https://doi.org/10.18593/r.v47.27442
Educação e deficiência visual: análise da produção científica sobre o desenvolvimento da linguagem escrita
Education and visual impairment: analysis of scientific production on the development of written language
Educación y discapacidad visual: análisis de la producción científica sobre el desarrollo del lenguaje escrito
Fabiana Rangel1
Instituto Benjamin Constant, Programa de Pós-graduação em Ensino na Temática da Deficiência Visual do IBC, Professora.
https://orcid.org/0000-0003-2617-1134
Sonia Lopes Victor2
Universidade Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-graduação em Educação da UFES, Professora.
https://orcid.org/0000-0002-9492-6933
Resumo: Este artigo objetiva discutir a produção científica brasileira no que se refere aos conhecimentos produzidos sobre o desenvolvimento da linguagem escrita de crianças com deficiência visual, oriunda de trabalhos de teses e dissertações presentes no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, abrangendo o período de 1987 a 2018. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica sustentada especialmente em estudos vigotskianos sobre o desenvolvimento da linguagem escrita. Os resultados se assentam em 46 pesquisas, sendo organizados e discutidos em dois eixos: sobre processos, abordando questões teórico-metodológicas; sobre objetos, subdividido em oito categorias: recursos didáticos; imagem; processo e contexto educacional; ensino de língua portuguesa; desempenho e apropriação da leitura e/ou da escrita; processos psíquicos; políticas e formação docente. Da discussão, destacam-se: aumento gradativo de pesquisas que visam à proposição de recursos de tecnologia digital; deslocamento gradual de pesquisas voltadas para a testagem de habilidades fonológicas e de percepção tátil para pesquisas que abordam a temática pelo viés da prática docente conduzida por investimentos na literatura infantil, na narrativa, na interação social, embora com pequena expressividade dos processos implicados na brincadeira da criança com deficiência visual; manutenção do Sistema Braille como centro das propostas de apropriação da leitura e da escrita, ao lado de discussões em torno da desbrailização; e emergência, nos últimos anos, de estudos sobre funções psíquicas e suas relações com o desenvolvimento e aprendizado do aluno com deficiência visual. Em linhas gerais, a análise indica um deslocamento de antigos modelos teórico-metodológicos para modelos que vão na direção da humanização desse alunado.
Palavras-chave: deficiência visual; leitura e escrita; linguagem escrita; alfabetização; produção científica.
Abstract: This article aims to discuss Brazilian scientific production about the development of written language by children with visual impairments, from thesis and dissertation works present in the Catalog of Theses and Dissertations of Capes, covering the period from 1987 to 2018. The study consists of a bibliographical research supported especially in Vygotskian studies on the development of written language. The results are based on 46 researches, organized and discussed on two axes: the processes, about theoretical and methodological matters; the objects, subdivided into eight categories: didactic resources; image; educational process and context; Portuguese language teaching; reading and/or writing performance and acquisition; psychic processes; policies and teacher education. The data analysis highlights: a) gradual increase of researches proposing digital technology resources; b) gradual displacement of researches focused on testing phonological skills and tactile perception for researches that addresses the theme from the perspective of teaching practice conducted by investments in children’s literature, narrative, social interaction, although with little expressiveness of the processes involved in the play of children with visual impairment ; c) maintenance of the Braille System as the center of proposals for the appropriation of reading and writing, alongside discussions about the de-Braillization; d) the emergence, in recent years, of studies of mental functions and their relationship with the development and learning of students with visual impairments. In general, the analysis indicates a shift from old theoretical-methodological models to models that move towards the humanization of this students.
Keywords: visual impairment; reading and writing; written language; literacy; scientific production.
Resumen: Este artículo busca discutir la producción científica brasileña sobre el desarrollo del lenguaje escrito de niños con discapacidad visual, derivada de trabajos de tesis y disertación presentes en el Catálogo de Tesis y Disertaciones de Capes, entre 1987 y 2018. El estudio consiste en una investigación bibliográfica apoyada especialmente en los estudios vygotskianos sobre el desarrollo del lenguaje escrito. Los resultados se basan en 46 investigaciones, organizados y discutidos en dos ejes: los procesos, abordando cuestiones teórico-metodológicas; los objetos, dividido en ocho categorías: recursos didácticos; imagen; proceso y contexto educativo; enseñanza de la lengua portuguesa; desarrollo y apropiación de la lectura y/o escritura; procesos psíquicos; políticas y formación docente. Del análisis, se destacan: aumento gradual de la investigación destinada a proponer recursos de tecnología digital; desplazamiento gradual de la investigación dirigida a evaluar las habilidades fonológicas y la percepción táctil para la investigación que aborda el tema desde la perspectiva de la práctica docente realizada por inversiones en literatura infantil, narrativa, en interacción social, aunque con poca expresividad de los procesos involucrados en el juego del niño con discapacidad visual; mantenimiento del Sistema Braille como centro de propuestas para la apropiación de la lectura y la escritura, junto con discusiones sobre la desbrailización; la aparición, en los últimos años, de estudios de funciones psíquicas y su relación con el desarrollo y el aprendizaje de estudiantes con discapacidad visual. En general, el análisis indica un cambio de viejos modelos teórico-metodológicos a modelos que se mueven hacia la humanización de este alumnado.
Palabras clave: discapacidad visual; lectura y escritura; lenguaje escrito; alfabetización; producción científica.
Recebido em 16 de abril de 2021
Aceito em 09 de novembro de 2021
1 INTRODUÇÃO
Para a Teoria Histórico-Cultural (THC), a linguagem escrita se coloca como uma especialidade da linguagem (VYGOTSKI, 2014a), com estrutura própria e que demanda níveis de abstração mais refinados, o que resulta em longas discussões acerca da alfabetização, do como ensinar a ler e a escrever e dos processos psíquicos envolvidos na apropriação da leitura e da escrita.
Tomando os pressupostos da THC, a compreensão da alfabetização se fundamenta no desenvolvimento dos processos mentais superiores, mostrando-o como condição prioritária à apropriação da cultura e ao processo de humanização do indivíduo. Nesse sentido, destaca-se a importância dos processos de internalização, nos quais as atividades mediadas pelos adultos, que envolvem instrumentos e processos de significação, se transformam em processos intrapsíquicos, culminando em uma atividade voluntária em que estão presentes operações abstratas do pensamento. Tais condições revelam que a linguagem escrita ocorre em função da linguagem falada e caminha em direção à constituição de um processo discursivo, determinado também por condições sociais, econômicas, culturais e políticas, as quais transformam a alfabetização em um processo complexo, sobretudo quando direcionado a estudantes com Deficiência Visual (DV)3.
Enquanto código, uma língua dispõe de regras próprias, porém dinâmicas porque seguem o movimento de transformação da sociedade em que ela circula (ARAÚJO, 2010). Em nível psíquico, porém, a linguagem escrita vai se incorporando enquanto função psicológica superior, atuando num complexo sistema em que tomam parte diferentes funções. Destaca-se na teoria vigotskiana a centralidade da linguagem enquanto função e, como tal, com a mesma base de desenvolvimento das funções superiores, qual seja, a compreensão de que se desenvolve nas relações sociais, resultado de um movimento de apropriação inicialmente externa, para então se internalizar, estruturando-se enquanto função psíquica (MARTINS, 2013; VYGOTSKI, 2014b).
Dada a importância do tema não somente na THC como na própria Educação brasileira, entendemos a relevância de desenvolver um estudo que ponha em análise produções científicas realizadas em torno dessa temática. Com isso, nesse trabalho procuramos discutir a produção científica brasileira no que se refere aos conhecimentos produzidos sobre o Desenvolvimento da Linguagem Escrita (DLE) de crianças com deficiência visual. Para tanto, recorremos às teses e dissertações presentes no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, abrangendo o período de 1987 a 2018.
Essas produções ganham importância especialmente por dois aspectos: no primeiro, porque tomadas em conjunto podem sinalizar perspectivas em torno da temática, anunciando concepções teóricas e seus movimentos de emergência, inserção e declínio na produção científica; segundo, porque esses trabalhos orientam a realização de outros, tanto no meio acadêmico e científico quanto no cotidiano escolar: são formativos.
No percurso, insere-se um terceiro elemento, o da DLE para crianças com DV. Trata-se, decerto, de um elemento muito especial, pois traz ao debate uma forma específica de apropriação da leitura e da escrita para dentro da discussão da linguagem escrita. A língua escrita, já como ferramenta cultural, criada nas relações sociais, é conjugada a outra ferramenta igualmente produzida, o Sistema Braille (SB). Além do SB e no movimento das relações sociais, histórica e dialeticamente construídas, outras ferramentas vão dialogando - e tensionando - com a temática, no que se destacam as tecnologias digitais.
Essas discussões se ampliam, portanto, nas análises dos resultados da pesquisa, os quais ficam aqui organizados em dois eixos. No primeiro, abordamos as filiações teóricas e posições teórico-metodológicas das pesquisas. No segundo, voltamo-nos particularmente aos objetos de interesse das pesquisas analisadas, relacionados ao desenvolvimento da linguagem escrita.
Antes das discussões dos eixos, apresentamos a organização metodológica, a qual também é construída especialmente por fundamentos da THC.
2 APRESENTAÇÃO METODOLÓGICA
Este estudo tem sua origem em uma pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica que objetiva analisar o desenvolvimento da produção científica da área da deficiência visual tangenciando o tema da educação de pessoas com DV a partir de teses, dissertações e artigos científicos publicados em periódicos voltados à educação especial.
Como recorte temático da pesquisa original, apresentamos as análises da produção científica brasileira referentes aos conhecimentos produzidos sobre o desenvolvimento da linguagem escrita de crianças com DV, tomando por fontes teses e dissertações disponíveis no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, entre os anos de 1987 a 2018, e por fundamentação a Teoria Histórico-Cultural.
Segundo Garcia (2016, p. 293), na pesquisa bibliográfica exploram-se sistematicamente as produções relacionadas ao tema em estudo de modo a “[...] conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado sobre um determinado assunto, tema ou problema.” Nessa finalidade, deve-se atentar para que o estudo não se limite a uma revisão bibliográfica e que efetivamente se lance a uma análise crítica dos dados obtidos (LIMA; MIOTO, 2007).
A pesquisa que origina este estudo obteve no referido Catálogo um total de 641 teses e dissertações atinentes aos seus objetivos. Os resultados foram obtidos por meio de levantamento apoiado nos seguintes descritores: deficiência visual; deficiente visual; deficientes visuais; baixa visão; amblíope; ambliopia; cego; cega; cegueira; braille; braile; reglete; perkins; sorobã; soroban; tátil; táteis; ampliado; orientação e mobilidade. Para o recorte objetivado nesse estudo, dos 641 trabalhos procedeu-se a uma nova filtragem sendo então aplicados os descritores: Braille; Braile; alfabetização; letramento; leitura; escrita; linguagem; língua; brinquedo; brincadeira; desenho.
Da segunda filtragem, 101 pesquisas atendiam aos descritores, mas, destas, apenas 46 estavam especificamente orientadas aos processos implicados no desenvolvimento inicial da linguagem escrita de pessoas com DV. Como assinalado neste artigo, a linguagem escrita é constituída de uma série de elementos que ultrapassam a apropriação do código escrito, assim como constitui uma função específica no psiquismo humano. Portanto, pesquisas sobre o aprendizado de língua estrangeira foram excluídas, pois tratam de um processo secundário à apropriação da língua materna. Outros temas foram igualmente eliminados do levantamento, também por não discutirem o tema central deste artigo; são eles: métodos e protótipos voltados para uso ou desenvolvimento de recursos tecnológicos alijados de uma discussão sobre sua apropriação; formação docente sem uma discussão sobre os processos de ensino e aprendizado implicados no desenvolvimento da linguagem escrita; aspectos genéricos referentes ao processo de inclusão escolar; pesquisas da área da fonoaudiologia exclusivamente voltadas para a linguagem oral; transcrição para o Sistema Braille; temas pertinentes ao ensino de áreas específicas, exceto à língua portuguesa quando atinente ao desenvolvimento da linguagem escrita.
Ressalta-se que toda a orientação do método e das análises se sustenta na THC, de modo que as pesquisas incluídas nos resultados podem não dispor de palavras como leitura e escrita, mas integram os resultados porque a forma como discutem seus objetos evidencia, dentro da THC, sua relação com o desenvolvimento da linguagem escrita. Portanto, estão presentes pesquisas cujos objetos são brinquedo e brincadeira, imaginação e processos criativos, desenho e formação de imagem, a depender da maneira como e se dialogam com o processo de apropriação da linguagem escrita.
As 46 pesquisas se estabelecem entre os anos de 1995 e 2018, não havendo no Catálogo pesquisas referentes ao tema entre os anos de 1987 e 1994. Desses trabalhos, quatro elementos foram trazidos à análise: as bases teóricas, os métodos de pesquisa adotados, os perfis de participantes da pesquisa e os resultados alcançados.
Os dados foram obtidos a partir da leitura dos textos na íntegra. No entanto, nove pesquisas não tiveram seus textos disponibilizados na íntegra em formato digital e de livre acesso na internet. Assim, realizamos contato por e-mail com os autores, mas obtivemos retorno de apenas um, de modo que oito pesquisas contam apenas com os dados indicados no resumo.
Os resultados são discutidos a partir de dois eixos, que poderiam ser determinados em duas questões: o como e o que, ou seja, os processos desenvolvidos pelos pesquisadores e os objetos a que se destinavam tais processos.
No primeiro eixo, procurando compreender os processos, consideramos os contornos que a temática do desenvolvimento da linguagem escrita tem recebido a partir das filiações teóricas e posições teórico-metodológicas aplicadas nas pesquisas encontradas. Não se trata de descrever e/ou contabilizar as pesquisas realizadas nesta ou naquela perspectiva teórica ou com tal ou qual disposição metodológica, mas de discutir acerca da realização das pesquisas de mestrado e doutorado em torno da temática. Portanto, buscamos observar de que modo elas incidem sobre o desenvolvimento da temática; ou, mais ainda, de que modo implicam na educação de crianças com DV.
No segundo eixo, com atenção aos objetos, debruçamo-nos sobre os focos de interesse das pesquisas dentro da gama de possibilidades que há no desenvolvimento da linguagem escrita. Certamente, os processos discutidos no eixo 1 não são ignorados para a análise dos objetos. A questão central do eixo 2 é compreender o que tem sido de maior interesse nas proposições de pesquisa. Compreendemos que os objetos de estudo demonstram um aspecto muito importante do movimento sobre a temática da língua escrita para pessoas com deficiência, qual seja, os próprios modos de conceber a pessoa com DV em uma sociedade letrada, na qual o pleno exercício da cidadania acontece por meio da língua escrita.
O eixo 2 é conduzido por oito categorias, as quais são sugeridas pelos próprios dados, após a análise de seus objetos. São elas: recursos didáticos; imagem; processo e contexto educacional; ensino de língua portuguesa; desempenho e apropriação da leitura e/ou da escrita; processos psíquicos; políticas e formação docente. Notemos que algumas categorias caras à Educação - avaliação, por exemplo - não constam nesse eixo porque não ocupavam o foco dos trabalhos, embora aparecessem de modo secundário.
Esclarecemos ainda que o fato de uma pesquisa estar concentrada em uma categoria não significa que ela esteja desligada dos interesses de outra(s) categoria(s). Por exemplo, a categoria de leitura e escrita certamente tem uma implicação na língua portuguesa. Porém, enquanto na categoria leitura e escrita o foco está na compreensão do desenvolvimento da leitura e da escrita - considerando velocidade, taxas de erro, combinações etc. -, na de ensino da língua portuguesa o foco está na apropriação e uso da língua portuguesa. Assim, por exemplo, enquanto uma busca aferir o desempenho na leitura, a outra investiga a compreensão textual frente a textos narrativos e argumentativos. Além disso, uma pesquisa disposta na categoria processos psíquicos analisa a semiótica do Braille (SOUSA, 2004) e foi assim categorizada justamente porque punciona do SB sua provocação psíquica, corpórea e experienciada sobre a pessoa que lê. Ou seja, ao discutir processos de leitura e de escrita no SB, o faz com ênfase nas formas de apropriação do sujeito sobre a semiótica inerente ao SB.
Por limites próprios a um artigo, algumas questões não puderam ser trazidas para este texto. Dessas, destacamos o predomínio de objetos voltados para a cegueira em detrimento da Baixa Visão (BV). Das 46 pesquisas, 29 se dedicaram à cegueira; três, à baixa visão; 11 à cegueira e à baixa visão. Das demais pesquisas, uma se dedicava ao próprio Sistema Braille; uma, aos artefatos tecnológicos voltados para pessoas com DV, mas com ênfase em artefatos desenvolvidos para pessoas cegas, e uma não definiu seus participantes, mas investigava o desempenho da leitura no SB.
É certo que o SB não é exclusivamente utilizado por pessoas cegas. A depender da funcionalidade da visão, pode-se indicar que uma pessoa com baixa visão se alfabetize no SB. Todavia, as discussões em torno do SB geralmente se fazem tendo em mente a pessoa cega, o que, associado ao pequeno número de pesquisas que se dedicaram à baixa visão, acentua a necessidade de trabalhos que procurem produzir conhecimento também sobre a baixa visão.
Essa questão, que certamente possui atravessamentos com as análises aqui realizadas, necessita de uma discussão mais aprofundada, a qual será realizada em trabalhos futuros. Para o momento, detivemo-nos nos dois eixos apresentados.
3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
3.1 EIXO 1
No que se refere às bases teóricas, 434 pesquisas se organizaram de modos diversos. Pudemos constatar três grupos distintos: um grupo - com 28 pesquisas - que anuncia e procura se guiar por uma abordagem teórica específica; um grupo - com duas pesquisas - que apresenta uma revisão bibliográfica anunciada como fundamentação teórica; e um grupo - com 13 pesquisas - que não anuncia uma fundamentação teórica e apresenta uma revisão bibliográfica sobre um ou mais temas dispostos no texto. Do primeiro grupo, três bases se repetem em diferentes trabalhos: 15 sustentam-se na teoria histórico-cultural; quatro, na teoria comportamental, com maior expressividade na análise experimental do comportamento, e duas, na epistemologia genética de Jean Piaget. Outras sete pesquisas desse grupo se constituem por abordagens distintas, podendo haver mais de uma em um mesmo trabalho. Cinco delas apresentavam bases mais definidas, quais sejam: antropologia histórico-comunicativa, com ênfase na semiótica peirceana; imaginário social em Castoriadis; Teoria ator-rede; Interação Humano-Computador; etnografia como fundamento teórico-metodológico e aporte no modelo social de deficiência. Outras duas abordavam vários conceitos de diferentes autores, como invisualidade, ilustração, imagem, desenho infantil e reconhecimento háptico de configurações bidimensionais.
Para iniciar a discussão, destacamos que enquanto 15 pesquisas tomavam a THC como base teórica, outras seis - localizadas no terceiro grupo - aplicavam considerações vigotskianas junto às de outros teóricos na discussão do objeto da pesquisa. Percebe-se, porém, que em parte das pesquisas a apropriação dos conceitos desenvolvidos pela THC ainda se faz de modo enviesado, por leituras assentadas em traduções e edições que suprimem e alteram o conteúdo original (PRESTES, 2010). Apresentam, por exemplo, os estudos vigotskianos como sociointeracionistas, o que tem sido largamente combatido por pesquisadores da THC, com destaque para a crítica encontrada em Duarte (2011, p. 334-335):
[...] Para muitos, os termos sociointeracionismo ou socioconstrutivismo traduziriam uma abordagem pedagógica voltada para a interação entre pares. Pois bem, esse sociointeracionismo está presente em Piaget e nos métodos escolanovistas ou, ao menos, em alguns deles.
O social em Vigotski [...] tem outra conotação, que é a de fundar a psicologia e a educação numa concepção efetivamente historicizadora do ser humano, uma concepção marxista do homem como ser social.
Seguindo os vieses, encontramos sobretudo nas pesquisas que incorporam Vigotski a seus textos, mas sem tomarem a THC por fundamentação teórica, uma perspectiva organicista sobre o desenvolvimento de pessoas com DV, com ênfase na estimulação sensorial ao dispor sobre a apropriação da língua escrita.
Os movimentos de fluxo e refluxo na apropriação de uma teoria não são exclusivos à THC. A própria epistemologia genética desenvolvida por Piaget - e que em muitos trabalhos é lançada em associação à THC - é muitas vezes difundida de forma enviesada (ROSSLER, 2006; CARRARO; ANDRADE, 2009). Todavia, tais movimentos produzem pequenas fissuras na corrente da Educação e, portanto, no trabalho docente. Analisando as 43 pesquisas, compreendemos que o tema das funções psíquicas gradativamente passa a conjugar o do desenvolvimento e do aprendizado de alunos com DV, evidenciando um apartamento, ainda que inconsistente, das bases da educação tradicional e de vertentes comportamentalistas que imperavam sobre a concepção de desenvolvimento da pessoa com deficiência.
Essas mudanças nas formas de conceber sujeito e educação se fazem notar em outros aspectos também. Observamos um deslocamento gradual de pesquisas voltadas para a testagem de habilidades fonológicas e de percepção tátil para pesquisas que abordam a temática a partir de ferramentas culturais que ampliam o universo da leitura. Estas buscavam inserir ou intensificar práticas educacionais investidas na literatura infantil, na contação de histórias, no reconto, na narrativa, em jogos e, ainda que não de modo majoritário, na brincadeira de papeis5 da criança com DV.
Com isso, modificam-se algumas afirmações outrora contundentes, como a da incapacidade de imitação da criança cega, centralizando na visão a totalidade da imitação, desconsiderando que esta função é construída na experiência do sujeito, com todos os sentidos de que ele dispõe e com toda a complexidade que representa o aparato psíquico humano (MARTINS, 2013). Mais, o próprio conceito de imitação se modifica, afastando-se da ideia de reprodução mecânica de algo para incluir a recriação daquilo que se imita:
[...] Todos conhecem o enorme papel da imitação nas brincadeiras das crianças. As brincadeiras infantis, frequentemente, são apenas um eco do que a criança viu e ouviu dos adultos. No entanto, esses elementos da experiência anterior nunca se reproduzem, na brincadeira, exatamente como ocorreram na realidade. A brincadeira da criança não é uma simples recordação do que vivenciou, mas uma reelaboração criativa de impressões vivenciadas. (VIGOTSKI, 2018, p. 18).
Esses modos de refazer a educação por reorientações de base teórica se mostram implicados nos métodos adotados nas pesquisas. Apenas quatro, sustentadas na psicologia comportamental, abordavam quantitativamente o tema do desenvolvimento da linguagem escrita, desde os instrumentos de coleta – predominantemente testes – até as análises.
As demais pesquisas traziam abordagem qualitativa. Trinta pesquisas trabalhavam com entrevistas e questionários6, por exemplo. Entre elas, duas direcionam as entrevistas exclusivamente a professores e quatro, exclusivamente a alunos. Outras nove incorporam grupos distintos da comunidade escolar, como responsáveis, gestores, auxiliares, estagiários etc. Há também aquelas que, não aplicando entrevistas para uma abordagem mais ampla e qualitativa do objeto, lançavam mão de observação direta e/ou participante do contexto em estudo. Trata-se de cinco pesquisas: duas que objetivavam a produção de material especializado para pessoas com DV; duas, a compreensão da interação da criança com DV com ferramentas culturais que favorecem a imaginação e criação infantil e uma que procurou acompanhar a rotina de turmas de alfabetização em uma escola especializada em DV.
É igualmente interessante observar que, das cinco pesquisas provenientes das Ciências Exatas (Engenharia; Computação; Arquitetura; Informática), quatro contavam com metodologias específicas de suas áreas, mas conduziam qualitativamente a coleta e análise dos dados, lançando mão de entrevistas e observação. A quinta pesquisa não realizou um trabalho empírico, mas fez uma abordagem qualitativa do objeto, buscando apreender uma linha histórica de construção e uso de artefatos tecnológicos voltados para pessoas com DV.
Essa predominância de abordagens qualitativas associada a uma expressiva diminuição de pesquisas que primam pela mensuração de dados enquanto corpo de conhecimento nos permite inferir, por um lado, que a compreensão sobre o desenvolvimento da linguagem escrita da criança com DV se desloca de uma perspectiva mecanicista de alfabetização para uma perspectiva que situa a língua escrita como elemento cultural que é e deve ser apropriado na relação social da criança. Tomando o conjunto de pesquisas fundamentadas na THC, que constitui a maioria na categoria de bases teóricas, podemos dizer que esse movimento nos retira de uma perspectiva centrada na mecânica da codificação e decodificação e nos aspectos fonológicos e motores da língua escrita, para uma perspectiva em que a criança, sujeito social por excelência, tem nos processos de DLE a potência de criação e de recriação de suas relações sociais a partir da língua escrita.
Testes padronizados dão lugar a observações participantes e propostas de intervenção sobre a dinâmica do contexto em que ocorrem as interações entre sujeitos e as ferramentas próprias ao universo letrado. Cabe apresentar que as três pesquisas teóricas desenvolvidas em torno do tema caminham em perspectivas igualmente qualitativas, elaborando nas discussões teóricas um refinamento sobre a complexidade do fenômeno e considerando, por complexo, o próprio sistema social que a pessoa cega integra. Nesse sentido, as três pesquisas, embora cada uma em distintas vertentes teóricas, compreendem a pessoa cega como pessoa de múltiplas interações e que essas interações produzem novos modos de existir em sociedade.
Mas, se por um lado avançamos nas formas de conceber a relação com o universo da escrita, com a sociedade e o ser social que lê e que escreve, não alcançamos ainda a superação das perspectivas organicistas sobre o desenvolvimento da pessoa com DV. Mesmo pesquisas fundamentadas na THC ressaltavam a estimulação sensorial como meio para a apropriação da escrita e da leitura. Daí compreendemos que o salto qualitativo na práxis orientada ao DLE está bastante apoiado em movimentos que ultrapassam a discussão da Educação Especial, tal como o dos métodos de alfabetização e das discussões sobre letramento, temas eminentemente discutidos nas últimas décadas (MORTATTI; OLIVEIRA; PASQUIM, 2014).
A questão deve ser bem analisada, pois está atravessada por diferentes aspectos de um mesmo problema: a educação de pessoas com deficiência. A compreensão sobre a educabilidade de pessoas com deficiência é iniciada no campo da Medicina, de modo que o que se educa é o corpo do sujeito e dentro de moldes positivistas. É certo que Educação e Medicina andam de braços dados por longo período, mas essa dependência com relação ao saber clínico vai se apartando da Educação ao passo que o saber pedagógico se fortalece. Na Educação Especial, porém, o rompimento é mais difícil porque as definições oficiais - e decisivas - sobre seu público-alvo são chanceladas pela área da saúde. Toda deficiência é socialmente definida como uma falha no organismo, por condições que interferem no desenvolvimento, compreendidas como doença. Pedagogicamente, porém, é perfeitamente possível e desejável que um docente organize seu trabalho em torno do desenvolvimento que ele observa no aluno, independentemente do laudo médico. Todavia, o laudo médico ainda é condição para matrícula e atendimento de alunos com deficiência em determinados sistemas (SILVA; RIBEIRO, 2017), assim como muitas vezes é sobre ele que se recusa a matrícula.
Esse jogo de realização da vida da pessoa com deficiência não passa inobservado dentro da Educação. Sutil ou abertamente, seus efeitos estão postos e contra eles muitos pesquisadores da Educação Especial vêm se pondo em luta permanente. Assim, ainda que neste trabalho esteja patente a mudança de perspectiva sobre a alfabetização da criança com DV, está também latente, por outro lado, a manutenção de perspectivas clínicas sobre o sujeito que se alfabetiza ‒ a criança com deficiência.
3.2 EIXO 2
Das análises, observamos uma diversificação de métodos e abordagens teóricas que se lançavam sobre diferentes objetos, os quais passamos a discutir por e entre categorias.
3.3 RECURSOS
A que concentra maior número de pesquisas é a de recursos e materiais didáticos, paradidáticos e/ou especializados aplicados - ou claramente expressos como aplicáveis - no processo de DLE. Com 13 pesquisas, a categoria reúne trabalhos que se dispuseram a analisar a aplicação desses recursos individual ou coletivamente; a criar ou adaptar jogos e material de literatura infantil; e a desenvolver softwares e outros dispositivos em tecnologia digital.
Dois focos se põem em equilíbrio: a escrita no SB e a literatura. Cinco discutiam especificamente recursos destinados à escrita braille, desde os mais comuns, como reglete e punção, a recursos criados pelos pesquisadores. Interessante observar que dessas cinco pesquisas, duas se destinavam à criação de recursos físicos e três a recursos digitais para o desenvolvimento ou o favorecimento da escrita braille. Em ambos os casos, mesmo quando o processo inicial de apropriação da leitura e da escrita braille não estava no foco, discutiam-se as possibilidades da aplicação dos recursos criados também nesse processo.
A literatura, por sua vez, conta com outras cinco pesquisas, três tendo pessoas cegas como público-alvo, duas tendo pessoas cegas e com baixa visão. Esse empate, se não nos diz exatamente de novos ares para uma perspectiva de desenvolvimento da linguagem escrita, ao menos nos diz de uma perspectiva mais ampla de apropriação do código escrito. Tomemos, por exemplo, quatro pesquisas da categoria recursos - duas já contabilizadas no grupo com foco na literatura - que primaram pela ludicidade, pelo brinquedo e pela brincadeira. Isso não quer dizer que as pesquisas inclinadas ao estudo das interações com o SB não sejam importantes ou o sejam menos. Ao contrário, elas têm grande importância e isso será discutido mais ao final deste tópico do texto. A questão que sublinhamos aqui é do partilhamento de ações, se assim se puder dizer: teórico-práticas, outrora reduzidas ao campo da reflexologia, tomando a alfabetização enquanto codificação e decodificação.
Pensamos estar diante, pois, da expansão das concepções sobre o que é ser sujeito que domina a língua escrita. O fato de a literatura ter corpo na categoria recursos é de especial importância porque desatrela a ideia de recursos para pessoas com deficiência de recursos específicos para a deficiência, ou seja, retira o corpo do sujeito sua especificidade orgânica - o não visual - para levá-lo ao campo do comum, do socialmente compartilhado, da língua escrita em si.
Repetimos: a especificidade do SB no acesso à língua escrita é de cabal importância, porém, quando o trabalho educativo se resume à especificidade - quando pensar recursos e materiais para o desenvolvimento da linguagem escrita de crianças com DV se limita a reglete e punção, máquina de datilografia braille, transcrição e ampliação de textos, softwares e aplicativos criados para o acesso à leitura e à escrita no computador e outros dispositivos digitais -, apequena-se a dimensão da relação do sujeito com a língua escrita. O acesso ao universo da língua escrita em sua dinâmica social é tão necessário quanto a criação de recursos que dão acesso à leitura e à escrita de pessoas com DV. Mais ainda, as pesquisas que tomavam a literatura por recurso o faziam com uma variedade de propostas que ultrapassava a leitura da história para chegar ao reconto, à criação e recriação de histórias, à experimentação de papeis, à narrativa, a brincadeiras diversas e interrelacionadas etc. Nesse aspecto, podemos dizer que parte delas compreendia a apropriação da língua escrita como um processo marcado pelo desenvolvimento do simbolismo, da imaginação e da criação.
3.4 IMAGEM
Num entremeio das categorias recursos e processos psíquicos, coube dispor a categoria imagem. Na verdade, inicialmente as quatro pesquisas que a compõem estavam localizadas na categoria recursos. Porém, percebemos um desagregamento que as desencontrava da perspectiva do recurso, mas que tampouco os colocava na categoria processos psíquicos.
Na categoria imagem aborda-se a apreensão da imagem pela via do recurso livro tátil, tocando de forma menos ou mais aprofundada os processos psíquicos que acompanham a atividade da leitura tátil de imagens em livros infantis, em sua maioria. Desse modo, poderiam pertencer à categoria processos psíquicos, mas ao final, concentram suas análises na disposição da imagem, em aspectos que podem torná-la mais acessível ou favorecer a mediação e a compreensão do sujeito sobre o conteúdo partilhado na imagem. Tal qual veremos na categoria ensino de língua portuguesa, a leitura de imagens por meio do tato também está bastante assessorada, sustentada e dependente das experiências táteis e não táteis do sujeito. Um barco, por exemplo, foi lido como um coelho por uma criança de oito anos de idade, possivelmente porque aquelas formas bidimensionais pontiagudas outrora lhe foram apresentadas como orelhas de um coelho e não necessariamente por ter tocado um coelho real. Em outro exemplo, uma peça de dominó é interpretada – lindamente – como a cela braille utilizada pela bruxa da história (CARDEAL, 2009).
Ruiz (2014, p. 94) destaca que as experiências singulares determinam a interpretação das imagens do livro, que as “percepções coletadas para cada um dos livros [...] estão mais atreladas às habilidades do leitor e ao seu modo de desfrutar da leitura, do que ao seu grau de deficiência visual.” É certo que a intervenção direta - espontânea ou sistematizada - também afeta a leitura da imagem, ensinando seus sentidos. No entanto, a própria intervenção constitui uma nova experiência a tornar mais complexas as relações de sentido estabelecidas a partir da literatura que se ilustra - também - em imagens. Para Piekas (2017), a produção e a leitura da imagem se orientam por traços sobre os quais se convencionam sentidos, e, especialmente para a criança cega, qualidades constitutivas do objeto - as quatro patas de um elefante, por exemplo - favorecem a interpretação da imagem. De todo modo, o conjunto de pesquisas dessa categoria compreende que a imagem é um elemento ao qual a criança recorre na medida em que vai compreendendo sua função na experiência com a leitura.
3.5 PROCESSOS PSÍQUICOS
A categoria de processos psíquicos concentra sete pesquisas dedicadas especialmente à compreensão dos processos psíquicos implicados nas atividades próprias ao DLE. Três delas têm foco na cegueira, outras três na cegueira e na BV e uma no SB. Nela, vamos encontrar diferentes interesses para a questão do psiquismo.
Ao dizermos psiquismo, referendamo-nos numa análise histórico-cultural do problema que, embora seja preponderante nessa categoria, não é totalitária. Duas pesquisas enredam temas pertinentes ao desenvolvimento psíquico por outras linhas teóricas, quais sejam, a semiótica peirceana (SOUSA, 2004) e um conjunto de autores voltados para o desenho infantil e ensino de desenho para pessoas cegas (MORAIS, 2011). As outras cinco, de fato, trazem suas discussões dentro da THC. O que está trazendo essa presença maciça da THC nas discussões sobre processos psíquicos é algo que merece ser estudado separadamente. Por ora, é preciso dizer que todas estão em subáreas ou especialidades em que a linguagem é tema de interesse; são elas: Comunicação; Fonoaudiologia; Psicologia; Ciências da Linguagem; Artes Visuais; Desenvolvimento humano e Educação; Distúrbios do desenvolvimento.
Essa categoria, apesar de ter apenas sete pesquisas, se divide em cinco grandes temas, todos associados ao simbolismo, ao desenvolvimento da função simbólica, à relação entre signo e desenvolvimento. Assim, uma pesquisa analisa a semiótica do código Braille; outra, o desenvolvimento da linguagem a partir dos contos de fadas; duas, a imaginação e processos criadores; duas tomam o desenvolvimento do simbolismo a partir de histórias, brinquedo e brincadeira e uma analisa a relação entre desenho e formação de imagem mental.
Evidenciando a relação entre atividade e psiquismo, essas pesquisas buscam seu espaço de investigação nas atividades e nas ferramentas culturais mais propícias à criação e à recriação da cultura – ou que melhor as evidenciam.
Duas questões chamam atenção nessa categoria. A primeira, que de certa forma também toca à de recursos, é o fato de haver poucas pesquisas que ponham foco na brincadeira e suas relações com o aprendizado e o desenvolvimento da criança. Especialmente nos estudos sobre processos psíquicos engendrados na função simbólica, compreende-se que a brincadeira constitui elemento cultural de eminente papel no desenvolvimento infantil (VIGOTSKI, 2018; SACCOMANI, 2016; VIGOTSKI; LURIA; LEONTIEV, 2018). Todavia, aqui ela é foco somente em duas pesquisas e toma parte do conjunto em uma pesquisa. Três pesquisas localizadas na categoria recursos se lançaram não à brincadeira enquanto atividade promotora do desenvolvimento infantil, mas ao jogo enquanto recurso didático lúdico. Em outras pesquisas, brinquedos eram aplicados como um dos objetos relacionados ao foco do trabalho, mas não eram investigados em seu potencial sobre o desenvolvimento da criança. Por exemplo, a exploração de objetos - muitos como miniaturas - que representavam elementos das histórias utilizadas em pesquisas voltadas ao desenvolvimento de livros táteis.
Essa pequena presença do tema da brincadeira nas pesquisas voltadas para o DLE com crianças com DV marca o passo lento em que caminha a concepção sobre o processo de aprendizado dessa criança. Se, como vimos, a literatura - uma expressão mais dinâmica da leitura na escola - ganha força entre recursos aplicados nesse processo, a brincadeira, por outro lado, ainda não consegue o mesmo espaço. Curiosamente, é possível notar mesmo que as tecnologias digitais, que contam com quatro trabalhos na categoria recursos, têm maior expressividade nas pesquisas do que o tema da brincadeira.
A segunda questão está na ausência de outras funções psíquicas, como percepção, memória e atenção. É certo que elas estão presentes em trabalhos localizados em outras categorias, exatamente porque estes não tinham por objeto a análise de funções psíquicas. É o caso das pesquisas que compõem a categoria leitura e escrita. Todas elas discutem de alguma forma funções como percepção, memória e atenção, embora apenas duas o façam abertamente e as demais o apresentem em testes de discriminação e nomeação.
3.6 DESEMPENHO E APROPRIAÇÃO DA LEITURA E/OU DA ESCRITA
A esse propósito, discutimos a categoria leitura e escrita, que conta com seis pesquisas, das quais cinco se fundamentam na psicologia do comportamento e uma na psicologia histórico-cultural. O foco delas está numa captação direta do processo de ler e escrever, portanto dispondo de testes individuais ou propondo atividades que fomentem, por diversos recursos, a leitura e/ou a escrita, todas no SB.
Duas pesquisas chamam especial atenção. Em uma, o processo de leitura e escrita forjava a condução da pesquisa e da análise fundamentada em Feurstein, Luria e Vigotski. Ao invés de processos psíquicos específicos estarem no alvo do trabalho (o que a levaria à categoria anterior) e serem buscados nas atividades voltadas para o desenvolvimento da leitura e da escrita, faz-se outra via, qual seja, é nas atividades desenhadas pela própria pesquisadora para o desenvolvimento da leitura e da escrita com uma turma de crianças cegas e com baixa visão que se enovelam e se revelam, na teoria, os processos psíquicos. A diferença é sutil, mas aponta para uma busca, ainda que controlada nas atividades propostas, sobre o conjunto dos processos no empenho da atividade.
Na outra pesquisa, surpreende a discussão feita pelo pesquisador em torno da apropriação da leitura e da escrita. Partindo de uma abordagem teórico-metodológica clínica e aplicando testes com a finalidade de avaliar padrões de leitura no SB, o pesquisador põe em discussão uma educação crítica, sustentando-se em Paulo Freire, e criticando métodos de condicionamento de estímulo e resposta. O texto é fiel à abordagem clínica adotada na apresentação dos resultados e condução das análises obtidas por meio dos testes, do mesmo modo na apresentação do conceito de DV e desenvolvimento da pessoa com DV. Todavia, no desenrolar das análises expressam-se fios que o próprio pesquisador indica por progressistas. Acreditamos estar diante de uma discussão próxima à que trouxemos no primeiro eixo, sobre os ruídos no caminhar com a teoria, ruídos que vêm da experiência, da existência social, da impossibilidade de uma isenção do sujeito sobre o que lhe toca, pelo determinismo das condições históricas e sociais em que o sujeito produz e é produzido; e não como indivíduo, mas como ser genérico, porque as condições transitam nas instituições sociais, seja nas ciências, seja na vida cotidiana. Nas palavras de Iasi (2014, p. 105), seriam estes “ʻreflexos ideológicosʼ, ou os ecos do processo de vida, que na sua forma se apresentam ʻpurosʼ mantêm seus vínculos com a produção material da vida de onde partem e se distanciam.”
3.7 ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
Marcando a distância entre os aspectos observáveis nas atividades de ler e de escrever e o ensino da língua escrita, posicionamos a categoria ensino de língua portuguesa, contando com três pesquisas, todas tendo alunos cegos como sujeitos do estudo. Notemos a importância da distinção entre ler e escrever e ensinar a ler e a escrever uma língua. Integrando um único processo - que é muito mais amplo que a relação direta entre ensinar e aprender, entre o se apropriar, enquanto processo psíquico ou fenômeno a descrever, e o ensinar o como se apropriar -, ambas as categorias procuram em seus recortes uma contribuição às práticas docentes.
No caso da categoria ensino de língua portuguesa, a leitura e a escrita são dispostas pela língua, sobre referências da construção da língua portuguesa escrita. A língua escrita participa, por exemplo, da linguagem, mas enquanto uma especialidade desta (VYGOTSKI, 2014a), do mesmo modo que compreende fatores implicados na construção de uma determinada língua, sem necessariamente se limitar a ela. O ensino da língua escrita, portanto, é mais que a apropriação da leitura e da escrita. É o domínio da própria língua enquanto ferramenta cultural que se movimenta socialmente, abrindo ou fechando campos de participação do sujeito em sua sociedade.
Essa é uma crítica comum aos três trabalhos, que acordam entre si que o ensino na língua portuguesa somente se conclui enquanto função social. Sobre isso, podemos dizer que a função acontece na relação entre o sujeito e algo que extrapola o sujeito, algo que lhe é materialmente externo e que traz, com o uso da língua, novos sentidos e apropriações sobre a experiência social. A língua escrita, por ser social, necessita interlocutores e usuários comuns que possam estabelecer trocas entre si, realizando a função. Todavia, as pesquisas revelam que essa condição muitas vezes não se faz presente na escola e ainda menos em outros grupos sociais. Adaptações e transcrições de livros cumprem parte da condição, mas a escrita dos alunos precisa fazer sentido nesses grupos, o que não acontece quando, por exemplo, o aluno necessita escrever e ler em braille, mas o professor que traz a demanda não domina o sistema, portanto não sabe dizer se a apropriação está correta.
Outro destaque dessas pesquisas é a relação do aprendizado e do desempenho em língua portuguesa escrita com a vida e as experiências sociais dos alunos. A própria compreensão do texto escrito está diretamente associada às condições de interação real e objetiva com o conteúdo do que se lê. Na verdade, essa interação se sobrepõe ao sentido do texto e isso não é uma particularidade da pessoa com DV. As apropriações do texto escrito inserem uma nova forma de relação do sujeito com a arte, com a criação do autor do texto. As relações entre falso e verdadeiro passam a ter novos valores e flexões para acompanhar a criação e isso também se aprende.
3.8 FORMAÇÃO DOCENTE
Caminhando de modo muito próximo da categoria ensino, a categoria formação docente realça o diálogo com o docente sobre esses trabalhos. Contando com três pesquisas, uma com sujeitos cegos e duas abrangendo cegueira e BV, a categoria acompanha o tema do desenvolvimento da linguagem escrita pela perspectiva docente e pela perspectiva das condições formativas dispostas no processo. Nota-se um aparente deslocamento de uma perspectiva técnico-instrumental sobre a formação docente e sobre a alfabetização para uma perspectiva crítica e autoformativa, que valoriza a avaliação do docente sobre seu próprio trabalho enquanto produção de conhecimento e transformação da práxis pedagógica. Assume-se que as experiências com a língua escrita e a própria experiência enquanto sujeito que se apropria da língua escrita dão seus tons ao trabalho docente, enquanto a trajetória profissional e formativa - na qual a experiência leiga e espontânea encontra campo de análise - é posta numa, digamos, consciência científica sobre os processos vividos com a língua escrita.
Sobre o deslocamento, uma questão intriga: o tema da formação docente enquanto foco de pesquisa aparece no ano de 1995 e depois somente nos anos de 2008 e 2010. É certo que o tema se pulveriza em outras pesquisas, cujos objetos incorporam a formação à discussão dos resultados, mas chama a atenção o fato de não haver mais pesquisas que tenham por objeto a formação docente no trabalho de desenvolvimento da leitura e da escrita.
Tal qual se aponta em outras categorias, materiais didáticos orientativos e os próprios modelos de formação necessitam se afinar com a prática cotidiana. Destaca-se também a falta de material adequado e de manutenção dos equipamentos adquiridos em algumas escolas (OLIVEIRA, 2008; GOMES, 2010). Esse é um problema recorrente na área da DV, tanto pelo aspecto do custo quanto pela necessidade de uma formação prévia para seu manuseio (BATISTA, 2018; MARTINEZ, 2011; RANGEL, 2017). Ao lado da falta de material, engrossa-se o coro referente à função social da escrita, o sentido do aprendizado da língua escrita.
De modo geral, as categorias de leitura e escrita, ensino de língua portuguesa e formação docente observam problemas similares aos do ensino comum, mas que, no que toca à criança com DV, ganham outras proporções. Ensino descontextualizado, ausência da participação da família e muitas vezes condições de escolarização insuficientes para um acompanhamento do aluno ao lado de métodos mecanicistas de alfabetização são trazidos pelos pesquisadores como aspectos que preponderam na relação de ensino-aprendizado que se dá na escola. Nesse sentido, acentuam-se as dificuldades com a prática da escrita em braille ao mesmo tempo em que acontece um crescimento da criação e aplicação de recursos de tecnologia da informação no cotidiano da pessoa cega. Desse modo, crescem também discursos que alegam desuso do SB, ao que se tem chamado desbrailização (BATISTA; LOPES; PINTO, 2017; SOUSA, 2001).
3.9 POLÍTICAS
A desbrailização é tema da categoria políticas, contando com apenas uma pesquisa. Porém, que se note que ela é a única a dispor do tema desbrailização como objeto, mas é acompanhada por nove pesquisas que discutiram a questão ainda que brevemente. Interessante também notar que nenhuma pesquisa fez uma defesa sobre a desbrailização, o que inclui as pesquisas dedicadas às tecnologias digitais. Convém destacar que uma tinha o propósito de desenvolver produtos de tecnologia digital para o uso e/ou aprendizado do SB.
A discussão sobre a desbrailização é especialmente importante para a discussão do eixo 2. Como dito, pretendemos analisar quais movimentos delineiam o desenvolvimento da leitura e da escrita para a criança com deficiência visual. Apesar de não haver muitos trabalhos que debatem especialmente um possível apagamento do Sistema Braille, a questão vem tangenciando as análises de algumas pesquisas do nosso levantamento, para além das nove que discutiam a desbrailização. Essas mostraram que seus sujeitos, quando jovens ou adultos, já não faziam uso frequente do SB, substituindo-o por recursos de tecnologia digital nos espaços educacionais, no trabalho e no lazer, destacando-se que em alguns casos o braille somente era veiculado dentro da escola e com as dificuldades já relatadas.
É preciso, porém, levar a análise para a sociedade em que vive a pessoa com DV. Não se pode simplificar a desbrailização como um fenômeno exclusivo à área da DV. Deve-se considerar que a leitura e a escrita para cegos e videntes têm se realizado mais em ambiente digital do que em cadernos e livros impressos. Que há, decerto, maiores efeitos na educação da pessoa com DV do que na de videntes, isso não se nega. Tanto que, enquanto se discute a desbrailização, não se discute a destintalização, ou seja, não se coloca em pauta a suspensão da escrita em tinta para pessoas videntes, tampouco a alfabetização apenas a partir de dispositivos digitais.
Outro agravante para o debate é trazido por Silva (2018), que registra algo frequente na educação de pessoas cegas ou cuja condição visual aponta para a necessidade do aprendizado do SB: a negação da deficiência. Muitos alunos e familiares passam longo tempo se recusando ao aprendizado do SB como uma clara negação da deficiência, o que também acontece no uso da bengala, por exemplo. Desse modo, a questão da subjetivação do sujeito enquanto pessoa cega vem orbitar o complexo que envolve o aprendizado e a oferta educacional do SB.
A relação da pessoa com DV com os diferentes suportes dos quais lança mão no processo de desenvolvimento da leitura e da escrita encontra tensões em campos distintos, quais sejam, entre o ensino do braille, que prepondera nas pesquisas levantadas, e a desbrailização; entre o aprendizado do código e a fruição da língua escrita; entre as novas tecnologias e as tradicionais. Atravessando as tensões está o próprio modo de compreender o que e o como investigar aspectos desse processo, isto é, o fazer científico que se multiplica em métodos de apreensão do movimento a analisar, por múltiplas perspectivas.
3.10 PROCESSO E CONTEXTO EDUCACIONAL
Por esse modo, chegamos enfim à categoria processo e contexto educacional, com oito pesquisas que se propunham a compreender, do conjunto de elementos envolvidos na oferta educacional, o processo de desenvolvimento da linguagem escrita. Esse grupo se dispõe a analisar as interseções entre os elementos orquestrados no processo, pinçando diferentes valores, como recursos, práticas e formação empregados; as relações entre os sujeitos envolvidos no processo, se estendendo a familiares e profissionais da educação e de outras áreas, e sentidos e memórias sobre o processo de alfabetização. Enquanto as categorias anteriores especificaram aspectos a pôr em análise, essas pesquisas colocam o próprio processo, com todos os seus elementos, em análise. Isso não significa que compreendam todos, mas do todo, o que se consegue compreender, captar, registrar, tornar cientificamente legível.
Essas pesquisas trazem uma tônica na questão das relações entre os sujeitos que tomam parte no processo educacional, desde o núcleo escolar aos grupos que o afetam indiretamente, como grupos legisladores e sociedade civil em suas disputas políticas. São pesquisas que procuraram nas memórias dos alunos ou em narrativas mais recentes os sentidos de se alfabetizar em uma sociedade visuocêntrica; ou que buscaram no cotidiano da escola conceber do conjunto a dinâmica entre os elementos e suas diferentes afetações, seus afetos. E perceber como esses afetos, por outra forma de reflexo, emendam ações que podem ampliar ou restringir o acesso, o domínio e a fruição da língua escrita.
O acompanhamento da rotina escolar de alunos e docentes no desenrolar do processo de apropriação da leitura e da escrita, seja in loco, no tempo corrente, seja na memória de um passado vivo, deu relevo aos contornos já apontados em outras categorias: a dedicação e a ansiedade de pais e familiares, a tônica na educação para o desenvolvimento sensorial e motor como portas para o acesso à língua escrita; a mecânica da língua se sobrepondo à dinâmica; a formação docente para o trabalho educacional com pessoas com DV. Ao lado desses encontros comuns, vão se desenhando nuances entre o ensino na escola comum e o ensino na escola especializada, o que não se evidencia facilmente nas demais categorias. Nas nuances, destaca-se o currículo que, na escola especializada, se monta em especificidades que ultrapassam o saber escolar tomado à responsabilidade da Educação e incorpora processos sustentados na saúde e na assistência. Junto às letras, aprende-se na escola aquilo que as crianças videntes vivenciam apenas no tempo da Educação Infantil e no cotidiano familiar: comer com garfo e faca; experimentar o paladar em alimentos muito comuns, como sal e açúcar; vestir-se; andar com autonomia.
A discussão é longa e não compete a este artigo. De certo modo, podemos dizer que ela se espraia nas outras categorias. Consideremos que os processos vivenciados são singulares nas experiências subjetivas relatadas pelos participantes ou acompanhadas pelos pesquisadores. No entanto, a singularidade se encontra com sua própria determinação: a cultura que atravessa corpos e instituições, impondo uma disputa própria à dialética das relações historicamente estabelecidas sobre toda ferramenta cultural, uma delas a língua escrita. Na disputa, o corpo em que se faz notar a deficiência, ou a deficiência que se faz notar no corpo, estrutura o processo comum de desenvolvimento da linguagem escrita em linhas que integram mais firmemente saúde, assistência e educação, talvez mesmo nessa ordem; e dialeticamente o processo é movido pelas concepções sobre alfabetizar, sobre ensinar, sobre aprender, que toca a tantos grupos e vai ecoar também na educação de crianças com deficiência visual.
É preciso consciência de que a língua escrita é feita código para sua realização material, portanto implicando, sim, em técnicas que demandam uma organização psíquica orientada por uma didática que facilite seu aprendizado; porém, ela, a língua escrita, só se fez matéria porque tinha e tem função social. Como função social, ela atravessa o corpo social do sujeito, da pessoa. Mais ainda, atravessa quando esses sujeitos dela se apropriam e quando dela não se apropriam. A língua escrita dita códigos muito mais complexos e interseccionados do que o código que a enseja e essas relações precisam ser evidenciadas, ser de conhecimento de todos. Não se apropriar, não dominar, não fruir plenamente da língua escrita ou fruir parcialmente é desde já uma relação com a língua escrita. Uma relação política sobre a qual toda a Educação procura intervir e sobre a qual o Estado deve responder.
Partindo de um levantamento de teses e dissertações defendidas entre os anos de 1987 e 2018 que se distinguiam por uma contribuição direta para os debates sobre o desenvolvimento da linguagem escrita de crianças com deficiência visual, dedicamo-nos a compreender o que buscam essas pesquisas, que traços procuram marcar do processo de desenvolvimento da linguagem escrita, como esta fica compreendida e que movimentos passam a ser acentuados ou esfumaçados na dinâmica da produção científica. Não nos orientamos exatamente pela apresentação de dados e resultados; estes entram na medida em que nos mostram um desenho, um tracejo que permita melhor compreender as relações estabelecidas entre os elementos do processo.
Muitos destaques foram feitos, todos construídos em estudos da THC, o que nos levou a perceber de modo incômodo, por exemplo, a centralidade de práticas educacionais ainda no treino sensorial - sobretudo tátil. São discursos tanto dos participantes da pesquisa quanto de pesquisadores que enredam uma concepção clínica de desenvolvimento da pessoa com deficiência, biológico, maturacionista, que sobrepuja o desenvolvimento da pessoa como sujeito que é produzido e produtor da própria sociedade. Notamos que mesmo pesquisas fundamentadas na THC punham a tônica no trato sensorial enquanto porta de acesso ao aprendizado e ao desenvolvimento da criança.
Também pudemos notar que a dialética inerente a toda relação social move e remove conceitos e formas de pensar a educação de crianças com DV. Assim, se por um lado temos a tônica na educação dos sentidos remanescentes, temos também um equilíbrio entre o pensar a língua escrita enquanto código a ser acessado e apropriado e o pensar a língua escrita enquanto arte a ser fruída. Por certo, discussões que orbitam no universo comum da alfabetização de crianças vão sendo incorporadas ao pensar a alfabetização de crianças com DV.
Os atravessamentos, as disputas são muitas. Por exemplo, o brincar no desenvolvimento de crianças sem deficiência é tema frequente (CORDAZZO et al., 2007), o que não se aplica a crianças com DV (RANGEL; VICTOR, 2016). Em nosso levantamento, tivemos apenas uma pesquisa em que o brincar ganhava centralidade e outras três em que compartilhava espaço com outros tópicos. Essa constatação se torna mais significativa se observarmos a presença de quatro pesquisas orientadas ao tema das tecnologias digitais no processo de apropriação da leitura e da escrita de crianças com DV. Assim, a brincadeira, tema inerente ao desenvolvimento infantil, tem sido tão (ou menos, a depender da interpretação) requisitada quanto as tecnologias digitais, tema que demanda costuras para dialogar com a educação de crianças.
No bojo das tensões, as análises indicam que a leitura e a escrita em braille vão avançando para a comunicação a partir da língua escrita. Parte das pesquisas se ressente por um ensino ainda sustentado em métodos mecanicistas, mas esse ressentimento é, por si só, uma beleza no conjunto das relações educacionais voltadas para o desenvolvimento da linguagem escrita. Ele aponta para rumos humanizadores do processo em questão, reclama uma língua impressa na dinâmica social, presente na vida da pessoa com deficiência visual que terá nela, na língua escrita, formas de se fazer sujeito. E que se diga: um sujeito que não escreve palavras soltas, mas reúne palavras para se dizer a partir delas, para expressar opiniões, interferir sobre processos da vida cotidiana, requerer e acessar direitos, criar-se em arte, produzir em si, para si e para além a humanidade que lhe cabe.
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VYGOTSKI, L. Obras escogidas: problemas de psicología general. Tradução: Julio Guillermo Blank. Madrid: Machado Libros, 2014b. t. II.
Endereço para correspondência: Av. Pasteur, n. 368 - Urca, Rio de Janeiro - RJ, CEP: 22290-255; fabianarangel@ibc.gov.br
1 Doutora e Mestra em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Pós-doutorado em Educação pela UFES e Pós-doutorado em Educação, em andamento, pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
2 Doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP); Mestra em educação especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Pós-doutorado em educação na USP e na UFSCar.
3 Segundo o Conselho Brasileiro de Oftamologia, a deficiência visual compreende três categorias de função visual, observadas a partir da acuidade visual e o campo visual: a visão subnormal, a cegueira e a visão monocular (OTTAIANO et al., 2019). Contudo, ao lado da classificação clínica, é preciso considerar a avaliação funcional de alunos com baixa visão (BRASIL, 2007), a qual permite “[...] indicar ou orientar sobre as possibilidades de aprendizagem em alunos com baixa visão.” (OLIVEIRA; BRAUN, 2014).
4 Três pesquisas que foram acessadas somente pelo resumo não possibilitaram a identificação de um corpo teórico. Não houve retorno do contato com os autores, de modo que elas não constarão neste eixo do artigo.
5 Conforme Bomtempo (1996, p. 57), essa brincadeira “[...] recebe várias denominações: jogo imaginativo, jogo de faz-de-conta, jogo de papéis ou sociodramático. A ênfase é dada à ʻsimulaçãoʼ ou faz-de-conta, cuja importância é ressaltada por pesquisas que mostram sua eficácia para promover o desenvolvimento cognitivo e afetivo-social da criança.”
6 Das 30, duas aplicaram questionário com abordagem qualitativa tanto sobre as questões quanto sobre o tratamento dos dados obtidos.