificou articulações para a ampliação de lotação de PCA para as extensões de matrícula. Tampouco, há recursos destinados para transporte ou deslocamento dos gestores escolares e professores. Os exemplos relatados ilustram as situações de desigualdades com que as extensões de matrículas são administradas, encontrando-se na capacidade de articulação dos diretores, o poder de assegurar melhores condições de atendimento educacional.

Observou-se que a iniciativa dos gestores escolares contribui significativamente para dirimir as dificuldades encontradas para o acompanhamento administrativo e pedagógico nas turmas de anexos, seja pela via da articulação com a Crede/Seduc, verificado no caso da EEM de Boa Viagem, seja por meio de estratégias de gestão possíveis a partir das diretrizes já estabelecidas, a exemplo da EEM de Amontada.

Constatou-se ainda que, em algumas escolas, a gestão escolar busca implementar um maior acompanhamento às extensões de matrículas, no que se refere à presença do núcleo gestor, havendo o cumprimento de carga horária desses profissionais nas localidades. Esse procedimento foi verificado de forma mais contundente na EEMTI São José (Granja), em que a gestão escolar disponibiliza quatro dos cinco PCA para as extensões. Destaca-se ainda que, dos cinco coordenadores escolares, três cumprem carga horária semanal nos distritos, acompanhando as turmas dos anexos. Esse tipo de situação também foi observado na EEM Dr. Júlio de Carvalho (Viçosa do Ceará), com PCA lotados em todas as extensões de matrícula e um coordenador pedagógico presente quatro dias da semana em uma das extensões. Nas escolas de Boa Viagem e Amontada também se encontrou PCA em todos os distritos.

Na EEM Dom Terceiro de Boa Viagem, embora não haja cumprimento de carga horária semanal dos coordenadores pedagógicos nas extensões, há, entre os mesmos, uma divisão de responsabilidades para acompanhamento dos anexos. Dos cinco coordenadores da escola, quatro possuem atribuições junto às turmas de extensão, sendo que cada um tem sob sua responsabilidade dois anexos, para atendimento e acompanhamento de demandas administrativas e pedagógicas. Nesta escola, verificou-se uma comunicação bem definida e próxima entre os coordenadores e os PCA que atuam nas extensões.

Em relação à EEMTI São José (Granja), ressalta-se o fato de a direção escolar ter optado por continuar gerenciando as extensões de matrícula, após ter se tornado uma escola em tempo integral (EEMTI). Na ocasião da implementação do tempo integral (em 2018), foi dada a opção de redistribuir as turmas de anexos para outras escolas estaduais de Granja, contudo, por escolha da diretora, a decisão foi continuar gerindo essas turmas.

A diretora confirmou em entrevista que a escolha foi impulsionada pela forte relação entre a escola sede e as extensões e pela importância que a gestão escolar atribui à atuação nos distritos. Sobre isso, ela opina que

[…] e a gente preferiu continuar, apesar das dificuldades. É complicado, […] a última extensão, que é Ibuguaçu, fica na divisa com Piauí. É bem longe e no período de inverno é bem difícil de se chegar lá, mas a gente gosta. Quando a gente vai lá na extensão, que a gente vê a carência dos alunos, a receptividade dos alunos, das famílias, dos professores, de como eles abraçam as nossas ideias, […] que a gente percebe o brilho nos olhos dos meninos, eles se sentem acolhidos pela escola, se sentem parte da escola e a gente tem cuidado com eles, né? A gente se sente responsável por eles. Chego até a me emocionar […] A gente tinha o receio de não cuidarem deles da maneira como a gente estava cuidando. […] (Grifo das autoras).

Ao contrário da maioria dos gestores, a diretora, quando teve oportunidade de transferir a responsabilidade das turmas de extensão de matrícula para outra escola, não o fez. Considera-se um fator importante na relação entre a gestão e os estudantes das turmas em anexos e da forma como o acompanhamento dessas turmas é, em alguns aspectos, priorizado. Ela destaca também a sensação de pertencimento dos alunos à escola-sede como valor construído e de grande importância para o trabalho educativo.

Na EEM Waldemar Alcântara (São Gonçalo do Amarante), a diferença apresentada é que o acompanhamento da rotina escolar é realizado por funcionários cedidos pela prefeitura que atuam nas escolas em que os anexos funcionam; enquanto nas outras escolas da amostra é feito pelos PCA, Professor Diretor de Turma e, no caso das escolas de Granja e Viçosa do Ceará, também por coordenadores escolares. Nas extensões da EEM Waldemar Alcântara não existe atuação de PCA nem do Professor Diretor de Turma e o núcleo gestor visita os anexos com frequência quinzenal ou quando é necessário participar de eventos, distribuir a merenda escolar ou repor materiais de expediente e consumo.

Os depoimentos mostram que o protagonismo do diretor escolar tem papel definidor na existência, organização e funcionamento das extensões de matrícula na rede estadual do Ceará. Percebe-se que sua mediação (FERREIRA, 2017) é importante para dirimir os problemas relacionados à gestão das extensões e, mais especificamente, ao modo como essa oferta é implementada, momento em que se materializam as decisões políticas e de gestão dentro de um determinado contexto. Na ausência de uma política pública por parte do Estado, esses atores procuram responder às demandas de uma agenda político-social por meio de formulação de políticas próprias, que se efetivam no interior da escola, mobilizam outros agentes do sistema de educação e conduzem sua implementação. Ou seja, as escolas fazem políticas públicas para além das suas atribuições legais, em nome do direito à educação.

Geralmente, essas iniciativas são pensadas sem levar em consideração os contextos específicos de implementação e, no caso da educação em nível estadual, das realidades distintas entre municípios e até entre escolas. Grandes desafios são impostos aos gestores quando essas decisões são levadas a arena da práxis. Eles se dão, desde a adesão e interpretação dos atores, até as condições materiais e locais para sua realização, principalmente, porque são fases – a formulação e a implementação de políticas – com atores diferentes sob contextos e interesses diversos. Sobre isso, Ball e Mainardes (2011, p. 13) afirmam que

As políticas, particularmente as políticas educacionais, em geral são pensadas e escritas para contextos que possuem infraestrutura e condições de trabalho adequadas (seja qual for o nível de ensino), sem levar em conta variações enormes de contexto, de recursos, de desigualdades regionais ou das capacidades locais.

O papel da direção escolar não é apenas o de aplicar as decisões da gestão central, mas o de mediar as proposições oficiais às necessidades impostas pela realidade da escola e da comunidade escolar. A relação entre formulação e implementação é desenvolvida em um campo de disputas, dotado de interpretações e reinterpretações dos textos oficiais por parte dos atores. Essa dinâmica, por vezes, promove ajustes e aprimoramentos no desenho inicial, visando alcançar os resultados necessários para dirimir o problema lançado pela agenda política. Segundo Mainardes (2006, p. 53)

[...] Os profissionais que atuam no contexto da prática [escolas, por exemplo] não enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos, eles vêm com suas histórias, experiências, valores e propósitos [...]. Políticas serão interpretadas diferentemente uma vez que histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são diversos. A questão é que os autores dos textos políticos não podem controlar os significados de seus textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deliberadamente mal-entendidas, réplicas podem ser superficiais etc. Além disso, interpretação é uma questão de disputa. Interpretações diferentes serão contestadas, uma vez que se relacionam com interesses diversos, uma ou outra interpretação predominará, embora desvios ou interpretações minoritárias possam ser importantes (Apud BOWE et al., 1992).

Ainda sobre o tema, Vieira (2007) alerta sobre a necessidade de compreender como os diversos atores envolvidos no desenvolvimento de políticas atuam neste campo, quando afirma

[…] a análise da(s) política(s) de educação requer uma compreensão que não se contenta com o estudo das ações que emanam do Poder Público em suas diferentes esferas (União, Estados, Municípios). Esta deve alcançar a escola e seus agentes e, num movimento de ida e volta, procurar apreender como as ideias se materializam em ações, traduzindo-se, ou não, na gestão educacional e escolar. […] As políticas que traduzem as intenções do Poder Público, ao serem transformadas em práticas se materializam na gestão.

A compreensão da participação da direção escolar no modo como se materializa a oferta de ensino médio em turmas de extensão é imprescindível, pois, para além do impacto dos contextos territoriais, a atuação do diretor escolar influencia o modo como essa oferta se desenvolve no contexto da prática, podendo minimizar as diferenças de tratamento entre a sede e extensão ou agravá-las. Sobre isso, Luck (1997, p. 16) observa que

É do diretor da escola a responsabilidade máxima quanto à consecução eficaz da política educacional do sistema e desenvolvimento pleno dos objetivos educacionais, organizando, dinamizando e coordenando todos os esforços nesse sentido e controlando todos os recursos para tal. Devido à sua posição central na escola, o desempenho de seu papel exerce forte influência (tanto positiva, quanto negativa) sobre todos os setores e pessoas da escola (Grifo das autoras).

Ainda que localizadas em uma mesma cidade, cada escola é influenciada por diferentes condições sociais e econômicas, que são características do território onde se situam. As políticas educacionais propostas pelos governos não são integralmente implementadas pelos atores na escola. O percurso entre a formulação e implementação sofre processos de encenação e reinterpretação dessas políticas (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2012).

Investigar como os diretores se apropriam das poucas orientações produzidas pela gestão central ou a ausência delas, materializando-as em práticas de gestão no âmbito escolar, é condição precípua para compreender como as políticas educacionais se desenvolvem em seu contexto local. A partir da concepção e características da gestão escolar, desenvolvem-se estilos de liderança que reverberam na condução dos processos no interior das escolas, bem como na postura diante da comunidade escolar.

Apresentar as condições sob as quais a direção escolar organiza o funcionamento da escola, no que se refere a recursos humanos, faz-se importante para entender como, diante do cenário comum à rede escolar, os diretores agem para atender às demandas específicas de sua comunidade escolar.

Por não haver uma diretriz específica para o funcionamento dos anexos escolares, abre-se espaço para que os gestores possam articular arranjos visando minimizar as demandas que a gestão das extensões de matrículas impõe à direção escolar. Percebe-se diferentes formas de organização da gestão dos anexos por parte da direção escolar e Crede, ficando sob a iniciativa do diretor ou do relacionamento com os órgãos regionais e central, as soluções para as dificuldades apresentadas no desenvolvimento desta oferta. As evidências apresentadas nos depoimentos mostram que mesmo de depois de mais de 20 anos de existência das extensões de matrículas, a Seduc ainda não possui uma política pública definida para esse atendimento, relegando-o a invisibilidade por parte do Estado.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo destaca a existência de matrículas de ensino médio ofertadas no que a Secretaria de Educação do estado do Ceará denomina de extensões de matrículas ou anexos escolares. Essas matrículas não são visíveis nos dados oficiais, uma vez que formalmente são registradas nas escolas urbanas, embora as turmas funcionem, via de regra, em localidades rurais distantes da sede do município. Sobre essas matrículas, incidem um conjunto de fatores que se tornam responsáveis pela heterogeneidade da oferta, dentre eles, a forma como a gestão escolar acompanha essas turmas. Dentre as escolas da amostra, três possuem um acompanhamento administrativo e pedagógico presencial nos anexos, feito pelo Professor Coordenador de Área (PCA) e Professor Diretor de Turma (PDT), bem como possuem coordenadores pedagógicos cumprindo parte da carga horária de trabalho nas extensões de matrículas. Avalia-se que várias posturas da gestão escolar visam minimizar a desigualdade de tratamento entre as turmas da sede e extensões no que diz respeito às condições de acompanhamento pedagógico e à condução da rotina escolar, embora as condições objetivas se imponham de forma contundente e seja evidente as iniquidades entre as duas ofertas.

O que se percebeu a partir dos depoimentos dos diretores é que o direito à educação de uma parcela de jovens cearenses, moradores em localidades rurais dos municípios pesquisados, é assegurado por uma iniciativa política que nasce de “baixo para cima”, pelo protagonismo dos gestores escolares, que assumem a liderança no sentido de incorporar à sua escola, as extensões de matrícula. A partir da iniciativa do diretor, os órgãos regionais e central são provocados e atuam no sentido de dirimir algumas dificuldades na implementação dessas turmas, no entanto, são os diretores que articulam e promovem arranjos visando minimizar as diferentes demandas impostas pelo grau de complexidade de gestão dos anexos escolares.

Finalmente, há que se frisar que o Estado tem apresentado baixa capacidade de resposta a uma demanda que existe a mais de vinte anos, e para a qual ainda não se vislumbram normas de funcionamento claramente definidas, o que leva a duas constatações: a) a invisibilidade de uma oferta que representa cerca de 17% das matrículas de ensino médio pública, desde a ausência de registro no Censo Escolar até a omissão nos documentos institucionais e b) a criação de um espaço de “negociação de balcão” em que a capacidade de articulação política e institucional do diretor escolar assegura melhores condições de atendimento nas extensões de matrícula, comprometendo o princípio republicano de igualdade de oportunidades para todos.

Por ser um tema ainda pouco abordado no âmbito da pesquisa educacional e acadêmica, as extensões de matrícula oferecem muitas oportunidades para novos estudos que possam coletar dados e produzir análises que venham a contribuir tanto para a formulação, quanto para a avaliação de políticas educacionais para este tipo de oferta. Dentre estas oportunidades, destaca-se a análise dos resultados de desempenho escolar das turmas de extensões de matrícula em comparação com as demais ofertas da rede escolar estadual e como isso se reflete nas desigualdades educacionais no interior de uma mesma escola e rede de ensino.

REFERÊNCIAS

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1 Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará; Integrante do grupo de pesquisa Política Educacional, Gestão e Aprendizagem (GPPEGA/UECE) do CNPq. E-mail: analeabl@gmail.com.

2 Pesquisadora do CNPq; Consultora da FGV-RJ e da Unesco; Líder do Grupo de Pesquisa Política Educacional, Gestão e Aprendizagem. E-mail: sofialerche@gmail.com.

3 Doutora e Mestra em Educação pela Universidade Federal do Ceará. E-mail: eloisamvidal@yahoo.com.br.

4 Pesquisa financiada pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) e Fundação Tide Setubal.

5 Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e Sistema Permanente de Avaliação do Ceará (Spaece).

6 Esses dados foram coletados durante as entrevistas.

7 Os termos extensão de matrículas ou anexos escolares são denominações próprias do estado do Ceará. Embora o Censo Escolar não disponha de uma forma de captar este tipo de oferta, acredita-se que outros estados da federação possuem ofertas de ensino médio em situações similares, podendo ou não ter denominação distinta.

8 No Ceará, existe um conjunto de iniciativas no campo da educação que são implementadas por meio de um regime de colaboração entre os municípios e o estado (Vieira, 2010; Vieira; Vidal, 2013).

9 O Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic) é uma iniciativa de cooperação entre o estado e os municípios do Ceará com o objetivo de alfabetizar os alunos da rede pública de ensino até o final do segundo ano do ensino fundamental.