https://doi.org/10.18593/r.v47.27845

Memórias de gestores escolares em municípios do norte do Rio Grande do Sul1

Memories of school managers in municipalities in the north of Rio Grande do Sul

Memorias de directores escolares en municipios del norte de Rio Grande do Sul

Darciel Pasinato2

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo (RS), Programa de Pós-Graduação em Educação, Professor colaborador.

https://orcid.org/0000-0003-4167-2025

Angela Thums3

Colégio Notre Dame Aparecida (CNDA), Carazinho (RS), Coordenadora Educacional.

https://orcid.org/0000-0002-5447-2834

Rosangela Fritsch4

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo (RS), Programa de Pós-Graduação em Educação, Professora permanente.

https://orcid.org/0000-0002-0630-3649

Resumo: O objetivo deste artigo é compreender a gestão escolar pelas memórias de gestores escolares dos municípios de Selbach e Nova Boa Vista, localizados no norte do Rio Grande do Sul/RS, Brasil. Articula Gestão Escolar e História da Educação no enquadramento teórico-metodológico, utiliza fontes orais e debate o uso das memórias orais como concepção investigativa. O esforço do pesquisador em escutar o outro proporcionou a construção de um trabalho interativo e possibilitou o desenvolvimento de uma produção de conhecimento humanizada. A história da imigração e colonização alemã no RS está na gênese dos municípios do estudo. As memórias proporcionaram uma visão do cotidiano escolar, seus espaços e seus tempos. Evidenciaram uma história e experiências sobre gestão escolar destacando-se: concepções de escola; relação dos gestores com a cidade e comunidade escolar; preocupação e fatores relacionados a qualidade da educação; processos educativos e dificuldades no cotidiano.

Palavras-chave: gestão escolar. memórias. história da educação. comunidade escolar.

Abstract: The aim of this article is to understand school management through the memories of school managers in the municipalities of Selbach and Nova Boa Vista, located in the north of Rio Grande do Sul/RS, Brazil. It articulates School Management and History of Education in the theoretical-methodological framework, uses oral sources and debates the use of oral memories as an investigative concept. The researcher’s effort to listen to the other provided the construction of an interactive work and enabled the development of a humanized production of knowledge. The history of German immigration and colonization in RS is in the genesis of the studied municipalities. The memories provided a vision of the school’s daily life, its spaces and its times. They evidenced a history and experiences about school management, highlighting: school conceptions; relationship of managers with the city and the school community; concern and factors related to the quality of education; educational processes and daily difficulties.

Keywords: school management. memoirs. history of education. school community.

Resumen: El objetivo de este artículo es comprender la gestión escolar a través de la memoria de los administradores escolares de los municipios de Selbach y Nova Boa Vista, ubicados en el norte de Rio Grande do Sul/RS, Brasil. Articula la Gestión Escolar y la Historia de la Educación en el marco teórico-metodológico, utiliza fuentes orales y debate el uso de la memoria oral como concepto investigativo. El esfuerzo del investigador por escuchar al otro proporcionó la construcción de un trabajo interactivo y posibilitó el desarrollo de una producción humanizada de conocimiento. La historia de la inmigración y colonización alemana en RS está en la génesis de los municipios estudiados. Los recuerdos brindaron una visión de la vida cotidiana de la escuela, sus espacios y sus tiempos. Ellos evidenciaron una historia y experiencias sobre la gestión escolar, destacando: concepciones escolares; relación de los gestores con la ciudad y la comunidad escolar; preocupación y factores relacionados con la calidad de la educación; Procesos educativos y dificultades diarias.

Palabras clave: gestión escolar. memorias. historia de la educación. comunidad escolar.

Recebido em 21 de junho de 2021

Aceito em 31 de agosto de 2021

1 INTRODUÇÃO

A História da Educação, especialmente, a história regional rural é um campo empírico potente e ainda pouco explorado. As pesquisas têm ênfase sobre o espaço urbano e vem privilegiando certos grupos e atores e ignorando outros, deixando à sombra grandes áreas das práticas pedagógicas, das políticas e da gestão educacional. Assim, a História da Educação Rural no Brasil, representa uma área de investigação potente.

Nóvoa (1994) critica uma história descritiva e factual, planeja investigações em que as pessoas se identificam como sujeitos de um passado. A inquietação com o registro e o conhecimento do passado, com o objetivo de conservar e desenvolver a consciência sobre a história local, regional, e sobre identidades é pressuposto desta pesquisa. Bosi (1994, p. 90), ressalta que “[...] a história deve reproduzir-se de geração a geração, gerar muitas outras cujos fios se cruzem, prolongando o original, puxado por outros dedos.”

Conceitualmente, gestão educacional corresponde ao processo de gerir a dinâmica do sistema de ensino como um todo e de coordenação das escolas em específico (LÜCK, 2017). Consideramos que a gestão educacional se refere ao contexto macro, sendo então baseada na organização dos sistemas de ensino federal, estadual e municipal e das incumbências desses sistemas; e da oferta da educação pelo setor público e privado. Por sua vez, a gestão escolar, trata dos contextos micro, dos estabelecimentos de ensino, orientada pelas normas comuns dos sistemas de ensino.

Este estudo tem como temática a gestão escolar retratada pelas memórias de gestores escolares no contexto de escolas públicas de municípios do interior do Estado do Rio Grande do Sul, fortemente marcados pela relação urbano e rural (NÓVOA, 1994). Portanto, articula Gestão Escolar e História da Educação no enquadramento teórico-metodológico.

Neste contexto, o objetivo deste artigo é compreender a gestão escolar pelas memórias de gestores escolares dos municípios de Selbach e Nova Boa Vista, localizados no norte do Rio Grande do Sul/RS, Brasil. Além da introdução e das conclusões, o texto se divide em três partes. Na primeira parte, descrevemos a memória como aporte teórico e a História Oral como metodologia. Os resultados e discussões compõe a segunda parte em que apresentamos as escolas na história dos municípios de Selbach e Nova Boa Vista e a terceira parte em que abordamos as narrativas dos gestores escolares.

2 A MEMÓRIA COMO APORTE TEÓRICO E A HISTÓRIA ORAL COMO METODOLOGIA

Nesse estudo, destacou-se o debate do uso das memórias orais como concepção investigativa, para a pesquisa da História da Educação em cidades pequenas do interior do Estado, tendo como pressupostos as fontes orais. As memórias permitem entender e compreender como as práticas e culturas escolares foram se instituindo no interior das escolas dessas localidades.

Levou-se em consideração o conceito de História como uma realidade passada, elaborada a partir do registro documental, da análise de fontes, da História Oral e da escrita narrativa. A memória é elemento fundamental para o historiador, sendo ela “[...] conduzida pelas exigências das comunidades para as quais a presença do passado no presente é um elemento essencial da construção de seu ser coletivo.” (CHARTIER, 2009, p. 21). Se identifica com o pensamento de Reis (2010), porque acredita que, a narrativa histórica, mesmo sendo uma reconstrução interpretativa do passado, não se fecha em si mesma, buscando dados exteriores, objetivos para se apoiar.

Rejeita-se, consequentemente, a ideia da memória individual, visto que não se pode desprezar o contexto vivido pelo sujeito que é chamado a refletir sobre o que viveu (SANTOS, 1993). A memória, desse modo, também é coletiva (BOSI, 2003), disseminada e alimentada no convívio com os outros, gerada pelos discursos e pelas representações que preconizam uma identidade ao grupo.

Thomson (1997) ressalta que a memória individual é composta de diversas camadas, e diferentes narradores podem invocar lembranças distintas a respeito de um mesmo tempo, quando convidados a pensar e a relembrar. Além do que, é o presente que faz a convocação à memória. É o entrevistado que seleciona, consciente ou inconscientemente, a história que quer narrar, o que pode relatar, ou, ainda, que se sente autorizado a contar.

Os gestores entrevistados são sujeitos que fazem o que se pode denominar de uma idealização de seu passado. São pessoas que, nesta altura da vida, estão, de certa forma, distantes e esquecidas pela sociedade, considerando-se diversas questões. A escola em si, em pleno século XXI, se apresenta diferente em seus significados de cinquenta anos atrás. No passado, ela tinha a vantagem de ser o lugar privilegiado da produção e da disseminação de saberes. Hoje em dia, é discutida a manutenção dessa posição favorecida de acesso ao conhecimento e mesmo de se conceber no espaço por primazia que possibilita um crescimento social e cultural.

Schmidt e Mahfoud (1993) lembram que o sujeito não está retomando cronologicamente os acontecimentos vividos, a escolha daquilo que lhe parece importante é marcada pelo presente, pelos interesses e pelas imposições que se mostram na realidade imediata. Os relatos pessoais desenvolvem experiências individuais e coletivas. Nesta perspectiva, Thomson (2002) recorda que os estudos de memória e de História Oral podem possibilitar uma afirmação positiva de identidade para o relator, para os membros de uma comunidade privada e para o mundo lá fora.

Memória e História Oral se associam e se confundem nas pesquisas. A memória organiza-se em documento histórico, e a História Oral é a metodologia utilizada no intuito de operacionalizar a conversa entre a teoria e os dados empíricos. Fentress e Wickham (1992) julgam a História Oral como a matéria-prima da memória, que admite outras concepções de conhecimento do passado. A História Oral é um dos meios que proporcionam as aproximações entre a História e a memória. Como enuncia Errante (2000), existe uma dependência da História Oral em relação à memória. Dessa forma, a História Oral proporciona certo distanciamento da documentação de caráter oficial das instituições educativas, que muitas vezes não representam as experiências vividas no contexto escolar.

Em se tratando de questões metodológicas próprias à História Oral, é relevante destacar as orientações de Zago (2003) que, apesar de evidenciar a singularidade de cada pesquisa, aponta reflexões acerca das entrevistas, possibilidades, decepções, idealizações que acontecem nas reuniões com os narradores. Zago (2003) defende a ideia de uma entrevista que não guarda uma estrutura rígida e, desta maneira, pode ocasionar diferentes caminhos. Ao lançar a conversa, foi importante mostrar ao entrevistado uma espécie de roteiro da entrevista, a fim de que ele se localizasse e até mesmo se tranquilizasse quanto aos assuntos que seriam temas do encontro.

Em Thompson (1992) a abordagem da História a partir de evidências orais permite evidenciar elementos que, de outro ponto de vista, através de outro instrumento, seriam inacessíveis. Desta maneira, as entrevistas de História Oral são tomadas como documento para retratar e entender o passado, ao lado de documentos escritos, imagens e outros tipos de registro. As entrevistas são atos de construção e de escolha de certo conhecimento da realidade e de seu funcionamento, “[...] memórias coloridas das vivências de diferentes momentos históricos e não apenas das relativas a um único espaço e período de vida dos depoentes.” (WERLE, 2007, p. 215).

O grupo é composto por dez sujeitos, que foram gestores nos municípios de Selbach e Nova Boa Vista. O grupo se constitui por três homens e sete mulheres que representam o conjunto de memórias, a partir de narrativas coletadas ao longo do estudo. Utilizamos nomes fictícios para preservar a identidade e não expor a opinião de nenhum gestor escolar. Ressalta-se que a média do período de atuação nas escolas como gestores foi de dez anos. É importante salientar que os sujeitos da pesquisa vivenciaram momentos distintos da história do Brasil como gestores escolares. Os cinco gestores do município de Selbach atuaram na gestão escolar no período da Ditadura Civil-Militar brasileira (1964-1985) e os outros cinco gestores do município de Nova Boa Vista trabalharam em pleno regime democrático, entre 2012 e 2018.

Optou-se pela entrevista narrativa valendo-se da metodologia da História Oral. Usando-se desta modalidade de entrevista, definiu-se um roteiro com questões com foco nas memórias de gestores de diferentes momentos históricos das escolas de Selbach e Nova Boa Vista entrecruzando passado e contemporâneo.

Em cada entrevista, o primeiro encontro foi quase uma oportunidade de catarse, em que entrevistado e entrevistador deixam avistar suas expectativas, desejos e ansiedades. Cada entrevista é um evento único, é difícil não gerar perspectivas. Até certo ponto, elas são animadoras, porém, se exageramos e acabamos por idealizar encontros ideais em que o narrador corresponda justamente aquilo que imaginávamos, isto é, o entrevistador parte da suposição que o relator irá expor aquilo que ele deseja, corre-se o risco de decepção, porque a entrevista não considerou aquilo que imaginávamos. Desse modo, Almeida (2009) destaca que precisamos conhecer e conviver com o fato de que expectativas, frustrações, possíveis exaltações e surpresas constituem o cenário das entrevistas.

Após o contato com os sujeitos da pesquisa, a reunião para a produção das narrativas foi marcada. Todas as entrevistas foram efetuadas nas residências dos gestores escolares, por solicitação deles próprios. Esse fato se tornou importante por diversos aspectos, porém um se fez, na análise dos pesquisadores, de maior importância: a relevância do local escolhido para a entrevista viabilizou que o que faltou, por descuido, para ser narrado pudesse ser encontrado ali mesmo, por perto. Hoffmann (2014) salienta que tais objetos tiveram a função de evocadores ou detonadores de memória, quer dizer, de forma deliberada ou não, provocam no narrador aspectos alusivos à sua vida passada, antes não visibilizados ou lembrados.

Bardin (1995) retrata que na posse dos relatos orais, se fez necessário um processo de definição dos sujeitos narrados. Tal metodologia foi adotada com o intuito de oportunizar visibilidade, ao pesquisador, sobre as características e particularidades contidas em cada narrativa. Ainda que o pressuposto adotado seja o da História Oral, este é uma espécie de trabalho que apresenta inúmeras aberturas ao estudo da memória. Após a transcrição das entrevistas, foi levada ao entrevistado para a leitura e ajustes necessários, levando em consideração as opiniões e as sugestões consolidadas no corpus da pesquisa. Nas análises, explorou-se as seguintes categorias que emergiram das narrativas: a) a gestão e a rotina do trabalho do gestor; b) a relação dos gestores com a cidade e a comunidade escolar; c) fatores relacionados a qualidade da educação; d) concepções de escola e processos educativos.

Seguindo o que determina o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

3 AS ESCOLAS NA HISTÓRIA DOS MUNICÍPIOS DO NORTE DO RIO GRANDE DO SUL

Os municípios de Selbach e Nova Boa Vista, tiveram colonização germânica, possuem muitos traços comuns e estão localizados no norte do Rio Grande do Sul/RS, Brasil, distantes um do outro cerca de 125 km. A economia destes municípios é baseada na agricultura, são pequenas propriedades que utilizam a mão de obra familiar. Além disso, cultiva-se a soja e o milho no verão e no inverno, o trigo, a cevada e a aveia. Os municípios possuem criação de gado, tanto de corte como de leite, assim como a criação de porcos para o consumo próprio e a venda para cooperativas e o comércio local.

Selbach é um pequeno município, com cerca de cinco mil habitantes. O início do povoamento de Selbach se deu com a vinda dos descendentes alemães das regiões dos municípios de São Leopoldo, Venâncio Aires, Santa Cruz do Sul, Montenegro e São Sebastião do Caí. Um local determinado e demarcado era destinado a servir de área para a construção da primeira capela e da primeira escola. No dizer de Konrad, Barth e Alexius (2002, p. 46), “[...] a capela e a escola assegurariam as convivências religiosas, culturais e tradicionais, conservando a população coesa.”

A partir da década de 1920, os colonos não se organizaram em equipes apenas para abrir e conservar estradas. Os recursos naturais eram muitos e os colonizadores tinham a disposição os pinheiros que foram transformados em moradias, móveis e imóveis. Surgem as serrarias que passam a empregar diversos colonos. Esse período econômico da madeira inicia por volta de 1925 e tem seu declínio em 1950 (PREFEITURA MUNICIPAL DE SELBACH, 1991).

Com a Lei Estadual n. 4.762 de 30 de julho de 1964, a Assembleia Legislativa do Estado ofereceu a oportunidade para a criação de novos municípios. Então se formou a Comissão Emancipacionista de Selbach, para pleitear sua independência política, econômica e social. No dia 22 de setembro de 1965 foi criado o município de Selbach. No dia 13 de maio de 1966 foi oficialmente instalado o município e nomeado pelo Governo Federal, Benno Ely como interventor federal, pelo fato do Brasil estar em plena Ditadura Civil-Militar e não ter eleições municipais (KONRAD; BARTH; ALEXIUS, 2002).

Desde a chegada dos primeiros imigrantes na comunidade de Linha Floresta, houve uma preocupação quanto à educação dos seus filhos. Em 1917, foi construída a primeira escola comunitária na propriedade de Camilo Schneider. A segunda escola que funcionou de forma paralela com a primeira se localiza nas terras de Frederico Jacoby. A existência de duas escolas funcionando na mesma época trouxe desavenças entre as pessoas da comunidade e contribuiu para surgir uma terceira escola, numa área doada por José Sestari Filho (PREDIGER; DRESCH; CORAZZA, 2017).

Em 1956, o número de alunos crescia e era necessário um espaço físico adequado. A Escola muda de lugar e é deslocada para uma casa na propriedade de Lídio Streck. Na década de 1950, por iniciativa de alguns pais de alunos e para melhorar o atendimento às crianças, foi adquirida uma área de terra de Baldoíno Karling. Foi construída uma escola de madeira, inaugurada em 1961. Funcionou até 1974, quando foi destruída por um temporal (WEBER; HOLZ, 1999).

Desde os anos 1970, com a Reforma de Ensino, implantada com a Lei n. 5.692/71, a preocupação passou a ser com a instalação de novas séries em escolas de áreas que oferecem melhores condições de infraestrutura e qualificação profissional dos professores, possibilitando o atendimento de 1º Grau completo a toda a população dos 7 aos 14 anos. Enquanto acontecia o processo de implantação da Reforma de Ensino, acentuou-se o êxodo rural e a diminuição das taxas de natalidade da população de Selbach. A população do meio rural diminuiu significativamente. A conjugação destes dois fatores, “[...] o da implantação de novas séries e o aumento da faixa de obrigatoriedade escolar passa a ser a nova preocupação das administrações municipais.” (FINGER et al., 1996, p. 23).

Em 1975, foi inaugurada a Escola Estadual de 1º Grau Incompleto Aníbal Magni. Com poucos recursos disponíveis e com o aumento do número de alunos devido ao crescimento da comunidade, o terreno foi cedido ao Estado na década de 1970. Em 1987, a Escola foi municipalizada, recebendo o nome de Escola Municipal de 1º Grau Incompleto Aníbal Magni. Em 1989 foi implantada a 6ª série, em 1990 a 7ª série e em 1991 a 8ª série, passando assim a ser Escola de 1º Grau Completo. A partir de 1996, com a promulgação da Lei n. 9.394, passa a chamar Escola Municipal de Ensino Fundamental Aníbal Magni (WEBER; HOLZ, 1999). Em 1977, a Escola muda de nome, depois de um plebiscito, passando a se chamar Escola Estadual de 1º Grau Frei Anselmo, em homenagem ao primeiro pároco do município de Selbach. Com a Lei n. 9.394/96, a Escola passa a ser denominada Escola Estadual de Ensino Fundamental Frei Anselmo.

O município de Nova Boa Vista possui, cerca de dois mil habitantes, da mesma forma, duas escolas públicas, a Escola Municipal Santos Anjos e a Escola Estadual de Ensino Médio Antônio Mathias Anschau. A criação da escola ocorreu também em sintonia com o contexto da imigração e colonização alemã no RS. Consta nos registros que diante da necessidade da melhoria do ensino, o pároco da época, David Antônio Schwantz, em 1956, idealiza a construção de uma escola paroquial que fosse dirigida por religiosas e começa uma campanha em prol dessa obra.

No exercício de aproximação, arquivos na secretaria da escola, relatam que a educação sempre foi uma preocupação constante, desde o início da colonização de Nova Boa Vista. Conforme Schimidt (2010, p. 17), “[...] as escolas comunitárias foram um dos experimentos mais destacados desse comunitarismo, que se estendeu por mais de 10 anos – da década de 1920 até o final da década de 1930.” Segundo Kreutz (1991), na década de 1930, havia no Brasil 1.579 escolas nas colônias alemãs; 167 escolas nas colônias italianas; 349 escolas nas colônias polonesas; e 178 escolas nas colônias japonesas. A maior parte dessas escolas estava em solo gaúcho e catarinense.

Está nos arquivos que a senhora Sibila Thalheimer, deu aulas, por certo tempo, em um galpão de secar fumo, na sua propriedade. Em seguida, lecionou João Thalheimer, vindo de além-mar, da Alemanha, com formação de professor em Frankfurt. Ele ministrava aulas bilíngues (alemão e português) em sua própria casa, por não haver escola e por serem apenas sete alunos. Posteriormente, José Orth e Roberto Spaniol lecionaram por pouco tempo. Depois foi a vez do professor Nicolau Wendling, que fixou residência, permaneceu por muitos anos, até 1956.

A partir da necessidade de melhorias em todos os sentidos quanto à educação, o padre Davi Antônio Schwantz, então vigário da Paróquia, começa a campanha em prol da construção de uma escola melhor, que fosse dirigida por religiosas, pois se preocupava com a catequese e com a educação em geral.

A construção da Escola Municipal Santos Anjos, segundo os registros, foram conquistas da comunidade. As pessoas ajudavam em forma de mutirões, com materiais e mão de obra. É importante salientar que as famílias que acolhiam tanto os padres quanto os pedreiros não cobravam por isso. Cada família, além de contribuir com recursos financeiros, ajudava na obra (E. E. E. M. ANTÔNIO MATHIAS ANSCHAU, 2012).

No início de 1957, chegam as Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição de Bonlanden. Nos registros consta que o trabalho e a dedicação das Irmãs que motivou o esforço dos pais em concluir a construção da escola, em setembro de 1957. As Irmãs Franciscanas solicitaram que a nova escola fosse colocada sob a proteção dos Anjos da Guarda, portanto, a origem do nome: Educandário Santos Anjos.

A Escola Estadual de Ensino Médio Antônio Mathias Anschau (EAMA), como é chamada pelos professores e estudantes, continua o processo iniciado na Escola Santos Anjos, pois é a única Escola de Ensino Médio neste município. O processo identitário é o mesmo, pois os estudantes são oriundos das comunidades rurais e da cidade e são agregados estudantes do município vizinho. A EAMA, é construída pela coletividade.

A Escola, tem em sua constituição um pouco da história de cada uma das comunidades do interior, pois muitos alunos vieram dessas escolas através da nucleação realizada nos anos de 1993 e 1995. As escolas que constituem essa história são: Escola São Roque - Linha Perau; Escola São José - Linha Maneador; Escola Nossa Senhora Das Graças - Maneador Baixo; Escola Leopoldo Mértins - Linha Cachoeirinha; Escola Princesa Isabel - Maneador Baixo (E. E. E. M. ANTÔNIO MATHIAS ANSCHAU, 2012).

4 NARRATIVAS DE GESTORES ESCOLARES

A gestão escolar é, nas palavras de Lück (2009, p. 24), “[...] o ato de gerir a dinâmica da cultura da escola, afinado com as diretrizes e políticas educacionais públicas para a implantação de seu projeto político-pedagógico”. No contexto da gestão democrática (BRASIL, 1996), tem compromisso com os princípios da democracia e com os métodos que organizem e criem condições para um ambiente educacional autônomo, de participação, compartilhamento e autocontrole.

Para tanto, a gestão da escola se constitui com orientação e liderança, exercida a partir de princípios educacionais democráticos e como referencial teórico para organização e orientação do trabalho em educação, afinado com as diretrizes e políticas educacionais públicas para a implementação das políticas educacionais e do Projeto Político Pedagógico das escolas. Nesse sentido, Lück (2008, p. 17), salienta que o conceito de gestão “[...] está associado à mobilização de talentos e esforços coletivamente organizados, à ação construtiva conjunta de seus componentes, pelo trabalho associado, mediante reciprocidade que cria um todo orientado por uma vontade coletiva.”

Para Libâneo (2012) as formas de organização e gestão são sempre meios, nunca fins, embora, os meios existem para alcançar determinados fins e lhes são subordinados. Conceitualmente, a gestão faz parte da organização, mas aparece junto a ela por duas razões: a) a escola é uma organização em que tantos objetivos e resultados quanto seus processos e meios são relacionados com a formação humana, ganhando relevância, portanto, o fortalecimento das relações sociais, culturais e afetivas que nela têm lugar; b) as instituições escolares, por prevalecer nelas o elemento humano, precisam ser democraticamente administradas, de modo que todos os seus integrantes canalizem esforços para a realização de objetivos educacionais, acentuando-se a necessidade da gestão participativa.

A gestão escolar vai além do sentido de mobilizar as pessoas para a realização eficaz das atividades, pois implica intencionalidade, definição de um rumo, uma tomada de decisão diante dos objetivos sociais e políticos de uma escola. A escola, ao cumprir sua função social, influi na formação da personalidade humana e não é possível estruturá-la para o cumprimento da sua função social, sem levar em consideração objetivos políticos, técnicos e pedagógicos.

A diretora Ana (2019) lembra da sua rotina de gestora na Escola Aníbal Magni da seguinte maneira:

Naquela época [década de 1960] o Estado fornecia sabão, pano e tinha que buscar primeiro em Passo Fundo/RS e depois ia até Soledade/RS. Não existia o Círculo de Pais e Mestres na Escola. Ia até Soledade/RS na Delegacia Regional de Educação e depois repassava os assuntos para os professores. Fazia a transferência dos alunos no final do ano, além do controle da secretaria da Escola. Não tinha nem máquina de escrever na Escola, era uma miséria. Tudo se concentrava na figura do diretor. (ANA, 2019). (informação verbal).5

As narrativas da gestora evidenciam as condições insuficientes de infraestrutura, além da multifuncionalidade, pois, além de exercer a função de diretora, também fazia o trabalho de secretaria e era docente na Escola. Geralmente eram classes multisseriadas, ou seja, o professor atendia duas a três turmas ao mesmo tempo. A diretora Flávia (2019) destaca que foi na sua gestão, entre 1969 e 1972 que a Escola Frei Anselmo recebeu o nome, em homenagem ao primeiro pároco do município de Selbach/RS. Além disso, foi à Delegacia de Educação que aprovou o nome novo da Escola.

O CPM foi feito na minha gestão. A gente era novata e a Delegacia de Educação vinha dar as ordens. Notei a diferença com o apoio do CPM. Compraram armários, porque a Escola só tinha classes e cadeiras. O diretor preenchia um boletim, onde explicava a situação do prédio escolar, o número de alunos que tomavam a merenda e o número total de alunos na Escola. O diretor tinha que ajudar a comunidade, o padre e levava os alunos na missa. (FLÁVIA, 2019). (informação verbal).

Com a criação do Círculo de Pais e Mestres (CPM) na Escola, em meados da década de 1970, a comunidade escolar passa a tomar importantes decisões juntamente com a gestora, como por exemplo, a aquisição de armários para a instituição. Além disso, o CPM costumava auxiliar a Escola quando era realizada alguma atividade (festa junina), estimulando a participação das comunidades vizinhas do interior, isso acabava arrecadando fundos para a Escola. Em relação à rotina de trabalho do gestor, o diretor Roberto (2019) ressalta que foi diretor da Escola Aníbal Magni em dois períodos, primeiro entre 1960 e 1962 e depois entre 1971 e 1980.

Olha tem que reconhecer que os tempos eram outros e sei que nós tinha o nosso caixa escolar e durante muitos anos não tinha o CPM para auxiliar. O diretor tinha que pensar numa forma de arrecadar dinheiro. A comunidade era parceira na questão de arrecadação de dinheiro. A Escola estava sem dinheiro e fizemos uma integração. Fiz a noite de apresentação dos alemães e italianos. Cada um cantava de acordo com a sua língua. Quem queria se apresentar era livre, era tipo um concurso e tinha prêmio. Tinha um palco e uma comissão para julgar. Passou a noite e tinha caixa para a Escola. (ROBERTO, 2019). (informação verbal).

Segundo as memórias do diretor Roberto (2019), a comunidade costumava participar das atividades escolares, contribuindo financeiramente, permitindo que a Escola não fechasse as portas. Os recursos do governo do estado não eram suficientes para manter as escolas rurais abertas, entre os anos de 1960 e 1980. O diretor João (2019) contou que ficou oito anos, ou seja, entre 1983 e 1990, como diretor da Escola Frei Anselmo.

Tem três coisas que eram preocupações do diretor. Primeiro era a distribuição da carga horária, pois vinham muitos professores de fora. A segunda preocupação era a questão financeira, de como manter a Escola. Não vinha recursos, vinha apenas merenda de produtos consumíveis [bolacha e feijão]. Não tinha dinheiro para comprar papel higiênico e giz, a grande preocupação era a iluminação da Escola. Os alunos não me chamavam de diretor, apenas João. Uma terceira preocupação era a pedagógica. Tinha que fazer o encontro entre pais e alunos e muitas vezes ia de carro próprio até a casa dos alunos. (JOÃO, 2019). (informação verbal).

Em relação à rotina do trabalho do gestor escolar, percebemos que o diretor era um elo entre as comunidades e as escolas rurais. Também, costumava auxiliar o padre nos enterros. Uma das maiores preocupações, conforme os relatos eram os recursos, as condições materiais relacionadas a financiamento e investimentos da parte do poder público. Normalmente, eram organizadas festas para arrecadar fundos para as escolas. A comunidade participava tanto na organização, como nos eventos. Em relação à questão pedagógica, muitas vezes o gestor ia até a casa dos pais e alunos para resolver problemas ligados a escola e da própria família.

Halbwachs (2006) afirma que mesmo a memória teoricamente mais particular se refere sempre a um grupo. É fato que essa lembrança é do indivíduo e se manifesta na forma de recordações, imagens, memórias, entretanto, todos esses elementos particulares, individuais, somente adquirem sentido quando comprometidos ou associados com a sociedade, com seu grupo ou instituições. A ligação clara entre os conceitos de memória e de sociedade, é o que torna possível a constituição daquilo que chamamos de lembranças.

No que diz respeito a relação entre os gestores, docentes e comunidade escolar, o diretor André (2019) salienta que teve apoio da ex-diretora da Escola Frei Anselmo para assumir a função e tinha que ter apoio dos professores e da comunidade escolar.

A relação com os professores e comunidade funcionou da melhor maneira possível. Lembro de um fato curioso. Fui até a Polícia Rodoviária de Tapera/RS com meu fusca azul buscar uma professora de Soledade/RS. Outra professora de Soledade/RS foi parar na casa dos Finkler [sobrenome]. Veio uma professora de Barros Cassal/RS e achou um lugar na casa dos Maldaner [sobrenome]. Tudo o diretor tinha que auxiliar, na moradia e alimentação dos professores. (ANDRÉ, 2019). (informação verbal).

O gestor costumava auxiliar os novos docentes com a questão da alimentação e da moradia. Mesmo com as precárias condições do trabalho docente, existia a valorização e o reconhecimento da comunidade escolar. Era comum, na década de 1960 e 1970, antes do município de Selbach ter transporte escolar, os professores moravam nas casas das famílias, que geralmente tinham alunos na Escola. A diretora Ana (2019) recorda que se tornou gestora escolar pelo fato que tinha Magistério e não existia eleição para a escolha do diretor.

Os pais vinham pouco para a Escola. A partir de 1972, já tinha quatro professores na Escola. Melhorou muito o ensino e a aprendizagem dos alunos. Tinha muito respeito e amizade com os professores. Não existia reuniões com os pais na Escola. Apenas em 1975, surgiu o CPM. A partir daí se tinha algum problema na Escola se reunia com o CPM quando precisava. No final do ano, tinha a entrega dos boletins e se tinha alguma observação se falava com os pais. (ANA, 2019). (informação verbal).

Com o aumento do número de professores na Escola Aníbal Magni, em 1972, melhora também a qualidade do ensino e da aprendizagem, dessa forma os docentes não ficavam tão sobrecarregados. Segundo as narrativas dos gestores escolares, era muito difícil encontrar um professor que quisesse dar aula nas escolas rurais e quando encontravam, o docente logo pedia transferência. O diretor Roberto (2019) lembra que não existia eleição na Escola Aníbal Magni e o processo de escolha aconteceu pelo fato de ser o único professor da Escola, no início da década de 1960 e ter uma boa relação com a comunidade.

Com a minha chegada na comunidade de Arroio Grande, consegui atrair mais alunos na Escola. Tinha uma relação de respeito com os alunos e professores. As coisas estavam deixadas na Escola e procurei conquistar a amizade da comunidade escolar. Quando convoquei o CPM, sei que tinha bastante gente para fazer a eleição do CPM. As Técnicas Agrícolas se destacaram na Escola. (ROBERTO, 2019). (informação verbal).

Para se manter no cargo de diretor, era importante ter uma boa relação com a comunidade escolar. Outra questão era a disciplina de Técnicas Agrícolas, onde os alunos aprendiam a ter os conhecimentos básicos da agricultura. Ao longo da Ditadura Civil-Militar brasileira, a agricultura se modernizou, através da mecanização do campo e a expansão do plantio do trigo e da soja. A diretora Flávia (2019) destaca que foi escolhida por indicação política e por ser alguém da comunidade de Linha Floresta.

Até me aposentar na Escola não lembro de ter tido nenhuma eleição para a escolha do diretor. Era a própria Delegacia de Ensino que indicava os professores. A relação foi muito boa com a comunidade, em nenhum momento tive intriga com pais e professores. Fazia enterros na comunidade, quando o padre não podia vir. (FLÁVIA, 2019). (informação verbal).

No período da Ditadura Civil-Militar, entre 1964 e 1985, não existia eleição para a escolha do diretor. Era indicação política ou muitas vezes, o gestor era escolhido por ser alguém que tinha o respeito e a admiração da comunidade. De acordo com as narrativas, os pais vinham pouco nas escolas, apenas no período de entrega dos boletins e quando tinha algum evento. As escolas rurais, entre 1960 e 1980, não tinham problemas com a indisciplina como na atualidade, os alunos costumavam respeitar o professor em sala de aula.

Ao lembrar de memórias é possível compreender, na trama de relações de poder, como os sujeitos se posicionam ao longo de suas carreiras profissionais, demonstrando interesses e incentivos não absolutamente possíveis de tornarem-se públicos anteriormente. São as lentes, determinadas pelo historiador, que a partir de narrativas “[...] fará o desenho da história que se reconstrói, involuntariamente omitindo partes, ou extrapolando fatos, ou mesmo contando fragmentos de um todo maior.” (SOUZA, 2012, p. 270).

O relato do que as entrevistadas, gestoras Nair (2019) da Escola Municipal Santos Anjos e Júlia (2019) da Escola Estadual de Ensino Médio Antônio Mathias Anschau de um tempo mais recente, pensam sobre a qualidade na educação é bem distinto:

A qualidade também passa pelo conhecimento. Construir conhecimento com o aluno só se consegue com disciplina, com a dinamicidade da troca, do saber ouvir, do respeito pelo diferente lá na sala de aula. Eu acho que a qualidade se constrói dessa maneira. (NAIR, 2019). (informação verbal).

Penso que a qualidade da educação passa pelo diálogo, pelo comprometimento em achar uma forma de melhorar. Às vezes não se consegue as coisas de uma hora para outra, mas a gente está caminhando para que as coisas sempre venham a se desenvolver da melhor maneira possível. (JÚLIA, 2019). (informação verbal).

Para as gestoras Nair (2019) e Júlia (2019), a qualidade da educação passa pelo conhecimento, pela dinamicidade da troca de saberes, do saber ouvir, do respeito pelo diferente, pelo diálogo, pelo comprometimento e pela busca constante da excelência pedagógica. A qualidade da educação, entendida como desenvolvimento integral das potencialidades humanas, é o desenvolvimento das habilidades sociais, físicas, afetivas, o cultivo dos valores, da espiritualidade, o envolvimento com a comunidade se fez presente na narrativa de Rosa (2019) da Escola Municipal Santos Anjos.

Acho que para nós é o desenvolvimento integral das potencialidades humanas, não é só o desenvolvimento das habilidades cognitivas, mas também o desenvolvimento das habilidades sociais, físicas, afetivas, os valores, a espiritualidade, o envolvimento com a comunidade, isso não deixa de ser algo que gera a qualidade na educação. Considerando a própria sala de aula uma pequena comunidade de aprendizagem, penso que ali, onde se desenvolve não somente a capacidade de aprender, mas sim as outras capacidades, de forma integral, isto eu penso que é qualidade. (ROSA, 2019). (informação verbal).

A qualidade da educação associada ao professor que busca aperfeiçoamento, que socializa com seus colegas o conhecimento também se apresentou como um fator relevante.

Um professor que estuda, lê, se aprofunda e socializa seus conhecimentos com os colegas de trabalho, também vai para sala de aula com uma nova dinâmica, com instrumento novo de trabalho. (ROSA, 2019). (informação verbal).

Temos um grupo bem exigente com relação à formação continuada, então precisamos ser bem criteriosos na escolha do assunto a ser estudado e/ou com a contratação de profissionais que venham desenvolver algum tipo de trabalho com os professores. (NAIR, 2019). (informação verbal).

Instrumentalizar os professores com material didático pedagógico; possibilitar leituras e momentos de formação continuada para viabilizar novas metodologias a fim de melhorar a prática da sala de aula. (JÚLIA, 2019). (informação verbal).

Para a gestora Cátia (2019), o conceito de qualidade está vinculado ao crescimento pessoal do aluno, para que esse possa se tornar um bom cidadão, atuante e participativo na sociedade e na comunidade local.

Qualidade é quando você vê o rendimento do aluno, o aproveitamento, o seu avanço, é ver o seu crescimento pessoal, isso para mim é qualidade. Formar um aluno e depois vê-lo atuando na comunidade, tendo condições de ser um bom cidadão, participativo, atuante, isso é qualidade. Quando o aluno sai da escola [termina o curso fundamental] a gente fica sabendo, os valores que ele leva, a gente acaba acompanhando, pois ele volta, feliz com o seu sucesso, isso é qualidade, não é só nas notas, mas sim os valores que ele leva. (CÁTIA, 2019). (informação verbal).

Outro fator relevante é a autonomia escolar, implicando uma gestão descentralizada em que a escola executa um planejamento compatível com a realidade local, aplica processos de tomada de decisões sobre questões específicas, introduz mudanças no currículo e nas práticas de avaliação, decide sobre utilização e controle de recursos financeiros. Nóvoa (1994) apresenta outras características determinantes da eficácia das escolas, como liderança organizacional, articulação curricular, estabilidade profissional do corpo docente, programas de formação continuada, participação dos pais, boa imagem da escola na comunidade e apoio das autoridades.

Olha, já foi diferente, pois ficamos mais ou menos 15 anos sem mudar muito no quadro de professores. Um grupo que passou por vários momentos de formação continuada e que foi se construindo dentro de uma filosofia de trabalho que passava pelo diálogo e o trabalho em equipe. Todos se conheciam muito bem e valorizavam a capacidade de cada um e sabia respeitar as limitações. Isso de certa forma foi um fator que contribuiu para a qualidade da educação se destacar em nosso município. (NAIR, 2019). (informação verbal).

Em muitas realidades de escolas, um fator determinante é o isolamento do professor. A mudança dessa situação pode ocorrer pela adoção de práticas participativas, em que os professores aprendam nas situações de trabalho a compartilhar com os colegas conhecimentos, metodologias e dificuldades, discutam e tomem decisões sobre o projeto pedagógico curricular, sobre as relações sociais internas, sobre as práticas de avaliação. Esse modo de funcionamento da organização e da gestão considera a escola uma comunidade de aprendizagem, ou seja, uma comunidade democrática, aberta, de aprendizagem, de ação e reflexão.

Tudo passa pelo comprometimento na escola. Quando o professor traz novas metodologias, quando ele busca e tenta aplicar o que faz e dá certo, compartilhando as práticas positivas e negativas com os colegas dos diferentes segmentos e áreas. (NAIR, 2019). (informação verbal).

Eu acho que em primeiro lugar é a formação dos professores, se você não tiver uma boa equipe de professores, não adianta, pode ter uma escola maravilhosa, linda, perfeita, mas quem está em sala de aula é o professor. A nossa tradição educacional, aquela coisa que o povo conhece, apesar de ter entrado muita gente nova, continua sendo a mesma; aqui os alunos nunca ficam sem aula, alguém substitui o professor em sua falta, a prefeitura também não deixa faltar, por isso contrata. A formação dos alunos melhorou na qualidade porque o grupo é comprometido. (CÁTIA, 2019). (informação verbal).

Outro dado que aparece no estudo, é a qualidade da formação dos docentes e o comprometimento no desempenho do seu trabalho. Acreditamos que esses são possíveis fatores que contribuem para os resultados alcançados pela escola. A formação continuada, a busca pelo aperfeiçoamento dos professores e o sentimento de pertença de trabalhar na escola como professora, onde antes era aluna.

Acredita-se que também seja um processo relevante é a valorização do ser humano, o respeito entre professores e alunos, funcionários e a organização institucional. Há uma preocupação quanto ao trabalho da equipe, sempre se está organizando, pensando, planejando, discutindo, refletindo e avaliando com antecedência com todos os envolvidos nesse processo. Um bom ambiente de trabalho, um bom planejamento da equipe gestora, clareza dos objetivos, trabalho em equipe, o comprometimento e entrosamento do corpo docente são fatores que impactam nos resultados da escola.

Há uma preocupação da equipe gestora em proporcionar condições de aprendizagem aos alunos com certas dificuldades de aprendizagens. Para isso existem atendimentos especializados com profissionais específicos e uma estrutura que possa atender as diferentes lacunas, sendo elas de aprendizagem ou até mesmo físicas. Há salas específicas com recursos próprios, para onde são encaminhados os estudantes com dificuldades de aprendizagem, e são atendidos por profissionais com habilitação específica.

Um deles é a dificuldade de aprendizagem e para isso temos uma série de estratégias na escola: temos a sala de recursos, as aulas de reforço pedagógico de português e de matemática, há uma avaliação diferenciada, temos a terminalidade específica [regimentado] para aqueles alunos que só vão até um ponto porque tem seus limites de aprendizagem e não conseguem ir adiante. O atendimento acontece para os alunos que são diagnosticados com alguma necessidade especial. Na verdade, é uma rede que faz o encaminhamento, tem o respaldo da psicóloga e também do neuro, se necessário, se tem alguma dificuldade física dependendo da situação, são encaminhados para o posto de saúde. A psicóloga da escola atende semanalmente na escola. Temos alunos que vão para os dois. É um trabalho bem interdisciplinar. Nós fizemos em turnos inversos e cada dia da semana. (ROSA, 2019). (informação verbal).

É uma escola que não fica parada, ela é dinâmica, os alunos gostam de vir para a escola, podendo ser um aspecto que favorece os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB): a assiduidade dos alunos, as aulas de reforço de matemática e português; a sala de recursos, a parceria com os pais; o atendimento diferenciado às crianças com dificuldades de aprendizagem. A presença da comunidade na escola, em especial dos pais, acompanhando e avaliando a qualidade da educação é uma sintonia, nesse diálogo, com a maioria das famílias.

A maioria dos pais valoriza a escola; eles delegam a autoridade para a escola. Claro que também há os que não aparecem. A grande maioria dos pais delega a autoridade para escola, porque acreditam no nosso trabalho. A escola está certa, se ela chama os pais é porque quer o melhor para seus filhos, ou seja, o que a diretora está dizendo, o que a coordenação está dizendo, isso vale lá em casa, ele vai corresponder. (NAIR, 2019). (informação verbal).

Nos diferentes relatos aparece um dado comum, a menção ao Programa A União Faz a Vida, que apresenta uma metodologia de projetos. A nomenclatura usada pelas entrevistadas é utilizada pelo Programa. A metodologia propõe criar comunidades investigativas, onde professores e alunos elaboram o projeto, executam, bem como o avaliam. Cada série tem um caderno, em que estão descritos os projetos e atividades realizadas pela turma com o professor regente, ou o professor coordenador do projeto. Mas tudo acontece dentro do conteúdo do trimestre. Todos os professores são envolvidos. Uma vez por mês acontecem as assembleias. Numa sala específica, os alunos se reúnem em círculo com os professores e fazem a avaliação do projeto.

É bom lembrar a assessoria de Porto Alegre. Cada turma tem um caderno, em que os projetos estão descritos; ele fica na sala dos professores. Existe uma valorização do professor. Em outubro, a prefeitura vai disponibilizar um passeio de três dias de convivência e lazer para os professores. Foi mais ou menos há um mês que aconteceu a socialização de um projeto: os professores se encontram no salãozinho, todos sentam no círculo, juntamente com os alunos que socializam o projeto, sob a orientação da professora regente. (CLAUDETE, 2019). (informação verbal).

Na fala das entrevistadas aparece que a dinâmica do processo escolar acontece na metodologia apresentada no Programa A União Faz a Vida, que valoriza o diálogo, a investigação e os princípios da cooperação que orientam e conduzem a metodologia da prática pedagógica no cotidiano. Para que o Programa possa ser desenvolvido, é necessário congregar o desejo e a ação de vários agentes que compõem a rede de cooperação. Fazem parte desse Programa os gestores, os parceiros, os apoiadores e a assessoria pedagógica. Um dos principais aportes teóricos e metodológicos é a expedição investigativa.

As expedições investigativas têm por finalidade identificar e ressignificar os territórios nos quais crianças e adolescentes residem, circulam, aprendem se divertem, consomem e convivem, de maneira a mapear as potencialidades do local, de seus habitantes, promovendo aprendizagens, possibilitando o prazer de descobrir e compreender, ampliando as possibilidades de intervenções. Propõe diálogo e combinação entre experiências, interesses, desejos e saberes de crianças, adolescentes e as suas possibilidades de criar, inventar e intervir em seus territórios sejam esses os territórios do grupo, da escola, da comunidade ou da cidade.

Apesar dos períodos distintos, os gestores do município de Selbach, atuaram na época da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), enquanto que os gestores do município de Nova Boa Vista trabalharam entre 2012 e 2018, num país democrático tem muitas questões semelhantes. Por exemplo, a valorização da comunidade escolar em relação ao trabalho do gestor. A importância que a escola tem nas comunidades rurais, é um elo que permanece, desde o início da colonização germânica no século XIX. Mesmo a gestão democrática, sendo uma importante conquista da LDB de 1996, nestes munícipios pequenos atualmente, o prefeito continua indicando os gestores como cargo político, desta maneira, a comunidade não pode escolher através do voto os gestores escolares.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As pesquisas sobre memórias têm se mostrado fecundas, por proporcionarem um outro tipo e uma outra forma de conhecimento do passado educacional, porque enriquecem as narrativas produzidas pelos sujeitos nos estudos sobre a escola. É nesse ato de disponibilizar-se a ouvir o que o outro tem a falar, nesse espaço de conversa, que é possível entender as diferenças e as características do estudo de caso.

A história da imigração e colonização alemã no RS está a gênese dos municípios do estudo e visibiliza processos/iniciativas de desenvolvimento local, que resultaram na organização social marcada pela influência da Igreja, pela valorização da educação, pelo senso comunitário e trabalho coletivo preponderantes para enfrentar as dificuldades, os conflitos e a saudade da terra natal.

A escola mistura-se com a cultura e dinâmica da cidade. Os gestores são indicados politicamente pela confiança e lugar que ocupam socialmente e assim, são autoridades e merecedores de reconhecimento social. As escolas têm a característica de aglutinar seus professores, funcionários e pais em prol da escola, com a realização de atividades comemorativas e atividades de integração. As escolas, a gestão escolar e a qualidade da educação são pautadas pelo diálogo e pelas relações com a comunidade local; pelos conhecimentos e saberes desenvolvidos; pela formação e comprometimento dos professores; pelo trabalho coletivo e colaborativo para o crescimento pessoal dos alunos e uma formação cidadã.

As questões aqui abordadas não têm a intenção de marcar especificidades regionais e culturais como únicas, numa espécie de vaidade das pequenas diferenças, como analisa Burke (2002), e sim destacar algumas particularidades que, façam parte de uma história de maior amplitude. A particularidade está no vivido, na experiência de vida de cada sujeito que recorda. A universalidade está nos pontos de conexão entre essas e outras memórias, de outras culturas, nas práticas adotadas, nas formas de envolver os problemas ligados à educação, que, no decorrer do tempo, se criaram, permanecendo durante anos em diferentes espaços.

Os gestores escolares promoveram momentos de claridade e novas concepções em suas narrativas. As memórias proporcionaram uma visão ao cotidiano escolar, seus espaços e tempos, como por exemplo, as dificuldades no ensino e na aprendizagem, pelo fato dos discentes falarem a língua alemã em casa e a língua portuguesa na escola, o aumento da frequência, por causa do transporte escolar, além da relação de respeito e colaboração entre estudantes, docentes, gestores e a comunidade escolar.

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Endereço para correspondência: Avenida Unisinos, Cristo Rei, 950 – São Leopoldo-RS, CEP: 93022-000; darcielpasinato1986@gmail.com


1 Este artigo é fruto de uma pesquisa de Pós-doutorado, desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), financiado pelo Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD/CAPES).

2 Pós-doutor em Educação (UFSM); Doutor em Educação (UNISINOS); Mestre em Educação (UPF); Graduação em História (UPF).

3 Doutora em Educação (UNISINOS); Mestra em Educação (UNISINOS); Graduação em Pedagogia (UPF).

4 Pós-doutora em Educação (U.PORTO); Doutora em Educação (UNISINOS); Mestra em Serviço Social (PUC/RS); Graduação em Serviço Social (PUC/RS).

5 Esta citação é resultado de entrevista realizada no ano de 2019, assim como todas as outras que apresentam a expressão “informação verbal”.