https://doi.org/10.18593/r.v47.28222

Da educação do campo ao direito ao campo? Práticas e discursos situados do rural português.

From countryside education to the right to the countryside? Situated practices and discourses of portuguese rurality.

¿de la educación del campo al derecho al campo? Prácticas y discursos situados del portugal rural

Emiliana Marques1

Universidade Federal de Viçosa; Professora do curso de Licenciatura em Educação do Campo.

https://orcid.org/0000-0001-6425-7858

Tiago Castela2

Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Professor e investigador permanente do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. https://orcid.org/0000-0002-0921-3470

Resumo: Face à literatura da urbanização planetária, e informado pela história da Educação no Campo no Brasil, este artigo examina o potencial do modelo teórico de um Direito ao Campo, inspirado pela teoria do espaço-tempo social de Henri Lefebvre. O modelo de um Direito ao Campo, em desenvolvimento através de investigação doutoral, inclui o reivindicar de espacialidades próprias do campo, assim como o direito à deliberação propriamente política dos habitantes sobre o futuro. Constituído no final do século XX no Brasil, o movimento da Educação do Campo tem contestado a Educação Rural enquanto programa de governo das subjetividades que beneficia os cidadãos privilegiados, já que associa o aparelho estatal da educação ao fomento da desterritorialização—termo que utilizamos para abranger o deslocamento forçado, e também a expropriação das subjetividades, evocando Butler. A partir deste legado, o artigo reflete sobre o início de uma etnografia de práticas educativas quotidianas no espaço rural português—onde não existe atualmente uma distinção abissal no ensino formal—que articulam a ideia de um Direito ao Campo. O artigo conclui sugerindo a utilidade para a disciplina da Educação de se concentrar nas possibilidades da circulação de práticas críticas de uma racionalidade colonial, entre espaços rurais em Portugal e no Brasil.

Palavras-Chave: Educação do Campo; Pós-Colonialismo; Direito ao Campo; Práticas Educativas; Portugal.

Abstract: Facing the literature on planetary urbanization, and informed by the history of Countryside Education in Brazil, this article examines the potential of a theoretical model of a Right to the Countryside, inspired by the theory of social space-time of Henri Lefebvre. The concept of a Right to the Countryside, which is being developed through a PhD dissertation, includes claiming the specificity of the spatialities of the countryside, as well as the right to properly political deliberation by the inhabitants of the countryside on its future. Formed in the end of the Twentieth Century in Brazil, the Countryside Education movement has contested Rural Education as a program for the government of subjectivities that benefits privileged citizens, because it associates the state apparatus of education to the fostering of deterritorialization—a term that we use to encompass forced displacement, as well as the dispossession of subjectivities, following Butler. Taking into account this legacy, the article reflects on the early stages of an ethnography of everyday educational practices in Portugal’s rural spaces—where presently no abyssal distinction formally structures public education—that articulate the idea of a Right to the Countryside. The article concludes by suggesting the usefulness for the disciplinary field of Education of focusing on the potentialities of the circulation of a critique of colonial rationality, between rural spaces in Portugal and in Brazil.

Keywords: Countryside Education; Post-Colonialism; Right to the Countryside; Education Practices; Portugal.

Resumen: En vista de la literatura de la urbanización planetaria, e informado por la historia de la Educación del Campo en Brasil, este artículo examina el potencial de un modelo teórico de un Derecho al Campo, inspirado en la teoría del espacio-tiempo social de Henri Lefebvre. El modelo de un Derecho al Campo, en desarrollo a través de una investigación doctoral, incluye la reivindicación de espacialidades específicas del campo, así como el derecho a la deliberación política de los habitantes sobre el futuro. Constituido a finales del siglo 20 en Brasil, el movimiento de la Educación del Campo ha desafiado la Educación Rural como un programa para el gobierno de subjetividades que beneficia a los ciudadanos privilegiados, ya que asocia el aparato estatal de educación con la promoción de la desterritorialización—un término que utilizamos para abarcar el desplazamiento forzado, y también la expropiación de subjetividades, evocando a Butler. A partir de este legado, el artículo reflexiona sobre el comienzo de una etnografía de las prácticas educativas cotidianas en las zonas rurales de Portugal—donde actualmente no hay una distinción abisal en la educación formal—que articulan la idea de un Derecho al Campo. El artículo concluye sugiriendo la utilidad para la disciplina de Educación de centrarse en las posibilidades de la circulación de prácticas críticas de una racionalidad colonial, entre los espacios rurales en Portugal y Brasil.

Palabras Clave: Educación del Campo; Post-colonialismo; Derecho al Campo; Prácticas Educativas; Portugal.

Recebido em 11 de agosto de 2021

Aceito em 04 de abril de 2022

1 INTRODUÇÃO: O ESPAÇO-TEMPO SOCIAL DO CAMPO FACE À CRISE CLIMÁTICA DO CAPITAL

Com a transição contestada para sociedades dominadas pelo modo de produção capitalista ao longo dos 2 últimos séculos, as geografias físicas e humanas são drasticamente transformadas a várias escalas, incluindo a planetária. A emergência deste processo articulou-se com a ocupação colonial de territórios por estados europeus, ou criados por colonos europeus, iniciada há já 5 séculos; assim como com longas histórias de práticas masculinistas de violência sobre as mulheres, em constante rearticulação.3 No quadro da ocupação colonial e da difusão do capital, mas frequentemente também dos projectos de desenvolvimento do século XX que pretendiam combater a dominação global do modo de produção capitalista, grupos de humanos foram exterminados, traficados, escravizados, ou deslocados à força; simultaneamente, formas de vida não-humana foram ameaçadas ou mesmo extintas, como muitos têm recordado, incluindo a filósofa indiana Vandana Shiva nos seus influentes trabalhos sobre os riscos das agro-tecnologias (2002; 2015). Este legado construiu uma contemporânea rede de práticas sociais e espaciais que podem levar à extinção da vida humana, tal como tem sido apontado no quadro dos estudos pós-coloniais anglófonos (NIXON, 2005; CHAKRABARTY, 2012), assim como por pensadores brasileiros descendentes das sociedades da região antes do início da colonização europeia (KOPENAWA E ALBERT, 2016; KRENAK, 2019).

No entanto, não é possível compreender a proveniência da atual crise climática do capital sem uma atenção às persistentes lógicas desenvolvimentistas e urbanocêntricas. Especialmente porque que tais lógicas não se reduzem àquilo a que muitos no passado chamavam a “super-estrutura” da economia política dominada pelo modo de produção capitalista. Ou seja, são formas de expropriação das subjectividades (BUTLER, 2013) que operam historicamente em diversas configurações da economia política, nunca completamente dominadas pelo modo de produção capitalista, ao contrário do que afirma o discurso “capitalocêntrico” (GIBSON-GRAHAM, 2006).

A inovação científica e tecnológica da chamada Revolução Industrial—associada a uma diversidade de projetos de economia política—carregou tanto o potencial de melhorar a qualidade da vida humana, por exemplo através do aumento dramático da duração média das vidas, como terá contribuído para reconstituir as desigualdades sociais, e para intensificar práticas de degradação ambiental (MALM, 2016). Poder-se-á afirmar que globalmente os sujeitos em posições sociais e espaciais menos valorizadas, em particular no quadro da ordem capitalocêntrica, tendem a ter experiências de vida mais expostas aos efeitos perigosos da degradação ambiental, como sejam a dificuldade de acesso à água potável, e a exposição a ciclones, inundações ou incêndios. Isto tem sido apontado pela literatura da justiça climática (BOND, 2010) ou por proponentes de uma “ecologia decolonial” (FERDINAND, 2019). Após o final da segunda grande guerra em 1945, tais sujeitos passaram a estar inseridos em estados cujo aparelho e técnicas de governo articularam uma lógica desenvolvimentista linear, unidirecional, de crescimento econômico ascendente e constante. Os seus efeitos no Sul global são há muito estudados e questionados por cientistas sociais anglófonos (SCOTT 1998; MITCHELL 2002; FERGUSON 2006), com enfoque na exploração intensiva dos recursos naturais e humanos; assim como na expropriação, não apenas material, mas também de subjetividades.4

Mas esta lógica de desenvolvimento linear é também urbanocêntrica. O aumento do fluxo de pessoas para as cidades e suas periferias após 1945, com o final da segunda grande guerra, resulta em parte da concepção das cidades como “pólos” de tais políticas desenvolvimentistas dos estados, e simultaneamente fomentou tal concepção. Ao mesmo tempo que Gunder Frank (1966) denunciava as relações globais desiguais que eram reforçadas, e não minimizadas, pelo projeto de desenvolvimento liderado pelos Estados Unidos da América, o filósofo francês Henri Lefebvre, a partir de uma nova universidade nos arredores de Paris, rodeada de favelas habitadas por migrantes do Sul da Europa e norte de África, frequentemente deslocados à força para habitação estatal, concebeu o “Direito à Cidade”. Esta era uma proposta anti-tecnocrática do direito a uma participação na deliberação propriamente política por parte de cidadãos das periferias sobre o futuro da cidade com um todo e dos seus próprios espaços ([1968] 2008a). Logo de seguida, Lefebvre virou a sua atenção para o crescente papel da produção capitalista do espaço nos circuitos globais de capital, apresentando a reconceptualização de uma “Revolução Urbana”. Sugeria assim que, tendo em conta a crescente industrialização da agricultura, um modo de vida urbano viria a dominar o planeta, tanto nas cidades como nos campos ([1970] 2008b). Mais recentemente, este trabalho influenciou a literatura da “urbanização planetária”, igualmente crítica da lógica de desenvolvimento urbanocêntrica (BRENNER E SCHMID, 2014). Criticam a ideologia de uma Era Urbana baseada na ideia da virada populacional para as cidades, que abrigariam agora mais da metade da população mundial, embora sob critérios discutíveis de definições de campo e cidade.

Este artigo argumenta que, para fazer face à crise climática própria do capitalismo (MALM, 2016; SAITO, 2017; MARQUES, 2018), é necessária uma atenção às práticas concretas a várias escalas espaciais, por contraste com a concentração na crítica de meta-categorias nas quais tais práticas não se podem enquadrar de um modo puro. Uma visão unicamente atenta à suposta evasão dos meios rurais que conduziria a uma suburbanização de grandes regiões urbanas, muitas vezes apontada como um processo inevitável análogo a processos naturais, ecoando ainda o pensamento da escola de Chicago do início do século XX, ofusca a paisagem polissêmica das relações entre os campos e as cidades. Ao mesmo tempo, tende a invisibilizar as práticas de sujeitos, nas cidades e especialmente nos campos, que seguem vivenciando modos situados e decoloniais de relação com o meio ambiente, assim como economias não completamente dominadas pelo modo de produção capitalista; e tendo em conta o seu desenvolvimento de agroecossistemas, sem aderir completamente aos modelos de industrialização da agricultura. Ou seja, contrapõem-se às monoculturas intensivas e de grande escala, com utilização massiva de insumos químicos industrializados e sementes geneticamente modificadas, alertando sobre seus riscos socioambientais. É, portanto, necessário atualizar o estudo do espaço-tempo social do campo.

O artigo argumenta também que a educação estatal é um importante componente em todos esses processos. Pode tanto fortalecer o fluxo em direção ao centramento nos referenciais urbanos; como promover e corresponder a visão de quem habita no campo sobre formas de produção de existência. Diferentes experiências educacionais, em diversas localidades do planeta, estão em desenvolvimento a partir da vida no campo. Compreendem, em seu conjunto, uso de metodologias horizontais dialogadas, e práticas agrícolas de bases agroecológicas, entre outros modos de contraposição aos métodos de ensino historicamente privilegiados pelos aparelhos dos estados-nação que foram sendo formados a partir do final do século XVIII com as independência políticas declaradas pelos colonos europeus nas Américas (ANDERSON, 1983). Tais métodos de ensino foram caracterizados por Freire como bancários, conteudistas, hierarquizados e alheios às realidades situadas (2012; 2018).

No Brasil, a Educação do Campo, Indígena e Quilombola, concentra este potencial. Existente há mais de vinte anos, o movimento por uma Educação do Campo constituiu-se a partir do Encontro Nacional de Educadores na Reforma Agrária (ENERA), associado, portanto, à luta pela democratização da propriedade e usufruto da terra no quadro da democratização política do estado brasileiro (MUNARIM, 2011). Sugerimos que esta é também uma tentativa de iniciar finalmente uma descolonização da propriedade no país, cuja definição atual tem a sua proveniência no projeto colonial, como tem demonstrado literatura recente sobre as periferias urbanas brasileiras (HOLSTON, 2008), ou sobre regimes de propriedade de estados como um todo (BHANDAR, 2018). Assim, o movimento da Educação do Campo reivindica uma educação pública, gratuita, e de qualidade próxima à residência de estudantes. Contrapõe-se à Educação Rural que predominava nos territórios rurais, denunciando seu caráter urbanocentrado. Tal educação concentrava os piores índices nacionais no que tange a infraestrutura escolar, índices de alfabetização, correspondência entre idade e ano escolar, nível de formação de profissionais, e números de evasão estudantil, entre outros (MOLINA ET AL., 2009). Denunciam como tal educação, de bases urbanas, fomenta a desterritorialização, tanto no sentido do deslocamento forçado, como da já referida expropriação das subjetividades dos povos do campo. E reivindicam, portanto, uma educação a partir do campo, e dos modos de produção de tal espaço-tempo social.

Inspirado pela teoria da produção social do espaço de Lefebvre anteriormente referida (1974 [1991]), e notando a sua relação com os trabalhos iniciais do filósofo no campo da sociologia rural, aliás dedicados à região rural no sul de França onde havia nascido e crescido (STANEK, 2011), este artigo parte da tese de doutoramento em curso de um de nós, a qual trabalha o conceito de um “Direito ao Campo”. Por direito ao campo entende-se um conjunto plural de práticas situadas que reivindicam espacialidades próprias do campo; assim como o direito à deliberação propriamente política dos habitantes do campo sobre o futuro do seu espaço-tempo social. Isto é particularmente urgente numa época de crise climática em que frequentemente a discussão no quadro dos aparelhos estatais sobre as políticas que condicionam as vidas no campo é eminentemente técnica.

O artigo irá assim começar por apresentar brevemente uma história da relação entre educação e campo em Portugal no século passado, baseada em fontes secundárias. De seguida, apresentam-se perspectivas situadas sobre aprendizagem e economia política, com base em trabalho etnográfico em várias regiões rurais de Portugal, em contraste com uma reflexão sobre a dimensão desenvolvimentista das políticas agrícolas da União Europeia e os seus efeitos em Portugal. O artigo conclui com uma reflexão final sobre a dimensão pedagógica dos espaços de festa, e sobre a forma como sugerem um horizonte para uma educação estatal que fomente o Direito ao Campo, ou seja, um conjunto de práticas e discursos situados que apresentam possíveis rumos coletivos face à crise climática do capital.

2 EDUCAÇÃO E CAMPO EM PORTUGAL: UM BREVE PANORAMA HISTÓRICO

Enquanto Lefebvre articulava as suas ideias sobre a necessidade da deliberação democrática sobre os futuros urbanos na França do pós-guerra, Portugal estava ainda sob a longa ditadura de Salazar e Caetano, o chamado “Estado Novo”, que tendo durado de 1933 a 1974, expandiu a educação escolar em Portugal, no quadro da sua política corporativista de harmonia social. Um dos principais méritos da Primeira República, o regime instaurado em 1910 que antecedeu a ditadura, havia sido o rompimento com a Igreja Católica em termos educacionais, com a instituição da educação laica. No entanto, a necessidade de efetivar uma educação original e transformadora, à altura dos ideais de liberdade e civilidade republicanos, impediu sua realização de forma ampla e difundida para todo o país (RAMOS, 2001; CANDEIAS, 2006). O breve primeiro regime republicano em Portugal seria definitivamente deposto por um golpe militar em 1926.

Em contraste, a ditadura de Salazar que se seguiu à ditadura militar utilizou a educação escolar como meio de doutrinação para os valores morais e pátrios defendidos pelo governo. A educação escolar ampliou, sobretudo para as crianças, o acesso ao sistema público de ensino. Entretanto, os índices de alfabetização geral da população ainda permaneceram baixos, especialmente quando comparados com outros países da Europa então “Ocidental” na época.

O término da ditadura, com o golpe militar de 25 de Abril de 1974 e o período revolucionário que se seguiu até à aprovação da actual Constituição democrática 2 anos mais tarde, trouxe inúmeras esperanças para os trabalhadores de baixa remuneração do campo, especialmente no sul do país, a partir das experiências com a Reforma Agrária e as chamadas Unidades Coletivas de Produção. O ideal de terras públicas, pertencentes ao Estado e disponibilizadas para quem nela trabalhasse, fornecia novos horizontes práticos, políticos e conceituais acerca da gestão da terra e da produção agrária no país. A chamada “Revolução dos Cravos” trouxe importantes contrapontos à conjuntura autoritária, tecnocrática e colonialista da época anterior. Quanto à Reforma Agrária, porém, seus efeitos não perduraram, sendo a posse das terras eventualmente retornada aos seus antigos proprietários, em muitos casos (CUNHAL, 1994; FERREIRA, 2001; FERNANDES, 2015).

Já na última década do século XX, após a re-liberalização económica implementada a partir dos 2 acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1977 e em 1982, diferentes experiências educacionais associadas ao projeto da Escola Rural, foram realizados pelo Instituto das Comunidades Educativas (ICE). Tais experiências ganharam relevância prático-teórica, atraindo atenções de autores como Canário (2000; 2003), Amiguinho (2003), e Sarmento e Oliveira (2005), entre outros, ressaltando o aspecto sociopolítico e cultural das escolas rurais. Ressaltavam “o mundo rural como um terreno de resistência à ‘civilização do mercado’ . . . potencialmente fecundo para a emergência de práticas educativas que ajudem a repensar criticamente a forma escolar” (CANÁRIO, 2000, p. 124).

Atualmente, entretanto, vivencia-se o recorrente fechamento das escolas das aldeias. Portanto, é crucial estar atento à experiência vivida deste processo, e à forma como pode erodir as potencialidades de um espaço-tempo social próprio do campo. Por outro lado, tornou-se evidente que a investigação deve estar atenta a uma diversidade de práticas concretas e situadas de aprendizagem que constroem o Direito ao Campo, para além dos espaços da educação escolar, ou pelo menos para além da sua programação a partir do aparelho estatal central.

É importante notar que o Norte e o Sul português, apesar da reduzida dimensão do país, guardam inúmeras diferenças entre si no que diz respeito à relevo, clima, tamanho das propriedades, formas e tipos de cultivo; o que é extremamente relevante para a construção de uma metodologia de investigação sobre educação e campo em Portugal. O Sul revela cenários físicos e sociais completamente distintos das serras no interior do Norte português. Enquanto a Norte do Rio Tejo predominam elevações superiores aos 900 metros de altitude, no Sul, pouquíssimas áreas apresentam elevações superiores a estes valores ou mesmo entre 400 e 900 metros, estando estas concentradas no Nordeste alentejano. O restante da região não ultrapassa os 400 metros de altitude, evidenciando extensas áreas de planícies e ondulações que oscilam entre 200 e 400 metros.

Também difere o clima. Com temperaturas muito elevadas no verão e menor índice pluviométrico ao longo do ano, a região do Sul está sob a influência do Mar Mediterrâneo. São poucos os locais onde as chuvas ultrapassam a marca dos 800 mm de chuva anuais; em muitas delas estão abaixo dos 600 mm. Ao passo que no Norte a grande maioria das regiões apresentam índices superiores aos 800 mm, algumas delas, inclusive, além dos 1500 mm de precipitação, chegando por vezes aos 3000 mm.

Consequentemente, no Sul concentram-se já desde a colonização romana as maiores propriedades de terra, enquanto no Norte há maior incidência das pequenas propriedades. Todos esses fatores influem nos modos de vida e práticas agro-silvo-pastoris. Segundo dados do Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020, do Ministério da Agricultura e do Mar,

a grande maioria das explorações (70%) e do volume de trabalho (72%) encontra-se no Norte e Centro do Continente, enquanto a SAU [superfície agrícola utilizada] se localiza maioritariamente no Alentejo (55%). O Alentejo e a região agrária de Lisboa e Vale do Tejo reúnem 47% da UTA [unidade de trabalho ano] assalariada embora tenham apenas 17% da UTA familiar. (MAM, 2014, p. 8).

Tendo em conta esta distinção, uma de nós optou por realizar trabalho etnográfico tanto em regiões serranas do Norte, como em localidades das planícies do Sul. Para esse trabalho, é crucial uma perspectiva também etnográfica sobre os discursos privilegiados dominantes em Portugal sobre o campo.

Diferentes bibliografias que trabalharam sobre o tema da relação entre campo e cidade na história da Europa já abordaram a romantização como inerente à visão urbana sobre o meio rural (BAROJA, 1986; WILLIAMS, 2011). A partir da nossa experiência etnográfica no Portugal contemporâneo, entendemos que essa visão romantizada sobre o outro é recíproca. Para muitos que migraram do campo em direção à cidade, há também uma visão romantizada sobre a mesma, como se a “evolução” que esta representa e as diferentes “tecnologias” nela presentes fossem acessíveis igualmente a todas as pessoas e, portanto, sinônimo de bem-estar social geral. O campo também se apresenta extremamente diverso e dinâmico em termos de atividades, invenções, relações e circulação de pessoas. Romantização, hoje em dia em Portugal, é ver o campo apenas em termos de atraso ou de estase, no quadro de uma visão teleológica.

De facto, encontramos nas andanças pelo campo português tanto a valorização da ida para a cidade como sinal de um futuro melhor, como a valorização do movimento em sentido reverso. Há a valorização do campo por parte de quem partiu para estudar, ou mesmo nasceu na cidade, e o vê com possibilidades inalcançáveis na cidade. Sobre essas possibilidades ressalta-se a relação entre custo e qualidade de vida, além de oportunidades de investimentos. Abordemos agora tais perspectivas situadas sobre aprendizagem e economia política, em contraste com a dimensão desenvolvimentista das políticas agrícolas.

3 “EU GOSTO MUITO DE DAR”!

Maria José é moradora numa aldeia da Serra de Montemuro, no Distrito de Viseu.5 Na faixa dos 50 anos, é casada, possui dois filhos, noras e netas. Um de seus filhos é emigrado na Suíça; o outro reside com ela na aldeia. Maria José planta hortaliças e legumes variados e cria animais, ambos para o consumo familiar: “Essa produção toda, eu faço tudo sim. Eu faço tudo . . .minha nora ajuda . . . e à noite, às vezes, se ele vier ainda com vontade, o marido, também, ainda, deita uma mão. Porque depois é preciso regar e se eu não tiver tempo de fazer tudo, eles também ajudam, não é?”6

Possui uma rotina diária de cuidado com a casa, a família, os animais e a plantação: “A minha vida é levantar de manhã, levo . . . à escola, a minha neta. Depois volto, empalho o gado, as cabras, os porcos, vou às galinhas... Quando volto, como e vou para o monte . . . e o dia-a-dia é sempre esse ritmo”. Realiza um ciclo de produção, consoante a época do ano, com reaproveitamento integrado dos produtos disponíveis, reutilizando-os na própria produção, como resume: “Em meio de Abril já começa a tirada do estrume que é para as terras. E aí a gente vai levar o estrume e depois começamos na plantação: cebola, feijão, a cebola vem mais cedo... Depois, em maio, é o milho, a batata, e começa o trabalho por aí e além, nunca mais acaba.”

Trata-se do cotidiano de muitos que residem na aldeia, transmitido, reproduzido e também transformado ao longo das gerações: “Ah! Isso já vem de antigamente. Os meus pais, eles também faziam assim e a gente vai vendo e vai fazendo . . . aqui, praticamente na aldeia tudo faz o mesmo. Todos granjeiam para ter os alimentos, não é?” E Maria José orgulha-se de manter um plantio agroecológico, com adubação orgânica, utilizando e reaproveitando recursos locais no manejo da terra: “A gente aqui não utiliza adubo do outro, é só produtos naturais. É o estrume dos nossos animais. É, é isso que deitamos à terra.”

Sua produção de alimentos é farta. Alimenta seis pessoas na casa e ainda sobra para ofertar: “A gente não faz dinheiro em nada, não é? Mas vivemos fartos do que granjeamos, do que plantamos. E as outras pessoas também vêm, trazem qualquer coisa e eu retribuo no que tenho, não é? Porque também adoram porque são produtos naturais, biológicos. São biológicos, não levam adubo [químico], são biológicos.” Maria José também tece artigos da lã retirada de suas ovelhas e fiadas artesanalmente em casa.

A vida de pessoas como Maria José pode ser em parte compreendida, tendo em conta o trabalho das geógrafas feministas Gibson-Graham, como uma alternativa às práticas de produção capitalista, tendo as autoras evidenciando uma gama de práticas laborais, econômicas e comerciais distintas (2006). Para as autoras tais práticas, somadas, podem em certos territórios ser mais expressivas que o modo capitalista dominante na maioria das sociedades presentes. Maria José raramente vende os produtos do seu trabalho; frequentemente os doa ou estabelece uma relação de troca com a vizinhança e visitantes. Afirma sentir prazer em dar.

Recentemente Maria José ampliou sua área de cultivo e pastoreio, utilizando um terreno comprado pelo filho que mora na Suíça. Suas hortas estão espalhadas em diferentes terrenos. Também enfeita a escada da aldeia, que leva à sua casa, com vários vasos de flores. Realiza, assim, parte de um sonho: “Então, [as] flores... era o meu sonho: era trabalhar numa casa de flores! . . . Gosto! Gosto muito de flores!” Orgulha-se do que faz: “Eu gosto mesmo do que eu faço, gosto! Gosto muito de semear, gosto de mexer na terra e ver crescer as coisas…” O produto de seu trabalho é partilhado: “Eu não tenho vendido não porque eu gosto muito de dar. E depois eu granjeio muito, assim que dá para mim e para os outros. Mas vem um amigo eu dou uma saca das batatas, vem outro amigo eu dou o milho, vem o feijão... dou. Vender não, não dá para vender.”

Entretanto, insere-se nesta objeção ou impossibilidade de venda, na fala de Maria José, um universo mais amplo de relações: “O marido vai trabalhar para o Douro, para ganhar algum dinheiro, não é?7 Porque é preciso pagar as contas. A luz, gás, essas coisas. E então vivemos da comida, praticamente, que é o que a gente tem. Temos galinhas, coelhos, temos porcos, temos cabritos...”. Aprecia o que faz ao mesmo tempo que reconhece limitações de uma vida sem renda na atual sociedade: “Se eu fosse nova sim, teria ido para fora ter uma vida melhor, não é? Um trabalho. Porque o trabalho eu gosto sim, mas o que eu gosto mais é a agricultura”. Em outra ocasião, comentou sobre a renda do trabalho do marido e exclamou: “Quisera eu ter €100,00 por mês!”.8

Essas falas e histórias de Maria José nos permitem inferir diferentes análises. Todas podem remeter a políticas públicas, ou a carência de estas, para as populações residentes no campo em Portugal. O desenvolvimento e melhoramento das condições de vida, por meio do progresso, não vem sem custos. O acesso a energia elétrica e gás são pagos com dinheiro, não por meio de trocas de alimentos ou das meias de lã que lá se produzem. Também, tendo em conta a distribuição sexual do trabalho e a não remuneração do trabalho da mulher investigada por Federici (2020), se pode contrapor a falta de renda da Maria José ao salário do seu marido, que precisa sair da aldeia para conseguir dinheiro fora.

Diferentes políticas públicas poderiam ser implementadas a partir das demandas específicas das populações rurais. Certamente tais políticas deveriam passar, fundamentalmente, pelos seus modos de vida e produção, com centralidade no cultivo agroecológico e diversificado de alimentos e na fabricação dos produtos artesanais. Para tal, incidiriam sobre uma lógica não capitalocêntrica de viver. Poderiam considerar outras possibilidades de trocas de produtos, investindo em diversas redes ou circuitos de distribuição e venda de alimentos. Para imaginar tais políticas em Portugal, é útil um questionamento a partir da experiência brasileira.

Por exemplo, no Brasil, a lei n.º 11.947 de 16 de junho de 2009 é considerada um marco normativo da Educação do Campo. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica. Conforme o Artigo n.º 13 desta lei: “A aquisição dos gêneros alimentícios, […] será realizada, sempre que possível, no mesmo ente federativo em que se localizam as escolas”. E o artigo n.º 14 determina que “no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas.” (SECADI, 2012, p. 61).

Esta política integra uma série de demandas dos movimentos sociais do campo no que concerne a soberania alimentar dos territórios e geração de renda, além de alternativas apontadas para alterar os processos de distribuição de alimentos, investindo nas produções locais, realizadas de modo sustentável, e nos circuitos curtos de distribuição. Maria José e muitas outras produtoras ou produtores familiares do campo em Portugal poderiam ser beneficiadas com políticas semelhantes. Mesmo pessoas que não têm condições individuais de sustentar determinada demanda de fornecimento de alimentos poderiam se organizar por meio de uma associação comunitária, fornecendo, cada uma individualmente, o pouco dos alimentos que produz, de modo escalonado, e obtendo alguma renda por eles.

Tal política, ao dispor sobre a alimentação escolar, integra ainda a educação em torno do alimento, nutrição e saúde, numa proposta bastante diferenciada das versões de “comida rápida”, amplamente disseminadas e disponíveis nas sociedades urbanas contemporâneas. Propõe “a inclusão da educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional” (SECADI, 2012, p. 57). Obviamente, tais diretrizes precisam ser exemplificadas com a prática. E a qualidade da alimentação escolar, realizada atualmente por empresas terceirizadas, em muitas escolas de Portugal, tem sido alvo de fortes críticas por parte da comunidade estudantil e pessoas Encarregadas de Educação.

Entretanto, a escola da aldeia onde Maria José reside fechou em 2019. Sua neta mais nova, de 1 ano, quando atingir a idade adequada, não frequentará a escola na sua própria comunidade. Precisará, já aos 4 anos, se deslocar diariamente até a sede do concelho para estudar; e lá permanecer por aproximadamente oito horas diárias, assimilando os referenciais de um modo de vida urbano. Já no Brasil, é considerada Escola do Campo aquela situada em área rural ou “situada em área urbana, desde que atenda predominantemente a populações do campo”.9 Podemos também encarar a situação portuguesa a partir do questionamento suscitado pelo movimento da Educação do Campo, quando questões financeiras determinam o agrupamento de estudantes numa única escola sede. Por que tal nucleação não é realizada numa escola no meio rural? As crianças aldeãs poderiam assim vivenciar, diariamente, as crianças colegas em sua aldeia, e mostrar com orgulho e ensinar sobre os alimentos que a família produz e que, quiçá, estariam a ser consumidos na escola. Como Lorenzoni e outros autores argumentaram recentemente, “o entorno da casa das mulheres camponesas ganha outra dimensão e se torna lugar de grande diversidade de saberes, tornando-se um espaço pedagógico e demonstrativo de construção de conhecimentos e de autossustento e renda” (2020, p. 25).

Tal rotina de deslocamento diário é vivenciada pela neta mais velha de Maria José, de 9 anos, que adora o cotidiano da aldeia. Como afirma sua avó, “a minha neta que está criada comigo também é igual, também gosta só. Gosta muito de animais, gosta do monte, é... gosta muito disso, gosta mais do que da escola. Mas a escola é o melhor para ela. É . . . hoje reabriu e já foi revoltada. Ela gosta muito mais de andar ao ar livre, é...”. De facto, a escola, tal como está maioritariamente organizada em Portugal, é muitas vezes carente de estruturas e metodologias que promovam o aprendizado ao “ar livre”. Ao mesmo tempo, frequentemente não traduz em seus conteúdos e atividades cotidianas um enfoque positivo, propulsor e de valorização concreta da vida do campo. Entretanto, a escola é reconhecida como um meio de diferentes e melhores possibilidades futuras: “mas tem que ser para ter uma vida melhor... é já tirar um curso, numa coisa qualquer, não é? Isso aqui é só mesmo para se viver, não é para outro rendimento nenhum, a gente não vende, praticamente, nada.”

Que futuro está reservado para essas crianças? Terão obrigatoriamente de migrar, trabalhar fora da aldeia ou casar para garantir uma renda, que lhe permitam ter luz, gás, circulação e lazer em complementação a sua produção alimentar? O exemplo do filho mais velho da Maria José, que investe numa vida futura na aldeia, por meio da compra de terrenos, vem confirmando a contradição da obrigatoriedade de sair para permanecer. Transformar tal situação requer vontade e sensibilidade política e um outro olhar sobre a vida dos meios rurais e da sociedade como um todo. Descentrar da cidade e não exercer uma palavra-ação sobre o campo e quem o habita como se tratasse de territórios e pessoas em vias de extinção. Encaremos agora essa dimensão desenvolvimentista das políticas agrícolas.

4 SOBRE A (NÃO) SENSIBILIDADE OU VONTADE POLÍTICA

No dia 8 de março de 2019 entrou em vigor, em Portugal, a Portaria nº 73/2019, que regulamenta o Estatuto da Agricultura Familiar. Uma data simbólica, considerando ser o Dia Internacional das Mulheres. Entretanto, tratou-se de uma mera coincidência, pois a Portaria é de 7 de março, regulamentando o Decreto-Lei nº 64/2018, de 7 de agosto do ano anterior. O Estatuto da Agricultura Familiar Portuguesa é uma pauta de luta levada a cabo pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que o aprovou, junto a agricultoras e agricultores, em seu 7º Congresso Nacional, realizado em 2014. Desde então, veio lutando pela consolidação de um Estatuto que permitisse a distinção positiva desta categoria e consequente valorização da agricultura familiar no país.

Segundo nos informa o decreto, “cerca de 242,5 mil explorações agrícolas classificam -se como familiares, o que representa 94 % do total das explorações, 54 % da Superfície Agrícola Utilizada e mais de 80 % do trabalho total agrícola”.10 Números estes extremamente significativos; no entanto, o número de explorações familiares apresentou um decréscimo considerável, entre 2009 e 2016, diminuindo em 17 %: “estima-se ainda que cerca de 30 % das explorações agrícolas recenseadas pelo Instituto Nacional de Estatística . . . não recebem pagamentos diretos ou outros prémios anuais da PAC [Política Agrícola Comum] de apoio e incentivo ao desenvolvimento da atividade agroflorestal” (PORTUGAL, 2018).

De facto, a inserção de Portugal na Comunidade Económica Europeia (hoje União Europeia) a partir de 1986 não favoreceu a chamada “pequena agricultura” em Portugal. O zoneamento das produções conforme regiões e países, e os meios para obtenção de incentivos, implicaram impactos devido à necessidade de alterações nos modos de vida e formas de cultivo para adequação às regras da PAC. Tais alterações implicavam, principalmente, especialização em produtos específicos e limitação em termos de quantidade de produção. Para o sociólogo português Boaventura Sousa Santos, em artigo de imprensa publicado no “Público”, jornal diário de referência em Portugal a 20 de Março de 2021, tal inserção se fez “assumindo ser inferioridade tudo aquilo em que era diferente da UE [União Europeia] e que teria sido precioso manter e proteger, como, por exemplo, a agricultura familiar e a pesca artesanal”.

Por outro lado, ser membro da UE não criou condições para que terminassem de vez as práticas de emigração para o Noroeste da Europa em busca de melhores condições salariais, iniciadas nos anos 60 do século passado. Após o Tratado de Maastricht em 1992, quem tem cidadania portuguesa goza de facilidades para se estabelecer em outros países membros, continuando a contar com possibilidades de emprego e salários mais vantajosos que em Portugal. Muitos se adaptam e permanecem emigrados; outros, entretanto, planejam retornar à terra natal com melhores condições para se estabelecerem. Em alguma medida as relações de êxodo rural se reproduzem em micro e macro escala. Se internamente o campo perde populações para os centros urbanos, em termos internacionais, Portugal, um país no qual até recentemente a maior parte da cidadania trabalhava no sector primário, perde população jovem para outros países do Noroeste da UE.

Tendo em conta esta longa história de erosão das potencialidades situadas do espaço-tempo social do campo em Portugal, o Estatuto da Agricultura Familiar parece ser um passo no sentido de uma discussão propriamente política sobre o legado do modelo de desenvolvimento rural da UE, e em particular sobre a sua articulação em Portugal a várias escalas. Ao serem territórios de produção de alimentos, os campos se colocam no centro das redes de reprodução da vida. Não pode haver, portanto, uma negação do campo em si. A negação se volta antes a uma espacialidade plural do campo, através do modo de produção que nele é fomentado pelas políticas nacionais e da UE. O desafio centra-se, pois, em reconhecer e potenciar diferentes formas de existência, nos campos, muitas delas associadas a métodos de cultivo alheios ao modelo capitalocêntrico dominante.

Infelizmente, como já sugerimos, as escolas públicas portuguesas raramente abarcam hoje o fomento de uma crítica sobre a formação contingente da UE e da sua política agrícola. Não discutem os riscos para as zonas rurais, e tão pouco integram em seus conteúdos os benefícios da agricultura familiar recentemente defendida pelo novo Estatuto, que se relacionam com a própria sustentabilidade da vida no planeta (ALTIERI, 2012, p. 376). Como a literatura existente também argumenta, a importância da agricultura familiar camponesa relaciona-se diretamente com a soberania alimentar. Constitui unidades produtivas ricas em agrobiodiversidade e que produzem, em sua maioria, de modo diversificado e sustentável; conservam os recursos naturais, estão livres de organismos geneticamente modificáveis, além de contribuírem beneficamente para a dimensão climática planetária. Introduzido, em 1996, pela Via Campesina Internacional, o conceito de soberania alimentar correlaciona o “direito de toda pessoa a ter acesso a alimentos sadios e nutritivos, em consonância com o direito a alimentação apropriada e com o direito fundamental a não passar fome” (STÉDILE & CARVALHO, 2012, p. 720). A evolução do conceito ampliou o entendimento do alimento como direito humano, abarcando o direito à própria produção do alimento de modo saudável (FMSA, 2007). Ao estabelecimento familiar camponês também se agregam valores relacionados à integração ativa na economia rural, com provimento de maior força de trabalho e nutrição, controle dos próprios recursos, geração de alimento e renda. Integra o ambiente familiar ao local de trabalho e pertencimento, desenvolvendo suas relações no seio da comunidade e fortalecendo a cultura e a vida local. Também, neste modo de viverem, entrelaçam vínculos entre passado, presente e futuro. Constituem conhecimentos articulados à integração da paisagem local além de converterem a propriedade familiar em espaço de aprendizagem e soberania (PLOEG, 2014).

O recente Estatuto da Agricultura Familiar admite “uma situação de relativa injustiça económica e social que importa minimizar” (MAM, 2018). Constitui, portanto, um “esforço institucional público de discriminação positiva não só através de políticas sociais redistributivas, mas sobretudo da sua inclusão ativa em intervenções promovidas por políticas públicas de desenvolvimento” (MAM, 2018). Reflete uma luta antiga das populações do campo em Portugal, possível de ser mais abertamente reivindicada, com o fim da ditadura e o início da democratização política em 1974, mas especialmente com a mais recente desilusão com modelos teleológicos de uma modernidade europeia. No entanto, os termos nos quais a proposta foi aprovada e regulamentada restringiram demasiadamente a categoria de tais agricultoras e agricultores, em função do critério de rendimento coletável, e sua relação com agregados familiares e outras fontes de renda no seio familiar. “O que o governo dá com uma mão, tira com a outra”, resumiu um agricultor de Montargil, no Alentejo, o Sr. Joaquim.11 Em todo o caso, a existência jurídica do Estatuto da Agricultura Familiar constitui um marco legal que, embora precise ser aperfeiçoado para de fato atender a ampla categoria existente em Portugal, já representa o reconhecimento da sua importância por parte do Estado.

O Sr. Joaquim possui uma pequena propriedade em Montargil. Bastante envolvido com as lutas camponesas por terra, também assessora famílias e cooperativas que se mantém, como no período revolucionário entre 1974 e 1976, a realizar atividades de plantio em conjunto. É importante ressaltar, entretanto, que o acesso à terra implica questões mais amplas que o direito à produção de alimentos. No Brasil, a cidadania camponesa, de diferentes modos, e por meio de resistências diversas, faz o uso do acesso livre aos recursos da terra, águas e florestas. Reafirma e legitima este livre acesso argumentando que um recurso natural, não produzido por outrem, não pode ser privatizado, vendido ou comprado (CARVALHO E COSTA, 2012). Em Portugal, a existência dos terrenos chamados baldios constitui outra forma de resistência ou alternativa à hegemonia da propriedade privada (HESPANHA, 2017). Nos baldios desenvolve-se uma forma de utilização coletiva e comunitária da terra, hoje defendida pela Constituição democrática, mas atacada como forma de propriedade, política e vivência com outras espécies animais e vegetais ao longo do quase meio século das ditaduras de Salazar e Caetano; no quadro de uma aposta epocal em plantações florestais que se tem revelado desastroso na actual crise climática.

Juntamente com a garantia de acesso à terra à população camponesa, os baldios podem garantir também uma rica pluralidade de conhecimentos originados na experiência prática. Transmitidos ao longo de gerações, são testados e transformados, com base em novas relações, observações, controles e manejos estabelecidos com os recursos presentes nos territórios. São modos situados, agroecológicos e sustentáveis. O acesso camponês à terra pode associar-se ao cuidado e proteção com o meio ambiente e, portanto, à defesa e manutenção da vida. Poderá argumentar-se que os baldios em Portugal articulam, ainda, uma visão de mundo que integra o humano, natureza e cultura. Apesar de Santos, Meneses e Nunes argumentarem valiosamente sobre “a construção da natureza como algo exterior à sociedade” no quadro de uma oposição dual entre os “europeus” e os “povos com que . . . entravam em contacto” (SANTOS; MENESE; NUNES, 2004, p. 24 e 25), é defensável que a persistência dos baldios em Portugal, e de formas semelhantes de vida noutros países europeus, demonstra a necessidade de uma teorização que se baseie nas práticas concretas e situadas. Concordamos com esses três autores que o término da ocupação territorial na África e na Ásia por parte de impérios coloniais europeus não propiciou o fim dos circuitos desiguais de capital e de formação de subjectividades (SANTOS; MENESES; NUNES, 2004, p. 27), o que aliás já era o argumento central da literatura crítica do projeto do desenvolvimento mencionada na introdução.

Hoje em Portugal, apesar da resistência dos baldios e da criação do novo estatuto, a persistência de elementos de uma racionalidade de governo tecnocrático do rural constituída também no espaço colonial significa que os saberes e modos de produção da pequena agricultura continuam a ser negligenciados e diminuídos em importância nas políticas públicas, apesar dos discursos românticos dominantes entre as classes privilegiadas em Portugal. O suporte legal e apoio governamental para suas produções e manutenção das formas de vida são escassos. No dia 14 de junho de 2021, uma manifestação de pequenos agricultores reuniu em Lisboa, mais de 1000 participantes, entre portugueses e espanhóis, para protestar contra a Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia. Seus cartazes reivindicavam em prol da agricultura tradicional: “A PAC eliminou 400 mil explorações em Portugal”; “Por uma PAC mais justa e solidária. Ajudas mais bem distribuídas - vida digna para quem produz”; e “Queremos unha PAC que manteña xente nas aldeias”, afirmava um cartaz em galego. Afirmavam ainda que “Defender os Baldios é promover a economia local”. No que tange às múltiplas violências contra as mulheres, um cartaz da MARP (Mulheres Agricultoras Rurais de Portugal) exaltava: “Os campos que cultivamos têm que produzir direitos!”

Situadas, em sua maioria, em territórios urbanos, numa sociedade eurocentrada e capitalocêntrica, as escolas portuguesas tendem a reproduzir os valores sociais dominantes da cidadania mais privilegiada, de modo mais ou menos explícito (SANTOS; SILVA, 2019, P. 27). A imagem de pobreza e atraso, especialmente do chamado “interior” do país, ainda impera em muitos imaginários sociais. No entanto, como referimos anteriormente, há que se reconhecer os discursos e práticas em disputas presentes nesses territórios, e o reconhecimento, por parte da população, de diferentes práticas e valores permeando os fazeres e a cultura educacional e escolar. Recordemos duas experiências vividas contrastantes da região de Coimbra. Residente na região Centro de Portugal, Dora transferiu sua filha de 9 anos da escola de Castelo Viegas, aldeia nos arredores de Coimbra, para uma escola na cidade: “Minha filha está a sentir a mudança. Mas prefiro assim, que ela vai se acostumando. Já que tem que vir, melhor agora que no 5.º ano”. Dora me explicou sobre as dificuldades de adaptação da filha, numa escola maior e com uma forma de tratamento mais impessoal: “ela está sentindo muita diferença”.12 Com Catarina aconteceu o inverso. Tendo se mudado de Coimbra para a vila de Condeixa, 10 quilómetros a sul da cidade, e não encontrando vaga na escola da vila, matriculou o seu filho, na época também com 9 anos, na escola da aldeia de Sebal, perto de Condeixa. Ficou encantada com a rápida adaptação do seu filho, numa sala menor, com tratamento mais próximo e pessoal. Encantou-se, também, com a relação da escola na comunidade e o envolvimento das crianças nos projetos escolares relacionados à horta e a feira local.13

5 REFLEXÃO FINAL: A PEDAGOGIA DAS FESTAS COMO A IRRUPÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO PARA O DIREITO AO CAMPO?

As feiras e festas locais acabam por se constituir também como espaços pedagógicos e de disputas nas localidades rurais. Tornam-se espaços de encontros, venda e trocas de produtos, reafirmação e atualização de determinados modos de ser no mundo, demarcação de formas de vida e valores sociais. É possível ver tanto a venda dos produtos artesanais como artigos industrializados; em locais mais afastados dos grandes centros urbanos, permanecem as brigas de bois; em espaços mais turísticos é possível ver espetáculos de adestramento dos cachorros de pastoreio. Eventualmente, ou com maior frequência, conforme o evento, vemos a presença das associações ou confederações ligadas à agricultura no país, divulgando seus materiais e projetos, demarcando seus ideais e propostas para o mundo agropecuário e florestal no país.

Num final de semana em meados de novembro de 2019, destacamos duas festas que aconteceram na zona do Alentejo mais próxima de Lisboa: a primeira, da Batata-Doce, em Carrasqueira, no município de Alcácer do Sal, realizada pela Associação de Agricultores de Setúbal; a segunda foi o Encontro do Outono, na Herdade Freixo do Meio, perto de Montemor-o-Novo. Duas festas com características muito diferentes, elucidativas, porém, de dimensões relacionadas às disputas ideológicas e conflitos de interesses relacionados à posse de terra e aos meios e formas de produção em Portugal. Tais dimensões acirram-se, considerando o cenário alentejano de proximidade à capital, as questões turísticas e econômicas que a este se somam, e o histórico da luta por reforma agrária neste protagonizada.

A Festa na Carrasqueira iniciou-se com uma visita das crianças a um campo de batatas-doces, permitindo que elas obtivessem informações sobre o plantio, as qualidades nutricionais do alimento e também vivenciassem a colheita da batata para levarem para casa. No galpão coberto da festa, várias barracas montadas permitiam a exposição e venda de produtos variados, entre artesanatos e alimentos, muitos desses feitos a partir da própria batata-doce. Na Barraca da Confederação Nacional da Agricultura, cartazes e panfletos traziam informações sobre a agricultura familiar e produção agroecológica. No palco decorriam variadas apresentações ao longo dos dois dias de festa, incluindo pessoas de diferentes idades, estudantes das escolas da região e pessoas idosas, grupos de corais, ranchos, violeiras e violeiros, assim como sevilhanas.

O encontro na herdade possui uma outra roupagem, bastante diferente da festa da Carrasqueira e do seu público. A diferença começa pelo espaço em si, no primeiro caso, público, no segundo, privado, com grande infraestrutura construída e área de circulação; embora este evento, especialmente, tenha sido bastante prejudicado pela chuva, obrigando a concentração de participantes no espaço do restaurante. Enquanto na Festa da Batata-doce sobressaía a presença de agricultores e comunidade local, no Encontro do Outono predominava um público urbano, de razoável poder aquisitivo, distinto por suas vestimentas e acessórios. Barracas também expunham produtos, muitos deles com certificação. Um diferencial deste encontro foi a exposição de brinquedos e jogos produzidos, principalmente, com madeira, que permitia a interação das crianças e também de pessoas adultas presentes.

A Herdade Freixo do Meio vem ganhando atenção da mídia, recentemente, e de setores da população urbana privilegiada, preocupados com o meio ambiente e a qualidade dos alimentos que consomem. Uma breve pesquisa na página do jornal Público, o jornal diário de referência para as classes mais privilegiadas, revela dezenas de artigos exclusivamente sobre a Herdade Freixo do Meio, ou mencionando a Herdade.14 Um de seus proprietários, sensível a demandas agroecológicas, optou por investir de modo diferenciado numa parte da herdade que lhe pertence. Buscou um cultivo consorciado de frutas e hortaliças baseado num sistema agroflorestal. Para tal contou com formação ministrada pelo agricultor brasileiro de origem suíça Ernst Götsch, cujos experimentos desenvolvidos, sobretudo no Sul da Bahia, reafirmam a eficácia de fornecer condições favoráveis ao desenvolvimento da planta, em vez de transformá-la, geneticamente, para torná-la mais resistente. Trabalha, assim, com a noção de agricultura “sintrópica”, buscando um conjunto de atitudes que favoreçam a renovação do solo e produção de alimentos saudáveis por meio de plantio sustentável.

Tem uma loja no Mercado da Ribeira, em Lisboa, recentemente transformado no quadro da turistificação da Baixa da cidade, onde vende os alimentos produzidos na herdade. Atualmente a Herdade desenvolve uma cooperativa de consumidores, por meio da qual quem coopera assume um valor específico relativo às suas compras em produtos, conforme gênero alimentício, e recebe o valor correspondente, conforme produtos da época. O objetivo da cooperativa busca uma corresponsabilização de quem produz e de quem consome, com contrato de adesão semestral, garantindo-se o consumo de quantidades específicas de produtos sob um preço acordado. A ficha de adesão fala em quantidade de frutas e legumes, sem especificar a espécie. Trata-se de produtos da época, produzidos biologicamente, sujeitos às condições climáticas e aos tempos necessários ao plantio e produção. A cooperativa, além de serviços de venda em linha, utiliza a loja física no mercado de Lisboa, onde os consumidores cooperantes retiram os produtos adquiridos.

As cooperativas de consumidores assumem diferentes benefícios, tanto para quem coopera, que conhece a procedência do que consome, como para quem produz, que tem garantido o escoamento da própria produção e uma estimativa do valor da renda com que pode contar todo mês. Aponta para outra visão sobre consumo e alimentação. Uma vez que os produtos variam conforme os ciclos da natureza e as condições orgânicas para sua produção, este processo proposto para o consumo dos alimentos existentes nos diferentes períodos do ano, imprime uma mudança nos hábitos de consumo. Tem-se o que as condições ambientais permitem para o período e não um alimento específico, conseguido fora de época, a custa de insumos químicos entre outras formas artificiais, contrárias ao processo agroecológico. Agora, são os ciclos da produção que determinam a alimentação de um consumidor cooperante e não o contrário, não o desejo consumista e individual. Uma mudança em curso considerando que a forma do consumo se relaciona com a própria sociedade.

Considerando se tratar de uma herdade, no contexto alentejano, com fortes tradições de monocultura extensiva e de exploração da mão de obra, não há dúvidas que se trata de um projeto interessante e inovador. Aponta avanços em consonância com uma outra proposta de cultivo e cuidado com a terra, o clima, o meio ambiente, a qualidade dos alimentos produzidos e as relações pessoais e de gestão da propriedade. Por outro lado, existe posse particular de uma extensa propriedade cujo cuidado não é possível de ser feito por uma única pessoa ou família. “As condições para o desenvolvimento desses projetos são outras, contam com imensos recursos, muito diferente dos pequenos agricultores com os quais trabalho”, afirmou o Sr. Pedro, integrante de uma associação de agricultura.15 “Aquilo lá é festa de rico, não é igual a nossa”, expressou o Sr. Joaquim, agricultor presente na festa em Carrasqueira, quando soube que um de nós se dirigia para o Encontro do Outono.16

Os atuais campos em Portugal seguem em disputa face às desigualdades históricas que demarcaram seu desenvolvimento. A produção cotidiana desses espaços realizada por seus habitantes demarca uma diversidade de práticas e propostas em constante diálogo ou confronto. A diversidade do mundo rural e do interior português clama por políticas específicas, localizadas. A ausência de uma educação governamental pública em que pese o debate sobre o campo, em prol dos seus habitantes, da agricultura familiar e seus projetos de vida demarca uma opção e direcionamento político para o desenvolvimento rural. A educação desenvolvida no cotidiano das aldeias também segue em disputa, porém, em torno de práticas educativas cada vez menos realizadas em ambientes escolares.

No Brasil as lutas pela manutenção dos direitos das populações do campo também se tornam cada dia mais críticas, necessárias e urgentes. Conquistas realizadas ao longo de mais de 20 anos de existência do movimento da Educação do Campo encontram-se sob forte ameaça. Em 2019, o Decreto nº 9.465, de 02 de janeiro eliminou a Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) da estrutura governamental, excluindo, portanto, um importante espaço institucional de visibilidade e articulação de políticas afins. Em 2020, o Decreto nº 10.252, de 20 de fevereiro extinguiu, no âmbito do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a Coordenação responsável pela Educação do Campo e pela gestão do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). O Programa de Aquisiçãído, em 2021, pelo Programa Alimenta Brasil.

É crucial que a investigação na área disciplinar da Educação se concentre nas possibilidades da circulação de práticas críticas de uma racionalidade colonial, entre espaços rurais em Portugal e no Brasil. Por ora, a Educação do Campo brasileira e as práticas sociais em disputa pelo desenvolvimento do interior português nos levam a refletir sobre a centralidade de uma educação que fecunde e faça brotar o Direito ao Campo, com a deliberação própria de seus habitantes sobre os espaços-tempos sociais que habitam e constroem.

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1 Doutoranda do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Mestre em Educação pela Universidade do Estado de Minas Gerais.

2 Doutor em Arquitectura pela Universidade da Califórnia, Berkeley; Licenciado em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa.

3 Como demonstram os estudos feministas estadunidenses, que se concentram na Europa e América do Norte, e que já há muito examinaram o persistente feminícídio (Caputi e Russell, 1992), tal como, mais recentemente, o papel da caça a bruxas na emergência de sociedades dominadas pelo modo de produção capitalista (Federici, 2020).

4 Mais recentemente, na economia política apresentam-se exercícios prospectivos que permitam aos estados desarticular as suas práticas do pensamento desenvolvimentista (Raworth, 2017).

5 Todos os nomes próprios utilizados no artigo são pseudônimos.

6 Parte da entrevista aqui descrita foi realizada em conjunto com Luísa do Pinho Valle e Teresa Cunha, em 5 de abril de 2021, e integrou a Escuela Internacional Ecologías Feministas de Saberes.

7 Refere-se à região do Alto Douro, situada no nordeste de Portugal, compreendendo a parte do vale do rio Douro em Portugal que é dedicada à produção vinícola, em particular do vinho do Porto. O distrito de Viseu é situado imediatamente a sul do rio Douro. A Serra de Montemuro dista apenas cerca de 50 quilómetros do início da região vinhateira.

8 À data da entrevista, este valor representava cerca de 15 por cento do chamado salário mínimo nacional em Portugal.

9 Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Decreto nº 7352, de 4 de Novembro de 2010.

10 Decreto-Lei nº 64/2018, de 7 de Agosto.

11 Entrevista em 5 de novembro de 2019.

12 Entrevista a 6 de dezembro de 2019.

13 Entrevista a 18 de janeiro de 2020.

14 Um dos mais recentes, publicado em Setembro de 2021 no suplemento semanal “ípsilon”, é dedicado ao Festival Ponto d’Orvalho, que se realizaria no final desse mês. “As artes à sombra de uma árvore milenar no festival Ponto d’ Orvalho.” Público. 18 de Setembro de 2021. Consultado a 22 de Fevereiro de 2022 em: https://www.publico.pt/2021/09/18/culturaipsilon/noticia/artes-sombra-arvore-milenar-ponto-d-orvalho-1977927.

15 Conversa em 24 de outubro de 2019.

16 Conversa em 17 de novembro de 2019.