https://doi.org/10.18593/r.v47.28202

O projeto neodesenvolvimentista, a ortodoxia neoliberal e o retrocesso na política de educação do campo

The neodevelopmentist project, the neoliberal orthodoxy and the backdrop in the policy of countryside education

El proyecto neodevelopmentista, la ortodoxia neoliberal y el trasfondo en la política de educación del campo

Magda Gisela Cruz dos Santos1

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Pesquisadora colaboradora no

Projeto Observatório da Educação do Campo,

https://orcid.org/0000-0001-8971-9609

Conceição Paludo2

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Professora do Departamento de Estudos Básicos e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação,

https://orcid.org/0000-0003-1567-1651

Resumo O retorno da ortodoxia neoliberal no Brasil, desde 2016, tem promovido retrocessos na política de Educação do Campo, mediante o redirecionamento do projeto de desenvolvimento e do papel do Estado. Com objetivo de subsidiar a avaliação crítica desse processo, investigamos a relação da política de Educação do Campo com os projetos neodesenvolvimentista e neoliberal. No estudo adotamos o método do materialismo histórico-dialético, utilizando-nos de estudo bibliográfico, da análise documental e da busca de dados estatísticos sobre a política de Educação do Campo (2001-2021). Constatamos que o projeto neodesenvolvimentista visava uma maior articulação entre capital produtivo e capital financeiro, o que exigia a qualificação dos territórios locais e da força de trabalho com investimentos em educação, ciência e tecnologia voltadas ao campo. Com a hegemonia neoliberal, o projeto de desenvolvimento se volta ao ajuste fiscal e privilegia o capital financeiro, portanto, a política de Educação do Campo deixa de ser uma das prioridades do Estado.

Palavras-chave: Política de Educação do Campo; Neodesenvolvimentismo; Neoliberalismo; Movimentos Sociais.

Abstract: The return of neoliberal orthodoxy in Brazil, since 2016, has promoted setbacks in the Countryside Education policy, by redirecting the development project and the role of the State. In order to support the critical evaluation of this process, we investigate the relationship of the Countryside Education policy with neo-developmental and neoliberal projects. In the study we adopted the method of dialectical historical materialism, using bibliographic study, document analysis and the search for statistical data on the Countryside Education policy (2001-2021). We found that the neo-developmentalist project aimed at a greater articulation between productive capital and financial capital, which required the qualification of local territories and the workforce with investments in education, science and technology aimed at the countryside. With neoliberal hegemony, the development project turns to fiscal adjustment and privileges financial capital, therefore, the Countryside Education policy is no longer one of the priorities of the State.

Keywords: Countryside Education policy; Neo-developmentalism; Neoliberalism; Social movements.

Resumen: El regreso de la ortodoxia neoliberal en Brasil, desde 2016, ha promovido retrocesos en la política de Educación del Campo, al reorientar el proyecto de desarrollo y el rol del Estado. Con el fin de apoyar la evaluación crítica de este proceso, investigamos la relación de la política de Educación del Campo con proyectos neodesarrollistas y neoliberales. En el estudio se adoptó el método del materialismo histórico dialéctico, utilizando el estudio bibliográfico, el análisis documental y la búsqueda de datos estadísticos sobre la política de Educación del Campo (2001-2021). Encontramos que el proyecto neodesarrollista apuntaba a una mayor articulación entre capital productivo y capital financiero, lo que requería la calificación de los territorios locales y la fuerza de trabajo con inversiones en educación, ciencia y tecnología orientadas al campo. Con la hegemonía neoliberal, el proyecto de desarrollo se vuelve hacia el ajuste fiscal y privilegia el capital financiero, por lo que la política de Educación del Campo ya no es una de las prioridades del Estado.

Palabras clave: Política de Educación del Campo; Neodesarrollismo; Neoliberalismo; Movimientos sociales.

Recebido em 05 de agosto de 2021

Aceito em 12 de maio de 2022

1 INTRODUÇÃO:

O presente artigo é resultado de uma pesquisa que investigou a relação entre a institucionalização das políticas de Educação do Campo no Brasil e a emergência do projeto neodesenvolvimentista. O estudo teve o objetivo de compreender os principais fatores que impulsionaram a ampliação das políticas públicas de Educação do Campo no período neodesenvolvimentista no Brasil (2001-2016)3 e a paralisação dessas políticas, a partir do retorno da ortodoxia neoliberal em 2016.

Com base na perspectiva teórico-metodológica do Materialismo Histórico-dialético, resgatamos a proposta originária de Educação do Campo nos documentos de registro dos movimentos sociais do campo4, realizamos a análise documental dos programas e legislações oficiais5 que orientam as políticas de Educação do Campo e buscamos dados estatísticos sobre as políticas de desenvolvimento do período.

A análise evidenciou os principais fatores que permitiram a institucionalização de algumas das demandas dos movimentos sociais do campo, nas políticas de Educação do Campo do período neodesenvolvimentista. Além disso, a análise permitiu apontar alguns dos fatores que têm promovido a estagnação dessas políticas, desde que o neoliberalismo ortodoxo retoma sua hegemonia econômica e política no Brasil em 2016.

Para apresentar os resultados do estudo, em um primeiro momento, evidenciamos a relação entre a emergência de um projeto de desenvolvimento alternativo para o campo brasileiro e a proposta originária da Educação do Campo, junto aos movimentos sociais populares do campo. Em seguida, explicitamos as principais características do projeto neodesenvolvimentista brasileiro que permitiram a institucionalização de algumas das demandas dos movimentos sociais populares do campo e impulsionaram as políticas de Educação do Campo. No terceiro item, indicamos os principais direcionamentos do projeto neoliberal que permitem compreender a estagnação das políticas de Educação do Campo e de Reforma Agrária, nos últimos cinco anos. Por fim, com o objetivo de contribuir para as críticas, denúncias e proposições que visam impedir o total desmonte das políticas de Educação do Campo, apresentamos uma síntese dos obstáculos encontrados para a efetivação dessas políticas na atualidade.

2 A ‘OPÇÃO BRASILEIRA’ E A EDUCAÇÃO DO CAMPO: UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO E DE EDUCAÇÃO PARA O BRASIL NA PERSPECTIVA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS POPULARES

A proposta de uma política nacional de Educação do Campo teve origem na organização e debate dos movimentos sociais do campo em torno de um projeto alternativo de desenvolvimento para o Brasil. Desde a década de 1980, os movimentos sociais populares do campo ampliavam suas organizações em torno da pauta de uma reforma agrária popular e nesse contexto, em 1984, se consolida um dos maiores movimentos de resistência ao capitalismo agrário na América Latina, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)6.

O avanço do projeto neoliberal e do agronegócio, nas décadas de 1980 e 1990, resultou na dispensa de um número cada vez maior de trabalhadores no campo, o que se deu paralelamente à redução de políticas públicas direcionadas ao campo. O agravamento das desigualdades sociais no campo, impulsionou o MST a vincular a luta por reforma agrária popular com outras pautas também fundamentais para a emancipação dos trabalhadores, como, por exemplo, a educação. Foi nesse sentido que, em 1987, o movimento fundou seu setor de educação.

A necessidade de contrapor o projeto de educação que historicamente vinha sendo difundido no campo, teve origem no âmbito dos movimentos sociais do campo, que constataram que a expansão do agronegócio ocorre a partir de territórios materiais e imateriais. Além da desconstituição material dos territórios camponeses e de suas formas próprias de trabalho, esse processo se dá nos territórios imateriais e ideológicos, a partir da adesão ao paradigma do capitalismo agrário, no qual o mercado e a integração dos camponeses ao sistema do agronegócio são compreendidos como única ou melhor alternativa (FERNANDES, 2008).

A partir da crítica à perspectiva do ruralismo pedagógico7, hegemônico no pensamento social e nas políticas públicas do período de 1930 a 1980, o MST e outros movimentos sociais populares passam a elaborar uma proposta alternativa de educação, fundamentada nos acúmulos das experiências da Educação Popular. Como destaca PALUDO (2001), em suas principais experiências desde a década de 1960, a Educação Popular entende que o processo educativo deveria estar diretamente ligado às necessidades, exigências e interesses das classes populares. Como enfatiza Paludo (2001, p. 39-40) “seu papel fundamental era contribuir para a formação da consciência e da organização de classe dos setores populares oprimidos e marginalizados. [...] A ação educativa deveria contribuir para a construção da organização dos diversos movimentos sociais populares”.

Foi nesse sentido, que na década de 1990, começou a se consolidar uma nova concepção de Educação do8 Campo. Essa concepção que emerge no âmbito dos movimentos sociais populares do campo, parte das críticas ao projeto de desenvolvimento e de educação hegemônicos no campo brasileiro e aponta proposições no sentido da superação de ambos, como destaca Caldart

É fundamental considerar para compreensão da constituição histórica da Educação do campo o seu vínculo de origem com as lutas por educação nas áreas de reforma agrária e como, especialmente neste vínculo, a Educação do campo não nasceu como uma crítica apenas de denúncia: já surgiu como contraponto de práticas, construção de alternativas, de políticas, ou seja, como crítica projetiva de transformações. (CALDART, 2009, p. 30-40)

Desse modo, na perspectiva da Educação do Campo, se entende que a ruptura com o modelo de educação voltado a adaptação dos trabalhadores do campo às demandas do capitalismo agrário, exige a articulação do projeto educacional com um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil. Conforme enfatizam Molina e Freitas:

Tendo origem no processo de luta dos movimentos sociais para resistir à expropriação de terras, a Educação do Campo vincula-se à construção de um modelo de desenvolvimento rural que priorize os diversos sujeitos sociais do campo, isto é, que se contraponha ao modelo de desenvolvimento hegemônico que sempre privilegiou os interesses dos grandes proprietários de terra no Brasil, e também se vincula a um projeto maior de educação da classe trabalhadora, cujas bases se alicerçam na necessidade de um outro projeto de sociedade e de Nação (MOLINA e FREITAS, 2011, p. 19).

O projeto de desenvolvimento que fundamentou a proposição originária da Educação do Campo, foi também gestado no contexto da década de 1990, por representantes dos mais diversos movimentos sociais populares do campo e por um grupo de intelectuais comprometidos com um projeto popular de desenvolvimento para o país. Essa iniciativa, denominada ‘Consulta Popular’, especialmente a partir do segundo semestre de 1997, passou a discutir e elaborar proposições para um projeto popular de desenvolvimento para o Brasil, conhecido como ‘A opção brasileira’.

Os principais eixos desse projeto eram, segundo Benjamin et al. (1998): 1) a perspectiva nacionalista com respeito à diversidade e ao compromisso com a soberania; 2) a defesa de um projeto de cunho popular com foco na eliminação da exclusão social, na distribuição de renda, do poder e da cultura; 3) o compromisso com o desenvolvimento econômico nacional e o rompimento com a situação de economia periférica e com a tirania do capital financeiro; 4) o compromisso com a sustentabilidade; e 5) a ampliação da democracia.

Como é possível observar, tratava-se de um projeto que se aproxima da perspectiva de desenvolvimento que Katz (2016) denomina de social-desenvolvimentista, uma variante progressista do neodesenvolvimentismo. Segundo o autor, a diferença fundamental entre a perspectiva neodesenvolvimentista e o social-desenvolvimentismo, é que a perspectiva social-desenvolvimentista assume propostas que induzem a ruptura com o neoliberalismo, enquanto que o neodesenvolvimento, adotado no Brasil desde o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva até o impedimento da presidente Dilma Rousseff, assume uma perspectiva ‘conciliatória’ entre as propostas neoliberais e nacionais-desenvolvimentistas, diferenciando-se fundamentalmente das proposições da ‘Opção brasileira’.

Katz (2016) destaca que as principais características do social-desenvolvimentismo são: 1) uma maior relevância à dimensão social do que às metas de desenvolvimento; 2) a ênfase na importância do consumo como mecanismo para distribuição de renda; 3) o destaque para a importância do mercado interno como forma de gerar um círculo virtuoso de aumento do poder aquisitivo e da expansão da produção; 4) o objetivo de desenvolver um modelo de crescimento com inclusão social e redução das desigualdades; 5) a promoção de políticas monetárias, taxas de câmbio competitivas e déficits orçamentários financiáveis, ao mesmo tempo em que propõe uma maior arrecadação das rendas agrárias e da mineração, bem como a redução da carga financeira dos bancos às empresas e ao Estado; 6) o objetivo de diminuir as desigualdades entre centro e periferia ampliando a autonomia do país; 7) a reivindicação da primazia do setor público sobre o privado, consolidando um modelo de capitalismo de Estado; 8) a defesa de modelos democrático-populares em contraposição aos projetos conservadores do neodesenvolvimentismo convencional; e 9) a tentativa de combinar fundamentos ideológicos socialistas (marxistas) com teorias keynesianas.

Como é possível observar, a aproximação entre a perspectiva de desenvolvimento adotada pela ‘opção brasileira’ e o social-desenvolvimentismo, se expressa especialmente, em relação às propostas que visam alterar a política econômica e o sistema de poder. Embora ambos não representem uma ruptura radical com o projeto de desenvolvimento capitalista, suas propostas visam promover reformas importantes e necessárias para que as lutas populares avancem no sentido da superação desse sistema, diferentemente da perspectiva neodesenvolvimentista.

É nesse sentido, que os movimentos sociais populares entendem que a luta por políticas públicas educacionais representa um elemento fundamental na disputa de hegemonia em relação ao projeto de sociedade. Por isso, desde meados da década de ١٩٩٠, começa a se configurar um amplo movimento de defesa da Educação do Campo no Brasil. Segundo Munarim e Lockes (2012), dois eventos marcaram a consolidação do Movimento Nacional de Educação do Campo: o I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (I ENERA) em 1997 e a II Conferência Nacional de Educação do Campo em 2007, que contou com a participação oficial do Ministério da Educação, aproximando a atuação dos movimentos sociais populares do campo e do Estado em torno das pautas da Educação do Campo.

Ainda na década de 1990, uma importante conquista dos movimentos sociais foi a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA)9, a cargo do INCRA, que contou com a colaboração do Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) e o apoio da Unicef, Unesco e CNBB. Entretanto, foi a partir dos anos 2000, com a consolidação do projeto neodesenvolvimentista, que o Estado brasileiro passou a atender um número maior de reivindicações dos movimentos sociais e as políticas públicas educacionais destinadas ao meio rural passaram a utilizar a denominação de ‘Educação do Campo’ no lugar de educação rural. Configurando um conjunto de programas e orientações legais destinados especificamente à formação dos trabalhadores do campo, as políticas de Educação do Campo ganham impulso com a institucionalização do Programa de formação dos professores do Campo (PROCAMPO) em 2005, que oportunizou a abertura de cursos de Licenciaturas específicos para Educação do Campo. Além disso, nesse período ocorreu a instituição do livro didático específico para as escolas do campo através do Plano Nacional do Livro Didático, do Programa Saberes da Terra, destinado a jovens e adultos do campo, entre outros programas, legislações e investimentos em infraestrutura das escolas do campo, direcionados à garantia do acesso e da especificidade da Educação do Campo.

Esse processo representou avanços significativos em relação a expansão e qualidade da educação ofertada no meio rural. Entretanto, ao alinhar as políticas de Educação do Campo com os pressupostos do projeto neodesenvolvimentista, apresentou limites significativos em relação à perspectiva de origem da Educação do Campo, conforme analisaremos a seguir.

3 UM ‘NOVO’ PACTO DE CLASSES, O PROJETO NEODESENVOLVIMENTISTA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO DO CAMPO

O processo de institucionalização das políticas de Educação do Campo no Brasil, ocorreu em um contexto de ajuste das estratégias neoliberais conhecido como novo desenvolvimentismo ou neodesenvolvimentismo. Segundo Katz (2016), o neodesenvolvimentismo constituiu uma perspectiva heterodoxa que intentou combinar algumas das propostas do modelo keynesiano com propostas fundamentais das teses ortodoxas, especialmente em relação à macroeconomia.

De acordo com seus defensores, o neodesenvolvimentismo constitui uma alternativa para o enfrentamento das desigualdades agravadas pelo neoliberalismo ortodoxo. Suas críticas se voltam centralmente ao excesso de poder do mercado e à ausência do Estado, ao rentismo e ao predomínio dos interesses internacionais na política econômica nacional, defendidos pelas vertentes ortodoxas do neoliberalismo.

No Brasil, o projeto neoliberal que manteve sua hegemonia até o final da década de 1990, se aproximou das vertentes ortodoxas que, segundo Katz (2016), possuem raízes teóricas no pensamento econômico neoclássico que se caracteriza, principalmente, pela defesa do Estado mínimo, das privatizações e da flexibilização do trabalho. O neoliberalismo ortodoxo constitui uma ofensiva do capital sobre o trabalho, com o objetivo de recompor a taxa de lucro.

O projeto neodesenvolvimentismo não representou um rompimento com o neoliberalismo, pois manteve algumas de suas principais características, como o padrão primário exportador de inserção no mercado global. A principal distinção entre os dois projetos, foi o fato de que o neodesenvolvimentismo procurou atender de forma mais equilibrada aos interesses dos setores produtivos e das parcelas da classe trabalhadora mais atingidas pelo ajuste neoliberal, sem, no entanto, deixar de beneficiar o capital financeiro. Os investimentos nos setores produtivos, como a qualificação da infraestrutura, das condições de escoamento da produção e o desenvolvimento da ciência e da tecnologia aplicadas à intensificação da produção, foram combinados à ampliação de crédito para esse setor, ampliando sua dependência em relação ao capital financeiro.

Ao se afirmar como uma terceira via entre antigo nacional-desenvolvimentismo e o neoliberalismo, o neodesenvolvimentismo procurou promover um novo ajuste nas relações entre as classes. Foi nesse sentido que a ampliação das políticas sociais constituiu a grande marca do projeto neodesenvolvimentista10.

Assim, podemos afirmar que, além da crescente organização dos movimentos sociais populares em torno da pauta da Educação do Campo, o significativo destaque que as políticas de Educação do Campo receberam nas propostas do Estado desde de 1990, foi também resultado de outros dois fatores: a reorganização do Estado diante das novas demandas impostas pelo sistema capitalista desde a crise de 1970 e a emergência do projeto neodesenvolvimentista nos anos 2000, quando o Estado passa a atuar utilizando mais o diálogo com os diferentes grupos sociais.

Desde meados da década de 1990, o avanço das organizações populares, o agravamento das desigualdades sociais no continente latino-americano e a degradação ambiental em âmbito global, passam a configurar como preocupações centrais de organismos internacionais. Nesse contexto, as orientações de diferentes organismos internacionais para as políticas públicas do continente latino-americano passam a difundir o discurso de desenvolvimento sustentável, enfatizando a “[...] valorização do homem do campo e sua participação nos rumos da história, valorização do local em detrimento do global e a valorização acentuada do discurso das especificidades da educação que se promove no campo” (HIDALGO e MIKOLAICZYK, 2012, p. 6).

Segundo Evangelista e Shiroma (2006), no final da década de 1990 os organismos internacionais como a ONU e o Banco Mundial11, transitam de um discurso em que predomina a defesa da educação como elemento para a competitividade, produtividade, eficiência e eficácia, para um discurso em que a educação passa a ser considerada como um dos elementos centrais para o combate à pobreza. Nesse sentido, as políticas educacionais são recomendadas como elementos importantes para amenizar as desigualdades e evitar possíveis levantes sociais. Estavam assim formadas as bases para um novo pacto de classes, no qual as proposições oriundas dos movimentos sociais populares teriam influência mais significativa nas políticas públicas, o que resultou na instituição das políticas de Educação do Campo. No entanto, a tentativa de combinar interesses tão diversos, resultou em limites para o atendimento de todas as demandas dos movimentos sociais populares.

A análise dos documentos referentes à política de Educação do Campo (2001-2016), permitiu constatar que, ao mesmo tempo em que essa política aderiu à algumas demandas dos movimentos sociais populares como a defesa de um desenvolvimento sustentável, o impulso a agricultura familiar e o fomento às iniciativas de economia solidária, procurou alinhá-las com o redirecionamento da atuação estatal, com as orientações de organismos multilaterais e com o projeto neodesenvolvimentista.

O objetivo de promover uma adequação do desenvolvimento local, regional e nacional ao capitalismo global, impulsionou o projeto neodesenvolvimentista a adotar o desenvolvimento territorial e sustentável como uma de suas metas

A educação para o desenvolvimento leva em conta a sustentabilidade ambiental, agrícola, agrária, econômica, social, política, cultural, a equidade de gênero, racial, étnica e intergeracional. Realizar uma educação com o desenvolvimento sustentável é considerar que o local e o território podem ser reinventados por meio das suas potencialidades (BRASIL, 2009, p. 35).

É nessa perspectiva de incluir as iniciativas alternativas de agroecologia e economia solidária implementadas pelos movimentos sociais, que os documentos das políticas de Educação do Campo enfatizam a valorização da agricultura familiar

[...] a agricultura familiar procura sempre otimizar o trabalho da família, para garantir da melhor forma a satisfação de suas necessidades. [...] A família tende a organizar e a distribuir as tarefas produtivas, de maneira a melhor aproveitar as potencialidades de todos os seus membros e a minimizar seus esforços. Por isso, há uma tendência da agricultura familiar para diversificar mais as atividades produtivas, para melhor distribuir o trabalho da família ao longo do ano. Com isso, ela apresenta também uma possibilidade de ser mais sustentável do ponto de vista ecológico (BRASIL, 2008, p. 47).

Dessa forma, as políticas de Educação do Campo nesse período foram marcadas pelo duplo movimento do processo de mundialização do capital que tem combinado a crescente internacionalização das atividades econômicas, e destituição de fronteiras para a expansão e a acumulação do capital em nível global, com o movimento de reconstrução dos territórios locais e regionais, pautado na perspectiva de um desenvolvimento endógeno.

No campo brasileiro, esse processo se expressou pelo apoio do Estado ao agronegócio e à agricultura familiar, como uma das estratégias para o melhoramento da articulação entre as diferentes regiões do globo, tendo em vista uma maior descentralização das atividades econômicas em âmbito global e uma maior centralização e concentração do capital.

Desse modo, as demandas dos movimentos sociais populares do campo, referentes à sustentabilidade “ambiental, agrícola, agrária, econômica, social, política, cultural, a [à] equidade de gênero, racial, étnica e intergeracional” (BRASIL, 2009, p. 35), quando formalmente incorporadas pela política de Educação do Campo, não representaram uma oposição direta aos objetivos centrais do projeto neodesenvolvimentista, visto que puderam ser consideradas funcionais a ele, na medida em que contribuem para um melhor aproveitamento dos recursos locais, promovendo suas potencialidades com o mínimo de desperdício. Cabe destacar que a incorporação dessas demandas ocorreu de maneira mais formal do que efetiva, dado que sua efetivação exigiria rupturas estruturais que o projeto neodesenvolvimentista não se propôs a realizar.

Destacamos ainda, que em nossas análises observamos uma distinção fundamental no processo de institucionalização e implementação do PRONERA em relação às demais políticas de Educação do Campo. No PRONERA ocorre a participação ativa dos movimentos sociais do campo na discussão e deliberação sobre a gestão, os aspectos financeiros e pedagógicos das propostas desenvolvidas. Isso indica a efetividade do programa em garantir o protagonismo dos trabalhadores do campo enquanto sujeitos coletivos que propõem, fazem a gestão e avaliam sua formação.

Em nosso entendimento, o programa avança no sentido da superação da fragmentação entre a gestão e a execução das propostas das políticas públicas. Dessa forma, a organização do programa possibilita uma maior auto-organização por parte dos movimentos populares e, ainda, garante uma maior rigorosidade em relação aos princípios formativos da Educação do Campo. Assim, além de garantir a formação técnica necessária à consolidação das áreas de reforma agrária, o programa possibilita o fortalecimento das estratégias de enfrentamento ao projeto hegemônico de desenvolvimento por parte dos movimentos sociais populares.

Em relação às demais políticas de Educação do Campo, foi possível evidenciar na análise dos documentos oficiais que, de maneira geral, estão voltadas a uma formação que atenda as demandas de adequação e inserção dos territórios camponeses no capitalismo globalizado.

Nesse sentido, estimulou-se a participação dos sujeitos do campo por meio de conselhos e conferências que visam a conformação de consensos, o que ao nosso ver, altera as formas típicas de atuação dos movimentos sociais do campo e, em certa medida, limita suas ações de enfrentamento com o Estado.

Embora consideremos o processo de institucionalização das políticas de Educação do Campo como importante conquista dos movimentos sociais populares, destaca-se o fato de que o alinhamento dessas políticas com o projeto neodesenvolvimentista e com as demandas da acumulação flexível, promove significativas alterações na proposta de formação dos trabalhadores do campo almejada pelos movimentos sociais populares, quando tais políticas são deslocadas do contexto de organização coletivas dos movimentos.

No entanto, ainda que o projeto neodesenvolvimentista não tenha promovido uma Reforma Agrária Popular e uma efetiva distribuição de poder, como defendem os movimentos sociais populares, com o retorno do neoliberalismo ortodoxo nos últimos cinco anos, essa possibilidade se tornou ainda mais distante e os retrocessos em relação às conquistas do período anterior avançaram avassaladoramente, dificultando a efetivação das políticas de Educação do Campo, conforme analisaremos no item a seguir.

4 O RETORNO DA ORTODOXIA NEOLIBERAL, A RUPTURA DO PACTO DE CLASSES E O DESMONTE DA POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO DO CAMPO

A crise do desenvolvimento capitalista de 2008 reconfigurou em âmbito global, uma nova ofensiva do capital para recompor suas taxas de lucro e, consequentemente, promoveu cortes nas políticas sociais que visavam amenizar as desigualdades. No Brasil, a crise impulsionou o rompimento da frente policlassista que sustentava o projeto neodesenvolvimentista e, por volta de 2015, culminou na ruptura desse projeto e no retorno da hegemonia da ortodoxia neoliberal.

Segundo Boito Jr. (2016) um dos principais fatores para essa ruptura da frente policlassista que unia a burguesia nacional, a baixa classe média e os trabalhadores do campo e da cidade, foi a disputa entre as elites ligadas ao capital produtivo e as elites ligadas ao capital bancário nacional e transnacional.

Singer (2015) destaca que o enfrentamento realizado pela presidenta Dilma no primeiro período do seu segundo governo, ao pressionar os juros para baixo, descontentou o capital financeiro e impulsionou uma nova coalisão de classes composta pelo capital rentista, capital produtivo, classe média tradicional e subproletariado. É possível observar ainda, a adesão a essa frente, de forças conservadoras descontentes com os avanços na conquista de direitos das minorias (maiorias) nas últimas décadas.

Como enfatiza Singer (2015), essa frente emergiu no contexto de uma desarticulação mais ampla das organizações da classe trabalhadora, o que contribuiu para o rápido retrocesso nos direitos conquistados em período anterior. Para recompor a taxa de lucro capitalista se estabeleceu um novo alinhamento do setor produtivo e da política nacional com o capital transnacional, promovendo o rompimento com o padrão de acumulação interna baseado no consumo de massas.

Em detrimento da produção voltada ao mercado interno, os setores agroexportadores passam a ser ainda mais priorizados na política econômica, o que afetou diretamente os investimentos na agricultura familiar. O redirecionamento da política econômica promoveu o avanço do agronegócio e da crescente concentração de terras e expropriação dos territórios camponeses, como demonstravam os dados coletados pelo OXFAM Brasil, com base no censo agropecuário de 2017. Os dados apontam que em 2017 “[...] 0,95% dos estabelecimentos (aqueles com mais de 1000 hectares) concentram 47,5% da terra – uma área equivalente a França, Espanha, Portugal, Bélgica, Holanda e Alemanha juntas”. (OXFAM, 2020). Os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), demonstram a tendência de agravamento desse quadro, uma vez que indicam que o índice de famílias despejadas em 2018 foi 65% maior do que em 2017. (CPT NACIONAL, 2019).

Além disso, como já denunciava o Fórum Nacional de Educação do Campo (FONEC) em sua carta final no ano de 2017, a política de promoção da titulação de propriedade das terras destinadas à reforma agrária, embora apresentada como projeto de emancipação social, constituiu de fato uma medida para devolver terras ao mercado e favorecer a reconcentração fundiária, inclusive com a ampliação da internacionalização das terras do país. (SANTOS, 2020).

Outras medidas do governo Temer também se apresentaram no sentido de barrar os processos de reforma agrária, como a Lei Nº 13.341/16 publicada em 2016, que extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Agrário e passou a competência das políticas agrárias para o Ministério do Desenvolvimento Social. Ainda no ano de 2016

[...] o Tribunal de Contas da União (TCU), alinhado aos interesses do Governo Michel Temer, suspendeu (por meio do Acórdão nº 775/16) todo processo de Reforma Agrária, com o argumento de que havia indícios de irregularidades na seleção de beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e na situação ocupacional dos lotes de Reforma Agrária. Também suspendeu os processos de seleção e assentamento de novos beneficiários, os pagamentos e remissões dos créditos e o acesso a outros benefícios e políticas públicas atreladas à Reforma Agrária. (GUEDES, 2018, p. 16).

A nova política econômica de ajuste fiscal promoveu também cortes em setores fundamentais como educação e saúde com Emenda Constitucional nº 95 e a desregulamentação de direitos, com a Reforma da Previdência e a Reforma Trabalhista. Em seu conjunto, essas medidas buscam reestruturar a superexploração do trabalho, a partir do barateamento de seu custo na produção, além de promover a ampliação da concentração de terra e a promoção de medidas fiscais que objetivam recompor as taxas de lucro do capital. Os recursos destinados à Reforma Agrária e às políticas públicas para o campo também sofreram cortes drásticos. Os orçamentos para as políticas de Reforma Agrária, Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário em 2018, chegaram ao seu valor mínimo histórico. Segundo dados compilados pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o valor destinado à obtenção de terras, que em 2015 foi de 800 milhões, em 2018 foi de 83,7 milhões. Os cortes também atingiram o orçamento para a Assistência Técnica nos assentamentos. Em 2015, o orçamento para essa área foi de 355,4 milhões e em 2018, foi de 19,7 milhões. Além disso, os cortes orçamentários que atingiram o Programa de Aquisição de Alimentos e o recuo por parte de algumas prefeituras no índice de 30 por cento de aquisição da alimentação escolar pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar, afetaram drasticamente a agricultura familiar (MST, 2019.

Nesse contexto de ampliação da hegemonia do agronegócio, que emprega um baixo número de trabalhadores e rompe com o projeto de desenvolvimento pautado na ampliação do consumo interno e no estímulo à agricultura familiar, a Educação do Campo perde relevância para o projeto de desenvolvimento hegemônico, seja no sentido da qualificação da mão de obra ou como elemento de consolidação da hegemonia.

O fato se explicita pelo alarmante corte de recursos para as políticas de Educação do Campo, como cortes de bolsas destinadas às populações do campo, indígenas e quilombolas, cortes de recursos destinados aos cursos de Educação do Campo, entre outras medidas que afetam direta e indiretamente as condições de manutenção das políticas de Educação do Campo. O exemplo que melhor ilustra esse processo é o corte de recursos para o PRONERA, que de R$ 70.920.001,00 em 2008, teve uma acentuada queda, chegando a R$ 3.203.872,00 em 2018. (GUEDES, 2018, p. 31).

Desde então, os cortes de recursos têm sido combinados com a transferência de fundo público para iniciativas privadas no âmbito da educação, processo que já ganhava força no Brasil, desde a consolidação do Movimento Todos Pela Educação, em 2006. No âmbito das políticas de Educação do Campo, essa ofensiva se expressou, principalmente pelas políticas do PRONACAMPO e pelo sistema de acesso às políticas educacionais via o Programa de Ações Articuladas (PAR), “[...] que obriga os municípios e os estados a assumirem os compromissos do “Todos pela Educação”, aparta e imobiliza a ação dos movimentos sociais, das comunidades e suas iniciativas. (SANTOS, 2020, p. 413).

O governo Bolsonaro continuou a política de retrocessos para o campo. Em seu Decreto 10.252/2020 alterou a estrutura regimental e de cargos do INCRA, alterando as competências do órgão. Com isso, a destinação de terras e seleção de famílias para assentamentos de reforma agrária e a normatização e formação de grupos para elaboração de estudos de identificação e demarcação de terras remanescentes de quilombos, passaram a ser atribuições do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Além disso, o decreto extinguiu a Coordenação-Geral de Educação do Campo e Cidadania, responsável pela gestão do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA).

Depois de 20 anos, extingue o lugar político da elaboração e gestão de uma das maiores políticas públicas de educação, no Brasil. Já no Golpe de 2016, o Incra deixou de convocar a Comissão Pedagógica Nacional, uma importante instância deliberativa do Programa. No início do governo Bolsonaro, Decreto que extinguiu todos os Conselhos, Comissões e outros mecanismos de participação social no governo, extinguiu também a Comissão Pedagógica Nacional do PRONERA. O PRONERA é uma política pública forjada pelo protagonismo dos sujeitos coletivos do campo. Até sua criação, não havia registro, na história deste país, dos camponeses protagonizando uma política pública de educação cuja característica fundamental é articulação entre três sujeitos de territórios diferenciados, mas que materializam uma nova ação do Estado: os movimentos sociais, sindicais de trabalhadores e trabalhadoras do campo, o corpo dos servidores do INCRA e as Universidades. [...] A partir da vigência do Decreto, nenhum órgão governamental estará responsável pela execução do Programa. O Decreto simplesmente extinguiu a instância até aqui responsável. (SANTOS, 2020, p. 423)12.

Em seu conjunto, as mudanças nas políticas públicas direcionadas ao campo nos últimos cinco anos (2016 a 2021), representam a opção por um projeto de desenvolvimento que se volta para o objetivo de recompor as taxas de lucro do capital, afetando violentamente as condições de reprodução da vida e de educação dos povos do campo.

Embora constatemos que as políticas de Educação do Campo, ao serem vinculadas ao projeto neodesenvolvimentista, apresentaram obstáculos para a promoção do projeto de desenvolvimento do campo almejado pelos movimentos sociais populares, ressaltamos que o projeto neoliberal ortodoxo, tal como se apresenta na atualidade, torna ainda mais inviável sua realização. Nesse contexto, se explicita a necessidade de acirramento das formas de resistência e de enfrentamento coletivo e organizado, tal como as organizações que defendem a instituição das políticas públicas de Educação do Campo tem feito, desde a década de 1990.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atual crise estrutural do capitalismo, agravada pelo contexto da pandemia, tem demonstrado a impossibilidade do Estado em assegurar os direitos sociais, sem realizar as reformas estruturais fundamentais, como a Reforma Agrária Popular. As medidas em favor da reprodução ampliada do grande capital transnacional e financeiro, como a suspensão da política de Reforma Agrária, a política de titulação de assentamentos, os cortes de recursos nas política de assistência técnica, a redução das áreas demarcadas de quilombolas e indígenas, a permissão para aquisição de terras por estrangeiros, são medidas que explicitam a opção do Estado pela expansão do agronegócio e que agravam as desigualdades sociais no campo e afetam a classe trabalhadora, de modo geral.

Esse contexto nos permite concluir que, embora os programas e legislações da Educação do Campo não tenham sido revogados com a ruptura do projeto neodesenvolvimentista, o desmonte das políticas conquistadas nos últimos anos se dá, principalmente, por dois processos: pelo corte de recursos, que inviabiliza a implementação das ações previstas em seus programas e pela exclusão dos espaços de representatividade dos movimentos sociais junto às instâncias de discussão e deliberação do governo, como conselhos, fóruns e a própria extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) em 2019, reduzindo assim, as possibilidades de influência dos movimentos sociais populares no direcionamento da política pública.

Como procuramos demonstrar ao longo do artigo, embora o projeto neodesenvolvimentista não tenha contemplado demandas fundamentais para uma política efetiva de Educação do Campo, no âmbito da hegemonia neoliberal ortodoxa o que observamos é um processo que ruma para a estagnação das políticas de Educação do Campo. Além de promover um projeto de desenvolvimento e uma política econômica que favorecem o avanço do agronegócio e a desconstituição dos territórios camponeses, o projeto neoliberal promove o desmonte das políticas de Educação do Campo.

Como destaca Frigotto (2018, p. 88), o momento exige lidar com o contraditório e construir a unidade dos interesses centrais da classe em meio a diversidade de pautas.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, C. [et. al.] A opção brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998.

BOITO Jr., A. A crise política do neodesenvolvimentismo e a instabilidade da democracia. Crítica Marxista, n. 42, p. 155-162, 2016.

BRASIL. Projeto Base ProJovem Campo – Saberes da Terra Edição 2009. Programa nacional de educação de jovens agricultores(as) familiares integrada à qualificação social e profissional. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2009.

BRASIL. Construção coletiva: Sistemas de produção e processos de trabalho no campo: caderno pedagógico dos Educadores. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2008.

BRASIL. Decreto Nº 10.252, de 20 de fevereiro de 2020. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra, e remaneja cargos em comissão e funções de confiança. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 2020, n. 37, p. 2, 21 fev. de 2020.

CALDART, R. S. Educação do campo: notas para uma análise de percurso. Trabalho, Educação, Saúde. Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 35-64, mar./jun. 2009.

CPT NACIONAL. Conflitos no campo – Brasil 2018. Goiânia: CPT Nacional, 2019. Disponível em: https://www.cptnacional.org.br. Acesso em: dezembro de 2020.

EVANGELISTA, O; SHIROMA, E. O. Educação para o alívio da pobreza: novo tópico na agenda global. Revista de Educação PUC-Campinas. Campinas, n. 20, p. 43-54, junho de 2006.

FERNANDES, B. M. Educação do Campo e território camponês no Brasil. In: SANTOS, Clarice Aparecida dos. (Org.). Educação do Campo: campo – políticas – educação. Brasília: MDA, 2008, p. 39-66.

FRIGOTTO, G. A estratégia do capital sobre a Educação do Campo e a tarefa da resistência ativa. In: GUEDES, C. G. [et. al., organizadoras]. Memória dos 20 anos da educação do campo e do PRONERA. Brasília: Universidade de Brasília; Cidade Gráfica, 2018.

GUEDES, C. G. [et. al., organizadoras]. Memória dos 20 anos da educação do campo e do PRONERA. Brasília: Universidade de Brasília; Cidade Gráfica, 2018.

HIDALGO, A. M. MIKOLAICZYK, F. A. A busca do dissenso para a compreensão das influências dos organismos internacionais no desenvolvimento da educação rural nos anos 1950 à educação do campo após os anos 1990. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 47, p. 108-121, set. 2012.

KATZ, C. Neoliberalismo, neodesenvolvimentismo, socialismo. São Paulo: Expressão Popular: Perseu Abramo, 2016.

MOLINA, M. C.; FREITAS, H. C. de A. Avanços e desafios na construção da Educação do Campo. Revista em aberto, Brasília, v. 24, n. 85, p. 17-31, abr. 2011.

MST. 2018 foi um ano que silenciou a reforma agrária. Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. 2019. Disponível em: https://mst.org.br/2019/01/11. Acesso em: dezembro. 2020.

MUNARIM, A.; LOCKS, G. A. Educação do campo: contexto e desafios desta política pública. Olhar de professor, Ponta Grossa, 15 (1): 77-89, 2012.

OXFAM. A desigualdade no chão: muita terra e pouca gente. OXFAM Brasil. 2020. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/noticias/a-desigualdade-no-chao-muita-terra-e-pouca-gente. Acesso em: dezembro. 2020.

PALUDO, C. Educação Popular em busca de alternativas: uma leitura desde o campo democrático e popular. Porto Alegre: Tomo Editorial; Camp, 2001.

SANTOS, C. A. [et al., organização]. Dossiê educação do campo: documentos 1998-2018. Brasília: Universidade Federal de Brasília, 2020.

SINGER, A. Cutucando onças com varas curtas: o ensaio desenvolvimentista no primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014). Revista Novos Estudos CEBRAP, n. 102, p. 39-67, jul. 2015.


1 Doutora e Mestra em Educação pela Universidade Federal de Pelotas.

2 Doutora e Mestra em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

3 Desde o início dos anos 2000, é possível observar que o Estado brasileiro transitou de um projeto neoliberal ortodoxo, para um projeto neodesenvolvimentista. O projeto neodesenvolvimentista se manteve por aproximadamente quinze anos, quando as forças políticas defensoras do neoliberalismo ortodoxo retomaram sua hegemonia.

4 Os documentos analisados foram os sete volumes dos Cadernos ‘Por uma Educação do Campo’ e as cartas do ‘Fórum Nacional de Educação do Campo – FONEC’.

5 Analisamos um total de quarenta e sete (47) documentos referentes aos programas Escola Ativa, PRONERA e PRONACAMPO, que inclui PNLD Campo; PNBE Temático; Mais Educação Campo; Escola da Terra; PROCAMPO; PRONATEC; EJA Saberes da Terra. Os documentos citados no presente artigo constam nas referências.

6 O MST propõe a Reforma Agrária Popular que defende o direito de uso da terra para o bem comum e não o direito à propriedade da terra, como defendem as reformas burguesas. Além disso, a Reforma Agrária Popular visa um modelo agroecológico voltado à produção de alimentos e ao respeito à biodiversidade, diferentemente do agronegócio que se destina, predominantemente, à produção de commodities. Portanto, é possível afirmar que o MST defende um modelo de produção que resiste ao avanço do modelo de produção do capitalismo agrário.

7 O ruralismo pedagógico constitui uma perspectiva educacional que se consolidou na década de 1930 no Brasil, vinculada aos interesses dos ruralistas e do projeto nacional-desenvolvimentista que emergia no período. O ruralismo pedagógico propunha uma formação específica para as populações rurais, com o objetivo de preparar a mão de obra e fixá-las no meio rural.

8 A expressão Educação ‘do’ Campo no lugar de ‘no’ campo tem por objetivo destacar o protagonismo dos sujeitos coletivos do campo na construção de um projeto e concepção de educação que não é ‘para’ e nem ‘com’, mas ‘dos’ trabalhadores do campo, sejam eles camponeses, quilombolas, nações indígenas ou os diversos tipos de assalariados do campo (CALDART, 2009).

9 O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) desenvolve projetos de educação voltados para os trabalhadores do campo. Tem como público-alvo os jovens e adultos e realiza cursos de alfabetização/ensino profissional e formação técnica de nível médio e superior.

10 Apesar de algumas semelhanças com a perspectiva neodesenvolvimentista, o projeto da ‘Opção brasileira’ apresenta distinções fundamentais em relação a esse, como a defesa de um projeto nacional e autônomo de desenvolvimento, com menor dependência ao capital internacional e que priorize reformas estruturais como a reforma agrária, por exemplo. Além disso, defende uma redistribuição efetiva do poder político através da maior participação dos movimentos sociais populares nas decisões e nos rumos da política nacional.

11 É importante destacar que há uma perspectiva diferenciada entre os diversos organismos multilaterais. Enquanto alguns apresentam uma orientação de cunho mais economicista, como FMI, BM, OCDE, outros, como a ONU, UNESCO e UNICEF, apresentam uma perspectiva de cunho mais humanitarista e, portanto, suas proposições são mais relacionadas com a consolidação de direitos sociais básicos, atuando prioritariamente nos países periféricos.

12 Carta manifesto do FONEC do encontro nacional de junho de 2018.