https://doi.org/10.18593/r.v47.29546

Formação humana na licenciatura em educação do campo orientada pelos pressupostos freirianos de interdisciplinaridade

Human training in the degree in field education guided by the freirian assumptions of interdisciplinarity

Formación humana en el grado en educación de campo guiada por los supuestos freirianos de interdisciplinaridad

Sheila Mangoli Rocha1

Universidade Federal de Roraima, Professora Adjunta

https://orcid.org/0000-0002-4265-3320

Gomercindo Ghiggi2

Universidade Federal de Pelotas, Professor Titular Aposentado

https://orcid.org/0000-0001-9722-2424

Resumo: O objetivo desse artigo consiste em ampliar a discussão sobre os pressupostos teórico-metodológicos de Freire pertinentes à interdisciplinaridade que podem fundamentar os processos formativos na Licenciatura em Educação do Campo. Para tanto, buscamos ressignificar o conceito interdisciplinaridade a partir de Freire. O aparato metodológico que sustentou a investigação foi teórico-bibliográfico, estando voltada para uma reflexão crítica e indagadora, bem como a tarefa hermenêutica apresentou-se apropriada. Dela extraímos que a proposta de formação do ser humano através do processo educativo baseado em Freire ocorre fundamentado nas categorias teóricas diálogo, totalidade e alteridade materializadas na metodologia do tema gerador. O profundo respeito à condição de ser humano e a relação entre as partes e o todo que constituem a educação problematizadora, consubstanciam a base da interdisciplinaridade a partir de Freire, presente no método de temas geradores. Tal discussão é fecunda na Licenciatura em Educação do Campo.

Palavras-chave: Paulo Freire; Interdisciplinaridade; Formação Humana; Educação do Campo.

Abstract: The aim of this article is to broaden the discussion on Freire’s theoretical-methodological assumptions relevant to interdisciplinarity that can support the formative processes in the Licentiate Degree in Rural Education. Therefore, we seek to reframe the concept of interdisciplinarity based on Freire. The methodological apparatus that supported the investigation was theoretical-bibliographic, being focused on a critical and inquiring reflection, as well as the hermeneutic task presented itself as appropriate. From it we extract that the proposal for the formation of the human being through the educational process based on Freire occurs based on the theoretical categories of dialogue, totality and otherness materialized in the methodology of the generating theme. The profound respect for the condition of human beings and the relationship between the parts and the whole that constitute problematizing education form the basis of interdisciplinarity based on Freire, present in the method of generating themes. Such discussion is fruitful in the Degree in Rural Education.

Keywords: Paulo Freire; Interdisciplinarity; Human Formation; Field of Education.

Resumen: El objetivo de este artículo es ampliar la discusión sobre los supuestos teórico-metodológicos de Freire relevantes a la interdisciplinariedad que pueden sustentar los procesos formativos en la Licenciatura en Educación Rural. Por tanto, buscamos replantear el concepto de interdisciplinariedad basado en Freire. El aparato metodológico que sustentó la investigación fue teórico-bibliográfico, enfocándose en una reflexión crítica e inquisitiva, así como la tarea hermenéutica se presentó como pertinente. De ella extraemos que la propuesta para la formación del ser humano a través del proceso educativo basado en Freire se da a partir de las categorías teóricas de diálogo, totalidad y alteridad materializadas en la metodología del tema generador. El profundo respeto por la condición del ser humano y la relación entre las partes y el todo que constituyen la educación problematizadora constituyen la base de la interdisciplinariedad basada en Freire, presente en el método de los temas generativos. Tal discusión es fructífera en la Licenciatura en Educación de campo.

Palabras clave: Paulo Freire; Interdisciplinariedad; Formación humana; Educación de campo.

Recebido em 14 de outubro de 2021

Aceito em 10 de maio de 2022

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo está inserido no âmbito das reflexões acerca das concepções de educação como processo de formação humana, buscando um caminho de ruptura de um tipo tradicional de organização e socialização do conhecimento e tem o propósito de ampliar a discussão sobre os pressupostos teórico-metodológicos de Freire pertinentes à interdisciplinaridade que podem fundamentar os processos formativos na Licenciatura em Educação do Campo.

Do ponto de vista do percurso metodológico a pesquisa teórico-bibliográfica atendeu às necessidades de realização do estudo, cumprido de maneira rigorosa, profunda e considerando o problema inserido no seu contexto, características definidas por Saviani (1996) para a reflexão filosófica. E, considerando-se o fato de a busca pela compreensão do conceito latente de interdisciplinaridade na obra de Freire ser um aspecto fundamental nesta investigação, os instrumentos da hermenêutica apresentaram-se apropriados. Segundo Gadamer (1997, p. 280-281): “O esforço da compreensão tem lugar cada vez que não se dá uma compreensão imediata, e correspondentemente cada vez que se tem de contar com a possibilidade de um mal-entendido”.

Ao abordar a concepção implícita de interdisciplinaridade em Freire, o conhecimento é identificado como um processo de construção e reconstrução do mundo, alcançado por meio da apreensão, da compreensão da realidade, extensivamente. E, se não há escritas de Freire especificamente sobre a interdisciplinaridade, esta se inscreveu permanentemente em seu conjunto teórico-metodológico desde sua primeira experiência reconhecida, o projeto de alfabetização em Angicos3. A interdisciplinaridade esteve constante como prática, manifestada na metodologia da educação problematizadora, e, também, como concepção, no sentido de uma compreensão necessária à consciência crítica entre os diversos saberes disciplinares que se reinscrevem na práxis educativa ou nas vivências individuais e coletivas dos educandos.

A leitura em Freire enseja compreender que sua proposta de educação dialógica, em oposição à educação bancária, consiste numa forma de oposição aos modelos educacionais que, fragmentando a análise da realidade, impossibilitam a compreensão da totalidade e, por isso, a projeção de uma realidade diferente.

Essa discussão se alinha aos pressupostos da Educação do Campo, que tem em Freire reconhecido fundamento, e busca contribuir para fomentar reflexões acerca da própria estrutura organizacional dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo, que se valem da inter e multidisciplinaridade na formação docente por área de conhecimento, especialmente para os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio.

A organização por área possibilita, como destacado por Caldart (2011), a substituição do modelo de um professor por disciplina por uma equipe docente trabalhando com o conjunto das disciplinas de cada área do conhecimento. Além disso, abre a discussão acerca da própria organização escolar, historicamente repousada no eixo disciplinar, bem como acerca do processo formativo.

2 OS PERCALÇOS DAS TENTATIVAS DE PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES

Repetidas vezes, ressalta-se a importância de se ancorar a prática pedagógica na concepção de educação, pois o desenvolvimento dos projetos ou das atividades interdisciplinares será definido em função das concepções sobre a educação daqueles que estiverem envolvidos. A construção de metodologia interdisciplinar, na perspectiva da formação integral da pessoa, pressupõe uma concepção de educação alinhada a princípios emancipatórios. Do contrário, um método novo ou uma prática nova possivelmente continuará reproduzindo o mesmo modelo de educação. Nesse sentido, as práticas precisam ser construídas de forma a possibilitar o diálogo entre todos os envolvidos, alunos e professores, possibilitando a leitura dos aspectos até então velados do cotidiano.

Avaliando as práticas interdisciplinares no ensino brasileiro, Japiassu (2011, p. 36) afirma a inconsistência das ações assim denominadas: “em nossas universidades, é praticamente inexistente a prática interdisciplinar, tanto no campo do ensino quanto no da pesquisa”. E conclui que o existente se configura como encontros pluridisciplinares4, mesmo assim, em escala reduzida e de maneira marginalizada.

Calloni (2006, p. 52)5 destaca aspecto recorrente nas propostas pedagógicas interdisciplinares: na maioria das vezes em que é colocada em prática, destoa de seu fundamento, em tentativas de resolução de dificuldades encontradas numa práxis composta por especialismos. Também Fazenda (2007, p. 23), ao avaliar os entraves da realização da interdisciplinaridade, oferece elementos que ajudam a explicar a clausura dos professores nos limites seguros da sua disciplina. Nesse sentido, afirma ter verificado, em relação aos professores, o “desconhecimento da estrutura de sua disciplina, do seu objeto, do porquê da inclusão da disciplina no currículo; desconhecimento da estrutura e objeto das outras disciplinas e de sua função nos currículos”.

Quando buscamos o fundamento freiriano para a interdisciplinaridade, estamos no rastro de uma concepção diferenciada; no lugar de disciplinas fragmentadas, há o estabelecimento de interconexões que propiciam a compreensão da realidade. Freire afirma a necessidade de “que os educandos, experimentando-se cada vez mais criticamente na tarefa de ler e de escrever, percebam as tramas sociais em que se constitui e se reconstitui a linguagem, a comunicação e a produção do conhecimento” (FREIRE, 2016, p. 82).

De forma geral, conforme observado por Paviani (2008, p. 7), “a interdisciplinaridade pode ser praticada sem assim ser nomeada. Há também os que pretendem praticá-la e, de fato, nada produzem de interdisciplinar”. Por certo, nomear as atividades é secundário. Mais importante que avaliar cada uma das experiências que foram vivenciadas, a fim de decretar se eram atividades ou projetos interdisciplinares, é compreender as dificuldades encontradas nos empreendimentos assim intencionados. Isso tendo em vista as metas, ou seja, aquilo que se pretende alcançar por meio da interdisciplinaridade e que não seria possível de outro modo, uma vez que ela não é um fim em si mesma.

Dentre o experienciado e o encontrado descrito na literatura, parece pertinente a análise de que a maioria das ações intituladas como interdisciplinares – inclusive aquelas com dois professores em uma sala, ou com toda escola ou todos os professores de um semestre da graduação envolvidos em um projeto – carece desse entendimento do interdisciplinar como meio de se alcançar uma meta específica em termos de formação. E, conforme verificado por Etges (2011, p. 80), “apenas aparentemente deixa de lado as estruturas fechadas de cada disciplina ou construto, quando põe professores e alunos numa grande sala e os faz trabalhar em função de um produto final qualquer [...]”

Ainda que a preocupação central da discussão do autor esteja centrada na produção do conhecimento, enquanto este estudo tange a produção na medida em que está voltado à socialização como um processo criativo, e não bancário, o comentário serve de ensejo para reflexão. Somente agrupar pessoas em torno de um objetivo comum não corresponde à integração. Muitas vezes, o que se desenvolve nesse tipo de trabalho é a cooperação. E esta é um fator importante para a realização interdisciplinar.

Fazendo uso das palavras de Severino (2011, p. 148) para reafirmar o argumento anteriormente apresentado acerca da inexistência ou, quando muito, existência precária de conexão entre os conhecimentos disciplinares,

O que primeiro impressiona, tal a sua visibilidade, é que conteúdos dos diversos componentes curriculares, bem como as atividades didáticas, não se integram. [...] se acumulando por justaposição: não se somam por integração, por convergência. É como se a cultura fosse algo puramente múltiplo, sem nenhuma unidade interna.

Pensando com Freire (2015b, p. 112), é preciso reconhecer que “ensinar não é a simples transmissão do conhecimento em torno do objeto ou do conteúdo”. O aluno precisa aprender a inter-relacionar os conhecimentos escolares para utilização em sua vida. Na avaliação de Etges (2011, p. 88), é exatamente essa capacidade de aplicação do conhecimento em outros contextos que caracteriza o agente de transformação. “Ao transpor os saberes será capaz de produzir transformações efetivas no mundo cotidiano”. Nesse sentido, Freire (2014, p. 21) afirma que é fundamental a compreensão de que a realidade é uma construção histórica que não se transforma por si, demandando que os mesmos homens que a criaram sigam transformando-a.

Desse aspecto, há algo importante a ser ressaltado. É possível perceber um equívoco comum aos professores disciplinares na reprodução de discursos de teóricos da interdisciplinaridade, ou seja, esperar que o aluno faça a articulação entre as disciplinas. Realmente, não há como negar que alguns alunos conseguem superar a desarticulação entre as disciplinas, alcançando uma síntese auspiciosa, baseada no esforço individual. Entretanto, não está em discussão a manutenção ou propagação da educação como privilégio, mas o potencial transformador da educação organizada em processos fundamentados em uma concepção diferenciada de ser humano e mundo.

Sendo assim, aos educadores não basta a simples reprodução dos conhecimentos disciplinares, muitas vezes reduzidos à reprodução do livro didático ao longo da educação básica nas escolas públicas. Freire (2015c, p. 31) chama atenção para o fato de estar implicado no exercício profissional ético o compromisso docente com o processo de conscientização do aluno. Isso “[...] tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação quanto o respeito e o estímulo à capacidade criadora do educando”.

Conforme avigorado por Freire, ao professor cabe uma responsabilidade específica em relação ao processo educativo, e isso não quer dizer que o professor está acima da pessoa do aluno, ou que o professor detém o conhecimento exclusivamente. Ressalta a responsabilidade ética no exercício da tarefa docente, ao mesmo tempo em que destaca que tal exercício não pode abster-se da competência técnico-científica e da rigorosidade, sem prejuízo à amorosidade necessária às relações educativas.

Isso significa dizer que ao professor cabe a orientação dos alunos para a construção da articulação entre os conhecimentos das diversas disciplinas ou ciências para solução de problemas da realidade. E esse trabalho precisa ser realizado de maneira coletiva – exige integração entre os professores, planejamento conjunto.

Ratificando tal exigência, Follari (2011, p. 135) contribui para a ponderação dos desafios para o sucesso da docência interdisciplinar ao afirmar a necessidade de “[...] dar tempo fora de aula para o planejamento de conjunto e colocar no trabalho de aula mais de um profissional por sua vez para evitar os sesgos6 disciplinares”. Então, pode-se afirmar que o sucesso passa por planejamento e execução coletivos, buscando a compreensão da complexidade dos problemas da sociedade atual.

Compreensão das determinações da existência humana como requisito da transformação da realidade para melhoria das condições de vida, sumarizando nessas palavras, uma das grandes contribuições possíveis da educação. Por isso, as práticas interdisciplinares não podem prescindir de conjugar os aspectos políticos, sociais, culturais e também econômicos, buscando a superação das dificuldades de execução. Segundo Severino (2011, p. 148), “as ações docentes, as atividades técnicas e as intervenções administrativas, desenvolvidas no interior da escola pelos diversos profissionais da área, não conseguem convergir e se articular em função da unicidade do fim”. É preciso desenvolver a cultura do diálogo e da cooperação nas escolas para o êxito de propostas ou projetos interdisciplinares, sob pena de, mesmo sob a designação de integração, desenvolver práticas desconexas.

Observe-se que a defesa não é do conhecimento fragmentado pelas fronteiras disciplinares; ao contrário, o conhecimento disciplinar é ponto de partida para a interdisciplinaridade. Ideia compartilhada com Mueller, Bianchetti e Jantsch (2008, p. 183): “partindo-se até da própria morfologia, falar em interdisciplinaridade supõe as disciplinas e, no continuum, o devido respeito aos corpus teórico-metodológicos das ciências e aos critérios instituintes da atividade científica”.

Nesse sentido, Gadotti (1999) afirmativamente reconhece a interdisciplinaridade como meio para construção de um conhecimento globalizante, rompendo com as fronteiras das disciplinas. Para isso, integrar conteúdos não seria suficiente. Seria preciso, como sustenta Fazenda (1979), uma atitude, isto é, uma postura interdisciplinar. Atitude essa de busca, envolvimento, compromisso e reciprocidade diante do conhecimento.

Para Jurjo Santomé (1998, p. 55), as disciplinas constituem forma de organização e delimitação de um território de trabalho, de concentrar a pesquisa e as experiências dentro de um determinado ângulo de visão. Por isso, cada disciplina oferece uma imagem particular da realidade, isto é, daquela parte que entra no ângulo do seu objetivo.

Santos (2010, p. 74), em sua crítica à ciência moderna, associa de forma linear o rigor do conhecimento à restrição do seu objeto. “Sendo um conhecimento disciplinar, tende a ser um conhecimento disciplinado, isto é, segrega uma organização do saber orientada para policiar as fronteiras entre as disciplinas e reprimir os que as quiserem transpor”.

Ainda há que se dizer que o termo “disciplina” pode comportar vários significados e pesar das diversas possibilidades, para fins deste estudo, basta especificar a forma como o termo tem sido compreendido: “Uma ciência, enquanto objeto de aprendizado ou de ensino” (ABBAGNANO, 2007, p. 289).

Essa passagem pela definição de disciplina é fundamental para a compreensão da interdisciplinaridade, justamente por causa da disciplinaridade característica do conhecimento, que se estende, também, à pesquisa e ao ensino. É a reafirmação de que a disciplina antecede à interdisciplina. Entretanto, prepondera uma crítica referente à ausência ou insuficiência de diálogo entre as disciplinas, provocada em grande medida pela busca excessiva de especialização e reificação de objetos e métodos internos à própria disciplina.

Diante da fragilidade interpretativa da interdisciplinaridade, em que muitas experiências são chamadas interdisciplinares, quando na maior parte das vezes são multidisciplinares, assevera Paviani:

Se de um lado a interdisciplinaridade pode significar uma estratégia de flexibilização e integração das disciplinas, nos domínios do ensino e da produção de conhecimentos novos, da pesquisa, de outro lado, ela pode tornar-se um mal-entendido, especialmente quando é assumida como uma meta ou solução absoluta e autônoma, anulando totalmente a existência das disciplinas (PAVIANI, 2008, p. 7).

O filósofo coloca em destaque o fato de que muitos projetos nominados interdisciplinares são realizados nas instituições de ensino e de pesquisa, mas nem sempre essas experiências são efetivamente interdisciplinares. Entretanto, a literatura demonstra que essas experiências vêm se multiplicando, inclusive na Educação do Campo. Refletir sobre essas experiências pode ser um modo de esclarecer e de aprofundar o conceito de interdisciplinaridade.

Considerando a produção e a socialização do conhecimento, embora existam realmente atitudes ou posturas que facilitem o trabalho interdisciplinar, a interdisciplinaridade não pode ser entendida dentro da restrição de um trabalho coletivo, em parceria. Isso é o começo. De fato, diante do risco ou medo de exposição de fragilidades pessoais, saindo do trabalho individual, é preciso que as pessoas tenham disposição ao trabalho interdisciplinar, ao diálogo, a se abrir ao outro, a construir coletivamente.

Nesse sentido, embora Freire não tenha tematizado sistemática ou exaustivamente a interdisciplinaridade, é possível extrair do conjunto de sua obra um modo distinto de tratá-la, quiçá mais profícuo para quem articula a transformação radical da sociedade, do que as formas de tratamento assumidas nos últimos anos.

3 A EXEGESE DA INTERDISCIPLINARIDADE EM FREIRE

O problema crucial da escola não é sobretudo de reforma curricular, mas da concepção do que seja a própria educação. Não é possível focar somente a organização das disciplinas ou a organização didática ou o método de ensino, desconsiderando os processos concretos de produção e socialização do conhecimento e os envolvidos no processo educativo.

O hiato entre a concepção, a teoria, a prática e a metodologia gera experiências em que prepondera a justaposição arbitrária de disciplinas e conteúdos. Talvez, o maior obstáculo seja de fato o tempo necessário ser sempre maior do que o disponível para pensar em conjunto a educação, porque o trabalho pedagógico articulado requer tempo de planejamento coletivo.

Nas escolas públicas de todo o país, não raro são encontrados professores que fazem dois turnos de trabalho, dois contratos, com alguns deslocamentos, para buscar uma vida em condições mínimas de conforto. Também Freire, questionando a história da educação brasileira, no que tange à situação dos professores diante dos desafios cada vez maiores em relação ao papel da educação, propõe a reflexão: “Se era urgente valorizar a instrução entre os habitantes do Brasil, dificilmente se poderia descobrir processo menos condizente com essa finalidade do que a parca remuneração dos professores.” (FREIRE, 2016, p. 156). Em Freire, o processo educativo não prescinde da dimensão política, que é constitutiva da educação, de forma que se esses são aspectos da realidade relevantes e interferem no processo, não podem ser desconsiderados. Pensar coletivamente o que se espera da educação e o tipo de pessoa que se espera formar passa pela discussão dos entraves e das estratégias para sua superação.

O profundo respeito à condição de ser humano e a relação entre as partes e o todo constituem a educação problematizadora, presentes na metodologia do tema gerador. É importante que estejam atrelados à metodologia adequada aos fundamentos teóricos de Freire quanto à proposta interdisciplinar, porque a teoria por si não provoca mudança7.

Ainda nessa questão de articulação entre teoria e prática, também Follari (2011) defende a ideia de que somente estabelecer a relação entre a teoria e prática não é suficiente para alterar a realidade, pois os problemas causados pela divisão social do trabalho não podem ser alterados pela modificação da prática científica. Entretanto, considera que a alteração da metodologia científica, contemplando o interdisciplinar, pode melhorar a eficácia das pesquisas na medida em que as aproxima dos problemas concretos.

Um primeiro aspecto que se sobressai da leitura de Freire em busca da interdisciplinaridade é a não distinção entre esse termo e transdisciplinaridade. Em uma compreensão complexa da transdisciplinaridade, esta adquire uma dimensão decisiva para o surgimento de novos conhecimentos a partir de um transitar entre as disciplinas científicas, na medida em que nesse movimento despontem conhecimentos inéditos, extrapolando um simples trânsito entre as disciplinas. Tomados nesse sentido, os prefixos “inter” e “trans” não implicam em diferenciação epistemológica.

Sem rigorosa preocupação em distinguir os conceitos, ele argumenta que, uma vez captados dentro de uma totalidade, os conhecimentos lamentavelmente perderiam sua riqueza de multifacetadas interpretações da realidade em função de análises fragmentadas na “estreiteza dos especialismos”, que concebem o real sob um único prisma (FREIRE, 2015a, p. 160). É possível inferir a esperança na possibilidade de educadores de todas as áreas se reunirem e contribuírem para a construção da educação como formação humana.

Segundo aspecto relevante é que as distinções entre os termos somente fazem sentido se forem para permitir a prática consciente, quefazer, bem como o planejamento e a execução de ações pertinentes à forma que for mais adequada. Nesse sentido, principiemos rememorando duas emblemáticas experiências do educador Paulo Freire para a discussão interdisciplinar.

Tratando a interdisciplinaridade em Freire (2015a), é possível perceber que esta perpassa o processo metodológico de construção do conhecimento pelo sujeito com base em sua relação com o contexto, com a realidade, com a cultura. A expressão dessa ocorre por meio de dois movimentos dialéticos: a problematização da situação, pela qual se desvela a realidade, e a sistematização dos conhecimentos de forma integrada.

Nesse sentido, tem destaque a experiência interdisciplinar conduzida por Paulo Freire, então Secretário de Educação no Município de São Paulo8, ocorrida durante a gestão de Luiza Erundina (1989-1992), por meio do chamado “Projeto Inter”. Porém, anos antes, em Angicos, sem teorizar a interdisciplinaridade, Freire implementa o projeto de alfabetização por intermédio de uma equipe formada por profissionais de diversas áreas, certamente agindo com base em uma concepção de educação perpassada pela compreensão interdisciplinar. E isso ocorre nos anos 1960, em uma época em que não se discutia ainda enfaticamente a interdisciplinaridade no Brasil.

Analisando a metodologia de trabalho de Freire, Paludo (2010, p. 265) apresenta três momentos centrais desta, em síntese muito articulada ao que vem sendo discutido neste estudo:

[...] a leitura da realidade (investigação), que deve ser codificada em Temas ou Palavras Geradoras; a descodificação (oral e escrita), que requer a problematização para a ampliação da compreensão crítica das “situações limites”; e a síntese cultural, como a possibilidade de organização da nova compreensão da realidade e da proposição da ação em direção a construção de “inéditos viáveis”, da transformação.

Como pode ser visto, são coincidentes termos-chave. Especificamente quanto à leitura da realidade, a partir dessa compreensão e almejando um passo adiante, avancemos no sentido de considerar a totalidade e a alteridade como características fundamentais dessa relação entre as pessoas, e o método no sentido da teoria do conhecimento, desenvolvida por Freire. “Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros.” (FREIRE, 2015a, p. 58). Dessa citação é possível extrair as três categorias teóricas que sustentam a discussão da interdisciplinaridade em Freire: totalidade, diálogo e alteridade.

A proposta de formação do ser humano por meio do processo educativo somente pode ocorrer utilizando o diálogo como forma privilegiada para construção do conhecimento. Modelos que refletem uma concepção bancária da educação impossibilitam a compreensão da totalidade da realidade e, por isso, a projeção de uma situação diferente, o inédito viável. E a possibilidade de transformação está no centro da teoria freiriana.

Nessa perspectiva, a interdisciplinaridade expressa alternativa capaz de superar a fragmentação do conhecimento e, por consequência, da leitura da realidade, potencializando a capacidade transformadora das pessoas. Mas reiteramos: é fundamental a compreensão de que o imperativo do diálogo define o outro como condição tanto para humanização quanto para a transformação da realidade. O sustentáculo do diálogo em Freire é a alteridade, pois sua proposta representa uma forma diversa de estar no mundo, porque essa projeção somente é possível pelos homens em comunhão.

Por isso, defendemos a tese de que a interdisciplinaridade pode ser ressignificada, com base em Freire, como práxis de leitura de mundo, tendo por fundamento as categorias teóricas totalidade, diálogo e alteridade e por metodologia o tema gerador. Nesse sentido, buscamos, de forma concisa diante do vasto legado de Freire, contribuir para a compreensão de uma concepção de educação, entendida como formação humana, que potencializa a capacidade transformadora das pessoas, por meio da interdisciplinaridade como práxis de leitura de mundo, em um modelo de educação problematizadora.

4 OS FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS FREIRIANOS DA INTERDISCIPLINARIDADE

Muito mais que um fazer desprovido de significado, um fazer por fazer, busca-se em Freire o fundamento para prática educativa voltada a formar o ser humano em todos os seus aspectos. Consiste em um projeto de educação comprometido com a vida.

Nesse sentido, ao realizar o estudo da interdisciplinaridade em Freire, são definidos aspectos teóricos e metodológicos, indissociáveis, separados por fins didáticos somente na exposição. Com esse entendimento, segue a discussão acerca das categorias teóricas, que se constituem nas ferramentas indispensáveis ao estudo proposto. Dito de outra forma, são aquelas categorias que, discutidas fundamentadas em Freire, devem sustentar as afirmações sobre interdisciplinaridade em um formato diverso do atual e mais efetivo do ponto de vista da formação humana.

A primeira a ser destacada, a Totalidade. Alcançar a totalidade aparece como requisito para a compreensão da realidade, que não pode ser captada por meio de fragmentos, sob pena de ser apreendida de maneira distorcida, equivocada. Assim, “o mundo é representado como um espelho quebrado a partir do qual cada pedaço representa uma ciência particular que busca refletir a realidade da parte do mundo que lhe é de direito” (ZITKOSKI; LEMES; HAMMES, 2016, p. 47, grifo dos autores). Metáfora perfeita para reflexão sobre a formação desde a educação básica, e não somente a universitária. Tal formação ocorre por meio das disciplinas escolares que reproduzem na escola a divisão entre as ciências de maneira desarticulada.

Não se trata de busca pelo domínio de tudo, e sim do reconhecimento de que, mesmo delimitado, “um fato teima em não perder o tecido da totalidade de que faz parte indissociável” (FRIGOTTO, 2011, p. 37). Ou seja, buscar a totalidade representa o reconhecimento da relação entre as partes e o todo, e o todo e suas partes, em suas múltiplas determinações e mediações históricas.

Apreender a relação entre as partes e o todo, dentro da perspectiva freiriana, aproxima-se à formulação de Mueller et al. (2011, p. 186) tratando a necessidade humana de capturar as determinações da existência pela perspectiva da totalidade.

[...] se estivermos comprometidos em entender como o conhecimento é produzido, socializado e apropriado, necessitamos também nos comprometer com a compreensão do processo mais amplo, em termos de espaço e de história, no qual ele é demandado, por quem é demandado, quem se beneficia e quem é excluído integralmente ou em parte desse processo.

Totalidade, nesse sentido, representa o processo dinâmico da realidade, em que ocorre um tensionamento entre unidade e multiplicidade, conforme observado por Paviani (2008, p. 42-43): “Sem unidade teórica, a multiplicidade é apenas um conjunto de partes isoladas e desordenadas. A unidade sem multiplicidade reduz a realidade a um estado inerte, esconde a complexidade processual dos problemas científicos.”.

A unidade representa uma visão de conjunto, pois, se as partes que compõem o todo não forem articuladas, se ressentem de falta de sentido. O esforço de juntar os aspectos da realidade, muitas vezes percebida de maneira fragmentada, também pode ser entendido como um exercício de poder, porque, quanto mais informações diversas puderem ser articuladas para a compreensão de um contexto maior, mais seguras e acertadas serão as tomadas de decisão, e, por consequência, as intervenções na realidade.

É possível perceber que, ao utilizar a expressão “totalidade”, Freire está pensando no todo, como quando analisa a situação de desumanização gerada pela opressão. O autor afirma: “a situação opressora gera uma totalidade desumanizada e desumanizante, que atinge os que oprimem e os oprimidos”, sendo que essa forma de entender a realidade como um todo articulado, como totalidade, o leva a propor: “não vai caber, como já afirmamos, aos primeiros, que se encontram desumanizados só pelo motivo de oprimir, mas aos segundos, gerar de seu ser menos a busca do ser mais de todos” (FREIRE, ٢٠١٥a, p .٤٧).

Na verdade, na expressão do pensamento de Freire sobre o mundo e a relação das pessoas que o constituem é possível perceber um intrincamento das categorias totalidade e alteridade, pois, em sua proposição ao buscar “ser mais”, o oprimido não tem atitude egoísta, mas solidária. Ao mesmo tempo em que se humaniza, em comunhão, todos se humanizam; a busca é pelo “ser mais” de todos. Nesse processo humanizador, a educação dialógica é fundamental.

De forma inequívoca, Freire faz a crítica aos modelos de educação que, compartimentando a realidade em seus conteúdos estanques, se tornam “verbosidade alienada e alienante”; sem usar ainda o termo “interdisciplinaridade”, exulta a necessidade de um tipo de educação que supere essa fragmentação, para que sejam conectados em sua totalidade os “retalhos da realidade”.

Da maneira como os conteúdos disciplinares vem sendo propostos, não se favorece uma visão ampliada da realidade, que precisa ser percebida em sua totalidade para se tornar passível de ser alterada. E Freire lembra que, assim como os conhecimentos e a realidade, também a teoria e a prática, a ação e a reflexão não devem ser dicotomizadas: “nem um diletante jogo de palavras vazias – quebra-cabeça intelectual – que, por não ser reflexão verdadeira, não conduz à ação, nem ação pela ação. Mas ambas, ação e reflexão, como unidade que não deve ser dicotomizada.” (FREIRE, 2015a, p. 73).

O sentido de totalidade provoca o melhor entendimento da realidade, leitura do mundo, leitura da palavra, (re)leitura do mundo. Freire (2015a, p. 108) afirma: “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.”. Em seguida, explica que o silêncio a que se refere não é reflexão, meditação profunda, mas castração ao direito humano de dizer a palavra, bem ao sentido que ele confere a essa expressão. Destaca a relevância de, afastando-se do mundo para admirá-lo em sua globalidade, alcançar sua melhor compreensão.

Não menos importante, o Diálogo consiste no segundo fundamento teórico. O Diálogo em Freire é o ponto de partida para práticas educativas não fragmentárias do conhecimento e da realidade, apresentado em seus aspectos principais na obra Pedagogia do oprimido. Sem qualquer ineditismo, reafirmando algo evidente, mas que representa um marco nesta análise, inicialmente cabe destacar que o diálogo caracteriza de maneira indivisível o pensamento freiriano. Apresentado em sua obra como palavra que possui duas dimensões – ação e reflexão (práxis) –, o diálogo proposto por Freire constitui-se em relação horizontal, encontro entre homens e mulheres mediatizados pelo mundo.

A importância do diálogo em seu pensamento está expressa na magnitude de sua afirmação: “[...] dizendo a palavra com que pronunciando o mundo os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens” (FREIRE, 2015a, p. 79).

A concepção de diálogo está no cerne da proposta educativa de Freire, e suas implicações são profundas. Pressupõe respeito ao aluno, à sua dignidade e percepção do papel da educação na busca pelo “ser mais”.

Em se tratando das disciplinas, o diálogo também permite o intercâmbio entre diferentes formas de conhecimento, possibilidade de interpenetração dos conhecimentos sistematizados nas disciplinas escolares e o “saber de experiência feito”.

O diálogo vai aparecer, em diversos escritos de Freire, como condição para que homens e mulheres se reconheçam protagonistas da sua história. A Educação Bancária consiste em descrédito na capacidade de as pessoas protagonizarem suas vidas, pois se baseiam no recebimento, atitude passiva, e não na construção, atitude ativa e criativa.

Nesse sentido, Freire (2015a, p. 55) alerta para o cuidado que deve haver nas ações bem-intencionadas voltadas à superação das relações de opressão, para não serem reproduzidas outras situações de opressão. Nas ações voltadas à emancipação, mais que explicar às pessoas o que elas devem fazer, é preciso dialogar com elas sobre a ação. Isso porque a ação humana é “quefazer”, não se limita a um puro fazer, não se dicotomiza ação da reflexão.

É importante ressaltar que mais que um procedimento metodológico diferente, a concepção freiriana de educação reveste-se de respeito e de reconhecimento do outro, comunhão entre os homens na busca pelo “ser mais”.

O diálogo crítico e libertador, por isto mesmo que supõe a ação, tem de ser feito com os oprimidos, qualquer que seja o grau em que esteja a luta por sua libertação. [...] O que pode e deve variar, em função das condições históricas, em função do nível de percepção da realidade que tenham os oprimidos, é o conteúdo do diálogo. Substituí-lo pelo anti-diálogo, pela sloganização, pela verticalidade, pelos comunicados é pretender a libertação dos oprimidos com instrumentos da “domesticação”. Pretender a libertação deles sem a sua reflexão no ato desta libertação é transformá-los em objeto que se devesse salvar de um incêndio. É fazê-los cair no engodo populista e transformá-los em massa de manobra (FREIRE, 2015a, p. 72).

Conhecer a realidade do educando e partir dela são questões fundamentais nessa educação libertadora. Nesse sentido, por meio da proposição de investigação temática, Freire (2015a, p. 140) reafirma a necessidade do diálogo: “[...] tem de constituir-se na comunicação, no sentir comum uma realidade que não pode ser vista mecanicistamente compartimentada, simplistamente bem ‘“comportada’, mas na complexidade de seu permanente vir a ser”. Ao mesmo tempo em que, embora não explicitamente, também ressalta a interdisciplinaridade em oposição ao modelo de comunicados, bancário, da educação. Observa-se que, por meio da comunicação, que é diálogo, não comunicado, a realidade é apreendida. E isso não se faz de forma compartimentada, porque a realidade é complexa, não estática, bem-comportada.

Numa visão libertadora, não mais “bancária” da educação, o seu conteúdo programático já não involucra finalidades a serem impostas ao povo, mas, pelo contrário, porque parte e nasce dele, em diálogo com os educadores, reflete seus anseios e esperanças. Daí a investigação da temática como ponto de partida do processo educativo, como ponto de partida de sua dialogicidade (FREIRE, 2015a, p. 143).

Entretanto, se o processo educativo tem como ponto de partida a investigação temática que define o conteúdo do diálogo, há um ponto central que não pode ser esquecido. O diálogo não pode ser equiparado a bate-papo, que representa equívoco e engodo, em práticas que se pretendam emancipatórias. Freire (2015b, p. 163) é incisivo: sem rigorosidade, não há diálogo.

Não há diálogo no espontaneísmo como no todo-poderosismo do professor ou da professora. A relação dialógica, porém, não anula, como às vezes se pensa a possibilidade do ato de ensinar. [...] O diálogo, na verdade não pode ser responsabilizado pelo uso distorcido que dele se faça. Por sua pura imitação ou sua caricatura. O diálogo não pode converter-se num “bate-papo” desobrigado que marche ao gosto do acaso entre professor ou professora e educandos.

Tanto a licenciosidade quanto o autoritarismo são danosos. Cada um a seu modo impedem o desenvolvimento pleno do educando – ou por não permitir que o aluno desenvolva pensamento e atitude críticos, ou por não oferecer condições para que o aluno, partindo do seu conhecimento adquirido da experiência, apropriando-se dos conhecimentos científicos, chegue à consciência crítica.

Freire propõe ao educador desafiar o educando a construir suas próprias respostas para a sua situação existencial por meio do diálogo. “O diálogo fundamental entre professor e aluno não é um diálogo simplesmente funcional, mas passa pelo diálogo existencial com o mundo.” (FREIRE, 2016, p. 20).

O que leva ao terceiro fundamento, a Alteridade. A pessoa humana, nos escritos de Freire, constitui-se pelo reconhecimento do outro. Segundo Losso (2010, p. 231): “O eu dialógico freiriano se constrói em colaboração, sabe que a sua constituição está no tu, o outro. Mas sabe, também, que esse tu que o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu um tu.”.

Nessa perspectiva, o ser humano, a partir de suas relações, do diálogo, constitui-se como pessoa. “Na luta por um mundo com mais solidariedade social e política, o reconhecimento do outro em sua alteridade é indispensável”, afirma Trombetta (2010, p. 35). Trata-se da necessidade e da possibilidade de transformar o mundo, defendida por Freire, por intermédio do encontro dos homens, em comunhão. Por meio do seu encontro com o outro, homens e mulheres humanizam-se e transformam o mundo. Cabe ressaltar que a alteridade está intimamente relacionada ao diálogo no pensamento freiriano.

Se homens e mulheres se libertam e se educam em comunhão, podemos entender por que existe um tipo de educação específico para promover esse encontro de crescimento pessoal e social. Falando da atuação do educador bancário, em suas limitações, segue destacando aspectos ligados às categorias que vêm sendo discutidas como fundamento da interdisciplinaridade:

Não pode entender que permanecer é buscar ser, com os outros. É conviver, simpatizar. Nunca sobrepor-se, nem sequer justapor-se aos educandos, des-sim-patizar. Não há, permanência na hipertrofia. [...] Não pode perceber que somente na comunicação tem sentido a vida humana. Que o pensar do educador somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos pela realidade, portanto, na intercomunicação. Por isto, o pensar daquele não pode ser um pensar para estes nem a estes imposto. Daí que não deva ser um pensar no isolamento, na torre de marfim, mas na e pela comunicação, em torno, repitamos de uma realidade (FREIRE, 2015a, p. 89-90, grifos nossos).

A ideia que Freire defende não é de uma educação e uma escola que neguem a palavra a um grupo em favor de outro. De acordo com sua proposta, libertar-se da situação de opressão não tem como condição inversão de papéis. Para sair dessa condição de oprimido, não é necessário tornar-se opressor.

Embora Freire reconheça que esse seja o impulso inicial daqueles que “marcados pelos velhos mitos da estrutura anterior, pretendem fazer da revolução a sua revolução privada. Perdura neles, de certo modo, a sombra testemunhal do opressor antigo. Esse continua a ser o seu testemunho de ‘humanidade’”. (FREIRE, 2015a, p. 45). Isso reforça o apelo à alteridade, como condição para a humanização. O reconhecimento do inacabamento e a busca pelo “ser mais” se dão na relação solidária entre as pessoas. Nas palavras de Freire (2015a, p. 105): “Esta busca do ser mais, porém, não pode realizar-se ao isolamento, no individualismo, mas na comunhão, na solidariedade dos existires, daí que seja impossível dar-se nas relações antagônicas entre opressores e oprimidos.”. Deve ser tarefa comum aos seres humanos, na situação de libertados seja da situação de opressor ou de oprimido, refazerem o mundo e de torná-lo mais e mais humano.

Da avaliação madura de sua prática, por isso “práxis”, Freire percebe o quanto é fundamental educador e educando, embora desempenhando papéis distintos, assumirem o imperativo de se reconhecerem e reconhecerem o outro como capazes de juntos compreender e escrever a história.

Reafirmando esse entendimento, encontramos nas palavras de Freire a alteridade consubstanciando o diálogo, refutado nas relações em que prevalecem o autoritarismo, que, por isso, precisam ser superadas.

‘Não penso autenticamente se os outros também não pensam. Simplesmente, não posso pensar pelos outros nem para os outros nem sem os outros’. Esta é uma afirmação que, pelo caráter dialógico nela implícito, incomoda os autoritários. É por isso também que são tão refratários ao diálogo, à troca de ideias entre professores e alunos (FREIRE, 2015b, p. 162, grifos nossos).

O que Freire (2015a; 2015b) busca deixar claro ao longo de sua biografia é que dizer a palavra verdadeira é práxis, é transformar o mundo, e, por isso, não pode ser privilégio de alguns, mas direito de todos, homens e mulheres. Precisamente por isso, a alteridade aparece como fundamento do diálogo, uma vez que ninguém pode dizer a palavra sozinho ou para os outros. Não é ato solipsista, conforme avigora: “não há eu que se constitua sem um não eu. Por sua vez, o não eu constituinte do eu se constitui na constituição do eu constituído. Desta forma, o mundo constituinte da consciência, um percebido objetivo seu, ao qual se intenciona.” (FREIRE, 2015a, p. 99).

Por fim, “como ouvir o outro, como dialogar, se só ouço a mim mesmo, se só vejo a mim mesmo, se ninguém que não seja eu mesmo me move ou me comove.” (FREIRE, 2016, p. 122). Os seres humanos constituem-se como tal na comunhão, no encontro, na escuta, no diálogo, e isso implica alteridade.

Não é demasiado reafirmar que tratar a interdisciplinaridade com base em Freire impõe como necessidade a articulação de pressupostos teóricos e metodológicos. A partir das concepções, devem ser construídas formas específicas de materialização, consideradas as especificidades da realidade, por intermédio dos temas geradores.

Dessa maneira, resta destacar que as categorias teóricas totalidade, diálogo e alteridade fundamentam a metodologia de temas geradores, ou seja, é a forma de a concepção de educação tomar corpo, se materializar. “As técnicas do método de alfabetização de Paulo Freire, embora em si valiosas, tomadas isoladamente, não dizem nada do método” (FIORI, 2015a, p. 13). E isso exatamente por estarem descoladas do fundamento teórico.

Discutindo especificamente a questão do método, Freire (2015a, p. 77), tomando para si as proposições de Vieira Pinto,9 deixa evidente que este representa a articulação entre a concepção e materialização desta. Nesse sentido, o método define-se como a forma exterior e materializada em atos, que assume a propriedade fundamental da consciência: a sua intencionalidade.

Dessa maneira, pautando-se pelo diálogo, impregnado pela alteridade, e em um sentido de totalidade, Freire (2015a, p. 77) define como início do trabalho pedagógico a delimitação do conteúdo programático.

Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos, mas a revolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada.

A definição do conteúdo programático começa no diálogo, mas também envolve a noção de totalidade, bem como desponta o enlace entre as categorias teóricas e os temas geradores na definição dos conteúdos programáticos.

É na realidade mediatizadora, na consciência que dela tenhamos educadores e povo, que iremos buscar o conteúdo programático da educação. O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como prática da liberdade. É o momento em que se realiza a investigação do que chamamos de universo temático do povo ou o conjunto de seus temas geradores. Esta investigação implica, necessariamente, numa metodologia que não pode contradizer a dialogicidade da educação libertadora. Daí que seja igualmente dialógica. Daí que, conscientizadora também, proporcione, ao mesmo tempo, a apreensão dos “temas geradores” e a tomada de consciência dos indivíduos em torno dos mesmos (FREIRE, ٢٠١٥a, p. ١٢١).

Freire elucida que o conceito de tema gerador não consiste nem em uma criação arbitrária, nem em uma hipótese que deva ser comprovada. Coerente com sua negação de fazer para o povo ou para o educando, por essa atitude configurar instrumento de dominação e não de emancipação, Freire explica que os temas devem ser encontrados, conjuntamente pela equipe de educadores e representantes do povo, na realidade do grupo em processo educativo.

A captação dos temas decorre da experiência da realidade em sua riqueza, em sua significação, em sua pluralidade, em seu devenir, em sua constituição histórica. E se designam geradores porque contêm em si a possibilidade de desdobrar-se em outros tantos temas, independentemente de qual seja a natureza (FREIRE, 2015a).

A definição do tema gerador, pela investigação das temáticas relevantes, será um processo que, resguardadas suas características gerais, vai variar de escola para escola, de grupo para grupo. Não é um ato mecânico, pré-moldado, mas somente pode ser alcançado por meio da compreensão da forma como as pessoas pensam a sua realidade. O educando tem papel ativo, como Freire (2015a, p. 139) volta a afirmar, reforçando sua função de sujeito do processo.

A investigação temática, que se dá no domínio do humano e não no das coisas, não pode reduzir-se a um ato mecânico. Sendo processo de busca, de conhecimento, por isto tudo, de criação, exige de seus sujeitos que vão descobrindo, no encadeamento dos temas significativos, a interpenetração dos problemas.

Conforme explicitado anteriormente, a divisão entre fundamento e metodologia visava somente facilitar a compreensão da apresentação. É possível perceber entrelaçando-se na discussão da investigação temática a retomada de aspectos do chamado fundamento teórico, em suas categorias.

Insistentemente, Freire (2015a) reafirma a necessidade da substituição da “educação bancária”, em que o educador vai “enchendo” os educandos de falso saber, por uma educação como prática problematizadora. Enquanto, na primeira, os conteúdos impostos, desarticulados do todo, sem compreensão, acabavam sendo memorizados, na segunda, os educandos vão desenvolvendo o seu poder de captação e de compreensão do mundo, em suas relações, como uma realidade em transformação, exercício interdisciplinar portanto.

É possível perceber a contribuição da interdisciplinaridade nesse processo na afirmativa: “O que antes já existia como objetividade, mas não era percebido em suas implicações mais profundas e, às vezes, nem sequer era percebido, se ‘destaca’ e assume o caráter de problema, portanto, de desafio” (FREIRE, ٢٠١٥a, p. ١٠٠). Por meio da prática interdisciplinar, é possível a percepção profunda entre os aspectos que compõem a realidade. Por fim, para não restar dúvida quanto ao fato de a educação dialógica ser interdisciplinar, encontramos em Freire a afirmação da tarefa do educador: “A tarefa do educador dialógico é, trabalhando em equipe interdisciplinar este universo temático, recolhido na investigação, devolvê-lo, como problema, não como dissertação, aos homens de quem recebeu.” (FREIRE, ٢٠١٥a, p. ١٤٢).

Muito significativa essa declaração de Freire em termos do esclarecimento da condução do processo educativo de sua proposta. Primeiro, o trabalho é interdisciplinar, e isso em termos de equipe, o que corrobora o nosso argumento de que o interdisciplinar não dispensa o conhecimento disciplinar. A ideia não consiste em abolir as disciplinas, mas em entender que elas são parte de um todo significativo. Segundo, a reafirmação do respeito à autonomia do sujeito que não precisa receber pronto, pois é capaz de construir seu conhecimento acerca do mundo cooperativamente.

Nesse sentido, se revigora a discussão acerca da interdisciplinaridade, na medida em que se articulam concepção e metodologia, ou seja, uma vez que a teoria orienta a prática, que, por sua vez, se volta indagadora à teoria, em um processo dinâmico e dialético. O fundamento teórico, marcadamente as categorias totalidade, diálogo e alteridade, materializa-se na metodologia do tema gerador.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível asseverar que o grande desafio da humanidade ao longo dos tempos consistiu na formação dos seres humanos. Porém, o processo de formação humana deve abranger a inserção ativa das novas gerações em sua cultura, e isso não equivale à formação unilateral, caracterizada, preponderantemente, pela formação científica, voltada ao desenvolvimento de competências e à aquisição de habilidades para a entrada no mercado de trabalho, que é o comum na sociedade capitalista, bem como não se resume à razão instrumental.

Quando se fala em educação, entendida como processo de formação humana, para além de qualquer processo de qualificação técnica, relacionado a uma lateralidade, o que está em pauta é uma situação de conquista de plena humanidade.

Evoluindo rumo à conclusão, é preciso reafirmar que diferentes modelos de formação estão associados às concepções que os fundamentam; por isso, torna-se importante compreender a educação como uma forma de leitura qualificada do mundo.

Na árdua tarefa de construir a escola do campo, afinada com as preocupações locais, compreender os pressupostos teórico-metodológicos de Freire que pautam a educação sob a égide interdisciplinar, pode significar um passo importante, pois perpassa a compreensão de que, para a educação ser de fato um processo de humanização, é preciso garantir meios que contemplem os aspectos éticos, estéticos e políticos, além dos aspectos epistemológicos e técnicos, geralmente enaltecidos em detrimento dos demais. Consiste na proposta de educação problematizadora, fundamentada na humanização de educadores e educandos.

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1 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas; Mestre em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal da Bahia.

2 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

3 Fazendo uso das palavras de Germano (1997, p. 389), “Angicos tornou-se uma palavra emblemática para todos aqueles que se interessam pela educação popular. A cidadezinha localizada no sertão do Rio Grande do Norte foi o palco em que, pela primeira vez, Paulo Freire, em princípios de 1963, pôs em prática o seu famoso método de alfabetização de adultos. Dessa maneira, o trabalho, que até então era desenvolvido de forma incipiente no Recife, ganhou grande visibilidade em níveis nacional e internacional”.

4 Segundo Japiassu (1976, p. 73), na pluridisciplinaridade, ocorre a justaposição de diversas disciplinas no mesmo nível hierárquico (por exemplo, Português, Artes, Geografia, Matemática), agrupadas de forma a evidenciar a relação entre elas. Há cooperação, mas não coordenação, de forma que, intencionalmente ou não, existe apenas um agrupamento de disciplinas.

5 O autor retrata os resultados de estudo publicado por HERNANDEZ, Aline R. C.; HERNANDEZ, I. R. C. Interdisciplinaridade. Porto Alegre: Revista do professor, v.14, n.57, jan./mar. 1999, p.22-24.

6 Termo da língua espanhola, materna do autor argentino, proveniente do verbo sesgar, que faz referência a torcer ou atravessar algo por um de seus lados.

7 Freire condena toda ação “dicotomizante de teoria e prática e que ou menospreza a teoria, negando-lhe qualquer importância, enfatizando exclusivamente a prática, a única a valer, ou negando a prática fixando-se só na teoria.” (FREIRE, 2016, p. 61, grifo do autor).

8 Sobre a atuação de Freire na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em nota explicativa, encontramos uma avaliação que reflete a coerência teórica que o acompanhou em sua trajetória: “Esse trabalho árduo e difícil para ser feito sem os ‘ranços’ autoritários e interditadores e sem cair no outro extremo, o da licenciosidade e dos espontaneísmos, preocupações constantes de Freire, foi realizado, com fortes adesões, na sua gestão, de 1º de janeiro de 1989 a 27 de maio de 1991, como secretário dessa pasta” (FREIRE, 2015b, p. 324).

9 Álvaro Borges Vieira Pinto (1909-1987) foi um intelectual e filósofo brasileiro. Influenciou Paulo Freire, que se referia a ele como mestre. Na década de 1950, tornou-se chefe do Departamento de Filosofia do recém-criado Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), organizado no âmbito do Ministério da Educação e Cultura. Após o golpe militar, o ISEB foi extinto e Vieira Pinto exilado, tendo encontrado Freire no Chile. De seu trabalho nesse período, escreveu Sete lições sobre educação de adultos, importante obra para educação de adultos trabalhadores.