https://doi.org/10.18593/r.v47.29623

Fonec: a construção de um intelectual orgânico coletivo dos(as) camponeses(as) no Brasil

Fonec: building an organic intellectual collective of peasants in Brazil

Fonec: construyendo un intelectual orgánico colectivo de campesinos en Brasil

Mônica Castagna Molina1

Universidade de Brasília (UnB), Professora Associada,

Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-9901-9526

Clarice Aparecida dos Santos2

Universidade de Brasília (UnB), Professora Adjunta,

Orcid iD: https://orcid.org/0000.0003.3643.6909

 

Resumo: Este artigo tem como objeto de análise o Fórum Nacional de Educação do Campo FONEC e seu papel como agente político organizador, formador e, ao mesmo tempo, espaço de mediação e unidade político-ideológica das lutas engendradas pelos movimentos sociais, sindicais e organizações populares do campo pelo direito à educação. Sua relevância também se torna evidente por seu protagonismo nas lutas pela elaboração e consolidação de políticas públicas de Educação do Campo. Por meio de abordagem histórica, neste trabalho serão analisados os períodos de construção, afirmação e ampliação desse instrumento organizativo e os desafios que lhe são impostos no contexto atual, cogitando-se a ideia de considerá-lo um intelectual orgânico coletivo dos(as) camponeses(as), com base nas concepções gramscianas desse conceito.

Palavras-chave: Educação do Campo; FONEC; Intelectual orgânico coletivo.

Abstract: This article has as its object of analysis the National Forum of Rural Education - FONEC and its role as an organizing political agent, educator and, at the same time, a space of mediation and political-ideological unity of the struggles engendered by social movements, unions and grassroots organizations for the right to education. Its relevance is also evident in its protagonism in the struggles for the elaboration and consolidation of public policies for Education for Rural Areas. Through a historical approach, this work will analyze the periods of construction, affirmation and expansion of this organizational instrument and the challenges that are imposed on it in the current context, considering the idea of its understanding as an intellectual collective of the working class, based on the Gramscian conceptions of such categories.

Keywords: Rural Education; FONEC; Collective organic intellectual.

Resumen: Este artículo tiene como objeto de análisis el Foro Nacional de Educación del Campo - FONEC y su rol como agente político organizador, formador y, a la vez, espacio de mediación y unidad político-ideológica de las luchas engendradas por los movimientos sociales, sindicatos y organizaciones populares por el derecho a la educación. Su relevancia se manifiesta también en su protagonismo en las luchas por la elaboración y consolidación de políticas públicas de Educación del campo. A través de un enfoque histórico, este trabajo analizará los períodos de construcción, afirmación y expansión de este instrumento organizativo y los desafíos que se le imponen en el contexto actual, considerando la idea de su comprensión como intelectual colectivo de la clase trabajadora, basado en las concepciones de Gramscian de tales categorías.

Palabras clave: Educación en el campo; FONEC; Intelectual orgánico coletivo.

Recebido em 27 de outubro de 2021

Aceito em 10 de maio de 2022

1 Introdução

O Movimento da Educação do Campo, caracterizado como “movimento de cunho sociopolítico e, ao mesmo tempo, de renovação pedagógica”, segundo Munarim (2008, p. 1), nasce no meio da luta pela Reforma Agrária e pelo direito dos camponeses à educação. Os componentes fundantes desse Movimento emergem da materialidade dessa luta e das experiências do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST nas escolas de acampamentos e assentamentos, nos projetos de Alfabetização de Jovens e Adultos e nas iniciativas de formação de educadores desenvolvidas já nos primeiros anos da década de 1990, ressalta que o

[...] MST, sem dúvida, pode ser considerado o movimento social de importância vital para o início do Movimento de Educação do Campo. Ao par de sua permanência, entretanto, convém assinalar que outros sujeitos coletivos forjados em torno da questão do campo, com entrada mais tarde, constituem, hoje, a dinâmica desse Movimento (MUNARIM, 2008, p. 5).

Dirigido pelos movimentos sociais, sindicais e pelas organizações populares do campo, sujeitos coletivos de direitos (SOUZA JÚNIOR, 2002; HOUTART, 2007) que organizam seu poder de convocação de educadores(as), universidades e parcelas do Estado, e construído como projeto dos sujeitos do campo, pode-se hoje afirmar que o Movimento da Educação do Campo inaugurou um novo período na história da educação brasileira.

A Educação do Campo foi gestada no I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária – I ENERA (1997), ocorrido na Universidade de Brasília, e partejada na I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo – I CNEBC (1998). A I Conferência se projetou em organização com todos os movimentos e entidades promotoras na Articulação Nacional por uma Educação do Campo, consolidada na II Conferência (2004), que reuniu dezoito entidades representativas da diversidade dos povos do campo na sua organização.

Nesta Introdução são abordados os períodos de 2002 a 2004 e de 2004 a 2010, sendo este último o ano da instituição do Fórum Nacional de Educação do Campo – FONEC. O recorte é necessário, uma vez que se tratou de um tempo singular e, ao mesmo tempo, fecundo em reuniões, debates, encontros, formulações e negociações que desembocaram na II CNEC e que, pelas contingências históricas e políticas, projetaram a criação do FONEC.

Antes, porém, de desenvolver as reflexões acerca dos tempos mais recentes da atuação do FONEC a ser analisado neste artigo, é necessário resgatar fenômenos históricos determinantes daquilo que viria a acontecer no período específico de 2004-2010.

A Marcha do MST (1997), que ocorreu em reação aos massacres de Corumbiara (1995) e Eldorado dos Carajás (1996), e, em seguida, a realização do I ENERA (julho de 1997), acolhido pela Universidade de Brasília, foram eventos determinantes para tudo o que viria a ser a Educação do Campo. De um lado, mais de cem mil camponeses(as) em marcha chegaram a Brasília no dia 17 de abril de 1997 e ali se reuniram exigindo do então governo Fernando Henrique Cardoso respostas efetivas às suas reivindicações, principalmente a exigência de um Plano de Reforma Agrária. De outro lado, a pressão nacional e internacional para que o governo apresentasse respostas políticas efetivas àquelas reivindicações, respostas de que, na verdade, não dispunha.

Uma capacidade de aglutinação de forças políticas populares vinculadas às lutas sociais do campo com instituições como UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância e UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, além da Igreja Católica (CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), em parceria com universidades que compunham o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras – CRUB, foram capazes de instituir algo inédito e extraordinário, como o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA no âmbito do MEPF/Incra – Ministério Extraordinário de Política Fundiária e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

Ainda que sob condições razoavelmente frágeis como política pública, a criação do PRONERA inflamou as esperanças camponesas e comprovou que, em matéria de política, a imprevisibilidade é a única certeza. Como resultado das lutas e avanços conquistados entre 1997 e 2001, o Conselho Nacional de Educação deu início a intenso debate sobre a elaboração das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, finalmente instituídas pela Resolução CNE/CEB nº 1, de 3/4/2002, após a realização de inúmeras audiências públicas que contaram com ampla participação dos movimentos sociais e sindicais do campo. As sugestões desse conjunto de participantes foram em grande medida acatadas pela Conselheira Relatora à época, Professora Edla Soares.

A eleição do Presidente Lula (2002) indicou um novo tempo para as lutas sociais, e o Movimento da Educação do Campo afirmou seu papel histórico no Seminário Nacional por uma Educação do Campo realizado logo após sua vitória, e elaborou proposições ao novo governo por meio de uma carta em que apresentava suas demandas políticas.

A realização da II CNEC (2004) foi objeto de intenso e amplo debate com todas as forças políticas dos movimentos sociais, sindicais e educacionais do campo, ancorado na estratégia de mostrar força política e organizativa na perspectiva das políticas a serem implementadas, colocando-se como a interlocução legítima desses coletivos. Foi na II CNEC que o Ministério da Educação oficialmente apresentou a Coordenação da Educação do Campo criada no âmbito da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD, atendendo a uma das reivindicações apresentadas na Carta do Seminário Nacional de 2002.

Portanto, havia duas importantes estruturas governamentais: o PRONERA no Incra e a Coordenação de Educação do Campo no MEC. No PRONERA, desde sua criação, havia sido instituída por reivindicação dos movimentos sociais e sindicais, a Comissão Pedagógica Nacional (1998), uma instância composta por integrantes do Incra, por movimentos representativos do público da Reforma Agrária e por integrantes das universidades. Constituída como um coletivo de análise e deliberação sobre projetos a serem apoiados pelo Programa, com a eleição de Lula e em decorrência de incremento orçamentário passou a ser um espaço de maior participação e decisão política.

No âmbito da SECAD/MEC e da Coordenação de Educação do Campo, instituiu-se também uma instância de participação da sociedade civil, o Grupo Permanente de Trabalho em Educação do Campo (2003), um pouco mais ampla que o PRONERA, uma vez que suas ações envolviam sujeitos do campo para além do público da Reforma Agrária. O trabalho desenvolvido pelo Grupo foi definitivo para a criação de dois importantes programas no âmbito do MEC: o Programa Saberes da Terra (2005) e o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo – PROCAMPO (2007), ambos representando a materialização de propostas apresentadas no documento final da II CNEC.

A dinâmica dessas duas instâncias absorveu completamente os movimentos em reuniões, eventos e mesmo no protagonismo da execução dessas políticas por um longo período, entre 2004 e 2010, durante os dois mandatos do Presidente Lula. Pode-se afirmar que foi um período frenético de trabalho, mobilização e articulação que tinham por motivação a possibilidade de abertura dos espaços institucionais federal, estaduais e municipais para a agenda da Educação do Campo. Os movimentos compreenderam a natureza do momento histórico que exigia sua participação como sujeitos.

Tal dinâmica, por outro lado, esvaziou o espaço autônomo e próprio de seus sujeitos ou, como cogita Munarim (2008 p. 12): “Quiçá em vez de ‘arrefecimento’ ou ‘refluxo’ do Movimento de Educação do Campo, seja mais apropriado falar de mudança de qualidade do Movimento, com alteração de estratégias”, uma vez que se viu implicado nas contradições próprias de um governo que, por ser mecanismo de Estado em disputa, nem sempre orienta sua ação pelo interesse e pelo projeto da classe trabalhadora. Os limites dessa relação com o Estado e a constatação da necessidade de recompor um espaço autônomo de crítica, elaboração e formulação política moveram os sujeitos na direção da retomada de sua auto-organização. 

Um Seminário Nacional realizado nos dias 16 e 17 de agosto de 2010 na sede da CONTAG, em Brasília, autoconvocado pelos movimentos sociais e sindicais do campo e universidades parceiras em suas lutas e execução dos programas que haviam sido conquistados, deliberou pela criação do Fórum Nacional de Educação do Campo, o FONEC, após um balanço da década e análise do momento político da época de sua criação.

O FONEC congrega movimentos e organizações sociais populares: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG, Rede de Educação do Semiárido Brasileiro – RESAB, União das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil – UNEFAB, articulações, comitês, Fóruns Estaduais de Educação do Campo e universidades. Conforme a Carta-compromisso de criação do FONEC, seus objetivos são a articulação pela garantia do direito à educação das populações do campo em todos os níveis e modalidades; o exercício da análise crítica constante, severa e independente de políticas públicas de Educação do Campo; a correspondente ação política com vistas à implantação, à consolidação e à elaboração de proposições de políticas públicas de Educação do Campo.

Desde sua criação, o papel do FONEC vem-se intensificando nas lutas em defesa da Educação do Campo com a ampliação significativa dos movimentos e organizações sociais, sindicais e universidades que o integram. Entre 2010 e 2020, o Fórum protagonizou a organização de encontros nacionais dos diferentes sujeitos coletivos que integram a Educação do Campo; participou ativamente da proposição e realização de seminários nacionais do PRONERA e das Licenciaturas em Educação do Campo; produziu diversas Notas Técnicas avaliando a conjuntura e as políticas públicas de Educação do Campo; organizou periodicamente relevantes encontros de formação com a representação de diversas organizações que o integram, com especial ênfase ao histórico Seminário Nacional dos 20 Anos da Educação do Campo e do PRONERA, realizado em 2018 na Universidade de Brasília.

Mais recentemente, no período da pandemia de Covid-19, dando sequência ao seu ativo papel de organizador e animador das lutas e resistência em defesa dos diretos do campesinato, o Fórum avançou para a criação de um canal no YouTube, com a constituição da TV FONEC, que se transformou num relevante espaço de formação dos trabalhadores e de articulações da contra-hegemonia.

Em razão dos diferentes papéis do FONEC, levanta-se neste artigo o questionamento a respeito de se poder qualificá-lo ou não como um intelectual orgânico coletivo dos(as) camponeses(as). Portanto, buscando respostas a esta questão, inicialmente este artigo objetiva socializar os fundamentos teóricos com base nos quais assenta essa ideia, o que será feito na primeira parte do artigo. Na segunda parte, serão apresentadas as concepções que têm dado fundamento às ações científico-filosóficas e educativo-culturais do FONEC em relação às lutas que ele tem protagonizado em relação às políticas públicas de Educação do Campo. Na terceira parte, apresentam-se as ações políticas mais recentes desempenhadas pela entidade com o intuito de conceber ações coletivas para enfrentar os ataques ao direito à educação dos camponeses, intensificados no governo atual e acelerados ainda mais em função da pandemia de Covid-19.

1 O FONEC como sujeito político coletivo e como intelectual orgânico dos(as) camponeses(as) e o enfrentamento das adversidades dos períodos históricos 

Por que se levanta aqui a hipótese do FONEC como um intelectual orgânico coletivo dos(as) camponeses(as)? (GRAMSCI, 2000; LEHER; MOTA, 2012; SANTOS, 2017). Quais ideias fundamentariam tal entendimento? A resposta a essas questões necessita indubitavelmente da retomada de algumas categorias estruturantes do pensamento gramsciano, entre elas o próprio entendimento do filósofo italiano Antonio Gramsci sobre os intelectuais e seu papel na sociedade (GRAMSCI, 2000; SIMIONATTO, 1997; MARTINS; 2011; DURIGUETTO, 2014).

Antes, porém, de se discorrer sobre quais seriam para o pensador sardo as funções dos intelectuais na sociedade, é necessário explicitar a importante ruptura que ele apresenta com a superação da visão tradicional sobre quem são os intelectuais. Ao invés de concebê-los como sujeitos dotados de alta cultura erudita, conhecedores das belas-artes, tidos como “superiores” em relação à maioria dos mortais e, por isso mesmo, afastados das questões políticas e econômicas das sociedades, Gramsci os concebe não a partir de uma perspectiva subjetivista e individual, mas de uma perspectiva de sujeitos coletivos, “cuja função é produzir e difundir ideologias que lhes interessam”, com uma tarefa precípua na sociedade, qual seja a “função de hegemonia, tendo em vista o caráter de classe e a perspectiva de organizar e dirigir uma vontade social coletiva” (LEHER; MOTA, 2012, p. 424).

A compreensão da categoria intelectual por esse prisma liga-se a outra extremamente relevante do pensamento gramsciano, na qual também se busca fundamento para qualificar ou não o FONEC como intelectual orgânico coletivo dos(as) camponeses(as). Gramsci defende que o entendimento sobre quem são os intelectuais não está relacionado ao tipo de trabalho executado pelo homem, equivocamente dividido em trabalho manual e intelectual. O estudioso italiano desconstrói tal visão ao reafirmar o antigo pensamento marxista segundo o qual todo trabalho realizado pelo homem passa necessariamente pelo intelecto para a sua materialização. Dando sequência ao entendimento de Marx em torno do histórico debate sobre a hierarquização do valor entre trabalho manual e intelectual, ilustrado por ele com a afirmação de que a diferenciação essencial entre o trabalho do pior arquiteto e o da melhor abelha é que o primeiro construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo na cera, Gramsci (2000a, p. 18) também reafirma enfaticamente que “todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens têm na sociedade a função de intelectuais”.

Para a discussão que se quer levantar em torno da hipótese de se considerar o FONEC um intelectual orgânico coletivo dos(as) camponeses(as) é fundamental se retomar o entendimento de Gramsci de que

Todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um ‘filósofo’, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral. Nessa perspectiva, continua Gramsci, este homem contribui assim para manter ou para modificar uma concepção do mundo, isto é, para suscitar novas maneiras de pensar (LEHER; MOTA, 2012, p. 427).

Segundo Martins (2011), é relevante o entendimento de que o elemento central da análise gramsciana sobre os intelectuais é exatamente o papel que eles desempenham ou podem desempenhar na disputa pela hegemonia entre as classes de uma determinada formação econômica e social. O autor citado destaca que

Gramsci contribuiu no processo de elaboração de um conceito de intelectual e o fez por meio de uma perspectiva classista, o que lhe possibilitou identificar a seara do trabalho intelectual também como um espaço em que se desenvolve a disputa pela hegemonia. Na primeira metade do século XX, Gramsci tratou dessa questão de maneira original, legando ao presente a possibilidade de distinguir o engajamento político mediado pela visão classista de outros tipos de engajamento [...]. Assim, Gramsci se tornou uma referência nessa questão até os dias atuais, mormente àqueles que assumem o materialismo histórico e dialético como paradigma científico e filosófico de análise da realidade concreta e guia para a ação sociopolítica e educacional-cultural (MARTINS, 2011, p. 133).

E essa é mais uma das importantes contribuições do pensamento gramsciano para a ressignificação do entendimento sobre os intelectuais. Além de contribuir para a superação da definição da intelectualidade a partir da divisão trabalho manual/intelectual, Gramsci também traz significativa superação da leitura sobre os intelectuais ao afirmar a necessidade de se superar a percepção de seu isolamento das relações sociais. Segundo ele afirma, o erro metodológico mais difundido

[...] é ter buscado este critério de distinção no que é intrínseco às atividades intelectuais, em vez de buscá-lo no conjunto do sistema de relações no qual estas atividades (e, portanto, os grupos que as personificam) se encontram, no conjunto geral das relações sociais. Na verdade, o operário ou proletário [...] não se caracteriza especificamente pelo trabalho manual ou instrumental, mas por este trabalho em determinadas condições e em determinadas relações sociais (GRAMSCI, 2000a, p. 18, grifos nossos).

Para Martins (2011), é essa compreensão dos intelectuais a partir de seu lugar nas relações sociais que torna possível se tomar como eixo de interpretação dos textos gramscianos sobre eles o papel que “desempenharam e desempenham no complexo processo de transformação ou de conservação do modo pelo qual se desdobra a totalidade da vida social capitalista, fundada na contradição de classe” (p. 140). Ou seja, a reflexão sobre o papel dos intelectuais na sociedade pela perspectiva gramsciana não tem sentido apartado do debate sobre a disputa entre hegemonia e contra-hegemonia (BUTTIGIEG, 2003; CAMPIONE; 2003; LIGUORE, 2003; SCHLESENER, 2007; COSPITO, 2017).

Em concordância com essa interpretação, Leher e Mota (2012, p. 425) destacam que Gramsci amplia significativamente o conceito de intelectual ao demonstrar sua função político-social, que pode vir a ser conservadora ou transformadora num determinado bloco histórico. Os autores citados também observam que o pensador italiano sustenta a ideia de que qualquer grupo social que nasce de uma função essencial no âmbito da produção econômica forma seu grupo orgânico e “cria para si [...] uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e político” (GRAMSCI, 2000a, p. 15, grifos nossos).

O entendimento de Gramsci sobre o papel dos intelectuais na disputa pela hegemonia entre as classes sociais e sobre a função que eles podem vir a desempenhar na sociedade ao estabelecerem uma relação orgânica com as classes às quais se vinculam (SIMIONATTO, 1997) é que poderia dar suporte à compreensão do Fórum Nacional de Educação do Campo como intelectual orgânico coletivo dos(as) camponeses(as). Segundo afirma Martins (2011, p. 140), com base no pensamento grasmciano, podemos entender que o intelectual orgânico das classes subalternas é o “indivíduo ou organização social (sindicato, partido político, etc.) que se propõe a assumir inúmeras tarefas no processo de superação da sociedade de classes, sobretudo com três perfis dialeticamente articulados: filosófico-científicos, educativo-culturais e políticos”.

Avalia-se que o FONEC vem desempenhando inteiramente seu papel na disputa pela hegemonia do projeto da classe trabalhadora, articulando simultaneamente as funções científico-filosóficas, educativo-culturais e políticas. Ao construir profundas reflexões sobre a Filosofia da Práxis (SEMERARO, 2006) e sua centralidade como caminho para a materialização do projeto da classe trabalhadora, Gramsci atribui essas funções aos intelectuais orgânicos, sendo assim chamados por ele os que, superando a visão tradicional desse conceito explicitado anteriormente, desempenham importantes papéis por sua classe social (SIMIONATTO, 1997).

Entende-se que as ações de cunho filosófico-científico desempenhadas pelo FONEC materializam-se nos vários encontros protagonizados pela entidade nas organizações que o integram. Trata-se de eventos que visam debater, ampliar e promover o entendimento coletiva das principais contradições vivenciadas pelo campesinato brasileiro e pelo conjunto da classe trabalhadora do país no enfrentamento das enormes ameaças à continuidade de sua existência, como sujeito ou como classe social, em função das ameaças amplificadas pelo avanço da destruição contínua gerada pela sociedade capitalista no campo, maximizada pelo desenfreado avanço da lógica hegemônica de organização da agricultura via agronegócio.

 O atual nível desse avanço relaciona-se à crise estrutural do capital e à maneira como ela se manifesta em relação à apropriação dos bens naturais que ameaça concretamente não só a continuidade da existência do próprio campesinato. Essa ameaça se estende também à sociedade como um todo, em razão da profunda devastação ambiental que vem causando, tal qual demonstra o novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) recém-divulgado pela ONU (2021), no qual são apontados vários níveis de irreversibilidade já alcançados em diferentes territórios e biomas em diversos pontos do planeta. De maneira muito sintética e precisa Frigotto (2020, p. 3) elucida como vem ocorrendo tal ação:

O capital apropriou-se da ciência privadamente, quando na verdade ela é um bem comum da humanidade, assim como o é a terra, a água, os bens minerais, etc. Vivemos, então, num tempo histórico em que o capital nega, ao mesmo tempo, a maioria da classe trabalhadora que tenha propriedade como valor de uso e, também, nega o emprego, pois precisa cada vez menos de trabalhadores em todas as esferas da produção (FRIGOTTO, 2020, p. 3).

O FONEC atua, portanto, no papel de cunho científico-filosófico ao pautar e promover com as organizações que o integram momentos extremamente relevantes de formação sobre essas enormes contradições, desde aqueles com representações indicadas de cada organização que o compõe até encontros massivos, como o Seminário dos 20 anos da Educação do Campo e do PRONERA. Ressalte-se que neste artigo assume-se o conteúdo filosófico no mesmo sentido atribuído por Gramsci de que não é qualquer concepção filosófica que interessa aos trabalhadores, mas sim a Filosofia da Práxis (SEMERARO, 2006; SIMIONATTO, 2009), que lhe é vital. Compreende-se que nessa concepção reside o coração das instigantes chaves de leitura que o pensador oferece. Herdeiro fiel do pensamento de Marx, Gramsci retoma tal concepção filosófica e enfatiza que é fundamental a ampliação do entendimento do mundo e de suas contradições pelos trabalhadores, porém não somente no sentido de apreender tais contradições, mas essencialmente no sentido de compreendê-las a fim de tomar nas mãos as rédeas de sua história e de agir no sentido de transformá-la. Portanto, as ações de cunho científico-filosófico são algumas das importantes frentes que devem ser ocupadas por aqueles que buscam atuar como intelectuais orgânicos da casse trabalhadora, papel que talvez o FONEC venha exercendo contemporaneamente.

Reforçando a compreensão sobre a centralidade de tal função, retoma-se o que Martins entende sobre o pensamento gramsciano em relação a ela:

Entende-se por tarefas de cunho científico-filosófico aquelas cujo objetivo é compreender a dinâmica da vida societária em uma determinada formação econômica e social, em seu processo de gênese e desenvolvimento histórico e suas contradições, seus limites e suas possibilidades. Além disso, ao intelectual orgânico às classes subalternas caberá, nesse processo, formular uma visão de mundo que seja condizente com as necessidades e os interesses históricos dos trabalhadores do campo e da cidade, disseminando-a na coletividade por diferentes meios, forjando outra cultura e as condições de produção de outro bloco histórico, este sob a hegemonia do proletariado, o que é indispensável para a superação vivida sob a égide do modo de vida capitalista. [...] Tal tarefa científico-filosófica só se realiza se estiver articulada à tarefa educativo-cultural (MARTINS, 2011, p. 140).

Ao construir com o campesinato a proposta de um modo de organizar a agricultura a partir da massiva execução de uma verdadeira Reforma Agrária Popular fundamentada na Agroecologia e na Soberania Alimentar, estabelecendo profundas mudanças na relação do homem com a natureza e dos homens entre si, o FONEC avança e contribui na construção de elementos necessários à forjadura de um outro projeto societário. Porém, é imprescindível a coerência da articulação entre as atividades de entendimento de cunho científico-filosófico com as educativo-culturais e políticas, pois à Filosofia da Práxis não basta de forma alguma o entendimento das contradições do mundo, senão as ações coletivas imprescindíveis de serem materializadas que conduzam à sua superação (SCHLESENER, 2002). E aí aparece outra categoria fundamental do pensamento gramsciano que dá sustentação ao papel dos intelectuais orgânicos da classe trabalhadora, que é a vontade coletiva nacional popular (COUTINHO, 2017). É aos intelectuais orgânicos da classe trabalhadora que compete a função de atuarem como organizadores, como construtores, como “persuasores permanentes” da vontade coletiva nacional, e Gramsci integra e articula sua construção com a de uma reforma intelectual e moral

[...] suficiente para produzir e difundir uma nova visão de mundo, até torná-la senso comum, em oposição ao “bloco ideológico” burguês, elevando a consciência popular até o ponto de nela promover uma “catarse”, condição indispensável aos subalternos para superarem a condição de indivíduos submissos e indiferentes e, ao mesmo tempo, projetarem-se na luta econômica e política como classe, adquirindo mais consciência de si e do mundo; rompendo com a passividade política; e empreendendo novas ações, objetivando transformar radicalmente as relações sociais capitalistas. Com efeito, a “catarse” das classes subalternas – um processo eminentemente educativo-político articulado à vida econômica e social – e a decorrente maior projeção delas na disputa pela hegemonia são indispensáveis à superação da condição de dominadas e dirigidas para tornarem-se dominantes e dirigentes, mas caminhando historicamente na construção de uma realidade que não comporta a própria divisão de classes (MARTINS, 2011, p. 143).

Portanto, a partir das compreensões apresentadas com fundamento no pensamento de Gramsci, levanta-se aqui a hipótese de ser o FONEC um intelectual orgânico coletivo dos(as) camponeses(as), visto ter assumido para si as tarefas de “formular, disseminar e consolidar na dinâmica da vida social uma visão de mundo que seja capaz de se tornar força social com potencial suficiente para promover concretamente a transformação” (MARTINS, 2011, p. 145) da sociedade a partir do protagonismo das lutas do campesinato brasileiro.

2 As contribuições na luta por políticas públicas: o FONEC e suas ações científico-filosóficas e educativo-culturais

Neste tópico aborda-se a contribuição político-pedagógica do FONEC na luta por políticas públicas, na sua elaboração, execução e institucionalização; a contribuição na formação política e ideológica dos(as) educadores(as) do campo e a elevação de sua consciência política em face das investidas do capital contra a educação como um direito.

No atual contexto político de profunda crise estrutural do capital, vivencia-se um cenário extremamente complexo no que diz respeito às políticas públicas educacionais. A necessidade dos conglomerados de diferentes setores de encontrarem novos nichos de acumulação desencadeia acirradas disputas pelos fundos públicos que os custeiam e que buscam transformar a educação em mercadoria na ânsia de manter suas taxas de lucro (FREITAS, 2011).

 Nesse sentido, há uma crescente tensão para retirar a educação do âmbito dos deveres do Estado e colocá-la na esfera do mercado. Décadas de luta da classe trabalhadora pelo direito à educação veem-se seriamente ameaçadas pelos interesses empresariais (FREITAS, 2014; 2018; 2020) que, em função das consequências da crise estrutural do capital, atuam com força nas ações políticas buscando reconfigurar o papel do Estado, diminuindo seu escopo de atuação e ampliando a abrangência do mercado

  Conforme destaca Freitas (2021), essa não é uma tendência nova, já está em curso há algum tempo, mas os experimentos feitos durante a pandemia na área educacional com o ensino remoto e suas consequências no período pós-pandemia tornam ainda mais graves os cenários para a classe trabalhadora. Exigem dela uma ampliada capacidade de ação e articulação para enfrentar as lutas que estão no horizonte que se tem mostrado bastante sombrio e avassalador no que diz respeito ao direito à educação.

Como parte das ameaças ao direto à Educação Pública de maneira geral, encontram-se também profundamente ameaçadas as políticas públicas conquistadas na luta pela Educação do Campo, entre elas o PRONERA, o PROCAMPO e o Programa Saberes da Terra, cujo detalhamento de sua situação será apresentado no próximo tópico.

Um dos principais objetivos que constam no documento de criação do FONEC (SANTOS, 2020), de 2010, é sua tarefa de defender as políticas públicas de Educação do Campo. E como esclarece há tempos a ciência política, uma premissa básica é que não há políticas públicas sem orçamento, e elas podem ser entendidas como o Estado em ação (GOBERRT; MULLER, 1987 apud HÖFLING, 2001, p. 32). Ainda que se esteja em tempo extremamente ameaçador, com profundos cortes no orçamento para a Educação do Campo, considera-se absolutamente necessário reafirmar o entendimento de que a Educação do Campo é muito mais ampla do que as políticas públicas que ela mesma idealizou, pois contém tais políticas e não o contrário.

Parte-se aqui desse pressuposto para explicitar que todo o imenso patrimônio político pedagógico que foi construído durante esses 22 anos de Educação do Campo e incontáveis experiências que envolveram milhares de sujeitos neste país não será extinto caso findem as políticas públicas que as lutas camponesas pela garantia do direito à educação conquistaram do Estado.

 Uma prova cabal da riqueza pedagógica forjada nesses 22 anos e que coloca a Educação do Campo como um novo capítulo da história da Educação Brasileira pode ser encontrada no Dossiê dos 20 Anos da Educação do Campo organizado pelo FONEC, no qual estão os principais documentos que foram construídos pelos sujeitos coletivos do campo nesse período.

No Dossiê constam: as matrizes formativas das políticas públicas propostas por esses coletivos ao Estado brasileiro; os marcos legais conquistados que lhes dão sustentação jurídica; as Notas Técnicas que demarcam concepções teóricas críticas das políticas equivocadas do Estado, uma enorme diversidade de documentos que registram esse precioso período da história da classe trabalhadora; projetos e práticas formativas que foram afirmando princípios da formação humana de coletivos que acreditam e vivem a construção de uma nova sociabilidade, cujo horizonte maior é a superação do sociometabolismo destrutivo e mortal do capital.

Todavia, a compreensão que se tem sobre a riqueza do que foi coletivamente construído como patrimônio político pedagógico nas duas últimas décadas exige uma maior clareza das imensas mudanças em torno de um dos maiores objetivos do surgimento das lutas pela Educação do Campo: a garantia do direito à educação escolar dos camponeses. A mudança profunda que se dá no contexto atual diz respeito exatamente ao papel que até então o Estado desempenhava como garantidor do direito à educação escolar em função da obrigação de arcar com os custos de sua oferta a todos, fundada no princípio constitucional da educação como um direito, como um bem público e social, e que deveria, portanto, estar disponível a todos os cidadãos.

Conforme alerta Freitas (2018), está em curso um amplo ataque à democracia liberal representativa e aos valores societários que ela edificou. Uma das principais marcas desse ataque reside nas estratégias de destruição e desconstrução dos direitos sociais levadas a efeito pelos setores empresariais, a fim de se apropriarem privadamente dos fundos públicos do Estado que financiam a materialização desses direitos através das políticas públicas.

Em consonância com a análise de Freitas, Gaudêncio Frigotto argumenta:

Certamente, a democracia liberal está em crise. O que explica pela raiz essa crise não é, sobretudo, o modo de fazer política, mas o que o conduziu. O colapso da democracia liberal advém, na perspectiva das análises de Eric Hobsbawm, István Mészáros, David Harvey, dentre outros autores, do modo mediante o qual o capitalismo enfrenta a crise estrutural do sistema capital. Uma crise, como nos indica Mészáros, que é universal, no sentido que atinge todas as esferas da vida; global, porque é sistêmica e não mais localizada apenas em regiões, mas mundial; e não é mais cíclica, mas permanente. A emergência de governos de extrema direita em diferentes partes do mundo resulta do que Marx e Engels já identificavam, em meados século XIX, como sendo a contradição fundamental do capital: a capacidade exponencial de potenciar forças produtivas e de concentrar propriedade e riqueza e a incapacidade crescente de socializar ou dar acesso à produção. Como nos indica Hobsbawm, o problema não é a produção, mas a distribuição. E isso só se faz mediante políticas da esfera pública. [...] A crise da democracia liberal, portanto, tem sua raiz fundamental na forma como o capital enfrenta a sua crise estrutural, eliminando direitos, retomando políticas de expropriação e contendo a pobreza e o desespero que ela produz, pela violência (FRIGOTTO, 2020, p. 3).

Ainda que sejam feitas críticas aos valores da democracia liberal representativa por causa da permanência da desigualdade estrutural que se esconde sob a igualdade perante a lei, o pressuposto da igualdade jurídica abriu importantes espaços de luta para a materialização dos direitos estabelecidos no ordenamento jurídico, mas não garantidos na prática. E o espaço para a existência das lutas por direitos são parte central do regime democrático. Embora se saiba dos limites da igualdade jurídico-política, é a partir de sua compreensão que tem sido possível o desenvolvimento das lutas por políticas públicas de Educação do Campo na história recente de nosso país.

O que foi construído no Movimento Nacional pela Educação do Campo está baseado numa ideia central do próprio entendimento do que é a democracia, o único regime político no qual o conflito é legítimo (CHAUÍ, 2003). O regime democrático está fundamentado na ideia do direito a ter direitos, sendo essa sua própria essência. Esses dois elementos fundantes do pensamento democrático, o direito a ter direitos e a igualdade de todos perante a lei, estão sendo postos em questão pelo avanço da hegemonia dessa coalizão de forças ultraconservadoras que, por meio de golpe jurídico-midiático-parlamentar (FREITAS, 2020; SAVIANI, 2020), apropriou-se do Estado brasileiro.

Todas as lutas travadas na Educação do Campo nos últimos 22 anos estiveram vinculadas à ideia de que a democracia, por ser um regime político no qual o conflito é legítimo, torna possível o direito e o dever de se lutar por direitos estabelecidos na lei, mas não materializados, para que de fato se efetivem. Com a presente hegemonia das forças de extrema direita (FRIGOTTO, 2020), está em questão essa compreensão da igualdade perante a lei, bem como sob forte questionamento o fato de o Estado dever ser o garantidor desses direitos, já que esses valores estão sendo substituídos aceleradamente pela concepção meritocrática (FREITAS, 2014; 2016; 2018; 2020). De acordo com a lógica neoliberal, não somos mais todos iguais perante a lei, pois só têm direitos os que têm mérito, os que são capazes. Os que não conseguiram, como diz Freitas, os que não se esforçaram, os que não foram capazes, não têm direitos.

Apesar de tais considerações a respeito da democracia liberal, da constatação de que materialmente não somos todos iguais em razão da permanência da apropriação privada dos meios de produção, é muito importante que historicamente se tenha avançado para a conquista da igualdade jurídico-política, o que não tira do horizonte as verdadeiras lutas pela emancipação humana (TONET, 2005), superando a mera emancipação política. MOLINA (2012), em reflexão sobre a questão das lutas por políticas públicas travadas durante todo esse período pelo Movimento da Educação do Campo e das controvérsias que tais lutas geraram em setores do próprio Movimento, argumenta que

É em torno da ideia da igualdade jurídico-política que se processam as críticas dos opositores à importância adquirida pelas lutas por políticas públicas. A pertinente crítica que se faz é que a igualdade jurídico-política oculta a impossibilidade de a igualdade real se materializar nas sociedades capitalistas: existe nelas uma barreira intransponível para a igualdade real entre os sujeitos decorrente da instituição da propriedade privada, que impede os sujeitos de serem iguais de fato, visto que uns se apropriam privadamente dos meios de produção e da força de trabalho de outros. [...] Mesmo com esses limites e ressalvas, é ainda extremamente relevante a luta pela garantia da igualdade jurídico política, pois ela significa espaços de resistência dos avanços já conquistados pela humanidade em torno do ideal dos direitos humanos, embora saibamos que nosso horizonte para garantir a liberdade de fato para todos é bem maior (MOLINA, 2012, p. 588-589).

É necessário que essas contradições sejam explicitadas, pois o Movimento da Educação do Campo sempre teve consciência dessa crítica e ousou falar que “sim, lutamos por políticas públicas e temos consciência desse limite”, embora o horizonte seja muito maior, seja a própria emancipação humana, que exige a superação da lógica hegemônica da organização da sociedade capitalista, sabendo que lutar por políticas públicas integra as lutas para garantir direitos iguais. A grande mudança na conjuntura atual e na nova correlação de forças é que a questão nem está mais colocada nesse patamar, porque o cenário atual é de hegemonia do pensamento ultraconservador que sequer considera que os sujeitos humanos sejam todos iguais e, por isso, portadores dos mesmos direitos.

Compreende-se que há dois elementos indissociáveis: a concepção de direito e de igualdade, e o financiamento do Estado para a garantia dos direitos, dos fundos públicos para financiar as políticas públicas de Educação do Campo. Portanto, há uma disputa bastante forte nesse cenário em que o pensamento neoliberal e ultraconservador tem feito intensas investidas políticas para a redistribuição dos recursos que o Estado arrecada e que eram dirigidos para as políticas sociais. Trata-se de uma mudança muito grande, porque os fundos públicos estão sendo apropriados pelos grandes conglomerados empresariais que vêm aceleradamente transformando a educação em mercadoria.

Todos esses desafios fortalecem a hipótese aqui apresentada, com base nas concepções grasmcianas a respeito do papel dos intelectuais na disputa pela hegemonia, sobre o FONEC vir a ser, de fato, um intelectual orgânico coletivo dos(as) camponeses(as), desempenhando papéis fundamentais em diferentes âmbitos, no científico-filosófico, no educativo-cultural e no político, como defende Martins (2011), e que foram apresentados no primeiro tópico deste artigo. A confirmar-se coletivamente tal entendimento pelo Movimento Nacional da Educação do Campo, poder-se-ia pensar coletivamente na ampliação e na produção de ainda mais sinergia em torno de suas ações, visto o tamanho do desafio e da complexidade do atual período histórico da luta de classes no país.

3 As ações políticas protagonizadas pelo FONEC no período atual

Durante o crítico período da pandemia, intensificaram-se os ataques ao direito à educação como bem público e social. Procurando enfrentar esse processo, o FONEC vem-se consolidando como uma importante referência de elaboração teórica no campo da educação e atuação unificada dos movimentos e organizações que o compõem para promoverem juntos lutas em defesa do direito à educação da classe trabalhadora. Um sem-número de artigos, ensaios e análises sobre a pandemia e seus efeitos sobre a educação têm sido publicados no período mais agudo da crise. As autoras deste artigo se associam àqueles que o fazem a partir da perspectiva de que se vive uma grave crise sanitária como decorrência de um modelo de sociedade atravessada por uma grave crise estrutural sob a égide do capital.

Neste texto buscou-se avançar na compreensão e no desvelamento da natureza dessas crises, desde os elementos que a compõem como sendo da própria natureza sociometabólica do sistema que transforma em mercadorias todas as condições de sobrevivência da espécie humana, da natureza e de suas relações. Transformadas essas condições em mercadorias, transformam-se igualmente as condições subjetivas que lhe são inerentes, entre as quais os direitos humanos e sociais, como a terra, o trabalho, a saúde e a educação.

A pandemia, por um lado, expôs e aprofundou de maneira radical as contradições próprias do sistema: as desigualdades sociais, de classe, de raça e de gênero. Por outro lado, compreendida na sua dimensão estrutural da ordem sociometabólica, abriu-se ao capital uma “janela de oportunidades” de amplificação e expansão de seus lucros. Um dos setores sociais e políticos que têm recebido maior investida do capital é o da educação, uma das esferas mais impactadas pela crise de forma absolutamente desigual, aprofundando ainda mais as desigualdades educacionais históricas.

Ensino híbrido, Educação Básica à Distância, ampliação da oferta de ensino técnico e superior em EAD por meio de cadeias de domínio das big techs possibilitam às gigantes da tecnologia e do mercado educacional passarem a dominar o debate público em torno da educação (FREITAS, 2021). Esse debate consistiu no maior desafio para o FONEC nos anos de 2020 e 2021, e seguirá sendo grande nos anos vindouros.

O FONEC viu-se desafiado a confrontar-se com situações emergentes, o que o conduziu ao aperfeiçoamento de sua organização interna de modo a expandir, descentralizando os espaços de elaboração e atuação. Ao mesmo tempo, passou a unificar a análise teórica e a ação política para enfrentar a ofensiva (ou destruição) por parte do capital contra a legislação educacional e os sistemas de ensino, disputando a consciência da sociedade acerca dos direitos.

A organização do FONEC em frentes possibilitou as condições requeridas para o período e pode-se afirmar que sua atuação vem acumulando um patrimônio considerável em matéria de organização, elaboração teórica e orientação política, conforme se verá a seguir.

3.1 A Frente das Licenciaturas em Educação do Campo

A Frente das Licenciaturas em Educação do Campo do FONEC é um espaço de articulações, reflexões, críticas e proposições para a defesa e a permanência desses cursos que significam importantes conquistas da classe trabalhadora do campo. Integram tal Frente os educadores e educandos das Licenciaturas em Educação do Campo das várias regiões brasileiras, os militantes dos movimentos sociais e sindicais do campo, além de organizações educacionais populares do campo.

A Frente tem entre seus objetivos principais promover estudos e reflexões que contribuam com a manutenção dos princípios originários da Educação do Campo nessas novas graduações, mantendo-se a ideia de que são diversas as Licenciaturas, porém com um mesmo Projeto Político Pedagógico a orientar os cursos. A diversidade se dá em relação aos territórios, biomas e sujeitos coletivos do campo que integram cada uma das Licenciaturas, bem como em relação às diversas áreas de conhecimento ofertadas. Ainda como parte de seus objetivos está a promoção de ações que estimulem o processo organizativo dos estudantes e dos egressos dos cursos, contribuindo para a continuidade de seu engajamento nas lutas em defesa do projeto territorial camponês e da Educação do Campo.

Integram também as prioridades da Frente das Licenciaturas em Educação do Campo o acompanhamento, estudo e posicionamento crítico a respeito dos novos marcos legais em relação às políticas de formação docente estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, tanto em relação à formação inicial quanto à continuada, assim como em relação à gestão escolar. São os novos marcos legais que pavimentam o caminho da transformação da educação em mercadoria, abrindo enormes espaços para os seus reformadores empresariais se apropriarem da gestão das escolas públicas e dos recursos que lhe são direcionados, obtendo-se uma gestão privada das escolas públicas. É imprescindível se fazer também neste novo período histórico lutas pela gestão pública das escolas públicas, conforme destaca Freitas (2018). A introdução dos novos marcos legais faz parte da estratégia que vinha sendo posta em curso pelos reformadores empresariais da educação (FREITAS, 2020) que almejam a privatização da educação pública.

Atualmente a Frente das Licenciaturas em Educação do Campo se organiza em três grupos de trabalho com grande participação nas temáticas de atuação, mas protagonismos diferenciados: Políticas de Formação Inicial e Continuada; Alternância; Áreas e Produção de Conhecimentos; Acompanhamento dos Egressos.

3.2 A FRENTE DAS ESCOLAS DO CAMPO

A Frente das Escolas do Campo tem como objeto principal o aprofundamento, a ampliação e a organização em torno do direito dos(as) camponeses(as) à Escola do Campo nos seus territórios em todas as dimensões implicadas. Trabalhos de pesquisa desenvolvidos, por exemplo, pelo Fórum Paraense de Educação do Campo e por pesquisadores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro apontam para o agravamento do fechamento de turmas, turnos e escolas do campo no Brasil nos últimos vinte anos.

O trabalho a ocupar essa Frente tem sido mobilizar educadores, gestores de escolas, gestores públicos, comunidades, Ministério Público Federal e outros segmentos em defesa da escola pública do campo e no campo pelo direito a um projeto pedagógico que dialogue com os grandes desafios desses territórios. São encargos que exigem a organização de quatro Núcleos constituídos por educadores(as), estudiosos(as), especialistas e militantes sociais dedicados à elaboração e orientação para o conjunto do FONEC em torno dos temas emergentes.

Além do próprio Núcleo de Combate ao Fechamento e Defesa das Escolas do Campo, foram criados os seguintes: Núcleo de Financiamento, para acompanhar os desdobramentos e implementação do FUNDEB; Núcleo de Currículo, para enfrentar o projeto educacional contido na nova BNCC com os projetos pedagógicos já desenvolvidos e implementados nas Escolas do Campo; Núcleo de Educação Especial, que consiste em novo espaço de estudos e elaboração das condições das Escolas do Campo, a fim de assegurar a inclusão escolar de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Além desses, há outros grandes desafios a serem organizados, como o da alimentação escolar e da Educação de Jovens e Adultos.

3.3 A frente do PRONERA

O PRONERA é reconhecidamente a mais importante política pública instituída no âmbito do Estado brasileiro como verdadeira conquista dos(as) camponeses(as) pela sua concepção, pelo seu alcance e pelos resultados, como bem demonstra a II Pesquisa Nacional sobre a Educação na Reforma Agrária (II PNERA/Incra/IPEA), publicada em 2015.

Tal como tantas políticas públicas elaboradas e implementadas nas primeiras décadas do século XXI e que sofreram impacto destrutivo a partir do Golpe de 2016, o PRONERA também sofreu ameaça de extinção no início de 2020, quando da reestruturação do Incra na esteira da cruzada destrutiva de direitos operada pelo governo Bolsonaro. Uma forte mobilização coordenada pelo FONEC com base na legislação na qual o Programa se estrutura fez o governo retroceder no seu intento. Todavia, isso não impediu que ele sofresse substanciais cortes no seu orçamento, além de esvaziamento operacional na expectativa de, não conseguindo extingui-lo institucionalmente, o Governo Federal conseguisse exauri-lo no seu propósito de assegurar o direito à educação em todos os níveis às populações camponesas em projetos de que sejam seus protagonistas.

A Frente do PRONERA foi organizada para manter permanente mobilização e ação na defesa do Programa juntamente com as(os) coordenadoras(es) nas universidades, movimentos sociais e sindicais, estimulando a continuidade dos projetos, ainda que em condições adversas. Outro movimento da Frente do PRONERA tem sido a articulação com a Frente Parlamentar de Educação do Campo no Congresso Nacional por emendas parlamentares no Orçamento da União, visando dotar o Incra do mínimo de recursos para a continuidade de financiamento dos projetos em vigência para mantê-lo vivo.

3.4 A frente dos Institutos Federais 

A Frente dos Institutos Federais do FONEC é um coletivo formado por educadoras(es) que atuam na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, bem como nos Fóruns, Articulações e Comitês Estaduais de Educação do Campo. Atualmente o país conta com 38 Institutos Federais espalhados em todos os estados da federação, levando para mais de 500 cidades brasileiras Educação Básica e Superior, inclusive com cursos de Pós-graduação de alta qualidade.

É necessário destacar que a grande maioria dos campi dessas instituições estão distribuídos por cidades pequenas e médias, o que é um importante fator de desenvolvimento local, dialogando com os arranjos produtivos, culturais, sociais e ambientais dos territórios onde estão inseridos, possibilitando que indígenas, quilombolas, agricultores familiares, trabalhadores rurais, assentados, posseiros e outros segmentos das populações camponesas tenham mais possibilidades de ingressar nelas.

O mais recente ataque foi a tentativa de enfraquecer os IFs, dividindo alguns deles de forma apressada e sem diálogo efetivo com a comunidade. Trata-se de uma divisão que não criará mais cursos ou mais vagas para novos alunos, uma divisão que desrespeita instituições que executam um trabalho reconhecido no Brasil e no exterior e que visa à criação de instituições comandadas por interventores nomeados diretamente pelo governo. Não há previsão de novos investimentos, não há previsão de criação de novos campi nem do aumento de vagas. O que se apresenta é a materialização do conservadorismo bolsonarista e a intenção clara de intervenção visando instituir divisões internas em instituições de ensino, colocando em risco sua autonomia.

3.5 A FRENTE DA COMUNICAÇÃO

Como já mencionado na abertura do Tópico 3, a pandemia de Covid-19 evidenciou a crise estrutural da nossa sociedade, aprofundando as desigualdades em todas as dimensões da vida humana. A precária condição de acesso à internet, por exemplo, desvelada pela imposição do ensino remoto foi um dos fatores a comprovar que, na atualidade, essa condição é igualmente impeditiva para o acesso a um conjunto de direitos, entre eles o direito à informação com base na diversidade e pluralidade que caracteriza uma sociedade democrática. A plataforma de exigências do Movimento pela Educação do Campo ao poder público em relação à estruturação das escolas e os meios a serem disponibilizados aos estudantes do campo inclui o acesso à internet de qualidade.

Para além do direito ao acesso, o FONEC e os movimentos que o compõem se integram ao movimento pela democratização da comunicação, colocando-se ele mesmo a responder aos desafios de produzir conteúdo com as informações necessárias ao interesse dos(as) educadores(as), estudantes, famílias e comunidades, organizando os meios para que exerçam o direito de fala aqueles(as) invisibilizados(as) no dia a dia dos grandes meios de comunicação e substituídos constantemente por “especialistas”.

O sítio do FONEC na internet (www.fonec.org) foi inaugurado com o propósito de compartilhar a produção teórica, política e de ser um espaço de divulgação das atividades desenvolvidas pelos comitês, comissões, fóruns e articulações estaduais e regionais. O canal do FONEC no YouTube, denominado TV FONEC (https://www.youtube.com/TVFONEC), tornou-se ponto de encontros de formação política, pedagógica, debates, transmissão on-line dos eventos que se realizam pelos estados e regiões em todo o país e também dos eventos organizados pelas Frentes. Além do site na internet, o FONEC mantém canais de comunicação no Instagram e Facebook.

Dando ênfase à comunicação contra-hegemônica, fortalecendo os processos de organização e mobilização camponesa na resistência pelos direitos, os canais de comunicação do FONEC significam mais territórios na batalha das ideias na sociedade e na formação da consciência de classe.

4 CONCLUSÕES

O conjunto das ações promovidas pelo Fórum Nacional de Educação do Campo apresentado neste artigo encoraja suas autoras a levantarem a hipótese de ele poder ser considerado um intelectual orgânico coletivo dos(as) camponeses(as). De acordo com Gramsci (2000a, p. 21), o intelectual orgânico tem a função de atuar como um organizador da classe trabalhadora, promovendo com ela ações de formação que possibilitem ampliar sua leitura crítica dos processos sociais, econômicos, políticos e sociais. Além disso, a ele compete a elevação das consciências, o estímulo e a promoção de ações concretas de intervenção e transformação da realidade.

Evidentemente o FONEC não é um bloco monolítico, uma vez que reúne uma diversidade de organizações populares do campo e da educação (movimentos sociais e sindicais do campo, Escolas Famílias Agrícolas, Rede de Educação do Semiárido, docentes de universidades e institutos federais), portadores de uma pluralidade de conteúdos e métodos na sua própria dinâmica. Das práticas de cada um desses agentes emerge um patrimônio construído em lutas, em formulações políticas, em experiências educativas e nas mais ricas e diversas formas de organização e atuação.

O que o FONEC busca construir é um espaço de interseção dos debates e lutas naquilo que constitui a unidade entre esses agentes: a luta pelo direito à educação dos(as) camponeses(as), a luta por políticas públicas que assegurem tal direito e a defesa intransigente dos projetos políticos pedagógicos das Escolas do Campo construídos por esses sujeitos no decorrer da sua própria luta pelo reconhecimento desse direito na sua plenitude.

O FONEC não substitui esses agentes como detentores da palavra no que se refere à construção de seu projeto educacional e de suas formas de luta, uma vez que a Educação do Campo, pela sua natureza, é dos(as) camponeses(as) e de suas organizações; ao contrário, ele constitui um lugar de direção coletiva com eles sobre questões que emergem dos próprios agentes e demandam unidade na ação.

Dos tempos atuais demarcados por intensas ofensivas do capital associado ao neoconservadorismo que demarca o governo atual, têm emergido questões e temas novos e complexos em todos os sentidos que demandam espaços coletivos de análise, aprofundamento, estudo e ação organizada e unificada. O capital, na sua inata característica de produzir crises necessárias à ampliação da acumulação, tem na educação uma das âncoras de seu projeto, uma vez que se trata de projetar o futuro de uma juventude em processo de formação. Qual projeto de futuro? O necessário ao capital.

O projeto de futuro que a Educação do Campo constrói com o campesinato é antagônico ao projeto do capital, não apenas como proposição, mas como intencionalidade e realização neste tempo histórico. Compreende-se que é possível realizá-lo, porque o já construído demonstrou serem os(as) camponeses(as) capazes de edificar seu próprio futuro soberanamente.

A esse respeito, Wanderley argumenta:

O futuro dos camponeses brasileiros se inscreve num contexto particularmente complexo, marcado pelas escolhas da sociedade brasileira sobre a maneira como enfrentará alguns de seus principais desafios, enquanto sociedade. Trata-se, entre outros temas, da preservação dos recursos naturais, dos desafios tecnológicos face às exigências bioéticas, ambientais e sociais, da disputa de espaços produtivos entre a produção de alimentos e de matérias-primas voltadas para a geração de energia, das relações produção-consumo associadas à garantia da qualidade dos produtos e das formas de produzir, da eliminação da pobreza extrema e da consolidação da democracia pelo reconhecimento dos sujeitos de direito que vivem no campo (WANDERLEY, 2014, p. 42).

A Educação do Campo é uma construção na história da educação brasileira edificada por centenas de milhares de camponeses(as), intelectuais da classe trabalhadora formados pelo PRONERA, pelas Licenciaturas em Educação do Campo e pelas próprias iniciativas populares. E assim é porque compreendeu o que lhe cabe neste momento histórico para enfrentar os complexos desafios apontados por Wanderley (2014), ou seja, produzir os conhecimentos necessários, capazes de inspirar novas políticas econômicas, sociais, ambientais e fundamentalmente educacionais que efetivamente considerem o campesinato como forma de produção e modo de vida, além de perspectiva de real futuro da humanidade. Desse modo, a Educação do Campo busca caminhos para superar o projeto destrutivo do capital, edificando concretamente territórios onde a vida vale mais do que o lucro, onde há práticas agroecológicas e produção de soberania alimentar e onde as práticas educativas buscam contribuir com a formação de trabalhadores livremente associados e avançar efetivamente em direção à emancipação humana.

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1 Pós-Doutorado em Educação pela Universidade de Campinas - Unicamp (2013); Doutorado em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília - UnB (2003).

2 Doutorado em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ (2016); Mestrado em Educação pela Universidade de Brasília - UnB (2009).