https://doi.org/10.18593/r.v47.28138

Escola nova, educação do campo e a política educacional: a experiência do programa escola ativa

Rural education, progressive education movement and educational policy: the experience of the escola ativa program

Escula nueva, educación del campo y la politica educacional: la experiencia del programa escuela activa

Márcio Adriano de Azevedo1

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), Professor.

http://orcid.org/0000-0003-1964-786X

Maria Aparecida de Queiroz2

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Professora.

https://orcid.org/0000-0002-7204-6847

Francisco das Chagas Silva Souza3

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), Professor.

https://orcid.org/0000-0002-9721-9812

Resumo: O presente artigo é resultado parcial de uma pesquisa em nível de Doutorado, financiada pelo CNPq, que teve como objetivo compreender a influência do escolanovismo em iniciativas governamentais para a educação do campo, em particular o Programa Escola Ativa. Optou-se pelos procedimentos teóricos e metodológicos da revisão bibliográfica, análise documental, observação e as notas de campo. Na concepção pedagógica da Escola Nova, destacam-se duas correntes: a metodológica e a doutrinária, que inspiraram vários programas e projetos educativos no mundo inteiro, inclusive ações governamentais voltadas para as escolas do campo com experiências no Brasil, como o Programa Escola Ativa, implementado nos anos de 1990 para atender às escolas do campo, visando preencher as lacunas metodológicas para o trabalho didático-pedagógico junto às escolas com turmas multisseriadas. Os resultados mostram que, após ser executado por mais de 20 anos como iniciativa específica para a realidade das escolas com turmas multisseriadas, em 2011, o Programa Escola Ativa foi extinto sob o argumento de que seria substituído pelo Programa Escola da Terra. A extinção do Programa, sem uma avaliação prévia da política que o concebeu, acabou seguindo o perverso ciclo das políticas de educação no Brasil, onde programas e projetos são descontinuados e/ou extintos, sobretudo quando ocorrem as transições governamentais.

Palavras-chave: educação do campo; escola nova; política educacional; Programa Escola Ativa.

Abstract: The article presented is a partial result from an academic research at the doctoral level, financed by CNPq, and aims to understand the influence of the Nova Escola (Progressive Education) movement in government initiatives for rural education, in particular, the Escola Ativa Program. We opted for theoretical and methodological procedures such as literature review, documentary analysis, observation, and field notes. In Progressive Education pedagogical conception, two influences stand out: methodological and doctrinal currents, which inspired several educational programs and projects worldwide, including government actions towards rural schools placed in Brazil, such as the Escola Ativa Program implemented in the 1990s to attend rural schools, aiming to fill the methodological gaps for didactic-pedagogical work at schools with multigrade classes. The research results show that the program had occurred for more than 20 years as a specific initiative for schools with multigrade classes. However, the Escola Ativa Program was abolished in 2011 under the argument it would be replaced by the Escola da Terra Program. The extinction of the Program without a prior evaluation of the policy that was conceived ended up following the perverse cycle of education policies in Brazil, where programs and projects have become ceased or extinct, mainly when government transitions occur.

Keywords: rural education; progressive education movement; educational policies; Escola Ativa program.

Resumen: Este artículo es el resultado parcial de una investigación a nivel de Doctorado, financiada por el CNPq, que tuvo como objetivo comprender la influencia del Escuelanovismo en las iniciativas gubernamentales de educación del campo, en particular el Programa Escuela Activa. Se optó por los procedimientos teóricos y metodológicos de revisión bibliográfica, análisis documental, observación y notas de campo. En la concepción pedagógica de la Escuela Nueva se destacan dos corrientes: la metodológica y la doctrinaria, que inspiraron varios programas y proyectos educativos en todo el mundo, incluyendo acciones gubernamentales dirigidas a escuelas rurales con experiencias en Brasil, como el Programa Escuela Activa, implementado en la década de 1990 para atender a las escuelas del campo , con el objetivo de llenar los vacíos metodológicos para el trabajo didáctico-pedagógico junto a las escuelas con clases multiseriadas. Los resultados muestran que, después de ejecutado por más de 20 años como una iniciativa específica para la realidad de las escuelas con clases multiseriadas, en 2011 se abolió el Programa Escuela Activa con el argumento de que sería reemplazado por el Programa Escuela da la Tierra. La extinción del Programa, sin una evaluación previa de la política que lo concibió, terminó siguiendo el ciclo perverso de las políticas educativas en Brasil, donde los programas y proyectos son discontinuados y / o terminados, especialmente cuando ocurren transiciones de gobierno.

Palabras claves: educación rural; nueva escuela; políticas educativas; Programa de Escuela Activa.

Recebido em 22 de julho de 2021

Aceito em 09 de setembro de 2021

1 NOTAS INTRODUTÓRIAS: FUNDAMENTOS HISTÓRICO-POLÍTICOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO E A INFLUÊNCIA DA ESCOLA NOVA

A partir da década de 1930, desencadearam-se transformações econômicas, políticas, sociais e culturais no Brasil, muitas das quais associadas ao processo de desenvolvimento industrial e à Revolução de 1930. Até então, apesar de haver um processo de industrialização desencadeado desde as últimas décadas do século XIX, a economia brasileira pautava-se nas bases predominantemente agrícolas (cultura do café) e no crescimento econômico do país, sob a tutela do Estado brasileiro, induzia à concentração da riqueza para uma minoria oligárquica dos Estados de São Paulo e Minas Gerais.

A educação, em particular, se estruturou com medidas que advinham do poder central para as demais instâncias da federação, sem contar com a participação da sociedade, tampouco eram promovidos processos formativos com abrangência universal desse ponto de vista nem do cultural. Para coordenar as ações desse campo, no Governo Provisório de Getúlio Vargas, foi criado, em 14 de novembro de 1930, o Ministério da Educação e Saúde Pública, tendo à frente o Ministro Francisco Campos, que se destacou pela atuação no ensino Secundário e Superior, com a conhecida Reforma Francisco Campos e a criação do Conselho Nacional de Educação. Em relação ao ensino superior, implantou o regime universitário, além de criar a Universidade do Rio de Janeiro.

Fausto (2001) ressalta que a Reforma, entre outras ações, também criou oficialmente o currículo organizado na perspectiva de ensino seriado e dividido em dois ciclos, além da frequência obrigatória às escolas e a exigência de diploma de nível secundário para o ingresso no ensino superior. A ideia de ensino seriado ainda está presente na organização e estrutura da escola brasileira, razão pela qual se usa o termo turmas ou escolas multisseriadas, como as que funcionam no campo, como veremos nas seções seguintes.

No âmbito das ideias pedagógicas, a década de 1930 destacou-se pelo ideário dos reformadores liberais – berço do escolanovismo no Brasil – e o dos católicos, os quais exaltavam o papel da escola privada e defendiam o ensino religioso em todas as escolas. Associado a estudos e experiências europeias e norte-americanas, o movimento da Escola Nova disseminou-se no país tendo como principais expoentes os reformadores liberais e inspirou-se nas ideias e experiências de Jonh Dewey, com quem Anísio Teixeira conviveu durante os seus estudos de pós-graduação nos Estados Unidos. Sobre o movimento Escola Nova aqui no Brasil, Ferreira Júnior e Bittar (2008) ressaltam que ele incorporou a luta pela universalização do ensino público e obrigatório para todos; por outro lado, nos EUA, essas ideias tinham como proposta conectar a rede nacional à modernização urbano-industrial, conhecida pelos norte-americanos já no final do século XIX.

No que diz respeito ao Governo Vargas, Fausto (2001) enfatiza que não houve posicionamento favorável às aspirações dos liberais, uma vez que o governo mostrou-se mais inclinado à corrente católica, denotando, assim, o desinteresse do Estado em assumir a educação como uma política pública de direito social. Entre os escolanovistas e reformadores liberais, “[...] apenas Lourenço Filho manteve postos de mando, enquanto os demais foram marginalizados ou até mesmo perseguidos, como foi o caso de Anísio Teixeira.” (FAUSTO, 2001, p. 340).

No que concerne à repercussão do escolanovismo no Brasil, Fausto (2001) destaca, ainda, que, enquanto nos Estados federados e no Distrito Federal, disseminavam-se as discussões em torno de reformas educacionais, cujo Governo Federal, à época, praticamente não se mobilizava, restringindo-se à ações voltadas para o ensino superior e secundário, conforme determinava o artigo 35 da Constituição de 1891, pois os demais níveis de ensino estavam sob a responsabilidade dos Estados Federados e no Distrito Federal. Os dois sistemas, paralelos e independentes, ficariam ainda mais afastados se o primeiro fosse predominantemente privado. E assim se fez, evitando-se, deste modo, qualquer possibilidade de ascensão social mais ampla por parte dos segmentos da população que tivessem acesso à educação.

Nesse contexto brasileiro, as políticas de educação formuladas e implementadas para o campo foram caracterizadas por ações descontínuas, representando “[...] uma fatia muito pequena e mesmo marginal nas preocupações do setor público.” (CALAZANS; CASTRO; SILVA, 1981, p. 162). Para Fernandes e Molina (2004), na história da educação brasileira, o conceito de educação do campo sempre foi associado às condições precárias, atrasadas e arcaicas, portanto, os serviços oferecidos à população residente eram como ainda são, ou seja, mínimos e de qualidade social insuficiente, questionáveis em relação aos direitos sociais. Desse modo,

A origem da educação rural está na base do pensamento latifundista empresarial, do assistencialismo, do controle político sobre a terra e as pessoas que nela vivem. O debate a respeito da educação rural data das primeiras décadas do século XX. Começou no 1º congresso de Agricultura do Nordeste Brasileiro, em 1923, e tratava de pensar a educação para os pobres do campo e da cidade no sentido de prepará-los para trabalharem no desenvolvimento da agricultura [...] Enquanto a Educação do Campo vem sendo criada pelos povos do campo, a educação rural é resultado de um projeto criado para a população do campo, de modo que os paradigmas projetam distintos territórios. Duas diferenças básicas desses paradigmas são os espaços onde são construídos e seus protagonistas. (FERNANDES; MOLINA, 2004, p. 62).

Percebemos, pois, que a concepção de educação rural está associada às ideias socioeconômicas, políticas e ideológicas que fundamentaram as bases do latifúndio empresarial, do assistencialismo e do controle político.

Conforme Vale (2005), as características que diferenciam o conceito de rural do conceito de urbano podem apresentar-se sinteticamente pela: a) baixa densidade populacional; b) uso econômico predominantemente agropecuário; c) os moradores têm um perfil que se caracteriza pelo pertencimento às pequenas coletividades e às relações particulares com o espaço; d) a cultura se identifica e representa especificamente o meio rural; e) os sujeitos se relacionam com a natureza por meio de práticas e de representações particulares, tendo relação com espaço, o tempo, a família, as crenças, os costumes, entre outros aspectos, que se diferenciam da cidade; f) as vivências coletivas resultam das relações e dos interconhecimentos sociais; g) há menor diferenciação e mobilidade socioespacial; h) a posse da terra se coloca no centro do sistema político-econômico.

Essas características, a despeito de terem se modificado ao longo da história, ainda predominam em algumas partes do País, como nas regiões Norte e Nordeste. O Nordeste, além de se destacar como produtor e exportador no campo da fruticultura e do sal, também é protagonista em relação ao petróleo, figurando com cinco entre os dez maiores estados brasileiros: Bahia (4º), Sergipe (5º), Rio Grande do Norte (6º), Alagoas (8º) e Ceará (9º) (PANORAMA OFFSHORE, 2020), ter sido protagonista na produção, não disputa em termos das profundas mudanças que se processam no campo em outras partes do país, com a soja, por exemplo, para manter a lógica capitalista do mercado. É possível visualizar a ênfase no agronegócio (exportador) e na agropecuária, com os complexos agrícolas concentrados nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, em detrimento da agricultura familiar (IANNI, 2004).

Segundo Reis (2006), não há consenso conceitual nem metodológico entre os formuladores de políticas públicas, como os demógrafos, bem como entre os pesquisadores brasileiros a respeito das definições sobre o rural brasileiro. Para o autor, trata-se de uma discussão polêmica e que está longe de ser resolvida, pois, além de vigorar uma legislação anacrônica, existem poucos estudos no Brasil voltados para a compreensão da problemática. Os estudos de Reis (2006), que tratam das características que definem o rural, enfatizam que estas se associam aos fatores ocupacionais e ambientais, dependendo do tamanho das comunidades e das diferenças na densidade e diversidade populacionais.

Diante dessa dificuldade, o relatório que instituiu as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (BRASIL, 2002) ressalta que, apesar de o país ter a sua origem assentada nas bases agrárias, os primeiros textos constitucionais – 1824 e 1891 – sequer mencionavam a educação rural. Analisando essa situação no final do Império e no início da República, período em que se estruturava o sistema de instrução elementar no Brasil, Arroyo (1983, p. 20) enfatiza que:

A classe subalterna não é apenas vítima de um projeto de ideologização tentado pelas classes dominantes, ela é agente histórico, constrói a própria história e se faz a si mesma muito mais do que é feita fora. Vemos a história do período como resultado do confronto entre classes por mais heterogêneas que elas sejam, confronto que se dá inclusive a nível de hegemonia e contra-hegemonia cultural. O homem do campo tem seus próprios valores sobre o tempo, o lazer e o trabalho, o que condiciona qualquer projeto de reeducação para os novos valores requeridos pelas novas relações de trabalho. Neste sentido trata-se de um processo conflitivo, que traspassa a política de instrução elementar e do ensino técnico agrícola.

Percebemos, nessa referência, que a qualidade social da educação para os camponeses não é discutida entre as pessoas que atuam junto a eles e, menos ainda, com os beneficiários desse serviço público. Ao contrário, é conduzida de acordo com os interesses do modelo político de desenvolvimento econômico do campo, cujas bases se fundamentam nos interesses das classes dominantes. Assim, a educação rural sempre foi condicionada a padrões inferiores e, ao longo de décadas, a organização escolar no campo se configurou conforme o modelo unidocente, no qual havia um professor para trabalhar com todas as séries, no mesmo horário escolar, conforme é definido o padrão de salas multisseriadas. Para esse modelo, não é acenado um projeto de mudanças, senão o de manter aquelas bases históricas, dentre as quais está o controle político e a negação da educação como direito e da qualidade social como referência.

Nesse cenário, havia também indiferença por parte dos dirigentes de educação brasileiros acerca da necessidade de ter-se um projeto educacional específico para as escolas do campo. O debate apenas foi inscrito na agenda governamental a partir dos anos 1930, por ocasião do movimento escolanovista. As propostas dessa natureza voltadas para a educação do campo, como o ruralismo pedagógico, defendiam a ideia de que a escola deveria respeitar os interesses e as necessidades socioeconômicas e culturais dos sujeitos em suas respectivas localidades, a fim de fixá-los em seu meio, conforme mostra Calazans, Castro e Silva (1981).

Assim, o ruralismo pedagógico, fundamentou-se em alguns princípios escolanovistas para desenvolver suas ideias e ações, como a utilização de trabalhos cooperativos, internatos em escolas do campo e atividades práticas, conforme observam Nogueira (2008) e Magalhães Júnior e Farias (2007). Nessa perspectiva, foram criadas as Escolas Normais com a missão de formar os professores que pretendiam atuar em escolas do campo. A primeira experiência brasileira com essa modalidade escolar se desenvolveu em 1934, no município de Juazeiro do Norte-CE (LOURENÇO FILHO, 2002). Para Nogueira (2008, p. 108), a “[...] criação da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte trouxe para o interior cearense a possibilidade de contar com professores qualificados e preparados para a educação no campo.”

O Movimento ruralista na década de 1930 estava associado ao projeto nacionalista protagonizado pelo então Presidente da República, Getúlio Dornelles Vargas, que governou o país entre 1930 e 1945, período conhecido com a era Vargas. “Os discursos de valorização do desenvolvimento do meio rural estavam impregnados de expressões como vocação histórica.” (MAGALHÃES JÚNIOR; FARIAS, 2007, p. 56, grifo dos autores). A intenção dos dirigentes era implementar uma política de valorização do crescimento e do desenvolvimento econômico do chamado meio rural, associada à necessidade de conter a migração entre este e o meio urbano, com a fixação dos sujeitos no campo. Diante do que mostrava a realidade naquele momento, pensar em manter as pessoas nesse meio ante as precárias condições de vida a que estavam submetidas tornou-se inviável, pois o campo se esvaziou e as cidades foram urbanizadas de forma desordenada.

Em 1947, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) orientou sobre a necessidade de incluir, nos currículos das escolas rurais, aspectos relacionados a melhorias nos métodos de cultivo da produção agrária, de conservação, de restauração e fertilização, de controle de erosão do solo, bem como sobre o uso de máquinas que substituíssem as ferramentas primitivas utilizadas pelos produtores rurais (como enxada, capinadeira entre outros), na perspectiva do desenvolvimento (WERLE, 2007). Diante desse projeto,

[...] a função da escola rural confunde-se com o conceito que a acompanha, pois as escolas do campo, de mestre único, multisseriadas, fazem parte da história da educação brasileira, enquanto que as escolas do campo criadas para preparar o homem produtivo que, além dos conhecimentos básicos dominassem as técnicas de plantio e fosse garantia de melhor produção, foi sistematizada pelo Decreto-lei 9613, de 20 de agosto de 1946, como Lei Orgânica do Ensino Agrícola. (MIGUEL, 2007, p. 83).

Para além do que apresenta nessa referência, Miguel (2007) ressalta que, na realidade, o formato do ensino em escolas do campo no Brasil foi marcado pela precariedade na infraestrutura da rede física, nas condições materiais e pedagógicas, além dos problemas relacionados à formação dos professores, o que ainda não foi superado.

Para outros críticos, como Saviani (2003), propostas como a do ruralismo – entendido também como otimismo pedagógico –, com os fundamentos escolanovistas, não ensejavam pensar a escola como um espaço de formação para a participação política, isto é, que se voltasse para “[...] articular a escola como um instrumento de participação política, de participação democrática, passou-se para o plano técnico-pedagógico.” (SAVIANI, 2003, p. 51). Vale destacar que a aprendizagem ativa propõe ao estudante exercer o papel central no processo educativo, superando a ideia de método tradicional, assumindo o controle de sua própria aprendizagem, como observa Severo (2020).

Por volta dos anos de 1940 e idos dos anos de 1950, a discussão sobre a necessidade de ter-se um projeto educacional voltado especificamente para o campo integrou a agenda governamental brasileira, por ocasião do Oitavo Congresso Brasileiro de Educação, realizado em Goiânia, em 1942 (LEITE, 2002). No evento, a educação primária fundamental tornou-se o tema central, dando ênfase a abordagem dos objetivos e da organização da educação nas pequenas cidades e vilas interioranas, no campo e nas áreas de imigração, além das zonas do alto sertão. Com isso, a perspectiva era de fixar o homem no campo, como mostra Werle (2007).

A autora ressalta também que foram apresentadas várias propostas, como a criação de granjas-escolares, fazenda-escola, internato rural, clubes de trabalho, missões culturais e semanas ruralistas. Foram tratados, ainda, temas relacionados à formação de professores, que deveria orientar para práticas que incorporassem a educação moderna e as especificidades das escolas localizadas no campo.

A partir da década de 1960, as lutas contra a exclusão social no meio rural, em particular pelo direito à educação e à reforma agrária, ganharam notoriedade e subsidiaram inúmeras iniciativas e projetos educacionais. O marco dessa redefinição foi o II Congresso Nacional de Educação de Adultos, o qual teve como relator o educador brasileiro Paulo Freire, que propunha uma educação popular que compreendia um processo de luta pela subsistência e pela libertação das classes populares.

A despeito do assunto, Silva (2006) mostra, ainda, que, associada às experiências desenvolvidas nas décadas de 1950 e 1960, tivemos a criação de organizações camponesas como as Ligas Camponesas (1955-1964). Estas foram instauradas na zona da mata de Pernambuco e conduziam os trabalhadores rurais, principalmente os da cana-de-açúcar, na defesa de direitos trabalhistas, entre outros inerentes às funções do trabalho assalariado, conforme observa Soares (1982). Iniciativas e organizações – como sindicatos, movimentos e instituições sociais – cresceram ao lado da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), que foi fundada em 20 de dezembro de 1963.

Ao longo do tempo, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura (CONTAG) exerceu um papel muito importante ao lado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), criado em 1984. Tanto estas quanto outras organizações similares encamparam lutas políticas e sociais dos camponeses que aspiram à propriedade da terra assim como à igualdade de direitos a todos os trabalhadores brasileiros. No que se refere à formulação e à implementação de ações que visassem a uma política específica de educação para o meio rural, identificamos, nos anos de 1970, que, a despeito de a Lei n. 5.692/1971 da Reforma do Ensino de 1º e 2º graus (BRASIL, 2022) acenar ao atendimento às especificidades das escolas nesse campo, com a adequação do calendário escolar aos ciclos agrícolas – plantio e colheita –, se mantém as práticas efetivas movidas por projetos experimentais e transitórios.

Os projetos voltados para a educação nesse meio nos anos de 1980 resultaram de prioridades de organismos multilaterais como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a UNESCO e o Banco mundial, que formulavam orientações técnicas, pedagógicas e ideológicas amparadas pelo financiamento de parte dos recursos para mantê-los.

Foi assim com o Projeto Nordeste, formulado em meio à crise política que se abatia sobre o regime civil militar (1964-1985), na vigência do Terceiro Plano Nacional de Desenvolvimento (III PND), entre 1980 a 1985, cujas metas se voltavam para as áreas pobres e com relativa densidade populacional, como o Nordeste e os grandes centros urbanos. Nessa política, foi consagrado o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste (POLONORDESTE) e o Projeto de Coordenação e Assistência Técnica ao Ensino Municipal (PROMUNICÍPIO).

As iniciativas não foram suficientes para conter os problemas identificados na região, em particular no campo da educação, entre os quais estavam os altos índices de analfabetismo. Concomitante e subsequente a esses programas, conforme Queiroz (1984; 1997), desde o início dos anos de 1970, o Banco Mundial realizava estudos sobre a educação brasileira, em particular no meio rural. As ações não foram além daquelas que se vinham desenvolvendo nos municípios. E, nos anos de 1980, consolidou-se o Programa de Expansão e Melhoria da Educação Básica do Nordeste (EDURURAL/NE), desenvolvido entre 1980 e 1985, estendendo-se depois a 1987.

Naquele momento, cresciam os movimentos sociais e o sindicalismo do campo, fortalecendo-se a capacidade de luta e de organização político-ideológica dos trabalhadores na terra. Nos anos seguintes, intensificaram-se e suscitaram-se discussões propositivas acerca da educação para os camponeses e trabalhadores rurais. A tentativa era superar o silenciamento que imperava na agenda governamental brasileira em torno da educação, dos sujeitos e do modo de vida rural, “[...] que se explicitava ora na ausência de uma política pública de educação para o meio rural brasileiro, ora no caráter periférico de suas propostas.” (SILVA; COSTA, 2006, p. 64). Nos anos 2000, a política de educação do campo ganhou espaço na forma de ações governamentais e de eventos focados nessa problemática. Assim,

A literatura recente sobre o tema mostra a emergência do conceito de educação do campo, que se contrapõe à visão tradicional de educação rural. A expressão ‘do campo’ é utilizada para designar um espaço geográfico e social que possui vida em si e necessidades próprias, como ‘parte do mundo e não aquilo que sobra além das cidades’. O campo é concebido enquanto espaço social com vida, identidade cultural própria e práticas compartilhadas, socializadas por aqueles que ali vivem. (BRASIL, 2007, p. 8).

Nessa perspectiva, Silva e Costa (2006, p. 68) ressaltam que o projeto de “[...] educação do campo vem sendo construído em um grande movimento educativo que está acontecendo no campo, tendo como protagonistas os movimentos sociais e sindicais, no contexto da luta pela terra [...]”, além das lutas e experiências se acumularam no transcurso da história brasileira, conforme mostram Leite (2002), Queiroz (1984; 1997) e Silva (2006). Ao abordar o tema, os estudos de Jesus e Molina (2004) destacam que a Educação do Campo é transversal, à medida que nasce do compromisso em afirmar e reconhecer os sujeitos, recuperando a sua identidade e o espaço vivido. Foi nesse contexto que:

O assunto foi visto desde o começo, da tamanha importância para tratá-lo com a seriedade, profundidade, alcance e abrangência que merece, entraram em parceria a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), através de seu Setor Educação e das Pastorais Sociais, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura (UNESCO) e a Universidade de Brasília (UnB). (ARROYO; FERNANDES, 1999, p. 7).

No início dos anos 2000, criou-se uma articulação institucional entre os segmentos organizados diante da construção dessa proposta política e pedagógica perpassa os movimentos sociais e sindicais, pois se consolidou na discussão em eventos, como seminários estaduais e conferências em âmbito nacional. Produziu-se, dessa forma, uma literatura específica que alavancou o debate associado à apropriação do estatuto da Constituição Federal (1988) e da LDB, Lei n. 9.394/1996, como aporte na construção de um marco normativo: as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (BRASIL, 2002).

Nesse sentido, o que se postulou foi a especificidade de um tipo de educação, com qualidade socialmente referenciada, resguardando o princípio do direito subjetivo, reiteradamente negado aos sujeitos que vivem no campo. A estes sempre se impôs as formas urbanas de escolarização, agravadas pela insuficiência dos espaços físicos, equipamentos, currículo formal, material escolar, nível de formação de professores entre outros atributos requeridos por uma educação de qualidade.

2 AS ESCOLAS DO CAMPO E O PROGRAMA ESCOLA ATIVA À LUZ DE EXPERIÊNCIAS ESCOLANOVISTAS

As escolas do campo com turmas multisseriadas representam, muitas vezes, a única forma de garantir oferta educacional às populações do campo, visto que o espaço, por vezes, se caracteriza por populações dispersas e de baixa densidade demográfica, sendo instrumento de universalização da educação básica em vários países e regiões do mundo, como na África e na própria América Latina, como explicita Arroyo (2010).

Sobre o reconhecimento das escolas do campo multisseriadas como alternativa político-pedagógica de acesso à educação, nos anos de 1960, Arboleda (2004) sobreleva algumas experiências como a de programas implementados pelo primeiro Projeto Principal da UNESCO em países da América Latina, visando à oferta do ensino primário (Fundamental) em áreas de baixa densidade populacional por meio da Escola Unitária.

Para a solução dos problemas educativos da América Latina, na década de 1950 e de 1960, a UNESCO idealizou os Projetos Principais. Essa ideia surgiu no Uruguai, na VIII Conferência Geral da UNESCO, realizada em 1954, cujo objetivo foi atender aos problemas de maior importância, como o da ampliação do acesso à educação primária (NORBERTO, 2007).

Para Arboleda (2004), a organização de escolas em turmas multisseriadas requer maiores inovações, como a ruptura com o modelo tradicional de ensino, já defendido pelos clássicos escolanovistas, como Forgione (1949) e Ferrière (1928; 1934; 1965). Concordamos com Arboleda (2004) a respeito da necessidade de inovações metodológicas junto às turmas multisseriadas, mas entendemos que apenas a metodologia não é suficiente para superar os desafios político-pedagógicos e as condições de quem trabalha em escolas organizadas com essa modalidade.

Aspectos estruturais que historicamente configuram as precariedades nas escolas do campo precisam ser superados, além dos aspectos políticos, sociais e culturais que a escola socialmente referenciada não pode prescindir independente da forma como se organiza. Vale observar que o autor reconhece que os docentes e estudantes de escolas do campo com turmas multisseriadas geralmente desenvolvem os seus trabalhos em condições desiguais em relação àquelas oferecidas em outros setores da educação.

A exemplo dos estudos da UNESCO (2002), Torres (1992) também salienta que a infraestrutura e o processo de ensino-aprendizagem das escolas públicas em regiões como a América Latina não reúnem condições mínimas de qualidade, mostrando exemplos como os da região Nordeste do Brasil, onde muitas escolas do campo se organizam precariamente, sem as devidas condições higiênicas, sem água potável, faltando energia elétrica, ventilação e em prédios escolares adaptados, isto é, improvisados, conforme explicita Queiroz (1997).

Já sobre a incorporação de novas tecnologias ao ensino, Torres (1992) destaca que, nos anos 2000, os computadores começaram a ser introduzidos nos sistemas públicos de educação da maioria dos países, embora isso venha ocorrendo sem uma distribuição racional. Existem muitos casos de instituições ou de comunidades que recebem computadores sem ter energia elétrica ou orçamento para financiá-los, o que ainda é um desafio para as escolas do campo, sobretudo quando o acesso às novas tecnologias e à internet vem tornando-se imperativo no processo educativo.

Santos (2004) explicita o que as pesquisas da área vêm mostrando, sublinhando que a educação do campo se apresenta como prioridade periférica nas políticas públicas se for comparada à realidade da educação urbana. Não se trata, pois, exclusivamente de um problema como a incompatibilidade curricular e metodológica, mas, da falta de ações governamentais e de políticas de Estado contínuas e permanentes. Na América Latina, alguns programas foram desenvolvidos especificamente para as escolas do campo organizadas em turmas multisseriadas. Conforme FAO e UNESCO (2004), o Programa Escuela Nueva, na Colômbia, é realçado como iniciativa governamental que contribuiu para a universalização da educação do campo, tornando-se modelo para outros países como o Brasil.

A título de ilustração, o Programa foi modelo para a implementação do: Escuela Nueva Unitária (Guatemala); Escuela Activa (Panamá); Mece Rual (Chile); Aulas Alternativas (El Salvador); Escuela Modelo (Nicarágua); Escuela Activa Participativa/Escuela Nueva (Honduras); Escuela Multigrado Innovada (República Dominicana); Mita Iru (Paraguai); Interactiva Comunitária (México); Aprendes (Peru); New School (Guyana e Uganda); e Active School /Child Friendly School and (Filipinas); e Escola Ativa (Brasil) (ARBOLEDA, 2007).

Para melhor compreender a estrutura e os objetivos de programas como o Escuela Nueva, os estudos de Arboleda (2004) esclarecem que essa metodologia parte do pressuposto de que o aluno é um sujeito ativo e, portanto, o processo de ensino-aprendizagem deve estar associado à sua vida e ao seu cotidiano. Contudo, de acordo com Azevedo (2018), o chamado princípio ativo não visa essencialmente pensar a educação, a escola e o ensino como espaço de formação e participação política, como também já observou Saviani (2003).

Para Torres (1992), o Escuela Nueva é uma alternativa de política pública afirmativa, pois, além de garantir a oferta educacional no campo e melhorar substancialmente a sua qualidade, apresenta um modelo educativo que atende às especificidades das escolas do campo organizadas em turmas multisseriadas.

A autora também destaca que, a exemplo do que se faz com outras experiências inovadoras em educação em nível internacional, se tem uma tendência a apresentar a Escuela Nueva como uma iniciativa isenta de problemas. Afirma, ainda, que, entre o desenho original do Programa e sua execução, ocorreram vários problemas de ordem político-pedagógica, técnica, financeira.

A propósito, no Brasil, conforme já foi dito, a influência do programa implementado na Colômbia fez surgir o Programa Escola Ativa, tendo como objetivo “[...] minimizar uma lacuna no sistema educacional brasileiro: a ausência de metodologia adequada para o atendimento de escolas multisseriadas.” (BRASIL, 2005, p. 7, grifo nosso). A falta de metodologia adequada não é a única lacuna do sistema educacional brasileiro, em particular para o campo. Retomamos Calazans, Castro e Silva (1981) e Fernandes e Molina (2004) para reforçar que historicamente não houve a preocupação com a garantia do direito à educação e com a qualidade desejada para promover a transformação dos sujeitos que moram e trabalham no campo, sendo atribuído à educação e às escolas iniciativas descontínuas ou minimalistas. Assim sendo, alguns autores como Gonçalves (2009) destacam que a fórmula ou pacote educacional colombiano chegou ao Brasil por encomenda, diferente do desenvolvimento gradativo e de uma agenda bem programada, como ocorreu na Colômbia na década de 80.

Gonçalves (2009) interpreta que, se por um lado a iniciativa resulta de uma reforma educacional tecnocrática, por outro, é decorrência de uma crescente politização do campo brasileiro e de uma intensificação do debate sobre a educação do campo. Ainda segundo o autor, esse debate é resultado de uma abordagem multicultural que reivindica o reconhecimento da heterogeneidade do campo e que busca atender às reivindicações educativas de grupos como os trabalhadores rurais, os ribeirinhos, os quilombolas, os pescadores, entre outros.

As primeiras discussões sobre a iniciativa governamental ocorreram em maio de 1996, quando técnicos do Projeto Nordeste, do Ministério da Educação e dos estados de Minas Gerais e Maranhão foram convidados pelo Banco Mundial a participarem, na Colômbia, de um curso sobre a socialização da experiência formulada por um grupo de educadores colombianos que, segundo o Ministério da Educação (MEC), “[...] há mais de vinte anos, obtinha sucesso no enfrentamento dos problemas educacionais das classes multisseriadas daquele país.” (BRASIL, 2005, p. 12).

Após esta iniciativa, em agosto do mesmo ano, foi realizado um seminário em Brasília, coordenado por um representante da Fundacion volvamos a la gente – instituição que, na Colômbia, foi responsável pela implementação da metodologia. Na ocasião, a Direção-Geral do Projeto Nordeste reuniu todos os Secretários de Educação e diretores de ensino dos estados da região Nordeste a fim de conhecerem e decidirem sobre a adesão à metodologia.

Após o evento, sete destes aderiram ao Programa Escola Ativa e, em outubro de 1996, os técnicos em educação se dirigiram à Colômbia para receberem capacitação específica. Ressaltamos que, na agenda que definiu a implementação do Escola Ativa no Brasil, não houve a participação dos movimentos sociais e sindicais do campo, o que em grande parte provocou certa resistência por parte destes ao Programa.

Quando o Projeto Nordeste chegou ao seu final, em 1999, o programa vinculou-se ao Fundo do Desenvolvimento da Escola e as ações de implementação foram disseminadas nas regiões que compunham a Zona de Atendimento Prioritário (ZAP). Esse processo desencadeou-se em cinco fases, conforme mostram as diretrizes para implementação da estratégia metodológica Escola Ativa no país (BRASIL, 2005).

A primeira fase compreendeu o período denominado de implantação e testagem: foi o momento de formulação, implementação e o acompanhamento do Programa e de seu amoldamento à realidade brasileira, observando a sua efetividade e procurando a afirmação pela qualidade da mudança em sala de aula. Essa fase compreendeu o período de 1997 a 1998, em Estados da região Nordeste, como o Rio Grande do Norte.

Na fase seguinte – a partir de 1999 –, houve, segundo o MEC, uma expansão do Escola Ativa, em razão de solicitações por parte de Estados e municípios do Nordeste e do Centro-Oeste, a fim de ampliar o atendimento às escolas multisseriadas com a metodologia do Programa. Mesmo que algumas iniciativas por parte dos movimentos sociais e sindicais do campo, como a denominada política de educação do campo já estivessem em movimento, o Escola Ativa continuou sendo executado por meio de induções e decisões técnicas, no geral, envolvendo o MEC e as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação.

A terceira fase foi caracterizada pela consolidação do Escola Ativa, conforme definido pelas diretrizes do Programa. Nessa etapa, criou-se a rede de formadores (multiplicadores), envolvendo os estados e municípios nas ações de formação e de monitoramento.

Na quarta fase – definida como a expansão II –, ampliou-se o programa para aquelas áreas que não compunham a chamada ZAP, envolvendo outros municípios por meio da expansão autônoma, ou seja, atribuindo-lhes responsabilidades, como a de capacitar os seus professores, dotar as escolas de estrutura física e de kit pedagógico para a aplicação metodológica, entre outras.

Assim, coube ao Fundo do Desenvolvimento da Escola a distribuição dos materiais para a formação dos professores e dos Guias de Aprendizagens para os estudantes. Na quinta etapa (Disseminação e Monitoramento), a implantação e o monitoramento do programa vincularam-se às ações educacionais da CGFOR/Diretoria de Programas Especiais/FNDE/MEC, composta por uma rede de gestores, técnicos, professores, alunos e pais que, segundo as Diretrizes (BRASIL, 2005), objetivavam apoiar e garantir a sustentabilidade do Programa Escola Ativa nos estados e nos municípios.

Em 2008, o MEC integrou o Programa à esfera da SECAD4, incorporando-o às ações da política nacional de Educação do Campo, vista a sua particularidade em atender às escolas que se organizavam em multissérie. Dentro das ações Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e do Plano de Ações Articuladas (PAR), o MEC adotou uma política de expansão do Escola Ativa para todos os estados e para o Distrito Federal, reconfigurando o material didático-pedagógico e os módulos de capacitação dos profissionais que atuam com a metodologia. Gonçalves (2009) explicita que, mesmo havendo maior publicização sobre a implementação do Programa, em particular no âmbito da Comissão Nacional de Educação do Campo (CONEC), o Escola Ativa continuava sofrendo críticas e resistências, sobretudo por sua matriz não coadunar com os princípios e os fundamentos da política de educação do campo.

Os técnicos das Secretarias Estaduais e do Distrito Federal que atuavam no Programa e que trabalhavam com a metodologia, além de alguns professores das universidades públicas, foram envolvidos nesse processo. Esses profissionais assumiram ainda a formação dos supervisores pedagógicos e dos professores que trabalhavam com o Escola Ativa em seus respectivos estados.

Em 2011, o Programa Escola Ativa foi extinto sob o discurso e a proposta de uma nova agenda governamental, que viria a implementar o Programa Escola da Terra, apresentando novas perspectivas para a educação do campo e para as escolas organizadas com turmas multisseriadas. Mesmo havendo dissensos sobre a viabilidade e a efetividade do programa em relação aos preceitos político-pedagógicos que fundamentavam a política de educação do campo (BRASIL, 2002), o fato é que o Escola Ativa foi extinto sem apresentar uma avaliação técnico-científica que respaldasse a decisão, seguindo o perverso ciclo das políticas de educação no Brasil, onde programas e projetos são descontinuados e/ou extintos, sobretudo quando ocorrem as transições governamentais.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A década de 1930 destacou-se pelas ideias pedagógicas respaldadas pelo ideário dos reformadores liberais, berço da Escola Nova no Brasil, associado a estudos e experiências europeias e norte-americanas, tendo como principal expoente Jonh Dewey, com quem Anísio Teixeira conviveu durante os seus estudos de pós-graduação nos Estados Unidos.

Na educação do campo em particular, a partir dos anos de 1930 algumas propostas pedagógicas foram formuladas, como o ruralismo pedagógico, cujos princípios escolanovistas ensaiavam a necessidade de práticas cooperativas, internatos em escolas do campo e o desenvolvimento de atividades práticas, defendendo a ideia de que a escola deveria respeitar os interesses e as necessidades socioeconômicas e culturais dos sujeitos em suas respectivas localidades, a fim de fixá-los em seu meio.

Nessa perspectiva, algumas iniciativas como a criação das Escolas Normais forma implementadas, com a missão formar os professores que pretendiam atuar em escolas do campo com o princípio preconizado pelo ruralismo pedagógico, sendo que a primeira experiência brasileira com essa modalidade escolar se desenvolveu em 1934, no município de Juazeiro do Norte-CE.

A partir dos anos de 1940, as ideias inspiradas na Escola Nova ganharam espaço na agenda e na formulação de políticas públicas para a educação do campo, protagonizadas e implementadas por organizações como a UNESCO, inclusive a discussão sobre a necessidade de haver um projeto educacional voltado especificamente para o campo foi pauta no Oitavo Congresso Brasileiro de Educação, realizado em Goiânia, em 1942. Nos anos subsequentes a indução de políticas, programas e projetos para a educação do campo continuou observando as experiências e metodologias ativas, inspiradas na Escola Nova, sobretudo para as escolas do campo organizadas com turmas multisseriadas.

Na América Latina, entre as décadas de 1960 e 1980, alguns programas foram desenvolvidos especificamente para as escolas do campo organizadas em turmas multisseriadas, como o Programa Escuela Nueva, na Colômbia, enfatizando pela UNESCO e FAO como iniciativa governamental que contribuiu para a universalização da educação do campo, tornando-se modelo para outros países como o Brasil.

Nesse contexto, em 1998 foi implementado o Programa Escola Ativa ao Brasil, com o objetivo de minimizar uma suposta lacuna para as escolas do campo com turmas multisseriadas, qual seja a falta de metodologia adequada para lidar com a organização escolar multissérie. Financiado inicialmente pelo Banco Mundial, durante 20 anos o Programa Escola Ativa foi desenvolvido em diferentes etapas e configurações no Brasil, particularmente nas regiões Norte e Nordeste, visto as dificuldades de oferta e de funcionamento escolar para a educação básica, notadamente o Ensino Fundamental.

Mesmo sendo alvo de críticas e de questionamentos, em particular por parte de movimentos sociais ligados ao campo, o Programa chegou a fazer parte da agenda e do escopo de ações da política de educação do campo, implementada pelo MEC a partir de 2002, mas em 2011 foi extinto sob o argumento de que seria substituído pelo Programa Escola da Terra, o qual desenvolveu iniciativas pontuais, não chegando a torna-se uma política sólida de programas e projetos para a educação do campo.

Como já dissemos anteriormente, o fato é que o Escola Ativa foi extinto sem apresentar uma avaliação técnico-científica que respaldasse a decisão, seguindo o perverso ciclo das políticas de educação no Brasil, onde programas e projetos são descontinuados e/ou extintos, sobretudo quando ocorrem as transições governamentais.

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Endereço para correspondência: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – Campus Caicó. RN 288, s/n, Bairro: Nova Caicó/RN. CEP: 59.300-000.

FONE: (84) 4005-4102; marcio.azevedoifrn@gmail.com


1 Doutor em Educação (UFRN).

2 Doutora em Educação (USP).

3 Doutor em Educação (UFRN).

4 A partir do Governo da Presidenta Dilma Roussef, a pasta que antes se denominava Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), passou à denominação de Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização Diversidade e Inclusão (SECADI), e extinta no Governo do Presidente Jair Bolsonaro.