https://doi.org/10.18593/r.v47.28069

Educação do campo e a relação com os movimentos sociais: uma pesquisa sistemática

Field education and the relationship with social movements: a systematic research

Educación del campo y la relación con los movimientos sociales: una investigación sistemática

Isaura Isabel Conte1

Universidade Federal de Rondônia, Professora do curso de Pedagogia do

Departamento de Ciências Humanas e Sociais

https://orcid.org/0000-0002-5600-6984

Resumo: Este texto aborda a Educação do Campo e a sua relação conceitual com os movimentos sociais, com o objetivo de demonstrar e refletir sobre esta relação, a partir de publicações de periódicos da Capes, período de 1998 a 2019. A metodologia adotada é a revisão bibliográfica sistemática do tipo metassíntese qualitativa e, os principais autores utilizados são: Caldart; Arroyo, Caldart e Molina; Valadão e Backes, Nascimento, Ribeiro, Lopes e Fracolli etc. Destaca-se como relevante na pesquisa, a indissociabilidade entre Educação do Campo e os movimentos sociais, ainda que haja tensionamentos e, a luta como elemento que une esses dois campos; o papel da escola do campo que extrapola a escolarização e vincula teoria-prática, forjando novas práticas; críticas à Educação do Campo devido a sua relação com o Estado/políticas públicas e, por fim, verifica-se equívocos nas traduções do termo Educação do Campo na maioria dos textos analisados.

Palavras-chave: Educação do Campo; Movimentos Sociais; Revisão Sistemática.

Abstract: This text deals with Field Education and its conceptual relationship with social movements, with the aim of demonstrating and reflecting on this relationship, based on publications from Capes journals, from 1998 to 2019. The methodology adopted is the systematic bibliographic review of the qualitative meta-synthesis type, and the main authors used are: Caldart; Arroyo, Caldart and Molina; Valadão and Backes, Nascimento, Ribeiro, Lopes and Fracolli etc. The indissociability between Field Education and social movements stands out as relevant in the research, although there are tensions and, the struggle as an element that unites these two fields; the role of the rural school that goes beyond schooling and links theory and practice, forging new practices; criticisms of Field Education due to its relationship with the State/ public policies and, finally, there are mistakes in the translations of the term Field Education in most of the analyzed texts.

Keywords: Field Education; Social Movements; Systematic Review.

Resumen: Este texto aborda la Educación del Campo y su relación conceptual con los movimientos sociales, con el objetivo de demostrar y reflexionar sobre esta relación, a partir de publicaciones en las revistas Capes, de 1998 a 2019. La metodología adoptada es la revisión sistemática de la literatura de tipo metasíntesis cualitativa y los principales autores utilizados son: Caldart; Arroyo, Caldart y Molina; Valadão y Backes, Nascimento, Ribeiro, Lopes y Fracolli etc. Se destaca como relevante en la investigación, la inseparabilidad entre Educación del Campo y movimientos sociales, aunque existen tensiones y la lucha como elemento que une estos dos campos; el papel de la escuela del campo que va más allá de la escolarización y vincula teoría-práctica, forjando nuevas prácticas; crítica a la Educación Rural por su relación con el Estado/ políticas públicas y, finalmente, hay errores en las traducciones del término Educación del Campo en la mayoría de los textos analizados.

Palavras clave: Educación del Campo; Movimientos Sociales; Revisión Sistemática.

Recebido em 12 de julho de 2021

Aceito em 05 de maio de 2021

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo possui como temática a Educação do Campo (EdoC) e a relação com os movimentos sociais populares segundo uma pesquisa sistemática do tipo metassíntese qualitativa, desenvolvida por meio de um projeto de pesquisa entre 2020 e 2021, vinculado à Universidade Federal de Rondônia. Sobre a imbricação entre ambas as temáticas e, por isso, objeto de nosso estudo, é oportuno pontuar que segundo Caldart (2012, p. 257):

O protagonismo dos movimentos sociais camponeses no batismo originário da Educação do Campo nos ajuda a puxar o fio de alguns nexos estruturantes desta ‘experiência’, e, portanto, nos ajuda na compreensão do que essencialmente ela é na ‘consciência e mudança’ que assinala e projeta para além dela mesma. (CALDART, 2012, p. 257)

A partir da autora, pode-se perceber que a Educação do Campo é oriunda das lutas dos movimentos sociais do campo e, portanto, não há como desvinculá-la. Sobre o surgimento da EdoC, para Kolling, Nery e Molina (1999), no vazio deixado pelo Estado, o povo tem tomado inciativa por meio de suas organizações e movimentos sociais, reagindo ao processo de exclusão e, assim, forçam políticas públicas de acesso à educação - Uma educação com a identidade própria dos camponeses, intitulada Educação do Campo.

A partir da afirmação de que a EdoC possui identidade própria, vinculada aos camponeses, como sujeitos políticos que a protagonizaram, fica implícito que há, houve ou haveria outra educação sem essa identidade, o que é confirmado por Ribeiro (2012) ao tratar da educação rural como aquela oferecida aos filhos de pequenos agricultores, alheia aos seus interesses, pensada por setores industriais. Para exemplificar, a autora assim descreve a escola rural:

[...] não incorpora questões relacionadas ao trabalho produtivo, seja porque no caso, o trabalho agrícola é excluído de suas preocupações, seja porque sua natureza não é a de formar para um trabalho concreto, uma vez que a existência do emprego não garante este ou aquele trabalho para quem estuda. E, ainda, como a escola poderia valorizar a agricultura, tão desvalorizada nas concepções que sustentam ser o camponês um produtor arcaico e um ignorante em relação aos conhecimentos básicos e matemática, leitura e escrita? (RIBEIRO, 2012, p. 194).

Assim, pode-se demarcar a Educação do Campo como um projeto próprio dos camponeses em luta, que, no tensionamento com o Estado, pela primeira vez no Brasil, se colocam como protagonistas de um projeto de educação, que vai muito além da escola pelo fato de terem como horizonte a formação humana. Representa “um contraponto de forma e conteúdo ao que no Brasil se denomina EDUCAÇÃO RURAL” (CALDART, 2012. p. 258, em maiúsculo no original). Segundo a mesma autora, o termo Educação do Campo2, como algo que visa superar as lacunas deixadas pela educação rural, tem como marco o ano de 2002 cuja discussão ocorreu em uma conferência nacional.

Não poderíamos deixar passar despercebido que a Educação do Campo foi se colocando sobre o que era constituído enquanto educação rural, e por isso gerou tensionamentos, inclusive, pelo fato de ser algo novo – desde os movimentos socais – exercendo certa intromissão na política pública. Do mesmo modo, essa Educação diferenciada também foi atravessada por aspectos da legalidade: não era (e nem poderia ser) a mesma que estava no interior dos movimentos sociais. Nas palavras de Caldart

[...] à medida em que a Educação do Campo vai se afirmando na sociedade, que entra como nome de secretarias ou de coordenações de governos, que aparece como especificidade de preceitos legais, que dá nome a cursos ou a linhas de pesquisa, que indica determinadas práticas ou reflexões de movimentos sociais, de movimentos sindicais ou de grupos sociais específicos, começa a aparecer uma tendência que desloca a Educação do Campo de sua identidade originária. A tendência é a de deslocar desses termos dependendo dos interesses em questão ou dos sujeitos envolvidos no debate ou nas práticas da situação de conflito (CALDART, 2008, p. 70); (grifo nosso).

Feito esses apontamentos introdutórios situando o tema, é importante destacar que nos propusemos realizar uma pesquisa sistemática em Educação do Campo devido à ausência quase total de estudos nessa perspectiva. De acordo com Borges e Silva, Louredo e Costa (2019), até o ano de 2019, não havia nenhum estudo de revisão sistemática com o tema da EdoC no portal de periódicos da Capes3. Os autores, ao realizarem uma pesquisa desse cunho, abarcando o período de 2009 a 2017 com ênfase nas políticas públicas, evidenciam que a maioria das temáticas divulgadas no portal são vinculadas ao cotidiano das práticas, relacionadas à trajetória e/ou o contexto regional da Educação do Campo microlocalizado. Apontam, por fim, a ausência de estudos de caráter aprofundado com dados estatísticos e, nosso projeto de pesquisa, de onde origina-se esse texto vai nessa direção, cujo objetivo é proporcionar uma análise pormenorizada das produções com o foco EdoC e movimentos sociais, ainda que não utilizemos estatística devido ao quantitativo de textos analisados.

Este texto, para cumprir com a rigorosidade da revisão sistemática, parte da seguinte questão de pesquisa: quais as relações conceituais existentes entre Educação do Campo e movimentos sociais a partir das publicações no portal de periódicos Capes entre o período de 1998 e 2019? Pontuamos que o conceito Educação Básica do Campo antecedeu o conceito de Educação do Campo, sendo datado de 1998, e, por esse motivo elegemos 1998 para o início da busca. A forma de busca realizada para obtenção dos resultados é descrita no item que segue.

2. METODOLOGIA

A utilização da pesquisa bibliográfica de revisão sistemática é ainda muito pouco utilizada no campo da educação, tendo início por volta dos anos 2000 no Brasil. Nesse período aparecem os primeiros estudos da área educacional, da justiça e do desenvolvimento internacional, de acordo com Alencar e Almoulond (2017), sendo mais raro ainda, essa metodologia ser aplicada para pesquisas e estudos específicos da Educação do Campo (BORGES E SILVA; LOUREDO e COSTA, 2019).

Para Lopes e Facolli (2008, p. 772) “Entre as principais características da revisão sistemática estão: fontes de busca abrangentes, seleção dos estudos primários sob critérios aplicados uniformemente e avaliação criteriosa da amostra”, tendo sua origem nos estudos sociológicos. As autoras admitem que as revisões sistemáticas são grandemente aplicadas em pesquisas na área de saúde, mas, na enfermagem, que tomam como exemplo, as metassínteses qualitativas têm sido utilizadas pelo fato de dialogarem com questões in vida, ou seja: que não cabem em pesquisas somente clínicas com protocolos fechados, e por esse mesmo motivo ela pode ser utilizada no campo educacional.

Optamos pela plataforma Capes pelo fato dela abarcar o maior número de periódicos, com mais de 100 bases de dados e diretórios que aglutinam estudos de todo o planeta, a exemplo do Directory of Open Access Journals (DOAJ) e Scientific Electronic Library Online (ScIELO). Além disso, a disponibilização de filtros de busca por data, área do conhecimento etc., somado aos operadores booleanos facilita a aquisição de resultados bastante precisos para a identificação e posterior seleção e análise dos resultados.

A pesquisa no portal de periódicos ocorreu na última semana do mês de fevereiro de 2021 e cumpriu três etapas: a primeira, consistiu na identificação de artigos completos do período de 1998 a 2019, elegendo qualquer base de dados e área do conhecimento, pelos termos “educação do campo” AND “movimento social”, utilizando aspas para garantir maior precisão e evitar textos em que os termos aparecessem de forma separada. Foram encontrados 32 resultados e todos os títulos e resumos foram analisados. Nesta fase descartamos 16 textos, dois, por serem apresentação de compêndios e quatorze, por não tratarem da relação entre EdoC e movimentos sociais, apenas mencionando a EdoC junto a outras temáticas.

Na segunda etapa da pesquisa realizamos a análise descritiva dos dezesseis textos selecionados reunindo-os em três blocos, segundo temáticas afins, e, na terceira, elegemos seis textos, dois de cada bloco para análise em profundidade.

O Diagrama a seguir apresenta o percurso da pesquisa.

Diagrama 1 – metodologia adotada na revisão sistemática

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Fonte: a autora

Os blocos temáticos aos quais nos referimos, fazendo parte da segunda etapa, reuniram os dezesseis artigos. No bloco um, foram agrupados três artigos por tratarem do tema Educação do Campo, movimentos sociais e ensino. O bloco dois, com sete artigos, reúne textos que versam a respeito da Educação do Campo, movimentos sociais e política pública. Já, no terceiro bloco, foram alocados seis textos sob o tema Educação do Campo, questão agrária, concepções e projeto. A seguir pode-se verificar os resultados e as principais discussões a partir da pesquisa.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Ao buscarmos estudar as relações conceituais entre Educação do Campo e movimentos sociais, além captarmos como aparece essa imbricação nos textos, nos atentamos para as traduções dos títulos e palavras-chave, uma vez que os principais termos utilizados são os mesmos, ou muito semelhantes, e traduzidos, em especial para a língua inglesa, de maneira diferente. Aqui as traduções para a língua espanhola serão desconsideradas, pois na maioria dos textos não havia tradução nessa língua. Considerar as traduções dos títulos e das palavras-chave em nosso entendimento, se faz importante uma vez que, pesquisadores de países de língua espanhola (nossos vizinhos) assim como todos os demais de qualquer país, têm acesso aos referidos textos, ao procurá-los por palavras-chave.

Dos dezesseis textos selecionados, quatorze, traziam como palavra-chave Educação do Campo com as seguintes traduções: sete vezes aparece o termo rural education; quatro vezes, field education; duas vezes, utiliza-se o termo education for the countryside e uma vez, o termo country education. O que fica evidente é que não parece ter havido uma preocupação por parte dos autores e autoras, pesquisadores e pesquisadoras do tema, com a concepção expressa no termo Educação do Campo nas traduções. Se o embate da EdoC é com a educação rural, visando a sua superação, por que na maioria das traduções ainda é utilizado este termo? Arroyo e Fernandes (1999) argumentam sobre necessidade de superação da imagem deformada da educação rural e, desse modo, entendemos que a superação passa também pela afirmação do conceito, tido como transgressor, enquanto propositura pedagógica, segundo o autor.

Sobre o local de publicação, as revistas com maior número são: Nera, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Presidente Prudente com quatro artigos; Histedbr, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Holos, vinculada ao Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) ambas com dois textos cada. O primeiro artigo encontrado é do ano de 2003, período em que começam aparecer textos acadêmicos sobre EdoC no portal de periódicos. Anterior a este período, tomando como base escritas dos cadernos da coleção “Por uma educação básica do campo” e, posterirormente, da coleção “Por uma educação do campo” a imbricação entre Educação do Campo e Movimentos sociais encontra-se no formato impresso – sendo os materiais das próprias coleções, num total de oito exemplares, que aqui não são objeto de análise.

As temáticas agrupadas em cada um dos blocos nos mostram a seguinte dimensão entre a articulação da Educação do campo com os movimentos sociais: no bloco um, Bentes e Colares (2017) abordam a história da casa familiar rural (CFR), que segundo os autores, chega a se confundir com as lutas do oeste paraense. Afirma-se que ambas as temáticas possuem imbricação total, pois o movimento social fomentou e alimentou a pauta da pedagogia da alternância (P.A.) da CFR. Esta por sua vez, aglutinava lideranças e outras pautas, que faziam e fortaleciam o movimento social. A esse respeito, Arroyo, Caldart e Molina (2004, p. 68-69) descrevem: “estamos querendo vincular educação com o movimento social, o que significa isso? Significa que acreditamos que a educação se tornará realidade no campo somente se ela ficar colada ao movimento social”.

Com estudo parecido, Valadão e Backes (2018) ao tratarem da Escola Família Agrícola (EFA) do Estado de Rondônia (RO/Brasil) descrevem experiências da construção da pedagogia da alternância como parte um movimento social no campo educativo e, que assim, as organizações coletivas populares envolvidas rompem com a discriminação dos sujeitos do campo. Zanlorenzi e Oliveira (2017) abordam, a partir da educação matemática, uma proposta diferenciada no formato de ensinar, ancorada nos princípios da Educação do Campo em uma escola situada em uma das ilhas no sudoeste paranaense. Tal proposta foi possível devido a discussões e formação de professores com apoio da Universidade Federal de Paraná (UFP) e coordenação do núcleo de EdoC de Paranaguá. Os autores trazem para o centro do debate o refluxo das conquistas sociais por parte de populações tradicionais no campo dos direitos humanos, incluindo a educação como direito básico. Para ilustrar: “O movimento social do campo representa uma nova consciência do direito à terra, ao trabalho, à justiça, à igualdade, ao conhecimento, à cultura, à saúde e à educação” (ARROYO, CALDART e MOLINA, 2004, p. 73).

Seguindo a análise dos textos que fazem parte do segundo bloco, articulados em torno da Educação do Campo e políticas públicas, encontram-se sete textos. Lopes, Paulino, Barbato e Pedrosa (2016) abordam uma temática ainda pouco explorada na EdoC que é a formação de professores para a educação inclusiva como política do movimento social. Para as autoras, a EdoC trabalha com a concepção de uma educação que extrapola os moldes tradicionais e, assim, vai abarcando temas emergentes. Gonçalves e Silva (2011) ao estuarem educação profissional fazem a defesa do trabalho como princípio educativo e desse modo, os movimentos sociais realizam a ressignificação da educação rural ao optarem pela Educação do Campo. Sobre essas temáticas, que tratam do trabalho, educação e a educação inclusiva nos amparamos em Arroyo, Caldart e Molina (2004) ao descreverem que o objetivo da Educação do Campo vai muito além da escola ou da escolarização, pois, ela se propõe a ser um projeto de formação humana, que implica em um projeto de nação.

Guhur, Souza e Silva (2009), em seu texto, abordam a relação entre movimento social e estado e, as disputas frente a políticas de Educação do Campo, enfatizando cursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) conveniados com o MST. No mesmo sentido, de autoria de Nascimento (2003), o terceiro artigo aborda a relação entre uma EFA do estado de Goiás com os recursos do Pronera, afirmando que o movimento feito pelas escolas família agrícolas as caracterizam como movimento social educativo no país, corroborando com as discussões trazidas por Valadão e Backes (2018). A esse respeito Caldart (2008) destaca que a EdoC é um conceito em disputa além disso articula três temas essenciais que se interligam: o campo, as políticas públicas e a educação.

Nascimento Sobrinho, Sousa e Scalabrin (2019) apresentam em seu texto a relação do Instituto Federal de Educação (IF) do estado do Pará em um curso de educação profissional com o Pronera, destacando o protagonismo do movimento social e sindical. As autoras afirmam que essa articulação produz Educação do Campo sendo possível tê-la como projeto de formação humana, indo muito além da instrução. Destoando dessa perspectiva, Pauli e Simões (2016) abordam a Educação do Campo no estado do Paraná, fazendo um paralelo entre o que está na Lei com a efetivação na prática em escolas públicas. Afirmam, que há uma distância enorme entre ambas, uma vez que alunos do campo são levados às escolas no contexto urbano, e, portanto, recebem uma educação distante das concepções de EdoC. Nesses termos, ao descrever sobre a EdoC, Faccio (2012, p. 185) assim se manifesta: “É sabido que as Leis por si só não são garantia do direito ou dever efetivado (...) as conquistas populares foram e são seguidas de muita luta (...) e vigilância.”

Um último texto, Melo e Souza (2013) fazem uma análise do Programa Escola Ativa para classes multisseriadas no campo, destacando que a concepção que o permeia não atende aos pressupostos teóricos e metodológicos da educação do campo. As autoras concluem que há uma grande contradição entre os pressupostos da EdoC frente ao que ela verificou nos cadernos pedagógicos da Escola Ativa em termos metodológicos e conceituais. Nesses termos, Caldart (2008) já chamava a atenção para o medo do caráter político da EdoC, quando tratava do deslocamento do termo – para ser menos político ou não associado à luta dos movimentos - e, assim, passar a ser tratada apenas como uma proposta pedagógica.

Conforme já anunciado, o terceiro bloco de artigos tematiza EdoC na questão agrária, tratando também de concepção e de projeto educacional. Basicamente os textos aqui, transcendem à escolarização e as políticas públicas mirando para além da experiência brasileira, focando na omnilateralidade, na emancipação, na superação da sociedade capitalista, em projeto de educação e de país e, também fazendo a crítica ao ecletismo na Educação do Campo.

Desse modo, temos o texto de Lima e Bezerra Neto (2012), que ao fazerem uma leitura marxista sobre discursos e práticas da educação do campo lançam o olhar para as categorias trabalho e educação na perspectiva socialista. Os autores apontam a necessidade de superação do ecletismo no movimento Por uma Educação do Campo. Com o mesmo viés, no sentido de transposição da sociedade capitalista, Santos e Bezerra Neto (2017) refletem sobre a importância da luta dos movimentos sociais do campo para que a Educação do Campo venha a cumprir com este propósito. Nesse aspecto Kolling, Nery e Molina (1999, p. 11) ao tratarem da I Conferência de Educação [básica] do Campo assim se pronunciam:

Aprendemos ou reaprendemos, na conferência, que a educação básica só se constituirá nas matrizes humanistas que vêm de um movimento social, que nos remete ao campo dos direitos, direitos de sujeitos concretos, sociais, culturais, que nos remete às grandes finalidades de emancipação humana (KOLLING; NERY; e MOLINA, 1999, p. 11).

Nascimento (2011), apresenta uma discussão tendo como centro a emancipação no interior da EdoC, a partir do materialismo histórico. Faz então uma análise epistemológica enfatizando que se a Educação do Campo não tiver como referência a emancipação, acaba indo na lógica do capital. Corroborando com a ideia da EdoC ser mais ampla que uma política pública, Villela (2011) trata de experiências de educação em países do terceiro mundo, em especial na América Latina, com destaque a Cuba. No Brasil, é citada a experiência de escolas de assentamentos do MST numa perspectiva de formação omnilateral.

Por fim, Fernandes (2011), que tem acompanhado o movimento da Educação do Campo desde o seu nascedouro e, sido um de seus intelectuais reconhecidos, apresenta um texto com as experiências da construção da EdoC na caminhada dos movimentos sociais. O autor destaca essa Educação como um projeto educacional vinculado a um projeto de campo e de país. Azevedo e Azevedo (2018) trazem à baila a questão agrária no Brasil e o modo como ela tem se colocado em diversos momentos. Enfatizam que das décadas de 1980 e 1990 na América Latina e, também no Brasil as lutas sociais e sindicais no campo se fortaleceram fazendo avançar a educação rural – e, assim, nesse país, surge a Educação do Campo.

Em nossa compreensão, todos os artigos reunidos no terceiro bloco trabalham a concepção de educação do campo com la mirada adelante, aparecendo bem mais a força e o protagonismo ou a necessidade de ambos para os movimentos sociais do que se considera a política pública. Aliás, aparece a crítica à Educação do Campo ao fazer parte da política pública. Considerando essa tensão, podemos deixar a pergunta: se a EdoC não fosse política pública, sob responsabilidade orçamentária do Estado, algo semelhante seria possível? Quem arcaria com os custos? A educação (fora dos ditames estatais) seria de cunho informal? Qual a sua abrangência?

Continuando a análise dos achados da pesquisa, a terceira fase compreendeu em fazer um escrutínio com maior profundidade dos seis textos destacados, dois de cada bloco. As principais discussões encontram-se no quadro que segue:

Quadro 1 – Análise aprofundada por bloco de temas, segundo autores.

Autor

Bento e Colares (2017)

Objetivo

Compreender o processo histórico de criação da Casa Familiar Rural de Santarém e sua relação com a constituição do movimento social do campo do Oeste Paraense.

Relações entre EdoC

e Movimento Social

As CFR´s ou EFAs são experiências construídas pelos movimentos sociais como alternativas ao modelo urbanocêntrico de escola;

Educação do campo é um conceito que emerge das lutas dos movimentos;

Houve a criação do fórum de movimentos sociais no fim dos anos de 1980 fomentado pelas comunidades eclesiais de base, motivada por discussões do preço da farinha. O movimento foi intitulado “Movimento pelo preço da farinha”. O movimento surge devido ao abando da pequena agricultura.

A pedagogia da alternância (P.A) da CFR surgiu na região por volta de 1994 junto a organizações de produtores familiares com grande destaque ao esforço do sindicato dos trabalhadores rurais. Por volta do ano 2000 o fórum dos movimentos foi substituído pelo conselho de desenvolvimento territorial do baixo amazonas (Codeter) por iniciativa institucional, mas congrega em suas pautas a CRF e a pedagogia da alternância.

Especificidade

A CFR/Santarém surge do fórum de movimentos sociais em 1999. A Metodologia adotada para a elaboração do texto foi: análise de documentos; registros informas de lideranças do movimento e entrevista com sujeitos.

A CFR se tornou também espaço aglutinador de pautas de lutas dos camponeses, indo além da P.A.

Principais elementos

das Conclusões

A história da CFR integra e se confunde com a história do movimento social do campo em Santarém e Região Oeste Paraense (2017, p. 1) e ambos resistem entre avanços e refluxos. Vive-se o dilema entre a defesa da pedagogia da alternância na esfera pública versus gestão do estado.

Autor

Valadão e Backes (2018)

Objetivo

Problematizar a pedagogia da alternância em Rondônia a partir do campo dos estudos culturais.

Relações entre EdoC e Movimento Social

Por meio de organizações populares a pedagogia da alternância tem rompido com a história de discriminação dos sujeitos do campo.

As EFAS de Rondônia, sendo seis ao total, surgem em uma conjuntura de forte atuação das Cebs e do protagonismo da diocese de Ji-Paraná.

A luta por educação diferenciada para filhos de agricultores não se dá deslocada de outras, como: terra, saúde, estradas, preços dos produtos agrícolas.

Pedagogia da alternância como movimento educacional do campo.

Movimentos sociais questionam as estruturas estatais e propõem novas formas de organização à sociedade, construindo identidades coletivas.

Especificidade

O texto parte de pesquisa bibliográfica de análise documental.

Destaca-se o povo do campo como sujeito de sua educação e de sua pedagogia.

A pedagogia da alternância é um caminhar permanente entre vida e escola (2018, p. 143).

Principais elementos das Conclusões

A pedagogia da alternância tem conseguido o direito dos sujeitos do campo a terem educação específica, rompendo com a discriminação. As Efas são coletivos em movimento que politizam o campo e EdoC. É preciso dar visibilidade às experiências das Efas frente ao ocultamento por parte do Estado.

Autor

Nascimento Sobrinho; Sousa e Scalabrin (2019)

Objetivo

Analisar a relação entre trabalho e educação profissional no campo no curso na formação técnico-profissional do Instituto Federal de Educação do Pará

Relações entre EdoC e Movimento Social

A luta dos movimentos sociais do campo forja a construção de práticas educacionais orientadas à formação humana integral indo de encontro com as relações de exploração da sociedade, negando tais modelos econômicos desse viés.

Os movimentos sociais questionam a relação trabalho educação que deslegitima os camponeses como sujeitos do conhecimento. A luta dos camponeses os fez sujeitos políticos, fazendo parte da agenda governamental com a reivindicação e conquista de direitos.

A luta pela terra junto com a melhoria produtiva aponta para projeção de futuro e a isso se soma a educação de acordo com os interesses dos camponeses.

O curso é organizado em regime de alternância com forte influência da EFA de Marabá e é articulado pelo Pronera junto a movimentos sociais e sindicais.

Relação teoria-prática na experimentação entre tempo escola e tempo comunidade.

Especificidade

O texto é ancorado no materialismo histórico-dialético com análise documental e bibliográfica.

Parceria do IF com o MST e com a Fetagri. A Agroecologia é utilizada como matriz técnico científica.

Conhecimento na perspectiva sustentável e de inclusão social.

Principais elementos das Conclusões

Há uma nova forma de produzir conhecimento que une a Educação do Campo com uma nova matriz produtiva camponesa.

A EdoC articula a formação humana com desenvolvimento da agricultura familiar camponesa.

Autor

Guhur, Souza e Silva (2009)

Objetivo

Mostrar avanços e desafios entre movimentos sociais e Estado na formulação de políticas públicas.

Relações entre EdoC e Movimento Social

No final da década de 1990 surge o Movimento Nacional por uma Educação do Campo, tendo um de seus principais sujeitos, o MST.

Os atuais movimentos sociais surgidos do fim dos anos de 1970 se insurgem frente a privação de direitos e na década de 1990 disputam políticas públicas, entre elas, a educação.

Até que a EdoC se mantiver vinculada a um projeto de campo ela pode ser um aglutinador dos momentos sociais.

A luta do MST insere-se em uma luta anticapitalista mais ampla do que direitos.

A “Educação do Campo significou, pela primeira vez na história do Brasil, a mobilização dos camponeses na disputa pelo protagonismo na construção de políticas públicas” (p. 346).

O MST propõe uma educação sob o controle dos trabalhadores, com financiamento do Estado.

Estado e movimentos socais se enfrentam e se articulam frente à Educação do Campo.

Especificidade

A EdoC faz parte de um processo complexo e contraditório na relação com o Estado.

As experiências do MST com a educação podem ser divididas em duas: 1) escolas dos assentamentos, sendo escolas públicas e, 2) escolas itinerantes, cursos de formação, cursos de especialização, graduação e pós-graduação apoiados pelo Pronera ou não pertencente a nenhuma política.

Principais elementos das Conclusões

As disputas pelo controle das políticas públicas para a Educação do Campo geram tensões e conflitos entre movimentos e Estado. O exemplo disso é o desmonte do Pronera e das escolas itinerantes.

Autor

Santos e Bezerra Neto (2017)

Objetivo

Apontar e discutir limites e possiblidades da concepção de educação do campo frente a sociedade capitalista.

Relações entre EdoC e Movimento Social

A luta dos movimentos sociais tem contribuído para o acesso de populações a bens e serviços, em especial à escola e, há de se destacar a luta nos Movimentos camponeses nesse aspecto.

A Lei 7.352/2010 é conquista dos Movimentos sociais do campo – que trata da ampliação da Educação do campo em sua diversidade.

O MST é o mais importante movimento social de luta pela terra no Brasil4.

O movimento de educação do campo foi fundamental para a denúncia do que estava ocorrendo com a educação, inclusive o fechamento de escolas.

Para a tender as demandas de educação do campo os Movimentos sociais reivindicaram política pública para a formação de educadores.

MST, Contag, MMTR, MAB, CPR, MMC fazem parte do momento de educação do campo.

Especificidade

No ano de 2015 volta a correr o II Encontro Nacional dos Educadores/as da Reforma Agrária (Enera), que é específico do MST e em seu manifesto é denunciado que as escolas públicas estão cada vez menos públicas, menos democráticas e mais instrumentais.

Principais elementos das Conclusões

A educação do campo é muito mais do que o âmbito escolar.

Para os movimentos sociais a luta por educação é para que ela cumpra o seu papel na transformação social. Com isso se afirma o conhecimento não desvinculado da práxis.

Autor

Nascimento (2011)

Objetivo

A partir do materialismo histórico faz uma análise epistemológica e discute se a EdoC vai no sentido da emancipação ou da lógica do capital.

Relações entre EdoC e Movimento Social

A EdoC surgiu no Brasil como alternativa ao sistema de educação reprodutivista da lógica do capital;

A Educação do Campo deve ser para um outro mundo possível, daí que ela não pode ser alternativa à globalização capitalista;

A EdoC se tornou refém dos piores estigmas do estado por aceitar adentrar em suas “políticas públicas”.

A EdoC corre o risco de ser um remendo nas políticas públicas. Assim, o que vai de encontro do sistema do capital, são os processos formativos do MST na escola Florestan Fernandes e a formação de dirigentes;

No governo Lula houve cooptação de movimentos sociais, dirigentes e pesquisadores.

Especificidade

O conceito de emancipação pode oferecer à EdoC um marco para sair do cativeiro imposto pelo sistema educacional ao qual se encontra atrelada. A educação profissionalizante na EdoC é para adentrar ao reino do capital.

Principais elementos das Conclusões

A educação do campo precisa estar no viés da emancipação humana e não na lógica da política pública. Seu marco regulatório deve ser a pedagogia socialista.

Fonte: a autora.

As descrições destacadas no quadro nos levam à reflexões sobre a Educação do Campo considerando a sua totalidade, ou seja: o seu surgimento foi tenso com o Estado porque se tratou de algo que até não existia como especificidade e, se deu por força e organização dos movimentos sociais camponeses. Nesse aspecto, por meio dos artigos analisados, é possível enxergar o MST e o movimento sindical como principais sujeitos coletivos, entretanto, quando se trata das EFAs ou CFR os movimentos são oriundos das Comunidades Eclesiais de Base (Cebs) vinculadas a igrejas e pastorais progressistas.

No bojo desses movimentos populares, pairava a exclusão de populações e povos do campo relacionado às políticas públicas, a começar pela falta de acesso à terra, ou, na posse de pouca terra, condições de sobrevivência mínima e preço justo da venda de sua produção agrícola. Exemplo disso, retratado num dos textos, cita-se o movimento que fez surgiu a CFR foi de agricultores que reivindicavam melhor preço pela venda da farinha. Aqui, não cabe entrar no mérito se esse movimento teve continuidade, sendo mais perene ou não.

Conforme muito bem pontuam Guhur, Souza e Silva (2009), ao mesmo tempo em que movimentos sociais se enfrentam com o Estado na disputa da política pública, também se articulam. Nesse ponto podemos entender um movimento dialético no seguinte sentido: de um lado, o Estado é o detentor de um lugar de legitimidade por onde passa a Lei que faz existir algo na política pública, sendo também órgão de controle. De outro, estão os anseios dos camponeses, que por sua vez, se amparam no artigo 28 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/96) para acessarem o direito, nela contido, de calendário letivo diferenciado no campo, bem como, à conteúdos e metodologias específicas. Nesse caso, por vezes há em diálogo entre movimento social e Estado, assim como, ocasiões com duros embates, pois, há setores desse mesmo Estado mais dispostos e outros nada dispostos a atender o que é direito da população.

Com as organizações populares tendo descoberto a força da organização coletiva, foi-se pressionando para a ampliação de direitos, agindo nas fissuras do Estado, ora mais maleáveis, ora mais enrijecidas e a EdoC surge nesse contexto. Como política pública passou a ser de acesso “a todos” e, nesse caso, há o risco de perder a sua originalidade, conforme demarcado por Caldart (2008). Essa originalidade tem a ver com um projeto de educação, como pontua Fernandes (2011), que Nascimento Sobrinho, Sousa e Scalabrin (2019) afirmam existir na experiência pesquisada. De outro modo, Nascimento (2011) ao analisar a EdoC, afirma ser ela, refém do pior estigma do Estado. Isso nos mostra que a Educação do Campo é permeada por avanços, experiências exitosas, mas também, grandes desafios.

Outro aspecto que fica evidente é que a Educação do Campo não se restringe à escola, pelo contrário, parece haver, por parte dos movimentos sociais, uma expectativa que ela seja bem mais que escolarização, cumprindo com um processo de conscientização. Nesse aspecto, Santos e Bezerra Neto (2017) dão ênfase à luta dos movimentos para ampliação de direitos e acesso a bens antes não disponíveis às populações e povos do campo, coadunando em uma educação para a transformação social, ou seja: conhecimento não desvinculado da práxis.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo nos propusemos a apresentar parte de uma pesquisa de revisão sistemática com a finalidade de mostrar e entender as relações conceituais entre Educação do Campo e movimentos sociais, segundo fontes bibliográficas disponíveis no portal de periódicos da Capes. Nossa pesquisa cumpriu com este objetivo, pois seguiu todas as etapas previstas com rigorosidade metodológica, entretanto, ela é de cunho qualitativo pelo fato de não envolver análise quantitativa, até por causa do número não elevado de artigos encontrados. A partir do que encontramos se torna possível fazer algumas (re)afirmações, que seguem:

No Brasil, o termo educação rural, segundo as traduções que deveriam ter o mesmo sentido de Educação do Campo não dá conta de evidenciar essa educação de novo tipo, que surge, inclusive como crítica à educação rural. Do mesmo modo, é preciso pontuar que o termo Educação do Campo foi criação brasileira e, nesse caso, é preciso afirmar-se tanto para dentro, quanto para fora do país, visto que praticamente todos os países, ao menos, os latinos, utilizam o termo educação rural para o geral da educação que ocorre no âmbito do campo. Fazemos essa afirmação com base na obra Educação rural no terceiro mundo, que descreve a concepção de educação rural como aquela destinada à população agrícola ou camponesa, se referindo aos povos latinos. Neste caso, em nossa análise, o termo rural education apresenta-se limitado em termos conceituais e seria interessante as pesquisas atentarem-se para “este detalhe”.

Não poderíamos deixar de pontuar, que na realização da primeira seleção de textos, todos os artigos sendo um total de quatorze, mesmo trabalhando a temática de movimento social, faziam menção à Educação do Campo, em geral, por causa do viés de conquistas no campo das políticas públicas. Logo inferimos: assim como a Educação do Campo está para os movimentos sociais, está para a política pública e, se há tensionamento por parte dos movimentos frente ao Estado, há também, internamente nos movimentos, ao assumirem compromissos no campo da política pública. Mais uma vez entra-se no campo da dialética materialista ao ficar explícito que a tensão une, ao mesmo tempo em que cria lacuna entre Estado e movimento social, num jogo de força política.

Encontramos outra relação conceitual entre EdoC e movimento social ao que se refere a ampliação de direitos, que não necessariamente seja somente o direito à educação. O direito à educação escolar é o principal, mas, verifica-se que outros cursos e processos formativos que ocorrem pelo Pronera por exemplo, visam saberes/conhecimentos técnicos e políticos por abarcarem a práxis dos movimentos. Além disso, fica demarcado que a luta pela educação faz/forja sujeitos políticos, aqueles que por si próprios representam suas causas, e assim, a luta pela educação se dá no conjunto de outras (VALADÃO e BACKES, 2018) e, que apontam para uma perspectiva de progresso/esperança de dias melhores, de acordo com Nascimento Sobrinho, Sousa e Scalabrin (2019).

Outra forte relação conceitual, que poderíamos afirmar que os une, está no interior da EdoC e dos movimentos sociais é o Trabalho-Educação e nesse aspecto os textos apontam para: não perder esta relação; relação teoria-prática em fazeres da pedagogia da alternância; teoria-prática rumo a uma nova matriz produtiva com ênfase na agroecologia; práxis para a transformação da sociedade; camponeses sujeito na agenda governamental. Segundo mostraram os textos analisados, no educativo que ocorre tanto no movimento quanto na EdoC, e, por vezes no Estado, quando ele se deixa aprender, surgem propostas diferenciadas daquilo que havia até então.

Por fim, ao verificarmos como aparecem, ou, vinculados ao que aparecem os termos movimento social na temática Educação do Campo, destacamos que uma palavra central é Luta. Junto a essa palavra estão coladas várias outras, como: luta por direitos, por cidadania, por projeto de educação e de agricultura e, aqui, está implicada a luta por acesso à terra e território, reforma agrária. Luta por um projeto emancipatório para se chegar à omnilateralidade; luta por melhoria produtiva, luta pelo desenvolvimento da agricultura na perspectiva da diversidade dos camponeses, lutas por novas identidades individuais e coletivas; luta contra as opressões e contra a falta de democracia nas escolas e na sociedade.

Este momento, ano de 2022 tem sido muito difícil para a EdoC e para os movimentos sociais. Se antes o risco era a Educação do Campo ser refém do Estado (no sentido de cooptação), segundo Nascimento (2011), agora, corre-se um risco muito maior que é a sua extinção, não enquanto oferta de educação escolar para o campo, mas, enquanto desligitimação da concepção que essa Educação carrega. Mas, como a realidade não é estática, tampouco o poder do Estado é absoluto, e, não atinge a todas as esferas na mesma medida, há espaço para movimentos sociais agirem na contradição, movimentos de educadores e educadoras seguirem resistindo e construindo e pensando mais uma vez, algo novo dentro do novo.

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1 Pós-Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

2 De 1998 a 2002, o termo utilizado era Educação básica do campo.

3 Ao buscarmos pelos termos “educação do campo” AND “revisão sistemática”, temos apenas quatro resultados, com os seguintes assuntos: Políticas de Educação do Campo a partir de revisão sistemática, com autoria de Borges e Silva, Louredo e Costa (2019); Santos Silva e Rocha (2020), com o tema da Pedagogia da Alternância na Educação do Campo e, Monteiro (2020), apresenta um estudo na área de matemática e EdoC. O 4º texto seria descartado.

4 Os autores destacam que o evento ocorrido em 1979 em Santa Catarina marca a origem do MST que se espalha por todo o país. Neste caso, sugerimos considerar a tese de doutorado da autora Isabela Camini, que descreve a trajetória das origens do MST como sendo a ocupação da fazenda Anoni no estado do Rio Grande do Sul.