https://doi.org/10.18593/r.v47.28161
Notas sobre “Diálogos sobre Políticas Educacionais: resistência na Educação do Campo”
Leonardo Dorneles Gonçalves1
Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Instituto de Educação, Área de Políticas Educacionais, Professor Adjunto.
https://orcid.org/0000-0001-8093-8493
SANTOS, A. R.; MARQUES, T. G.; CAETANO, M. R.; MONTEIRO, M. M. S. C. (org.). Diálogos sobre Políticas Educacionais: resistência na Educação do Campo. Curitiba: CRV, 2021.
A obra em epígrafe se caracteriza-se por um conjunto de estudos e pesquisas que orbitam à temática das políticas públicas e educação do campo no Brasil. Organizado com 12 (doze) trabalhos, o livro tematiza questões importantes acerca da educação do campo e suas políticas, elencando temas como: aprendizagem, agroecologia, educação especial, educação inclusiva, educação ambiental, lutas das mulheres e suas formas de resistência, tendo como fio condutor das análises a democratização da educação do campo, através de políticas que, no limite, consolidem o direito à educação.
O prefácio do livro feito por Wender Faleiro expõe a tônica do seu conteúdo. Ao desenvolver breves comentários sobre cada texto, o autor procura demarcar posição relativa à condução da política educacional na atualidade que, em tempos pandêmicos, tem sido catastrófica. Ao caracterizar a dinâmica das políticas públicas, o prefácio da obra externaliza a necessidade da articulação do campo popular (PALUDO, 2006) e da própria educação como um modo de resistência ao desmonte dos direitos sociais. E, ao acenar para esse horizonte, o prefácio convida à leitura de um livro que não esconde o seu lado na recente história de nosso país.
O conjunto dos trabalhos é aberto pelo texto “Avaliação da Aprendizagem na Educação do Campo e sua interface com a legislação: conquistas e desafios”. Ao analisar o contexto da prática das políticas para melhoria da qualidade, o trabalho realiza uma importante relação entre as orientações para a avaliação da aprendizagem na Educação do Campo e o que preconiza a legislação sobre o tema, problematizando as metodologias de avaliação que os sistemas de ensino realizam, sobretudo nas escolas do campo. As autoras demonstram o distanciamento entre as orientações legais e as práticas pedagógicas na Educação do Campo, bem como a necessidade de contextualizar as avaliações mediante à realidade social e cultural da qual as escolas fazem parte, inclusive no projeto político-pedagógico, o que perpassa pelo reconhecimento de saberes das comunidades campesinas.
O segundo texto, denominado “A Base Nacional Comum Curricular e os desafios da atuação docente em escolas do campo”, indaga as formas como a BNCC deverá impactar na ação docente nos contextos escolares. O artigo realiza uma revisão sistemática a partir de estudos já realizados sobre o assunto e analisa as contradições existentes entre as práticas de professores que tem um compromisso com a Educação do Campo, sua história e as orientações da BNCC, a qual está permeada pela influência empresarial em seus objetivos e estratégias. Ao afirmarem que a BNCC se afasta de legislações anteriores e não respeita os direitos dos povos do campo, as autoras sustentam que a base enfraquece teoricamente a ação docente, devido a sua semelhança a um manual de instrução aos professores, precarizando o trabalho nas escolas.
Intitulado “As Contribuições do Plano de Ações Articuladas (PAR) à educação no município de Cordeiros” o terceiro trabalho desenvolve uma análise acerca das contribuições do PAR como promotor de políticas que induzem a melhoria nas avaliações de larga escala, principalmente o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB. Por meio de pesquisa bibliográfica e utilizando os dados do Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle do MEC – SIMEC, o texto expõe as fases do Plano, sua realização no município de Cordeiro (BA) e, ao mesmo tempo em que indica a capacidade do município realizar o seu próprio planejamento. Sustenta, também, a partir das notas obtidas no IDEB, que o Plano contribuiu para elevação dos índices de avaliação do ensino do município.
O texto que segue, denominado “Desafios da Coordenação Pedagógica na Educação do/no Campo: um estudo de caso em uma escola estadual no município de Abaré/BA”, analisa as implicações das práticas da coordenação no contexto do ensino médio, tomando por base a atuação de uma profissional. O trabalho contextualiza as realidades das escolas e coordenações pedagógicas nos marcos legais e no campo das políticas públicas da educação do campo no estado da Bahia, sendo enriquecido pela análise dos relatos da coordenadora. Embora as escolas do campo tenham avançado em termos legais e de reconhecimento público, os autores sustentam que a coordenação pedagógica ainda carece de domínio teórico para a atuação nesse contexto.
A crítica em torno do modelo de desenvolvimento adotado pelo capitalismo e alternativa agroecológica como forma de manutenção da vida humana e não humana é desenvolvida com maestria no quinto texto, denominado “Educação do Campo e Agroecologia: proteção, avanço e emancipação humana”. Neste, os autores denunciam a destruição provocada pelo modo de produção do capital, o agronegócio responsável pelas formas de devastação da natureza, apontando, como alternativa as práticas da Educação do Campo. Dessa forma desenvolvem a análise, criticam o modelo tradicional de educação e indicam a necessidade da construção de um modelo de desenvolvimento entre campo e cidade que respeite a vida, a natureza e o reconhecimento dos saberes e das diversidades.
Em “Escola Família Agrícola de Anagé (EFA): uma proposta de educação do campo”, as autoras analisam a importância da modalidade para o reconhecimento da identidade da população campesina. Desenvolvido através de pesquisa bibliográfica e visitas in locu à EFA em Anagé, o trabalho sustenta a importância do Movimento Sem Terra – MST para a Educação do Campo, inclusive em Escola Família Agrícola, devido a contribuição da Pedagogia da Alternância como forma de organização do trabalho escolar em diálogo com a realidade do campo. Embora o momento político seja desfavorável, as autoras reafirmam que a proposta se constitui como contra hegemônica e a sua existência é um ato de fortalecimento da educação do campo.
O sétimo trabalho, nominado como “O Plano de Ações Articuladas (PAR) nos territórios de identidade da Bahia: um estado da arte”, as autoras realizam uma crítica ao Plano através da análise da produção do conhecimento disponível na literatura, especificamente nos territórios do estado da Bahia. A leitura do texto nos permite identificar, além da exposição do funcionamento do Plano, uma minuciosa descrição de cada trabalho encontrado e as formas como cada pesquisa está enraizada nas realidades territoriais daquele estado, ao mesmo tempo em que reconhecem que a realização do PAR está pautada por forças empresariais ligadas do Movimento Todos pela Educação – TPE. O trabalho propõe ao leitor uma reflexão, a fim de demonstrar os impactos da produção acadêmica nos territórios de identidade.
Em seguida, o texto “Políticas Públicas para a Educação do Campo: revisitando a bibliografia acerca do PRONERA” desenvolve uma interpretação da produção acadêmica sobre o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Dessa forma, aborda o programa como política pública de reconhecimento das populações do campo e suas especificidades, a partir do histórico da sua construção e vínculo com os movimentos sociais. Considerando os dados, as autoras indicam que o PRONERA beneficiou aproximadamente 167 mil estudantes da EJA, 5300 estudantes no ensino superior e 9 mil de nível médio. Nessa direção, o estudo demonstra a relevância do programa, principalmente pelo compromisso com a luta contra hegemônica no campo da educação.
O nono estudo, publicado sob o título “Programa Palavra de Mulher: a resistência na comunicação pelas ondas do rádio”, expressa um debate fundamental acerca da atuação das mulheres no campo da comunicação no estado de Goiás. Para isso, as autoras problematizam a educação no país a partir de suas relações com a globalização e neoliberalismo, e indicam a necessidade de alternativas articuladas aos movimentos sociais. O texto sustenta que o rádio, principal meio de comunicação das comunidades do campo, serve como um aliado das lutas populares das mulheres, sobretudo pelo acesso mais democrático e a possibilidade de disseminação de ideias que fortalecem a organização feminina. Para a autoras, o programa Palavra de Mulher é uma ferramenta de luta e resistência no fortalecimento dos direitos das mulheres.
No âmbito da obra, encontramos o décimo trabalho, intitulado “Vozes Silenciadas na Educação do Campo: a pessoa com deficiência no contexto escolar”. O estudo tematiza as condições para inclusão de estudantes com deficiência na interface entre Educação Especial e Educação do Campo. Para isso, as autoras propõem reflexões acerca da Educação Especial, delimitando que a sua característica é a individualização do atendimento, enquanto a Educação Inclusiva se dá pelo conjunto de práticas e políticas institucionais, para que todas as pessoas possam ser reconhecidas como sujeito de direitos. O material é provocativo, justamente porque expõe um debate marginal em torno das discussões sobre Educação do Campo. Por isso, as autoras reafirmam a importância das políticas de inclusão, cujo horizonte seja a formação integral e o diálogo com as diferenças.
Ao tratar do histórico dos movimentos ambientais, das diversas legislações no campo ambiental, problematizar os retrocessos das políticas ambientais, a estagnação da Política Nacional de Educação Ambiental – PNEA e a presença nebulosa da Educação Ambiental na BNCC, o décimo primeiro texto “Educação Ambiental Escolar na cidade e no campo: interfaces da práxis” apresenta alguns fundamentos da relação entre Educação Ambiental e Educação do Campo. Entre eles, a prioridade da relação dos seres humanos e a natureza através de um reencontro da educação, ambiente e modo de produção da vida. Esse estreitamento enquanto possibilidade de superação da crise sistêmica, coloca à educação ambiental e do campo o desafio de formar pessoas capazes de compreender o mundo enquanto uma totalidade socioambiental, pactuando novas relações e interações com o ambiente.
O último estudo, denominado “Mulheres Chefe de Famílias no Campo: protagonistas da sua própria história” encerra do conjunto de textos da obra. Nesse trabalho, as autoras analisam as trajetórias de famílias cujo sustento se dá, basicamente, pelo trabalho da mulher do campo. Realizado no estado da Bahia e contando com 05 participantes, o texto, primeiramente, discute a história das mulheres na sociedade e no Brasil, tecendo uma crítica ao androcentrismo e valorizando a organização das mulheres nos movimentos sociais. Ao analisar os relatos das participantes, as quais expõem a realidade da vida e do trabalho, o estudo deixa exposta a luta de mulheres cuja vida de suas famílias dependem do seu esforço, o que não deixa de ser uma contradição em relação ao patriarcado.
Entre as características da obra está o forte posicionamento político que busca demarcam em um tempo de acentuadas contradições e retrocessos sociais. Na medida em que o livro prioriza estudos com tal postura, somada a exigência de trabalhos fruto de pesquisas em diversos lugares do país, compreende-se que a sua leitura é um movimento obrigatório àqueles que desejam transformar a educação e a sociedade. Importante dizer que, ao trazer para o centro das discussões alguns temas que têm suas lutas, conquistas e retrocessos bem particularizados, o livro alcança o propósito do seu título e, ao mesmo tempo, elabora uma síntese concreta e relacional dos assuntos abordados, com enfoque nas políticas da educação do campo. Por fim, tomando emprestada a acepção freireana de Diálogo, o livro aproxima temas que estão na pauta das principais lutas da educação, apresentando-se como um instrumento atual que pode contribuir para a defesa da educação pública do campo.
Recebido em 30 de julho de 2021
Aceito em 08 de outubro de 2021
REFERÊNCIAS
PALUDO, C. Educação Popular – dialogando com Redes Latino-Americanas (2002-2003). In: PONTUAL, P. IRELAND, T. (org.). Educação Popular na América Latina: diálogos e perspectivas. Brasília, DF: Ministério da Educação/UNESCO, 2006. p. 41-61.
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1 Doutor em Educação pela Universidade Federal de Pelotas. Mestre em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG.