https://doi.org/10.18593/r.v47.29377

O papel da Matemática na vida cotidiana: uma análise das concepções de professores de Matemática

The role of Mathematics in the everyday-life: an analyses of the mathematics teacher’s conceptions

El papel de la Matemática en la vida cotidiana: un análisis de las concepciones de los docentes de Matemática

Iuri Kieslarck Spacek1

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina; Professor de Matemática.

https://orcid.org/0000-0002-8785-9912

Vidalcir Ortigara2

Universidade do Extremo Sul Catarinense; Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação.

https://orcid.org/0000-0002-0232-2164

Resumo: Tendo como pressuposto que a forma como os professores entendem a relação entre o conhecimento matemático e a formação do estudante, bem como o modo com que agem embasados ou não neste entendimento, são aspectos que influenciam as suas ações de ensino, o presente texto tem como objetivo investigar as inter-relações entre a concepção dos professores do conhecimento matemático manifesto na vida dos estudantes e suas possíveis implicações para o ensino. Para atingir esse propósito, buscou-se identificar a manifestação dos professores em relação ao lugar que ocupa o conhecimento matemático na vida dos estudantes e como esse papel influi no ensino. Foram entrevistados sete professores efetivos, formados a partir de 1991 e que lecionam para turmas dos anos finais do Ensino Fundamental em escolas públicas estaduais de uma cidade de Santa Catarina. As entrevistas, semiestruturadas, foram gravadas e transcritas, o que possibilitou a organização das falas em núcleos temáticos para a análise respaldada no materialismo histórico-dialético, em especial, nas elaborações teóricas sobre o Cotidiano, na Teoria Histórico-Cultural e em contribuições dos autores vinculados a Pedagogia Histórico-Crítica. Percebeu-se que as concepções dos professores valorizam de maneira positiva uma expressão imediata dos conceitos matemáticos na vida dos estudantes; que consideram haver uma natureza distinta entre a manifestação da Matemática na escola e em atividades fora dela; e que é necessário a vinculação entre a manifestação imediata da Matemática com a manifestação da Matemática no ensino escolar.

Palavras-chave: Concepções dos professores; Vida cotidiana; Educação Matemática.

Abstract: Assuming that the way how teachers understand the relation between the Mathematical knowledge and the student education, as well as the way how they act substantiated or not on this understanding are aspects that influence their teaching strategies, this current paper has as a main objective to investigate the interrelations between the teachers’ conceptions of mathematical knowledge manifested in the life of the students and its possible implications for teaching. In order to achieve this purpose, it was sought to identify the manifestation of the teacher in relation to the role of Mathematical knowledge in the life of the student as well as this role influences in teaching. Seven full effective teachers, graduated from 1991 onwards and who teach classes to the last years of elementary school were interviewed, in a State public school in a city in the state of Santa Catarina. The semi-structured interviews, were recorded and transcribed, which makes the organization of the speeches in thematic nucleus possible for the analysis supported in historical-dialectical materialism, mainly, in theoretical elaborations about Everyday-Life, in Historical-Cultural Theory and in researchers linked to the Historical-Critical Pedagogy. It was noticed that the teacher’s conceptions valorize in a positive way an immediate expression of the mathematics concepts in the students’ lives; which they consider to have a distinct nature of the Mathematic manifestation in school in addition to activities out of it; and that is necessary a link between an immediate manifestation of the Mathematics and the manifestation of the Mathematics in school education.

Keywords: Teachers’ Conceptions; Everyday-Life; Mathematics Education.

Resumen: Teniendo como presupuesto que la forma en que los docentes entienden la relación entre el conocimiento matemático y la formación del estudiante, así como el modo en que actúan basados o no en este entendimiento, son aspectos que influyen en sus acciones de enseñanza, el presente texto tiene como objetivo investigar las interrelaciones entre la concepción de los profesores del conocimiento matemático manifestado en la vida de los estudiantes y sus posibles implicaciones para la enseñanza.. Para lograr ese propósito, se buscó identificar la manifestación de los docentes con relación al lugar que ocupa el conocimiento matemático en la vida de los estudiantes y cómo ese papel influye en la enseñanza. Fueron entrevistados siete maestros efectivos, graduados a partir de 1991 y que enseñan para clases de los años finales de la Educación Primaria en escuelas públicas estatales de una ciudad de Santa Catarina. Las entrevistas, semiestructuradas, fueron grabadas y transcritas, lo que posibilitó la organización de las charlas en núcleos temáticos para el análisis respaldado en el materialismo histórico-dialéctico, principalmente en elaboraciones teóricas sobre la vida cotidiana, en teoría histórico-cultural y en investigadores relacionados con la Pedagogía Histórico-Crítica. Se percibió que las concepciones de los docentes valoran de manera positiva una expresión inmediata de los conceptos matemáticos en la vida de los estudiantes; que consideran que existe una naturaleza distinta entre la manifestación de la matemática en la escuela y en actividades fuera de ella; y que es necesario vincular la manifestación inmediata de la matemática con la manifestación de la matemática en la enseñanza escolar.

Palabras clave: Concepciones de los docentes; Vida cotidiana; Educación Matemática.

Recebido em 05 de outubro de 2021

Aceito em 12 de agosto de 2022

1 INTRODUÇÃO

São bastante comuns, tanto por parte dos estudantes quanto por parte dos professores, questionamentos sobre a utilidade e a aplicabilidade prática ou, ainda, em uma visão um pouco menos imediatista, sobre a relação entre os conhecimentos escolares e aqueles requisitados durante as atividades realizadas pelos estudantes em sua vida, que se distinguiriam substancialmente dos desenvolvidos na escola.

De acordo com Machado (2013, p. 11), é frequente, quando o professor de Matemática anuncia o estudo de um novo assunto, surgirem questões como: “Pra que serve isso?”, “Qual a utilidade prática?”, “Onde vou usar esse conhecimento?”. Essa ênfase na utilidade e aplicabilidade prática vincula-se a necessidades imediatas dos estudantes, o que muitas vezes pode se tornar um empecilho à possibilidade de transformação qualitativa da sua própria vida. Além disso, do ponto de vista do ensino da Matemática, pode se tornar uma postura inconveniente na busca por um ensino que promova a formação omnilateral dos indivíduos. Conforme o autor, é possível citar três motivos dessa inconveniência. O primeiro é que a ênfase na aplicabilidade prática, se adotada de forma coerente, deveria ser estendida às demais disciplinas escolares, condenando-nos “a uma contínua reprodução do status quo, a uma espécie de congelamento geral nas expectativas.” (MACHADO, 2013, p. 12). O segundo se refere ao fato de que atribuir significado ao que se ensina não se resume a buscar mostrar aplicações imediatas. No caso da Matemática, as situações não escolares que exigem conhecimentos dessa área são, na maioria das vezes, mais complexas do que as situações apresentadas na escola. Entretanto, essas são situações nas quais, segundo o autor, busca-se praticar a capacidade de articular dados e tirar conclusões, portanto importantes para a formação pessoal. O terceiro motivo é a carência de um enfoque na explicação do macrossignificado da Matemática como instrumento, o que exige apropriar-se de certos conceitos que não possuem uma aplicação imediata, mas são base para a apropriação de outros conhecimentos.

Nesse sentido, Asbahr (2011) defende, a partir da Teoria da Atividade3, a tese de que para a aprendizagem ocorrer na escola é necessário que os estudantes realizem ações de estudo com sentido pessoal correspondente aos motivos e significados sociais da atividade de estudo, para que essa atividade promova desenvolvimento. Entretanto, nosso entendimento é de que essa relação entre significado social e sentido pessoal não deve ser resumida à aplicabilidade e à utilidade imediata dos conhecimentos.

Desse modo, consideramos que a forma como os professores compreendem a relação entre o conhecimento a ser ensinado, no caso aqui analisado, o conhecimento matemático, e a vinculação com a vida dos indivíduos são aspectos relevantes para entender a finalidade dos processos educativos formais e apreender os limites e possibilidades que estes estabelecem para a formação dos indivíduos em uma perspectiva omnilateral. Esse entendimento se desdobra do pressuposto de que a maneira como os professores concebem a relação entre o conhecimento matemático e a formação do estudante, bem como o modo com que agem embasados ou não nessa compreensão são aspectos que influenciam as suas ações de ensino. Isto é, nossa conjectura segue a afirmação de Fiorentini (1995, p. 3) de que “cada professor constrói idiossincraticamente seu ideário pedagógico a partir de pressupostos teóricos e de sua reflexão sobre a prática.” Nesse processo contínuo de formulação e reformulação de suas concepções, o modo como se pensa o ensino e como se ensina é influenciado por uma série de fatores. Ou seja,

por trás de cada modo de ensinar, esconde-se uma particular concepção de aprendizagem, de ensino, de Matemática e de Educação. O modo de ensinar sofre influência também dos valores e finalidades que o professor atribui ao ensino de Matemática, da forma como concebe a relação professor-aluno e, além disso, da visão que tem de mundo, de sociedade e de homem. (FIORENTINI, 1995, p. 4).

Tendo em vista os aspectos abordados, o presente texto busca apresentar respostas ao seguinte questionamento: qual a concepção dos professores de Matemática acerca da relação entre o conhecimento matemático e a sua manifestação na vida dos estudantes? Essa pergunta sintetiza o objetivo de investigar as inter-relações entre a concepção dos professores do conhecimento matemático manifesto na vida dos estudantes e suas possíveis implicações para o ensino. Esse objetivo é desdobrado em duas finalidades, que consistem em identificar como os professores concebem o lugar que ocupa o conhecimento matemático na vida dos estudantes e investigar como esse papel influi para a organização de suas ações de ensino.

Para respondermos a esse questionamento, entrevistamos sete professores efetivos4, formados a partir de 1991, que lecionam em turmas dos anos finais do Ensino Fundamental em escolas públicas estaduais de uma cidade do estado de Santa Catarina.

O recorte temporal para a seleção dos entrevistados se deve ao fato de que em 1991 foi publicada a primeira versão da Proposta Curricular de Santa Catarina (SANTA CATARINA, 1991), documento que estabelece os parâmetros teórico-metodológicos às atividades escolares para a rede estadual catarinense, e que apresenta como pressuposto filosófico o materialismo histórico-dialético, também utilizado na análise da presente pesquisa. Essa proposta foi atualizada com novos documentos, sendo que em alguns se explicita a base psicopedagógica de enfoque Histórico-Cultural (SANTA CATARINA, 1998, 2014, 2019)5. A opção pelos professores que atuam nos anos finais do Ensino Fundamental se justifica por ser neste período do percurso escolar que, via de regra, as crianças têm, pela primeira vez, disciplinas distintas ministradas por professores com formação específica nas áreas de conhecimento.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, gravadas e transcritas para fins de análise e organizadas com base em núcleos temáticos.

Como forma de exposição, organizamos o texto em três seções. Inicialmente abordamos, de forma sucinta, alguns conceitos importantes utilizados na análise, tendo como principal referência a teoria desenvolvida por Heller (2002, 2008) sobre vida cotidiana. Na segunda seção, trazemos a análise de falas representativas das concepções dos professores, tomando como eixo norteador a manifestação da Matemática no cotidiano dos estudantes e a influência dessa concepção para o ensino na escola6. Por fim, indicamos aspectos que podem orientar futuras pesquisas no campo do ensino de Matemática.

2 A TEORIA DO COTIDIANO

Façamos um esclarecimento a respeito dos princípios teóricos envolvidos em nossa análise antes de procedermos à sua exposição. Dada a complexidade da teoria aqui abordada, focaremos alguns de seus principais conceitos, cientes das limitações e implicações que uma síntese teórica pode trazer7.

A concepção de ser humano que embasa esta pesquisa é a desenvolvida pelo materialismo histórico-dialético. Essa tem como premissa que o ser humano é um ser histórico e fundamentalmente social. Sua reprodução, seja como indivíduo, sociedade ou gênero, depende da apropriação da cultura historicamente elaborada e transmitida de geração a geração aos indivíduos por intermédio da linguagem e das diversas atividades (jogo, estudo, trabalho etc.) e da objetivação, mediante atividades, conhecimentos, conceitos, habilidades, entre outros aspectos relativos à sua própria condição de ser humano. Nesse sentido, a formação do ser humano se expressa sempre por meio da dialética entre apropriação e objetivação das forças essencialmente humanas e, portanto, sociais (DUARTE, 2013).

Esse processo, entretanto, se estabelece sempre em relações sociais determinadas, de modo que ocorrem distinções oriundas de diferentes fatores.

As relações do indivíduo com as objetivações genéricas apresentam variações qualitativas em decorrência do nível de cada objetivação, de suas características específicas e do grau de alienação das relações sociais no interior das quais se realiza a apropriação dessas objetivações pelos indivíduos. (DUARTE, 2013, p. 132).

Os graus de distinção entre as objetivações é o fundamento pelo qual Heller (2002, 2008) diferencia duas esferas da vida social: a esfera da vida cotidiana e a esfera da vida não cotidiana. O aspecto essencial que distingue essas duas esferas é o da reprodução do indivíduo e da sociedade. Aquelas atividades que se dirigem diretamente à reprodução do indivíduo, mas que, indiretamente, voltam-se para a reprodução da sociedade, são chamadas de atividades cotidianas. Por outro lado, as atividades que diretamente se voltam à reprodução da sociedade, mas que, indiretamente, orientam-se à reprodução do indivíduo, são denominadas de atividades não cotidianas.

Para Heller (2002, 2008), há uma diferença entre as atividades cotidianas e aquelas que são executadas no dia a dia. Estas podem ser atividades não cotidianas, como, por exemplo, as relativas ao trabalho dos cientistas. O contrário também é válido, ou seja, situações que ocorrem com pouca frequência podem ser consideradas cotidianas por estarem diretamente relacionadas à reprodução do próprio indivíduo, como é o caso da morte e do nascimento.

Na esfera da vida cotidiana predominam as objetivações genéricas em-si. Entre elas se destaca um conjunto distinto, mas ao mesmo tempo unitário, composto pelos utensílios e produtos, os usos e costumes e a linguagem (HELLER, 2002). A apropriação da referida base é condição sine qua non da existência de qualquer formação social, portanto podemos considerar que a vida cotidiana possui uma prioridade ontológica na constituição das sociedades (HELLER, 2008). Isso, porém, não lhe confere um caráter meta-histórico, pois “se em toda sociedade existe e se põe a cotidianidade, em cada uma delas a estrutura da vida cotidiana é distinta quanto ao seu âmbito, aos seus ritmos e regularidades e aos comportamentos diferenciados dos sujeitos coletivos (grupos, classes etc.) em face da cotidianidade.” (NETTO, 2012, p. 67, grifos do autor).

Uma das características da vida cotidiana é sua heterogeneidade.

A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela, colocam-se “em funcionamento” todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, ideias, ideologias. O fato de que todas as suas capacidades se coloquem em funcionamento determina também, naturalmente, que nenhuma delas possa realizar-se, nem de longe, em toda sua intensidade. O homem da cotidianidade é atuante e fruidor, ativo e receptivo, mas não tem nem tempo nem possibilidade de se absorver inteiramente em nenhum desses aspectos; por isso, não pode aguçá-los em toda sua intensidade.

A vida cotidiana é, em grande medida, heterogênea; e isso sob vários aspectos, sobretudo no que se refere ao conteúdo e à significação ou importância de nossos tipos de atividade. (HELLER, 2008, p. 31-32, grifos do autor).

Para Netto (2012, p. 68, grifos do autor), tanto a imediaticidade quanto a heterogeneidade da vida cotidiana “implicam que o indivíduo responda levando em conta o somatório dos fenômenos que comparecem em cada situação precisa, sem considerar as relações que os vinculam.”

Heller (2008) elenca como traços comuns às ações, aos sentimentos e aos pensamentos no âmbito da vida cotidiana a espontaneidade, o pragmatismo, o economicismo, a hipergeneralização, a analogia, a imitação, a entonação e a probabilidade – enquanto união entre pragmatismo, repetição e economia, que inclui também o sentimento de e confiança.

A partir de certo momento da história da humanidade começaram a surgir objetivações voltadas diretamente à reprodução do gênero humano, denominadas por Heller (2002), com base em Lukács, de objetivações genéricas para-si. Essas constituem parte integrante de outra esfera da vida social, a do não cotidiano. É importante destacar que para Heller (2002, 2008) não há uma barreira que limita claramente tais esferas da vida humana, sendo estas bastante fluidas e, assim como as categorias de em-si e para-si no materialismo histórico-dialético, possuem caráter tendencial. Existem movimentos de inter-relacionamento em que as objetivações genéricas para-si se incorporam a atividades cotidianas e passam a ser apropriadas por meio de ações que se estabelecem, por exemplo, sobre a base do sentimento de confiança ou mesmo de fé. O inverso também é verdadeiro, na medida em que ações cotidianas, realizadas de maneira espontânea, devido a uma mudança de condições, ou por outro fator qualquer, passam a ter necessidade de outras que exijam do sujeito uma suspensão da heterogeneidade em detrimento de uma atividade homogênea.

Para Heller (2008), o processo de homogeneização é sempre uma relação direta, ativa e consciente em relação à objetivação genérica. Nesse processo, o indivíduo suspende algumas de suas capacidades e energias mantendo outras, consideradas necessárias à realização da atividade requerida. É um processo de suspensão, mesmo que parcial, da vida cotidiana.

O meio para essa superação dialética [Aufherbung] parcial ou total da particularidade, para sua decolagem da cotidianidade e sua elevação ao humano-genérico, é a homogeneização. Sabemos que a vida cotidiana é heterogênea, que solicita todas as nossas capacidades em várias direções, mas nenhuma capacidade com intensidade especial. Na expressão de Georg Lukács: é o “homem inteiro” [ganze Mensch] quem intervém na cotidianidade. O que significa homogeneização? Significa, por um lado, que concentramos toda nossa atenção sobre uma única questão e “suspenderemos” qualquer outra atividade durante a execução da anterior tarefa; e, por outro lado, que empregamos nossa inteira individualidade humana na resolução dessa tarefa. Utilizamos outra expressão de Lukács: transformamo-nos assim em um “homem inteiramente” [Menschen ganz]. E significa, finalmente, que esse processo não se pode realizar arbitrariamente, mas tão-somente de modo tal que nossa particularidade individual se dissipe na atividade humano-genérica que escolhemos consciente e autonomamente, isto é, enquanto indivíduos. O indivíduo, ao estabelecer uma relação homogênea com as objetivações genéricas para-si, começa a constituir sua individualidade para-si. Dentre os complexos fatores da sua formação, a relação consciente com as objetivações genéricas é uma das características indispensáveis. (HELLER, 2008, p. 43-44, grifos do autor).

Outro aspecto a ser destacado sobre as objetivações genéricas para-si é o fato de estas serem ontologicamente secundárias, sendo possível a existência de sociedades que não as possuam. Em geral, as objetivações genéricas para-si se estabelecem como forma de distanciamento e reestruturação das esferas de objetivações em-si.

3 A RELAÇÃO ENTRE O CONHECIMENTO MATEMÁTICO E A SUA MANIFESTAÇÃO NA VIDA DOS ESTUDANTES

Um dos traços mais significativos na concepção dos professores sobre a relação do conhecimento matemático com a vida dos estudantes situa-se nas relações mercadológicas de compra e venda. Em nosso entendimento, isso é uma expressão aguda de afirmação da mercadoria como forma elementar de nossa atual organização social, na qual os indivíduos se relacionam como proprietários de mercadorias (LESSA, 2004). Ao serem perguntados em quais situações a Matemática emerge nas relações estabelecidas pelos estudantes, os professores afirmam:

Professor A: Aparece na hora que ele acorda de manhã, quando vem pra escola e pede dinheiro para o pai8. Ele já está fazendo a conta: se ele ganhar um real o que ele pode comprar; se ele ganhou cinco [reais] o que ele pode fazer. Então, se ele tem o dinheiro, já sabe se tem que comprar o crédito para o celular ou se quer comprar outra coisa. Mas quando ele sai de manhã, ou aquele que tá trabalhando, que vai trabalhar, ele está trabalhando em função de comprar alguma coisa, adquirir alguma coisa.

Professor E: [...] no dia a dia deles. Desde a hora que eles têm um dinheirinho na mão e vão fazer uma comprinha eles têm que fazer uma continha básica pra saber o que podem gastar, saber o que vai sobrar. [...] No dia a dia seria isso, compra, não vejo outro. [...] O mais seria a parte financeira, diríamos assim, saber receber troco, não perder troco, prestar atenção na conta, o que tu estás pagando a mais ou a menos. A menos nunca! Sempre se paga a mais.

Uma interpretação que pode ser realizada sobre esse forte cunho mercadológico dos conhecimentos é seu caráter utilitário imediato. Essa manifestação da Matemática no cotidiano, explícita principalmente nas questões mercadológicas, é bastante comum em relações sociais alienadas, nas quais a vida cotidiana é dominada pelo consumismo. De acordo com Heller (2002, p. 169, grifos do autor, tradução nossa), o consumismo, na esfera da vida cotidiana, é característica que explicita uma alienação, e tem como elementos principais uma “atitude e uma conduta dos consumidores, quer dizer, uma atitude passiva frente ao mundo, frente aos objetos, etc.” O aspecto consumista da vida cotidiana não se constitui como um dos seus traços ontológicos essenciais, mas é engendrado, no movimento histórico, com a divisão social do trabalho.

Não é demais sublinhar novamente que, conforme Heller (2002), a esfera da vida cotidiana possui como características comuns o pragmatismo, o economicismo, a imitação, a hipergeneralização, as avaliações probabilísticas e a analogia. Essas características, no entanto, não conotam necessariamente essa esfera da vida humana como uma esfera alienada, muito menos consumista, pois esses padrões de pensamento e comportamento, além de serem necessários ao indivíduo para agir, não anulam por completo a possibilidade de uma atuação consciente e de explicitação de sua vida cotidiana. Nesse sentido, o consumismo só se configura como um traço comum quando os indivíduos possuírem uma possibilidade efêmera de “explicitação, de uma atitude ativa do indivíduo em face de sua vida cotidiana.” (GIARDINETTO, 1999, p. 37).

Notamos que esse é um dos principais traços do ensino da Matemática para determinados professores, pois, se a sociedade é alienada e consumista, a contribuição do ensino da Matemática se estabelece principalmente na possibilidade de os indivíduos não se tornarem altamente consumistas, comprando de maneira consciente, ou seja, não apresentarem uma atitude passiva diante do mundo e dos objetos que o compõem. Ao mesmo tempo que essa concepção é um reflexo da forma de organização social na qual vivemos, que apresenta como uma das marcas essenciais a relação entre os sujeitos como proprietários privados, explicita também a limitação de atuação ante essa mesma realidade, uma vez que a Matemática, na vida dos estudantes, estaria diretamente vinculada às relações mercadológicas.

Para além dessa relação, grande parte dos professores que participaram da pesquisa apontou uma diversidade de situações em que as objetivações matemáticas se fazem presentes na vida dos indivíduos. Explicitaremos as falas de dois professores a fim de podermos entender um pouco melhor a relação entre a manifestação da Matemática na escola e na vida cotidiana:

Professor E: Quando tu poderás também usá-la no dia a dia, não precisa ser lá na engenharia, nos cálculos sofisticados. Por isso eu digo, desde uma carteira desta se usa Matemática básica, continha de mais ou menos, vai medir e tal, até o cálculo sofisticado.

Professor C: Todos trabalham a Matemática. Inclusive tem aluno que domina muito melhor a Matemática do cotidiano e não consegue relacionar com a Matemática da sala de aula. A gente sabe. E também tem gente que consegue se dar bem aqui na sala de aula, entre aspas, porque tira boas notas, mas se tu colocar lá no cotidiano ele não consegue relacionar com o cotidiano. [...] uma autora fez uma experiência dessa numa obra. Ela lecionava numa escola ao lado dessa obra e foi tentar mostrar geralmente a álgebra que é muito abstrata para o pessoal lá da obra e eles não conseguiram. Não entendiam nada do que ela fazia na Matemática formal, de sala de aula, e trazia os alunos para aquela obra mostrando a Matemática deles ali, também não entendiam, cada um entendia no seu nível, nenhum conseguia relacionar com o outro. E se tu botavas o mesmo cálculo na sala de aula, que era o que o pedreiro estava fazendo, o aluno fazia sem entender o porquê.

Não foram explicitados, pelo Professor C, o nome da pesquisa ou a autoria do texto citado, restando-nos realizar a análise apenas pelo exposto em sua fala. Nela, fica evidente a concepção de que há estudantes que dominam melhor a Matemática do cotidiano, mas não conseguem relacioná-la com a Matemática escolar, assim como o contrário também ocorre. Aqui emerge a ideia segundo a qual existem especificidades em relação à manifestação da Matemática no cotidiano e na escola. Esse é um traço importante a ser destacado, uma vez que tal distinção é um dos aspectos, em nossa percepção, diferenciadores da atividade desenvolvida na escola.

Pedimos permissão ao leitor para fazermos uma breve digressão a fim de abordarmos questões que podem lançar luz sobre a análise dos depoimentos. Entendemos que as objetivações têm graus diferentes de complexidade e expansão da ação. Cada tipo de objetivação necessita de ações e posturas distintas. As ações no âmbito da vida cotidiana são assistemáticas, espontâneas e efetivas em relação aos seus fins pragmático-utilitários. Assim, são econômicas, baseando-se em levantamentos probabilísticos, na imitação e na analogia. Esses conhecimentos são gerados com base nas necessidades imediatas dos indivíduos, entre as quais se destacam aquelas oriundas das relações de trabalho. Nessas, como aponta Giardinetto (1999), os indivíduos são impelidos a adquirir conhecimentos que se restringem às respostas essenciais para a satisfação de suas necessidades. Nesse sentido, as ações realizadas no âmbito dessa esfera da vida não são mais livres ou naturais devido à forma preponderante de sua apropriação, a saber, assistemática. Pelo contrário, devido à sua lógica utilitário-pragmática ela é menos livre, o que limita, por sua vez, as possibilidades de atuação dos indivíduos.

[...] é preciso considerar que esse conhecimento matemático, apropriado pelo indivíduo dentro da sua atividade, de seu trabalho, é determinado pela lógica prático-utilitária inerente a essa atividade, dentro de determinado contexto, e serve determinado objetivo específico imposto, pelas circunstâncias de trabalho, ao indivíduo. A sua resposta ao troco, por exemplo, só pode ser uma – a certa. Ele não tem escolha. É a lógica autoritária e exploradora que garante a eficácia da resposta. Essa lógica não é utilizada conscientemente pelo indivíduo, mas é, como acabou de ser dito, imposta pela obrigação do indivíduo em dar não uma resposta, e, sim, somente aquela que se mostra eficaz para a atividade que desenvolve. (GIARDINETTO, 1999, p. 65, grifos do autor).

Na fala do Professor C, percebemos não haver uma diferenciação clara entre a manifestação da Matemática no cotidiano e na escola. Na sua concepção, é igualmente difícil aos estudantes e aos pedreiros entenderem as manifestações da Matemática em um ambiente diverso do seu. Entendemos que o objetivo da educação escolar é a apropriação das objetivações genéricas para-si, ou seja, aquelas objetivações que não são, necessariamente, resultado direto de atividades da vida cotidiana. Essas, além da forma de apropriação, distinguem-se em relação ao nível de complexidade e, na escola, têm esse aspecto evidenciado devido ao fato de ser um saber “dosado e sequenciado para efeitos de sua transmissão-assimilação no espaço escolar, ao longo de um tempo determinado.” (SAVIANI, 2008, p. 23). Possuem, portanto, um nível de complexidade maior em relação às objetivações genéricas em-si, que são igualmente importantes aos indivíduos na realização de determinadas tarefas de sua vida.

A escola se apresenta, segundo nosso entendimento, como um espaço em que necessariamente a criança deve perceber a diferença entre as objetivações de que se apropria nas suas atividades cotidianas de maneira preponderantemente espontânea e aquelas de que se apropria na escola de forma intencional. De acordo com Davydov (2017)9, esse é um dos princípios a serem buscados quando se quer uma educação que promova o desenvolvimento dos estudantes, razão pela qual defende a necessidade de substituir o princípio do caráter sucessivo, presente nas propostas educativas tradicionais, pelo princípio novo do conhecimento.

Para Davydov (2017, p. 214), a escola tradicional10 tem como um dos seus princípios o da sucessibilidade, assim definido por ele:

Expressa um fato real: na estruturação das disciplinas na escola primária, conserva-se o elo com os conhecimentos cotidianos e correntes que a criança recebe antes de entrar para a escola. Também indica que, quando a educação se estende além dos anos iniciais, não se diferenciam, de maneira clara, as particularidades e a especificidade da etapa seguinte na aquisição de conhecimentos em comparação com a precedente.

A acessibilidade tem como consequência uma diferenciação quantitativa de volume dos conhecimentos durante o caminho trilhado pela criança na escola, porém não se altera no que se refere ao conteúdo, ou seja, à sua qualidade. Além disso, há, conforme Davydov (2017), uma tendência a não se distinguir os conceitos científicos dos conceitos cotidianos, assim como uma aproximação exagerada entre a atitude científica e a cotidiana ao lidar com o mundo.

Contrapondo-o ao princípio da sucessibilidade, Davydov (2017) propõe o princípio do caráter novo do conhecimento que, por sua vez, possui como aspecto central a intencionalidade da apropriação do conhecimento. Em outros termos, a escola não tem a função de ensinar qualquer forma de conhecimento, mas aquela organizada com fins de apropriação. Se a escola se restringe aos conhecimentos produzidos na vida cotidiana, contribui para que os indivíduos elaborem uma visão de mundo centrada, principalmente, na superficialidade, nas manifestações empíricas das objetividades estudadas, gerando uma visão de mundo fragmentada, focada no “mundo da pseudoconcreticidade” (KOSIK, 2002, p. 15). Esse fato é uma consequência das características pragmáticas, economicistas e utilitárias da vida cotidiana. No caso das objetivações genéricas para-si, objeto de ensino escolar, é necessária uma atitude intencional, homogênea. O caráter intencional e a necessidade de uma atividade teleologicamente voltada à apropriação de objetivações genéricas para-si são desconsideradas por um dos entrevistados.

Professor B: O que é o papel da escola? Adiantar esses conteúdos. Enquanto criança, garantir a compreensão desses conteúdos para daí em diante, quando ele já possuir uma função na sociedade, uma atividade de trabalho, por exemplo, ele já tenha esse conhecimento [...], para poder garantir uma desenvoltura. E se ele não estivesse na escola? Provavelmente iria aprender, mas da pior forma. Ele iria ser enganado, ludibriado, enganado da pior forma, passado para trás. [...] Quem não aprende pela escola, aprende também, uma porção de coisas, só que às vezes é tarde.

Do ponto de vista desse professor, o papel da escola é somente antecipar os conteúdos de que os estudantes irão se apropriar independentemente dela. Ou seja, entende que o indivíduo irá se apropriar das objetivações para a manutenção de sua vida por meio de sua própria atividade. De certa maneira, esse professor tem razão, pois no desenvolvimento das suas atividades cotidianas os indivíduos adquirem espontaneamente as objetivações necessárias para a execução de tais atividades. Entretanto, ao considerar que o objetivo da escola é somente adiantar os conteúdos necessários para a vivência do indivíduo, ele reduz a intencionalidade do processo educativo à apropriação das objetivações que podem ser apropriadas de maneira espontânea. Isto é, o ensino escolar fica resumido a uma abordagem das objetivações genéricas em-si. Além disso, é possível associar essa concepção a uma perspectiva empírico-utilitária, pois não se atribui qualquer relação entre a apropriação dos conteúdos com o desenvolvimento da criança. Nesse sentido, o ensino estaria relacionado às teorias que entendem haver uma independência entre o processo de desenvolvimento e o processo de aprendizagem (VIGOTSKII, 1988). É possível perceber traços de uma concepção empírico-utilitária também na ideia da antecipação daquilo que a criança iria aprender automaticamente em sua atividade futura, na qual a Matemática está ligada à atuação direta do sujeito em sua atividade de trabalho ou outras atividades de sua vida. Essa concepção se vincula novamente ao princípio da sucessibilidade, uma vez que não se faz uma diferenciação entre os conceitos cotidianos e os conceitos científicos.

Outro ponto a ser destacado é que a concepção explicitada desconsidera o processo de homogeneização e, por consequência, nega a possibilidade da ascensão do pensamento dos indivíduos para além das manifestações superficiais dos fenômenos, ou seja, limita-se, na maioria das vezes, à formação do que Davídov (1988) chama de pensamento empírico. Esse tipo de pensamento, segundo o autor, caracteriza-se por seu caráter direto, focado na existência presente, do imediato da realidade, expressa pelo seu caráter externo.

Ademais, também há uma tendência em negar aos indivíduos a possibilidade de elaboração do saber, ainda que estes participem da sua produção. Segundo Saviani (2008, p. 77), a

elaboração do saber não é sinônimo de produção do saber. A produção do saber é social, se dá no interior das relações sociais. A elaboração do saber implica expressar de forma elaborada o saber que surge da prática social. Essa expressão elaborada supõe o domínio dos instrumentos de elaboração e sistematização.

Retomando a fala do Professor C, os pedreiros contribuem, por meio da sua atividade, na produção dos saberes. Todavia esses saberes possuem, em grande parte, um nível assistemático, por consequência não se torna possível a compreensão da álgebra “abstrata”11 da sala de aula. Os estudantes, por outro lado, não logravam relacionar o que os pedreiros faziam com os cálculos que eles realizavam em sala de aula, mesmo lidando com saberes elaborados. Esses fatos explicitam, no entendimento do professor, que atividades diferentes exigem formas de ação diferentes; os conceitos podem se referir aos mesmos fenômenos ou objetos, no entanto, a forma como são exigidos é que se altera e, consequentemente, o seu conteúdo.

Cabe observar que a origem histórica do desenvolvimento do conceito não estabelece, a priori, a sua forma de mobilização. Ou seja, conceitos que são gerados com base em atividades não cotidianas podem ser inseridos em atividades cotidianas, o que tem se tornado bastante frequente. Nesse sentido, conceitos caros à filosofia e às diversas ciências têm sido utilizados de forma espontânea em atividades que não exigem um processo de homogeneização. O contrário também é válido e explicita a relação entre elaboração e sistematização dos saberes.

No exemplo citado pelo Professor C, o que se exige da atividade dos pedreiros é a eficácia, que pode ser realizada por uma relação assistemática com o conhecimento, fundamentada em aspectos não essenciais dos conhecimentos mobilizados. No entanto, aos estudantes se exige, ou se deveria exigir, uma forma diferente de pensar, não voltada à utilidade imediata, mas às formas mediatizadas de pensamento. Aos pedreiros não é necessário que se prove, partindo das estruturas matemáticas, que seu cálculo esteja correto, mas sim que sua construção seja eficiente e segura. Não há, portanto, a necessidade de se verificar a possibilidade de utilização universal dessa operação, ou seja, a aplicabilidade em outros contextos. Por outro lado, apesar da intencionalidade no processo de apropriação dos conceitos no exemplo mencionado, vale questionar se as formas de organização do ensino – e aqui se incluem a sequência de apresentação dos conceitos bem como as tarefas propostas aos estudantes – se estabelecem baseadas no movimento que ascende do particular ao universal. Com efeito, não temos como responder precisamente esse questionamento, mas podemos realizar um esforço hipotético-analítico. Se o movimento foi o de ascensão do particular ao universal, justificar-se-ia o limite apresentado pelos estudantes ao não conseguirem entender como os conceitos matemáticos se apresentavam na atividade dos pedreiros; já se foi realizado um movimento de ascensão e redução do objeto no pensamento, deveríamos prestar atenção em como foram desenvolvidas essas tarefas para verificar as lacunas que impossibilitaram essa atuação, uma vez que a essência da organização do ensino com base nesses movimentos é que possibilita aos estudantes se apropriarem da relação essencial dos conceitos (DAVÍDOV, 1988).

É importante ressaltar ainda outro ponto. Muitos podem ser os motivos pelos quais os estudantes não consigam relacionar os conceitos que estão estudando na escola com as utilizações destes pelos pedreiros, entre eles os anteriormente destacados. Entretanto, apesar desse fato, é-lhes muito mais fácil realizarem a leitura matemática daquilo que os pedreiros12 fazem do que o inverso. Isso ocorre devido aos distintos níveis de complexidade dos conceitos e do grau de generalização com que o pensamento opera. Ao afirmarmos isso não estamos fazendo juízo de valor, mas evidenciando a natureza distinta entre essas manifestações dos conceitos, seja baseando-nos nas contribuições de Saviani (2008), já expostas aqui, seja respaldando-nos na discussão acerca da relação entre os conceitos científicos e espontâneos realizada por Vigotski (2009).

Segundo Vigotski (2009), as funções básicas envolvidas na aprendizagem dos estudantes em idade escolar giram em torno de novas formações essenciais, a saber, a tomada de consciência e a arbitrariedade ante os objetos de estudo. Em estudo comparativo, o autor encontra, no campo dos conceitos científicos, um nível mais complexo de pensamento. No campo dos conceitos espontâneos, por sua vez, falta arbitrariedade e tomada de consciência sobre a evocação destes. Nesse sentido, Vigotski (2009, p. 343) levanta a hipótese, a partir de dados de sua pesquisa, de que

o domínio mais elevado no campo dos conceitos científicos não deixa de influenciar nem mesmo os conceitos espontâneos da criança anteriormente constituídos. Tal domínio leva a elevação do nível dos conceitos espontâneos, que são reconstruídos sob a influência do fato de que a criança passou a dominar os conceitos científicos.

Entretanto, é importante frisar que não há uma predominância dos conceitos científicos em todas as situações. Há situações em que os conceitos espontâneos são mais adequados. Na situação que estamos analisando, por exemplo, o uso de conceitos espontâneos é bastante eficaz. Na vida cotidiana, a necessidade de tais conceitos se mostra bastante evidente. Não é necessário que saibamos como o computador é montado, programado, bem como sua lógica de operação para que possamos utilizá-lo de modo eficaz ou mesmo para que possamos ensinar alguém a digitar um texto em um editor de texto nele instalado. Do mesmo modo, não é necessário que tenhamos nos apropriado do conceito científico de número para que possamos ligar uma calculadora e realizar operações necessárias em certa situação.

A análise do conceito espontâneo da criança nos convence de que a criança tomou consciência do objeto em proporções bem maiores do que o próprio conceito; a análise do conceito científico nos convence de que, desde o início, a criança toma consciência do conceito bem melhor do que do objeto nele representado. (VIGOTSKI, 2009, p. 346).

A análise da autora indicada na entrevista pelo Professor C é um dado que confirma a relação de arbitrariedade e tomada de consciência, aspecto essencial do sujeito que opera utilizando conceitos científicos. Primeiramente, só foi possível realizar a pesquisa porque a autora citada já havia se apropriado dos instrumentos de elaboração e sistematização desses conhecimentos para, somente na sequência, conseguir fazer a leitura matemática do que os trabalhadores faziam.

A não intencionalidade da Matemática nas ações cotidianas também se faz evidente na fala de outros professores, mas há indícios de aspectos que apontam para um movimento de superação dessa característica:

Professor F: Eu acho que eles sempre usam muito as quatro operações, e as outras, quando eles usam, não se dão muito conta de que estão usando.

Professor G: Eu acho que os alunos fazem as coisas automáticas. Às vezes eles nem percebem que aquilo ali está resolvendo algum problema. Por exemplo: comprar bala! Todos os dias ele compra bala. Quando eu dou como exemplo que isso é uma função: “o valor que ele vai pagar depende da quantidade de balas que ele comprar” ele fica, “poxa!”, ele faz aquilo automático, sem perceber que aquilo é um conceito matemático que nós vamos aprender ou que já está aprendido.

Quando os professores dizem que os alunos usam os conteúdos e não percebem, mostram uma possibilidade só apontada pela apropriação dos conceitos científicos. Por meio da apropriação dos conhecimentos matemáticos sistematizados, via educação escolar, consegue-se perceber e relacionar diferentes situações do cotidiano com os conceitos matemáticos. Sem se apropriar dessas formas de objetivação, o indivíduo continua a agir de maneira eficaz, porém com outro grau de arbitrariedade ao mobilizar o conceito. Por exemplo: sem se apropriar do conceito de função, o indivíduo continua a comprar balas e ainda assim pode saber quanto vai pagar dependendo da quantidade, caso possua conhecimentos básicos das quatro operações. Ainda que sem uma organização da sua aprendizagem que o leve a se apropriar da gênese e essência do conceito de função, continuará a lidar com esse conceito nessas situações de maneira eficaz, mas não necessariamente conseguirá agir de modo semelhante em outras situações que exijam o mesmo conceito. Em outras palavras, a utilização do conceito é contextual. Somente a apropriação da gênese e essência do conceito permite que os indivíduos pensem e atuem de modo a realizar generalizações teóricas, ou seja, permite que pensem de modo a compreender e utilizar os conceitos nas mais diversas situações possíveis e necessárias (DAVÍDOV, 1988).

A relação entre a manifestação matemática no cotidiano e na escola é apontada como princípio norteador das ações de ensino por grande parte dos professores pesquisados, apesar de o cotidiano servir como ponto de partida e a ele deve estar voltado o processo de ensino:

Professor D: O conteúdo específico tem que ter uma ligação com o dia a dia, senão ele perde o sentido também. Não pode ser solto, nada pode ser solto. Tudo tem que ser ligado ao dia a dia.

Professor G: Eu acho que tem que partir do que eles conhecem. Se eu vou trabalhar números decimais, se eu coloco números que eles não conhecem, sem um contexto, para eles, aquilo ali não tem significado nenhum. Para eles, por exemplo, se eu digo assim: “trinta dividido por dois”, aquilo não tem sentido. “Ah, professora, quanto é trinta dividido por dois?”, eles me perguntam. Daí eu os questiono: “trinta reais, tu tens trinta reais divididos entre ti e a tua colega”, “Ah!!! É quinze reais”. Como é que aí eles sabem a resposta automática? Porque está vinculada ao que eles têm conhecimento.

Na fala dos professores D e G fica explícita a necessidade de o ensino estar diretamente vinculado ao dia a dia, o que manifesta a compreensão deste conceito como sinônimo de cotidiano. O significado e o sentido que se busca fomentar fortalecem a tendência à manutenção da situação atual, uma vez que o “contexto” se resume àquilo que o estudante já conhece. Nessa perspectiva, a riqueza da contextualização e as necessidades que esta pode engendrar para a apropriação dos conhecimentos ficam limitadas pelas condições imediatas em que os estudantes estão inseridos.

Não obstante nossa crítica à atividade de ensino focada na utilidade, no uso pragmático e no cotidiano, não discordamos totalmente do fato de que o cotidiano possa ser ponto de partida da sequência de ensino que promova o desenvolvimento dos estudantes. É possível, embora não necessário, organizar o ensino levando em consideração os conhecimentos que os estudantes adquirem em atividades não escolares. Consideramos que o pensamento cotidiano lança as possibilidades da apropriação do conhecimento não cotidiano. Contudo, como aponta Giardinetto (1999, p. 50, grifo do autor), a apropriação de um conceito escolar não se dá por justaposição do mesmo conceito que estava em nível cotidiano. “[...] da mesma forma que o conhecimento cotidiano fornece um impulso inicial, ele também limita o indivíduo, pois ele, por si só, não consegue sair dos limites do pragmatismo e do economicismo.

Assim, o pensamento com base nos conceitos cotidianos proporciona a possibilidade da apropriação dos saberes escolares, mas essa apropriação se dá pela superação através da incorporação, ou seja, os conceitos científicos, objeto e objetivo da educação escolar, superam os conceitos cotidianos com base nos elementos que incorporam daqueles. Dessa maneira, considerar os conhecimentos cotidianos no processo de ensino não significa que o direcionamento dado no ensino, assim como sua finalidade, tenha de ser realizado com foco neles.

Como temos destacado, é necessário que a escola possibilite o desenvolvimento de atividades cujo objetivo seja criar necessidades que levem à apropriação de conhecimentos os quais permitam almejar e pensar em condições de vida que vão além daquelas ligadas diretamente ao contexto dos estudantes. Com o ingresso na escola, a criança deve perceber o caráter novo (DAVYDOV, 2017). Esse caráter novo pode ser garantido pelo ensino dos conceitos científicos. Como assinala Vigotski (2009, p. 294),

o conceito científico pressupõe necessariamente outra relação com objetos, só possível no conceito científico, que por sua vez pressupõe necessariamente a existência de relações entre os conceitos, ou seja, um sistema de conceitos. Desse ponto de vista, poderíamos dizer que todo o conceito deve ser tomado em conjunto com todo o sistema de suas relações de generalidade própria desse conceito.

A generalidade e a formação pressupondo um sistema necessita que os conceitos científicos se formem com base em outros conceitos, sejam eles cotidianos ou científicos. Assim, o fato de os professores relacionarem os conhecimentos matemáticos escolares com a realidade imediata dos estudantes pode indicar que os conceitos estejam sendo abordados em suas relações imediatas, reduzindo as dimensões e o raio de situações nas quais cabem os conceitos científicos. Além disso, o processo de ensino parte dos traços particulares aos gerais, correndo risco de cair nas hipergeneralizações sem as devidas considerações teóricas. Como fala representativa, citamos a de um dos professores que expõe esse relacionamento com o imediatamente perceptível como norte do processo de ensino de álgebra:

Professor D: Essa questão de funções, por exemplo, na álgebra a gente costuma trabalhar bastante, na 7ª série, com muita letra, muita letra. Tem que ter uma ligação no dia a dia, uma coisa em função de outra. Tem que ter ligação matemática, não pode ser só algébrico. Tem que associar ao dia a dia: preço, consumo, a questão da proporcionalidade das funções. Tem que ter, senão perde o sentido também, fica só aquela “sopa de letrinhas”. Eles não aprendem nada.

Salientamos que entre os nexos conceituais do conceito de função está a variação, conforme destaca o Professor D. Partimos da concepção de que essa relação de variação entre grandezas, considerada como essencial, deve ser destacada no ensino. Nesse sentido concordamos com o referido professor, ressaltando que o foco nos aspectos procedimentais de manipulação algébrica por si só não fornece as bases para a apropriação do conceito de função. Entretanto, é necessário que os estudantes se apropriem do conceito de função como relação de variação entre grandezas em geral, o que não é possível se o ensino for reduzido ao âmbito do cotidiano. Isso se baseia no processo de constituição histórica do conceito de função que, segundo Aleksandrov (1991), passa a se estabelecer a partir de variáveis concretas em direção a variáveis em geral. Assim, para o autor, “O importante na matemática não são certas funções particulares [...], mas sim as funções em geral.” (ALEKSANDROV, 1991, p. 67, grifos do autor, tradução nossa). Nessa direção, Vigotski (2009, p. 267) afirma que

o domínio da álgebra eleva a um nível superior o pensamento matemático, permitindo entender qualquer operação matemática como caso particular de operação de álgebra, facultando uma visão mais livre, mais abstrata e generalizada e, assim, mais profunda e rica das operações com números concretos. (...) a álgebra liberta o pensamento da criança da prisão das dependências numéricas concretas e o eleva a um nível de pensamento mais generalizado.

Também podemos destacar que a vinculação dos conhecimentos com contextos e situações específicas e sua busca por significação a partir delas pode causar alguns obstáculos. Isso pode ser evidenciado na fala do Professor G. Se alterássemos, por exemplo, o enunciado “trinta dividido por dois” para “quarenta divido por três” não haveria possibilidade de se realizar a divisão de maneira precisa, pois “quarenta dividido por três” terá como quociente uma dízima periódica (13,3333...). Portanto, como se procederia, no contexto da utilização de dinheiro, ou outra situação “contextualizada”? Em geral, em um plano prático, quando nos deparamos com situações desse tipo costumamos arredondar o valor para que esta operação “se torne” possível. Entretanto, apesar dessa divisão ser feita partindo do princípio cotidiano do utilitarismo, a situação apresenta empecilhos para a compreensão de outras ciências e, no caso da própria Matemática, pode fazer com que essas imprecisões comprometam as apropriações conceituais.

No imediato, apesar de matematicamente não ser correta tal divisão, ela é efetiva, uma vez que essa pequena diferença entre o quociente aproximado e o valor correto pode não representar problemas ou não trazer grandes consequências em diversas situações. Por outro lado, pode proporcionar ao estudante uma aprendizagem voltada a equacionar os problemas, e não a buscar a compreensão do fenômeno ou do conhecimento em sua totalidade. É nesse aspecto que Jardinetti (1996), ao tomar o exemplo do uso do dinheiro e as situações concretas, ou situações utilizadas como princípio básico da atividade de ensino, argumenta que estas não permitem ao estudante se apropriar da essência lógica do sistema numérico decimal, pois não consegue definir amplamente os dois aspectos fundamentais de tal sistema, que são o caráter posicional e o significado de apreensão do zero. Se recorrermos a Davídov (1988), verificamos que a divisão não se apoia nas relações gerais que possibilitam a apropriação do conceito de número, a saber, a relação entre grandezas.

A constante associação dos conhecimentos ao dia a dia do estudante pode ajudar, como afirmam os professores, no estabelecimento dos interesses para a atividade de estudo, motivando-o a se apropriar de certos conceitos matemáticos, devido à sua aplicabilidade. Leontiev (2017, p. 51, grifo do autor) conceitua interesse como “a direção determinada que têm as funções cognitivas para os objetos e fenômenos da realidade.” Esse é um componente importante para o processo de aprendizagem. “Se o conteúdo lhe interessar e responder ao que deseja conhecer, o que é estudado adquire um sentido para o estudante, o qual depende dos motivos de sua atividade.” (LEONTIEV, 2017, p. 53). Apesar dessa ênfase do autor em relação aos interesses, inclusive na necessidade de que a educação escolar tenha como base os interesses que os estudantes já possuem, ele deixa claro que isso não é suficiente. É necessário que se produzam novos interesses em relação ao que se estuda. “Somente estes podem ser considerados de valor completo, mas é necessário criá-los de uma maneira ativa” (LEONTIEV, 2017, p. 53). Portanto, Leontiev (2017) enfatiza a função diretiva da educação como um processo intencional que age no intuito de possibilitar condições para a criação de novos interesses, necessidades e motivos de estudo.

No entanto, esse interesse é de cada indivíduo para cada conceito matemático em particular, tornando-se, assim, uma via de mão dupla, pois no momento que os estudantes são motivados pela aplicabilidade e relação com o cotidiano, outros conceitos matemáticos, que não têm função imediata cotidiana, perdem o sentido de serem apropriados, por serem considerados desnecessários ou de segunda ordem valorativa. Além disso, como observa Giardinetto (1999), os interesses dos estudantes aparecem com relação à posição que ocupam na esfera socioeconômica, mas há outros interesses que precisam ser formados, que não se constituem espontaneamente nas camadas de renda mais baixa e que são direito de todas as crianças.

A escola, como lócus privilegiado para a apropriação, pelos indivíduos, da cultura humana historicamente elaborada, necessita ter como finalidade a apropriação de conceitos científicos que possibilitem aos estudantes a necessidade de novas objetivações não cotidianas. Nesse sentido, ainda conforme Giardinetto (1999), os conhecimentos cotidianos podem ser utilizados conscientemente, quando possível, como ponto de partida para a apropriação dos conhecimentos científicos, ou seja, aqueles que não se manifestam de imediato na vida dos estudantes. Como exemplo, poderíamos citar o conceito de divisão, contextualizado pelo Professor G, e a alteração deste, conforme mencionado anteriormente, como uma situação na qual seria possível indicar a necessidade da abordagem do conceito de arredondamento ou aproximação.

A atividade educativa, portanto, estabelece-se como atividade mediadora entre a esfera cotidiana e não cotidiana da vida humana, elevando os próprios interesses e necessidades dos estudantes para além de sua vivência imediata (DUARTE, 2001).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, a partir das análises da relação dos conceitos matemáticos com o cotidiano dos estudantes e da relevância ou não desses conceitos para a formação do indivíduo, podemos sintetizar três características da associação entre os conceitos matemáticos no cotidiano e na educação escolar expressas pelos professores entrevistados: a) uma valorização positiva de uma expressão imediata dos conceitos matemáticos na vida dos estudantes; b) a existência de uma natureza distinta entre a manifestação da Matemática na escola e em atividades fora dela; c) a necessidade de vinculação entre a manifestação imediata da Matemática com a manifestação da Matemática no ensino escolar.

Tais características estabelecem para a educação escolar uma perspectiva unilateral, que contribui para a solução das questões imediatas do cotidiano, mas não permite aos alunos a perspectiva de que o conteúdo matemático possa concorrer a sua formação multilateral, para além do processo de satisfação das necessidades espontâneas. Ir além dessa imediaticidade exige articular um processo que estimule nos estudantes novas e mais elevadas necessidades, que os enriqueça como indivíduos, o que ocorre pela organização do ensino que ofereça novos conhecimentos sustentados no conteúdo teórico dos conceitos, isto é, que manifeste as relações essenciais dos objetos matemáticos estudados.

Consideramos importante aprofundar a questão da relação entre a Matemática escolar e não escolar a partir da Teoria Histórico-Cultural, possuindo como fundamento as diferenças entre conceitos científicos e espontâneos, assim como entre pensamento teórico e empírico e suas vias de formação.

REFERÊNCIAS

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Endereços para correspondência: Rodovia, SC-443, 845 - Vila Rica, Criciúma - SC, 88813-600; iuri.spacek@ifsc.edu.br


1 Mestre em Educação pela Universidade do Extremo Sul Catarinense; Licenciado em Matemática pela Universidade do Extremo Sul Catarinense. E-mail: iuri.spacek@ifsc.edu.br.

2 Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina; Especialista em Planejamento e Avaliação em Educação Física; E-mail: vdo@unesc.net.

3 A Teoria da Atividade foi desenvolvida por psicólogos soviéticos, entre os quais podemos destacar A. N. Leontiev e S. L. Rubinstein. Tem como base os pressupostos da teoria Histórico-Cultural. A Teoria da Atividade considera que o ser humano se relaciona com o mundo e com os demais seres humanos por meio de atividades e se desenvolve nesse processo.

4 Referimo-nos aos professores que possuem contrato de trabalho assumido por meio de concurso público e com estabilidade no emprego, em contraposição àqueles docentes admitidos em caráter temporário – ACTs.

5 Na versão mais recente houve uma alteração na nomenclatura, e o nome do documento passou de Proposta Curricular de Santa Catarina para Currículo Base da Educação Infantil e do Ensino Fundamental do Território Catarinense (SANTA CATARINA, 2019).

6 É importante destacar, conforme veremos adiante, que essas duas esferas não são excludentes, sendo a escola também espaço onde se desenvolvem as atividades predominantemente cotidianas.

7 Consideramos relevante, para o aprofundamento das questões aqui analisadas, que se consultem na íntegra os textos citados.

8 Apesar de nas falas se apresentarem diversos aspectos relativos a problemáticas importantes a serem abordadas no âmbito educacional, focaremos na análise daqueles ligados à discussão proposta neste artigo.

9 As obras de Davydov (2017) e Davídov (1988) são produções do mesmo autor, assim como as de Vigotski (2009) e Vigotskii (1988). As grafias distintas decorrem da transliteração do alfabeto cirílico para o latino das letras “и” e “й” que possuem som de “i” o que pode ser expresso em nosso alfabeto por “i”, “y”, “ii”, entre outras variações.

10 Davydov (2017, p. 211) denomina escola tradicional “um sistema relativamente único de educação europeia que, em primeiro lugar, formou-se no período do nascimento e florescimento da produção capitalista e ao qual serviu; em segundo lugar, foi fundamentado nos trabalhos de Y. Komenius, I. Pestalozzi, A. Diesterweg, K. Ushinski, além de outros destacados pedagogos desse período; e, em terceiro lugar, conservou até agora seus princípios iniciais como base para a seleção do conteúdo e dos métodos de ensino na escola atual.”

11 É possível notar um entendimento de abstrato como sem referência, ou que perde o objeto de sua referência, ou ainda como um objeto difícil de ser apropriado, assimilado. Essa concepção se distancia daquela defendida pelo materialismo histórico-dialético, na qual o abstrato é entendido como um ou vários aspectos de um objeto considerado como totalidade a ser apreendida em suas múltiplas relações. Para aprofundar a questão, em especial no que tange à Matemática, sugerimos consultar Jardinetti (1996) e Machado (2013).

12 Vale destacar que estamos partindo do pressuposto de que os pedreiros não tenham estudado Matemática de maneira formal. Sabemos que é pouco provável que tal situação tenha ocorrido dessa maneira, mas manteremos essa suposição na análise como recurso de exposição das contradições que buscamos explicitar.