https://doi.org/10.18593/r.v47.27745
Ensino remoto emergencial e a mediação de intérpretes de Libras no município de Timon - Maranhão
Emergency remote learning and the mediation of Libras interpreters in the municipality of Timon - Maranhão
La enseñanza remota emergencial y la mediación de intérpretes de Libras en el municipio de Timon - Maranhão
Lílian de Sousa Sena1
Secretaria de Educação do Estado do Maranhão (Seduc), Ensino Médio, Professora.
https://orcid.org/0000-0002-1137-8194
Ilka Márcia R. de Souza Serra2
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Programa de Pós-graduação em Educação Inclusiva (PROFEI), Professora.
https://orcid.org/0000-0003-1622-5434
Márcia Raika e Silva Lima3
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Programa de Pós-graduação em Educação Inclusiva (PROFEI), Professora.
https://orcid.org/0000-0003-3396-3236
Resumo: A proposta da presente pesquisa pretende discutir as estratégias inclusivas adotadas por intérpretes de alunos surdos, em um estudo de caso realizado na cidade de Timon, no Estado do Maranhão, para compreender e direcionar o fazer pedagógico, sob a perspectiva da inclusão.O trabalho contextualiza-se durante o ensino remoto emergencial, no ano letivo de 2020, que vem alterando os processos interativos entre alunos e professores, impactando nas ações de inclusão e de aprendizagem. A pesquisa é de caráter qualitativo e o procedimento metodológico utilizado foi a entrevista compreensiva e focalizada, realizada com professores e intérpretes para coleta de dados, análises e interpretações a fim de investigar o seguinte problema: como se deu a inclusão de alunos surdos no contexto da pandemia? O arcabouço teórico que orienta este trabalho centra-se nos escritos de Vygotsky (1991) sobre o interacionismo social e aquisição da linguagem, além de Mantoan (٢٠١٧), que apresenta estudos sobre inclusão; Quadros (2003; 2005) que trata sobre inclusão de surdos e Freire (١٩٨٧) que propõe o protagonismo estudantil. Os resultados nos mostram que as atividades escolares, mediadas pela tecnologia, revelam o quão distantes estamos de nos tornarmos uma sociedade que pauta a Educação inclusiva e que tornar-se um professor inclusivo requer formação e mudança atitudinal.
Palavras-chave: pandemia; surdos; inclusão.
Abstract: The aim of this paper is to discuss the inclusive strategies adopted by interpreters of deaf students, through a case study carried out in the city of Timon, in the state of Maranhão, to understand and guide the pedagogical approach under a perspective of inclusion. The work is set in the context of emergency remote learning, in the 2020 school year, which has been altering the interactive processes between students and teachers, impacting on inclusion and learning actions. The research has a qualitative nature and the methodological procedure used was a comprehensive and focused interview, carried out with teachers and interpreters for data collection, analysis and interpretation in order to investigate the following problem: how was the inclusion of deaf students in the pandemic context? The theoretical background that guides this work is centered on Vygotsky’s (1991) writings on social interactionism and language acquisition, in addition to Mantoan (2017), who presents studies on inclusion; Quadros (2003; 2005), who discusses inclusion of deaf people, and Freire (1987), who proposes student protagonism. The results demonstrate that school activities, mediated by technology, reveal how far we are from becoming a society that is committed to inclusive education and that becoming an inclusive teacher requires training and behavioral change.
Keywords: pandemic; deaf; inclusion.
Resumen: La presente propuesta de pesquisa quiere discutir las estrategias inclusivas adotadas por intérpretes de alumnos sin audición, en un estudio de caso realizado en la ciudad de Timon, en el Estado del Maranhão, para comprender y direccionar el hacer pedagógico, sob el enfoque de la inclusión. El trabajo se contextualiza durante la enseñanza emergencial, en el año lectivo de 2020, que viene alterando los procesos interactivos entre alumnos y profesores, impactando en las acciones de inclusión y de aprendizaje. La pesquisa es de carácter cualitativo y/o procedimiento metodológico utilizado fue la entrevista comprensiva y focalizada, realizada con profesores e intérpretes para colecta de dados, análisis e interpretaciones, con la finalidad de investigar el siguiente problema: ¿cómo se dió la inclusión de alumnos sordos en el contexto de la pandemia? El marco teórico de este trabajo se centra en los escritos de Vygotsky (1991) sobre el interacionismo social y adquisición del lenguaje, además de Mantoan (2017), que presenta estudios sobre inclusión; Quadros (2003; 2005), que trata sobre la inclusión de sordos y Freire (1987), que propone el protagonismo estudantil. Los resultados nos muestran que las actividades escolares, mediadas por la tecnologia, revelan de como lejos estamos de tornarnos una sociedad que se preocupa con la Educación inclusiva y que tornarse un profesor inclusivo requiere formación y mudanza actitudinal.
Palabras clave: pandemia; sordos; inclusión.
Recebido em 01 de junho de 2021
Aceito em 03 de novembro de 2021
1 INTRODUÇÃO
O contexto pandêmico e as adaptações pedagógicas emergenciais adotadas despertaram novas reflexões sobre o ensinar e o aprender. O ensino ambientado em plataformas digitais e as trocas de saberes entre professores e alunos, que fazem uso constantes das tecnologias digitais, demonstram que o grande desafio para o educador consiste em adquirir competências digitais e compreender que mediar o conhecimento, utilizando-se das ferramentas tecnológicas, potencializa a aprendizagem e favorece o protagonismo estudantil, haja vista a desenvoltura destes face à sociedade digitalizada.
É imprescindível, pois, que tanto professor quanto alunos tenham condições de se conectarem para que as atividades propostas e as plataformas digitais sejam utilizadas positivamente para a construção do conhecimento. O professor necessita estar em constante formação com vistas a reorganizar sua prática, pois os contextos mudam e a dinâmica escolar também.
A democratização do conhecimento, por meio da tecnologia, não alcançou resultados mais positivos, devido aos abismos sociais existentes no país. A enorme disparidade econômica e social traz implicações negativas para os resultados educacionais, haja vista a impossibilidade de acompanhamento das aulas online, por muitos alunos. Somando-se também a dificuldade em trabalhar com tecnologias digitais, por grande parte de professores. De acordo com Moran (2015, p. 16),
O que a tecnologia traz hoje é integração de todos os espaços e tempos. O ensinar e aprender acontece numa interligação simbiótica, profunda, constante entre o que chamamos mundo físico e mundo digital. Não são dois mundos ou espaços, mas um espaço estendido, uma sala de aula ampliada, que se mescla, hibridiza constantemente. Por isso a educação formal é cada vez mais blended, misturada, híbrida, porque não acontece só no espaço físico da sala de aula, mas nos múltiplos espaços do cotidiano, que incluem os digitais. O professor precisa seguir comunicando-se face a face com os alunos, mas também digitalmente, com as tecnologias móveis, equilibrando a interação com todos e com cada um.
As experiências do fazer pedagógico no contexto pandêmico, mediadas pelas tecnologias digitais, embora tenham sido inventadas e reinventadas dia após dia, deixam-nos a lição de que não podemos nos distanciar do mundo digital. A conexão entre o real e o virtual já faz parte de todos os setores de nossa vida. Nesse sentido, necessita-se de políticas de ampliação do acesso à rede para que toda a sociedade esteja incluída, de fato, no universo digital.
Entretanto, as possibilidades enriquecedoras que as tecnologias nos trazem não estão acessíveis a todos, visto que a maioria dos professores e trabalhadores da educação carece de formação nesta área. Assim, a necessidade urgente de dar continuidade aos conteúdos escolares, no ambiente escolar estudado, ficou perceptível que as tecnologias digitais foram utilizadas como ferramentas para reproduzir virtualmente as aulas tradicionais e o público com deficiência, nesse caso, os alunos surdos, ficaram à margem desta possibilidade de estudo. Pode-se destacar alguns motivos como: falta de recursos tecnológicos, questões financeiras que dificultaram o acesso à internet e falta de investimento público em inclusão digital para alunos, professores e comunidade em geral.
É inegável que conseguimos avançar bastante para um ensino inclusivo de surdos. A presença de intérpretes de libras materializa este avanço. Entretanto, a realidade escolar do surdo é povoada de situações que muitas vezes resultam na evasão. O amparo legal garante o acesso à escola, mas não implica dizer que haverá sucesso na aprendizagem e na formação do ser. A diversidade presente nas escolas está além das deficiências, está nas percepções acerca delas, por parte de alunos e professores, impactando nos processos interativos e cognitivos dos estudantes surdos.
A urgente necessidade de adaptação ao novo contexto mundial imposto pela pandemia da Covid-19, marcado pelo afastamento físico, o medo do desconhecido, o novo coronavírus e a continuidade das atividades escolares agora mediadas pela tecnologia, impulsionaram a escrita deste trabalho. Isto posto, propõe-se a compreender como está acontecendo a aprendizagem de alunos surdos do ensino médio, na cidade de Timon, no estado do Maranhão-MA, assim como investigar o seguinte problema: como se deu a inclusão de alunos surdos no contexto da pandemia?
Esta pesquisa justifica-se por se tratar de um estudo de caso com alunos surdos recém-chegados ao ensino médio que tiveram aulas presenciais interrompidas tendo permanecidos sem contato direto com professores e colegas. A relevância da temática reside em explicitar práticas desenvolvidas com vistas à inclusão de alunos surdos, numa experiência pioneira, dado o contexto da pandemia e o afastamento dos demais colegas de classe. O objetivo principal da pesquisa é conhecer as estratégias inclusivas adotadas por intérpretes de alunos surdos, em um estudo de caso realizado na cidade de Timon-MA.
Este texto, cuja pesquisa base tem caráter qualitativo, está estruturado em cinco seções e tem como objetivo discutir as estratégias inclusivas adotadas por intérpretes de alunos surdos, em um estudo de caso realizado no município de Timon, no Estado do Maranhão, para compreender e direcionar o fazer pedagógico, sob a perspectiva da inclusão. A primeira é a seção introdutória em que apresenta-se a justificativa, a delimitação do tema, o problema e objetivo da pesquisa. A segunda seção, intitulada “Interação, desenvolvimento e inclusão”, em que autores cujas teorias versam sobre a importância da interação na aprendizagem e os processos inclusivos de estudantes surdos e sobre a escola que construímos diariamente. A terceira seção denominada “Aspectos metodológicos” apresenta o percurso metodológico utilizado para que o trabalho se concretizasse e uma subseção que apresenta o lócus da pesquisa. A quarta seção: “A escola e as ações inclusivas” estão divididas em duas subseções que apresentam, respectivamente, o perfil docente e gestor da escola em que se desenvolveu a pesquisa e as análises e resultados observados e, por último, uma seção final onde consideram-se os aspectos reflexivos sobre o resultado da pesquisa.
2 INTERAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E INCLUSÃO
A aprendizagem decorre de uma experiência social na qual a interação entre os indivíduos possibilita, com a troca de vivências, a construção de conhecimento. À medida que tais trocas acontecem, apropriações culturais e de saberes passam a transformar os envolvidos na interação, por meio das informações tratadas. Com base nas observações de experiências de construção do aprendizado a partir de trocas de saberes em sala de aula, depreende-se que a importância da linguagem para a concretização das interações.
A linguagem, como caminho para aquisição do conhecimento, necessita ser internalizada, pois, como afirma Vygotsky (2001, p. 12), “a função primordial da linguagem, tanto nas crianças como nos adultos, é a comunicação, o contato social.” Desta feita, “o desenvolvimento dos alicerces psicológicos necessários para o ensino das matérias de base não precede esse ensino, mas desabrocha numa contínua interação com os contributos do ensino.” (VYGOTSKY, 2001, p. 12). Sendo assim, valida-se a importância do currículo, das estratégias pedagógicas, da organização escolar, mas ressalta-se também que os processos interativos são fundamentais para a internalização do conhecimento.
Desse modo, compreende-se que a internalização da linguagem, conceito ou informação, ocorre do exterior para o interior e impactará no social posteriormente. Com base no pensamento de Vygotsky, entende-se que à medida que o sujeito internaliza, apropriando-se da linguagem, a interação com o meio e com o outro acontece de forma efetiva e há uma melhor estruturação da aprendizagem e da partilha de conhecimento.
As experiências advindas das trocas interpessoais, resultantes dos processos interativos, deixam informações que são internalizadas e constroem o saber intrapessoal. Assim, é importante evidenciar que as interações sociais contribuem fortemente para o desenvolvimento cognitivo e para o fortalecimento das relações socioculturais. Há, pois, para a internalização do conhecimento, a necessidade de uma dinâmica interação entre o meio, os seres e o indivíduo. Tal dinâmica interativa acontece não somente em espaços escolares, mas também no meio familiar, ambientes digitais e na comunidade, como um todo.
Entende-se como Vygotsky (1991, p. 55) que “O aprendizado é mais do que a aquisição de capacidade para pensar; é a aquisição de muitas capacidades especializadas para pensar sobre várias coisas”, neste sentido, a aquisição da linguagem está diretamente ligada aos processos de aprendizagem e desenvolvimento. À medida que o ser humano em desenvolvimento passa a apropriar-se dos signos linguísticos no processo interativo, começa a fazer ilações com o contexto em que vive, evidenciando um comportamento que é próprio da natureza humana. Importa ressaltar que os contextos são significativos para tal aquisição, visto que a linguagem é identidade e cultura. Assim, é inegável que os processos interativos são essenciais para a aquisição e apropriação da linguagem.
Destaca-se como salutar para este estudo, a análise que Quadros (2003, p. 98) faz acerca da linguagem na cultura surda, ao evidenciar que
Os surdos buscam através da língua a constituição da subjetividade com identidade surda em que o reconhecimento da própria imagem acontece através das relações sociais entre surdos determinando a significação do próprio eu. Portanto, a aquisição da linguagem é fundamental para que o sujeito surdo possa reescrever-se através da interação social, cultural política e científica.
É válido esclarecer que a autora pontua acerca da Língua de Sinais, que é própria da cultura surda. O que a escola regular propõe é o ensino da Libras condicionado ao ensino da Língua Portuguesa, numa postura integracionista que reduz a identidade do aluno à necessidade de adequação ao modelo de educação do ouvinte (QUADROS, 2003).
Nesse sentido, lamenta-se que tais práticas integralizadoras estão tão naturalizadas que acontecem diariamente e não há questionamentos, ainda, suficientes para modificá-las. O estudante surdo, portanto, vai se adequando às práticas ofertadas pela escola. Assim, sua identidade vai sendo apagada e reconstruída sob a proposta do ouvinte.
A interação com os usuários da língua de sinais é importante porque possibilita, além da aquisição da Libras, a oportunidade de reconhecimento e pertencimento a uma comunidade cultural em que verdadeiramente ele está incluído. Entende-se, portanto, que a inclusão, neste sentido, acontece devido a identificação pela condição da surdez e pelo comum histórico de experiências educacionais integrativas e não inclusivas.
Não consiste em objeto de estudo, neste trabalho, os modelos educacionais para surdos, porém, não há como não refletir sobre o impacto causado na vida acadêmica e, até mesmo pessoal desse grupo, devido à imposição de adequação a um padrão que não é seu. Segundo Quadros (2005, p. 6),
Nas relações com os ouvintes, manifestam-se estratégias de resistência que se expressam nas falas dos surdos. Além disso, nessas relações, o estranhamento deve ser considerado, pois os surdos não poderiam retornar a sua vida sem perceber que tinham aprendido ou reproduzido idéias e modos dos ouvintes que inconscientemente adotaram.
As interações estabelecidas em escolas regulares são extremamente importantes. Os laços de amizade, a percepção do eu, a consciência da heterogeneidade, o entendimento dos conflitos nas relações interpessoais, entre outras observações necessárias para o convívio social são construídos nestes processos. Mas tal entendimento deve ser ambivalente. O ouvinte que, pela própria estrutura fisiológica, pela possibilidade de ouvir, é privilegiado, deve ser educado para uma sociedade inclusiva e romper os muros segregadores que circundam nosso meio.
As práticas pedagógicas devem decorrer de uma ação colaborativa entre o corpo docente, família e outros profissionais que acompanhem o estudante. Como preconiza Mantoan (2017, p. 43), “O aprender e o ensinar, sob o entendimento da diferença de todos nós, redefinem o que se propõe como educação escolar em nossos dias.” Desse modo, uma equipe pedagógica inclusiva não busca categorizar as possíveis deficiências, mas sim traçar estratégias para que todos os alunos desenvolvam suas potencialidades, respeitando seu ritmo de aprendizagem.
Entretanto, o ritmo de aprendizagem, na maioria das vezes, não alcança as metas pretendidas pelo sistema educacional no período de tempo em que são propostas. Assim, o aluno rotulado como deficiente, é ainda mais estigmatizado. O alcance de metas é importante para traçarmos objetivos e darmos sentido à nossa existência, mas, em se tratando de parâmetro para avaliar a capacidade de alguém em processo de aprendizagem, chega ser cruel e desmotivador.
Sobre o modelo que nosso sistema educacional ainda mantém, Paulo Freire (1987, p. 62) denomina de educação bancária, a qual “Sugere uma dicotomia inexistente homens-mundo. Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros. Homens espectadores e não recriadores do mundo.” Apesar do muito apregoado discurso do protagonismo estudantil, as práticas educacionais ainda estão presas a um passado que pretende formar o cidadão adaptado à sociedade e não um questionador, consciente de que é parte ativa do meio social.
Seguindo os escritos de Paulo Freire (2000, p. 41), é interessante refletir que “É atuando no mundo que nos fazemos. Por isso mesmo é na inserção no mundo e não na adaptação a ele que nos tornamos seres históricos e éticos, capazes de optar, de decidir, de romper.” Os grifos são do autor, mas enfatizam pontos exaustivamente debatidos em estudos sobre educação inclusiva. Mas, quando a oratória não se reflete em mudanças palpáveis, significa que ainda não se discutiu o suficiente.
2.1 A ESCOLA, O CONTEXTO PANDÊMICO DA COVID-19 E AS AÇÕES INCLUSIVAS
A escola constitui-se tradicionalmente como um espaço para aquisição de conhecimento. Esta representação remete à ideia de que a apropriação de conhecimento científico é sinal de uma boa educação estabelecida. Nesta acepção, compreende-se que a escola assume a função social de conscientização sobre nossas implicações na sociedade, valorizando a ética, o respeito e inclusão.
Devido ao fato de acolher um grande número de pessoas em formação, e formadores, a escola naturalmente deveria ser considerada inclusiva. Com o propósito de educar para a cidadania, atribuir a suas práticas o entendimento da diversidade social e cultural é o início para, de fato, promover a inclusão, porém, o termo inclusão, para muitos, ainda está relacionado somente a pessoas com deficiência ou alunos com necessidades educacionais especiais. Daí, a importância de formação continuada e do conhecimento das leis, pois embora o termo nos leve a um público específico, este ainda não é assistido como deveria.
A Lei n. 10.436/02 reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de comunicação e expressão, estabelecendo que as instituições públicas garantam seu ensino e utilização, bem como determina que a Libras seja disciplina integrante dos cursos de formação de professores e de fonoaudiologia. Com a referida lei, vê-se grande conquista para a comunidade surda, mas que precisa ser cobrada constantemente para que possa efetivar-se. O Decreto n. 5.626/05, que regulamenta a lei mencionada anteriormente versa sobre a inclusão dos alunos surdos e dispõe sobre a presença do instrutor e tradutor/intérprete de Libras, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua para alunos surdos, dentre outros. De acordo com Brasil (2008, p. 18),
Para a inclusão dos alunos surdos, nas escolas comuns, a educação bilíngüe - Língua Portuguesa/LIBRAS, desenvolve o ensino escolar na Língua Portuguesa e na língua de sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita para alunos surdos, os serviços de tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da escola. O atendimento educacional especializado é ofertado, tanto na modalidade oral e escrita, quanto na língua de sinais. Devido à diferença lingüística, na medida do possível, o aluno surdo deve estar com outros pares surdos em turmas comuns na escola regular.
A postura de professor inclusivo reflete-se nas suas práticas. Muitos professores não tiveram e ou não têm formação sobre o tema, mas seu fazer pedagógico contempla o que realmente deve ser a educação inclusiva. É interessante analisar que a inclusão é para todos, no ambiente escolar, independente de uma deficiência aparente ou algum diagnóstico médico, cada pessoa, em dado momento, encontra limitações ou dificuldades em compreender ou executar alguma atividade.
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa é de caráter qualitativo e concentra-se em discutir as estratégias inclusivas adotadas por intérpretes de alunos surdos na cidade de Timon – Maranhão. O principal procedimento metodológico utilizado foi a entrevista compreensiva e focalizada, realizada com as intérpretes e professores dos estudantes surdos, para posteriores análises e interpretações. Além da interação mediada pela tecnologia digital, através de plataformas de comunicação, aconteceram visitas à escola, seguindo os protocolos de segurança recomendados pelos órgãos de saúde, visto que as aulas com os estudantes surdos aconteciam com a presença física no local, ressaltando-se também que foram considerados os cuidados necessários diante do atual cenário pandêmico da Covid-19.
Sobre entrevista compreensiva, Zago (2003, p. 296) afirma que “o pesquisador se engaja formalmente; o objeto da investigação é a compreensão do social e, de acordo com este, o que interessa ao pesquisador é a riqueza do material que descobre.” Desse modo, entende-se que esse modelo de recurso não possui estrutura rígida, ou seja, os questionamentos pré-definidos podem sofrer alterações no decorrer da entrevista para melhor orientar a investigação. Por se tratar da compreensão de fatos que envolvem pessoas, há um dinamismo nos acontecimentos que despertam para questionamentos que não estavam no roteiro, mas são pertinentes para a construção do estudo.
Acerca da entrevista focalizada, Gil (2008, p. 112) aponta que, “o entrevistador permite ao entrevistado falar livremente sobre o assunto, mas quando este se desvia do tema original, esforça-se para sua retomada.” Importante ressaltar que a entrevista feita sob essa perspectiva, deixando bem claros os objetivos a serem alcançados, acontece de maneira fluida porque o entrevistador ocupa uma posição de escuta, visto que o entrevistado é o protagonista da realidade a ser pesquisada e esta é uma oportunidade de expressar suas vivências, sem prender-se a protocolos. A entrevista focalizada contribuiu bastante para o desenvolvimento deste trabalho pois as educadoras entrevistadas vivenciaram a mesma experiência e puderam, sem roteiros pré-definidos, relatar suas percepções sem fugir da temática que são as estratégias pedagógicas para inclusão de alunos surdos, durante a pandemia.
À luz destes escritos, o artigo foi se delineando e as abordagens aos participantes, embora seguissem um roteiro pré-determinado, não se encerravam no mesmo. As vivências dos entrevistados possibilitaram maiores informações para compreensão do problema da pesquisa e impulsionaram a construção de questões que motivam a refletir sobre as estratégias inclusivas adotadas por professores de estudantes surdos para a construção de uma sociedade menos excludente.
3.1 A ESCOLA LÓCUS DA PESQUISA
O Centro de Ensino Integral Anna Bernardes, local do estudo, fica situado em Timon – Maranhão e faz parte do Programa Educa Mais, mantido pelo governo estadual. O Programa Educa Mais amplia a jornada escolar e, devido a isso, é comumente chamado de escola de tempo integral. O diferencial desta proposta educacional é que, além do maior tempo de permanência na escola, desenvolve projetos educativos que estimulam o protagonismo juvenil, valorizando as experiências dos alunos, além de oferecer uma estrutura equipada com laboratórios e promover ações integradas com a família e comunidade, com vistas à construção de projetos de vida e visão de futuro.
A escolha deste Centro de Ensino como campo de pesquisa deu-se pelo interesse em conhecer o trabalho desenvolvido com estudantes surdos matriculados em salas de aula regulares, em tempos de pandemia. A realização das visitas ao campo, seguindo os protocolos de segurança recomendados pelos órgãos de saúde, e inquirições aconteceram entre os meses de novembro de 2020 e fevereiro de 2021, com entrevistas às intérpretes e professores.
Busca-se também compreender como a as experiências de aprendizagem promoveram a inclusão, sem o contato com os colegas ouvintes, haja visto o entendimento de que a interação entre os estudantes potencializa o aprendizado, além de desenvolver valores fundamentais para o bom convívio social, como o respeito e a solidariedade. Segundo Fernandes, Schlesener, Mosquera (2011, p. 142),
O Paradigma de Inclusão coloca a necessidade de não só o indivíduo deficiente mudar e se adaptar à sociedade (integração), mas de a sociedade também mudar e promover ajustes para o processo do desenvolvimento do sujeito e de reajuste da realidade social para a vida deste na sociedade (inclusão).
Desse modo, compreende-se que as classes heterogêneas propiciam uma efetiva inclusão para todos os partícipes, pois é um ambiente de interação entre diferentes sujeitos com características e vivências igualmente diversas.
A escola, como um espaço inclusivo, direciona seu trabalho de modo a acolher todos os alunos em suas particularidades e necessidades, modificando a estrutura física para, tornando-a de fácil acessibilidade e sempre buscando qualificar os profissionais para aprender a lidar com as diferenças. Infelizmente, por conta da reorganização metodológica imposta pela pandemia, não houve a concretização de projetos para este fim, no período em que se realizou este estudo.
4 APRENDER, ENSINAR E INCLUIR
O contexto pandêmico, além das muitas implicações na vida pessoal, tem evidenciado a importância da constante busca do saber, principalmente para quem trabalha com o ensinar. Tal busca, inicialmente impositiva, devido à nova realidade na condução das aulas, vem se tornando um suporte para que não se perca a esperança em um futuro com pessoas mais empáticas e confiantes no saber científico.
Ao professor cabe a sensibilidade e o profissionalismo de perceber e redirecionar o aluno, dentro das propostas curriculares, enfatizando os valores humanos e o uso do conhecimento científico para o aprimoramento das relações interpessoais e com o meio em que se vive . Em algumas situações, modificar o planejamento de ensino e até fazer planos de ensino individualizados são a melhor estratégia. Hannah Arendt (2013, p. 246) afirma que “Não se pode educar sem ao mesmo tempo ensinar; uma educação sem aprendizagem é vazia e portanto degenera, com muita facilidade, sem retórica moral e emocional. É muito fácil, porém ensinar sem educar, e pode-se aprender o dia todo sem por isso ser educado.”
O pensamento da filósofa representa o contexto atual, em que tanto professores e alunos aprenderam (ou tentaram aprender) a utilizar ferramentas digitais na educação, sem que se tenha internalizado ou desenvolvido, as competências digitais necessárias para o processo de ensino e aprendizagem. Numa escola que pretende ser inclusiva, do ponto de vista não somente do aluno com deficiência, a compreensão da realidade do professor e dos alunos é fundamental. O diálogo, a flexibilidade, o (re)planejar, o compreender são tão necessários quantos o chão em que está firmada. Nas subseções que seguem, apresento o perfil docente que compõe a escola em que realizei a pesquisa, as práticas inclusivas adotadas e, posteriormente, observações acerca do trabalho desenvolvido pelas intérpretes.
4.1 QUEM ESTÁ ENSINANDO NO CENTRO DE ENSINO?
O corpo docente que compõe o centro de ensino lócus da pesquisa não domina língua de sinais e, por conta desse fato, não houve interação entre os alunos surdos e os professores, durante as aulas remotas emergenciais, no período em que se realizou o presente trabalho.
Os professores enviavam textos e atividades a serem impressos pela escola e as intérpretes orientavam os estudantes sobre como respondê-las. A postura adotada pelos professores desta instituição espelha a educação bancária, tão criticada por Freire (1987), pois ocupou-se apenas de envio de atividades, não se inserindo no universo do aluno, tampouco acompanhando seu processo de aprendizagem.
A realidade desta escola distancia-se do que pontua Mantoan (2017, p. 44) ao afirmar que
o ensino que condiz com um escola inclusiva, aqui apregoada, envolve o encontro entre quem aprende e quem ensina, sem uma hierarquia entre as inteligências entre ambos e a impossibilidade de previsão, controle e/ou mensuração do que pode acontecer ou mover a partir de tal encontro.
Desse modo, embora seja um ator fundamental ao processo de inclusão, o professor manteve-se alheio. A professora M, efetiva da rede estadual de ensino e que atua nas turmas em que os estudantes surdos estão matriculados, ao ser questionada sobre por que não houve interação com os estudantes surdos, durante as aulas remotas, respondeu:
É muito ruim não saber se comunicar com os surdos. É triste não poder trabalhar com eles por conta dessa barreira da comunicação Fazemos o que está ao nosso alcance e confiamos nas intérpretes. Espero que tudo volte ao normal e a gente possa encontrar uma estratégia para nos comunicarmos melhor. (informação verbal).4
Partindo da constatação de que o corpo docente não desenvolveu estratégias inclusivas com os estudantes, ratificamos que o ensino e as adaptações curriculares ficaram a cargo das intérpretes. Porém, acalenta-nos a observação de que a gestão escolar preocupa-se com a inclusão e, apesar da flagrante necessidade de mais profissionais qualificados para trabalhar com alunos com deficiência, empenha-se em desenvolver projetos que os contemplem, a citar: as oficinas de libras e a disciplina eletiva “Mãos que falam” a ser ofertada a partir do ano letivo de 2021.
O empenho da gestão também é observado no fato de estarem presentes na escola durante as aulas de libras, demonstrando respeito aos alunos surdos e reconhecimento ao trabalho das intérpretes. Tal postura é singular na vida acadêmica dos alunos surdos, visto que, durante os anos de ensino fundamental, não tiveram acesso a um direito previsto em lei: o ensino da libras e o apoio do intérprete. Utilizando ainda as palavras de Arendt (2013, p. 247),
A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum.
O trabalho desenvolvido durante a pandemia, observado no recorte temporal em que se situa esta pesquisa, denota que, mesmo calcado em métodos tradicionais, sem interação mediada pela tecnologia, aproxima-se de uma perspectiva inclusiva, se considerado o comprometimento das intérpretes e das famílias dos estudantes surdos que demonstram o compromisso em adaptar-se para atender a seus alunos e oferecer-lhes um ensino eficaz para que sejam protagonistas no mundo.
4.2 AULAS REMOTAS E AS (DES)VANTAGENS PARA O ALUNO SURDO
No desempenho da atividade docente, é perceptível que, independente do ambiente em que se leciona, relações afetivas são desenvolvidas e contribuem para o desenvolvimento das atividades. A postura empática do professor é refletida no progresso da aprendizagem do aluno. Não há que se afirmar, porém, que o desempenho do aluno depende exclusivamente do professor, há um conjunto de fatores que corroboram para seu sucesso ou não.
As atividades desenvolvidas pelas intérpretes de libras neste lócus, evidenciam que há uma relação intrínseca entre a afetividade e a aquisição de conhecimento. As estratégias adotadas por elas demonstram que a imersão na realidade do aluno direcionam as atividades pedagógicas para o êxito cognitivo e pessoal dos educandos. E, no contexto da pandemia, muitas fragilidades estão mais expostas, nos campos social e educacional, principalmente.
Devido à condição econômica das famílias dos estudantes, estes não têm acesso à internet e ou a uma ferramenta que possibilite participar das aulas virtualmente. Preocupadas com a aprendizagem destes, as intérpretes, embora temerosas pela própria saúde, propuseram aulas presenciais aos alunos surdos, seguindo os protocolos sanitários. A desigualdade social amplia ainda mais o abismo educacional entre surdos e ouvintes da escola pública, excluindo-os do acesso às aulas remotas e da interação com os outros colegas.
As aulas aconteciam uma vez por semana, presencialmente na escola, seguindo os protocolos de segurança sanitária recomendados pelos órgãos de saúde, e concentravam-se no ensino da Libras, inclusive as mães também participavam para aprenderem a se comunicar por meio dos sinais e repassarem os conhecimentos para os demais integrantes da família. O contato com as outras disciplinas acontecia por meio das tarefas impressas que os professores enviavam para a escola.
As intérpretes relataram que também ensinavam libras por meio de vídeos. A dificuldade de comunicação é o maior entrave para o entendimento dos conteúdos escolares. Tal dificuldade vem se arrastando por toda a vida escolar, como observado pelas intérpretes, ao responderem ao seguinte questionamento: Por que as oficinas contemplam Libras básico e alfabetização para alunos do ensino médio? A seguir, têm-se, respectivamente, as respostas das intérpretes 1 e 2:
Os dois meninos surdos não são fluentes em Libras e nem sabem o Português, então o processo de ensino e aprendizagem ficou muito comprometido, nós intérpretes tentávamos explicar a ideia principal do conteúdo ministrado pelo professor, quando isso não era possível, tentávamos passar para eles princípios e ideias básicas das disciplinas. (informação verbal).5
Na realidade o problema maior foi a base, que os professores não tinham uma dedicação para ensinar o português, então eles vieram com uma carência bastante até de responder perguntas simples. Por exemplo, qual a data que você nasceu, mês, escreva o nome da sua mãe. Isso tudo foi repassado para eles agora. (informação verbal).6
As tecnologias digitais são poderosas aliadas na aprendizagem e na interação entre as pessoas. Moran (2015) e Schlemmer, Di Felice e Serra (2020) afirmam que a natureza e a propriedade do espaço e dos meios mudam, o que exige conhecimento das potencialidades e limites de cada tecnologia digital, dessa forma os docentes necessitam reconfigurar suas práticas pedagógicas e metodologias. Isso exige, portanto, novas competências para o desenvolvimento de uma docência de qualidade e, competências digitais que permitam desenvolver fluência técnico-didático-pedagógica, o que possibilita pensar em novas pedagogias seguir comunicando-se face a face com os alunos, mas também digitalmente, com as tecnologias móveis, equilibrando a interação com todos e com cada um. Questionadas se o uso das tecnologias ajudou ou não na inclusão dos surdos e sobre a escolha de trabalhar presencialmente, durante a pandemia, as intérpretes 1 e 2 afirmaram, respectivamente:
Sim, com o uso da tecnologia nos tornamos mais próximos da família dos alunos e com isso começamos um projeto com o objetivo de alfabetizar esses alunos e suas famílias na Língua de Sinais. Toda semana enviávamos vídeos e atividades pelo Whatsapp e as mães ajudavam os meninos em casa e assim aprendiam a Libras. Depois, com a flexibilização das exigências em relação a pandemia temos um encontro semanal com os alunos, se guindo todas as recomendações de proteção contra o Corona Vírus. Os alunos têm dificuldade em acessar a internet, por causa de problemas financeiros. (infomação verbal).7
Eu gostaria de ter mais dias presenciais com os alunos para ter esse contato maior. Os alunos precisavam de um ensino mais profundo na língua portuguesa e em alguns casos na Libras, então pela necessidade deles resolvermos fazer uma aula presencial. Porque para aprendizagem mais eficaz é necessário que seja presencial, mas sempre fazíamos vídeos para reforçar a aprendizagem deles. (informação verbal).8
Analisando as respostas das intérpretes, entende-se que as aulas presenciais, do ponto de vista delas, são mais produtivas. Tal posicionamento vai ao encontro da reflexão de Moran (2017, p. 79) em que “Muitos docentes e tutores não se sentem confortáveis nos ambientes virtuais, não tem a disciplina necessária para gerenciar fóruns, prazos, atividades. A falta de contato físico os perturba.” Tal inquietação também acontece com grande parte dos estudantes, pois as fragilidades do ensino básico incluem o não desenvolvimento de competências digitais. Entretanto, manter-se afastado dos ambientes digitais de aprendizagem implicam em outras formas de exclusão, inclusive prejudicam o aprendizado escolar.
Faz parte da rotina pedagógica o momento de verificação da aprendizagem. No ano de 2020, tais verificações fugiram do habitual. Muitos alunos não tiveram condições de interagir com seus professores, como no caso dos alunos surdos deste trabalho. Luckesi (2002, p. 84) faz uma importante diferenciação entre avaliar e educar ao afirmar que,
Avaliar é o ato de diagnosticar uma experiência, tendo em vista reorientá-la para produzir o melhor resultado possível; por isso, não é classificatória nem seletiva; ao contrário, é diagnóstica e inclusiva. O ato de examinar, por outro lado, é classificatório e seletivo e, por isso mesmo, excludente, já que não se destina à construção do melhor resultado possível; tem a ver, sim, com a classificação estática do que é examinado.
As observações acerca da aprendizagem, relatadas pelas intérpretes demonstram que seguiram um caminho diferente daquele que a maioria dos professores trilha, que é um exame focado no julgamento de aprovação ou reprovação. Devido à situação de não-acompanhamento real por parte dos professores, os estudantes surdos progrediram de série sem passar por processos avaliativos convencionais, visto que este acompanhamento foi feito apenas pelas intérpretes. A serguir, têm-se as observações feitas pelas intérpretes 1, 2 e da professora M, sobre a aprendizagem dos estudantes surdos:
A falta da convivência com os outros alunos foi a maior dificuldade e também a falta de “saberes básicos”, como a ideia de passado, presente, data de nascimento o que prejudica no avanço da aprendizagem haja vista que os meninos já estão matriculados no Ensino Médio. Com as aulas presenciais sentimos um maior comprometimento por parte dos alunos e das famílias e consequentemente uma aprendizagem mais significativa. (inforrmação verbal).9
As mães estudam juntos com os alunos no período de pandemia, incrível a dedicação delas. Eles se desenvolveram bastante tanto na Libras como na Língua Portuguesa. (informação verbal).10
Eu tive contato com os alunos na primeira semana de aula e, algumas vezes, durante as oficinas com as intérpretes. Percebi que eles melhoraram bastante com relação à compreensão das questões e na aprendizagem. Estou, inclusive, motivada a aprender libras para desenvolver um trabalho melhor com eles. (informação verbal).11
A partir das análises e entrevistas, depreende-se que as relações construídas entre as intérpretes e os alunos favoreceram a aprendizagem do ponto de vista que trouxe motivação, haja vista o distanciamento físico de todo o corpo docente e colegas ouvintes, além de as aulas serem direcionadas à libras. Embora as ações inclusivas não tenham contado com a participação de todo o corpo docente, a escola destacou-se pela evolução da aprendizagem demonstrada pelos alunos. Para o ano letivo vigente, o planejamento é de que as aulas continuarão presenciais, seguindo os protocolos de segurança recomendados pelos órgãos de saúde, mas ampliando para dois encontros semanais e um encontro virtual, totalizando, assim, três aulas por semana. Até a conclusão deste trabalho, este planejamento não foi colocado em prática devido ao aumento do número de casos confirmados de Covid-19.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola é o espaço em que se observa a comunhão de esforços para que professores e alunos consigam ensinar e aprender, superando estigmas de limitações. As limitações e os rótulos fazem parte do ambiente escolar, estimulados pelo próprio modelo adotado, em que a competitividade e o desempenho em diferentes atividades pedagógicas determinam quem é capaz e quem não é.
O contexto da pandemia tem evidenciado ainda mais as díspares realidades dos nossos estudantes, enquanto uns conseguem acompanhar as aulas remotas, muitos sequer tem um aparelho telefônico. Apesar do sentimento de impotência que interfere no emocional do professor, o trabalho não pode parar. E, assim, a engrenagem social continua a esmagar aqueles que estão em condições desfavoráveis, replicando o modelo excludente que deseduca e empobrece o ser humano.
O fazer pedagógico, na maioria das vezes, reflete conceitos baseados em padrões normativos que são estimulados pelo próprio sistema educacional. Dito isto, ressalta-se que desconstruir o pensamento capacitista acerca da pessoa com deficiência é essencial para torna-se um professor inclusivo. Aprofundar-se em assuntos relacionados a deficiências é importante, mas o fundamental na postura do professor é compreender que os estudantes são diferentes e, portanto, interagem e aprendem de maneira diferente. Não há, pois, fórmula pronta para uma prática inclusiva, mas há um direcionamento primeiro, que é compreender o contexto e respeitar as peculiaridades.
Entender que a diferença é natural entre os seres, e também é o que nos torna singulares, deve ser a proposta de uma escola inclusiva. Além de considerar as peculiaridades físicas e cognitivas, há também que compreender as implicações dos fatores socioeconômicos na vida escolar de estudante pois, como percebido neste trabalho, a dificuldade em participar das aulas remotas deu-se também por questões financeiras.
O trabalho desenvolvido pelas intérpretes demonstram o quão tênue é a linha entre o emocional e o profissional, se é que há esta separação para quem trabalha com seres humanos que muitas vezes são invisíveis dentro de uma comunidade e até mesmo da sala de aula. O desejo das intérpretes de ter mais encontros presenciais, superando o medo da exposição ao coronavírus nos mostra que o lado humano sempre deve direcionar nossa prática enquanto docentes.
Por mais que os professores sejam cobrados em produtividade e obtenção de notas, a postura do professor necessita ser ressignificada, pois os alunos têm seu ritmo de aprendizagem e seu valor social não deve ser estabelecido por avaliações padronizadas. Na era da educação digital, repensar os ambientes de aprendizagem, os processos interativos, as práticas escolares e a inclusão é algo urgente.
Dado o histórico segregacionista em que as escolas firmaram sua base, posturas pautadas na obtenção de notas como parâmetro de aprendizagem ainda são muito comuns, fato que faz com que a educação inclusiva avance lentamente. Desse modo, além de políticas públicas de acesso a meios digitais, mudanças de atitude dentro das instituições de ensino devem acontecer para que todos possam desenvolver-se de forma equânime e a sociedade, gradativamente, torne-se mais justa e inclusiva.
O ideal a que se pretende é que as políticas de inclusão social façam–se presentes não somente em aspectos legais, mas nas posturas de quem trabalha com educação. Assim, os discursos sobre inclusão darão lugar à prática, o trabalho colaborativo será efetivado e poderemos construir relações sociais e culturais sob a perspectiva da inclusão.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência: Rua Heráclito de Sousa, 1336. Bairro Monte Castelo. Cep: 64016-180 Teresina-PI; liliandisousa@hotmail.com
1 Mestranda em Educação Inclusiva, pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).
2 Pós-doutora em Tecnologias Digitais pela Universidade de Coimbra.
3 Doutora e Mestra em Educação, pela Universidade Federal do Piauí (UFPI).
4 Entrevista fornecida voluntariamente, em novembro de 2020.
5 Entrevista concedida voluntariamente em novembro de 2020.
6 Entrevista concedida voluntariamente em novembro de 2020.
7 Entrevista concedida voluntariamente em novembro de 2020.
8 Entrevista concedida voluntariamente em novembro de 2020.
9 Entrevista concedida voluntariamente em fevereiro de 2021.
10 Entrevista concedida voluntariamente em fevereiro de 2021.
11 Entrevista concedida voluntariamente em fevereiro de 2021.