https://doi.org/10.18593/r.v45i.27316

Gestão educacional: novas contribuições ao campo

Jardelino Menegat1

Universidade Católica de Petrópolis, Professor.

https://orcid.org/0000-0003-4003-8882

Marcelo Mocarzel2

Centro Universitário La Salle, Professor

https://orcid.org/0000-0002-2780-0054

Recebido em 25 de fevereiro de 2021

Aceito em: 08 de abril de 2021.

O conceito de gestão chega em substituição ao conceito de administração, muito presente tanto no setor corporativo como no educacional, até os anos 1980. Ele é um legado do modelo de acumulação flexível, que combate a rigidez do fordismo. De acordo com Harvey (2013, p. 140), esse modelo “se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo” e é caracterizada pelo “surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional”. Há discordâncias entre importantes autores do campo da gestão educacional se, de fato, essa mudança é apenas conceitual ou representa uma mudança paradigmática. Sem necessidade de maiores aprofundamentos, vale ressaltar que a gestão é um campo de estudos polissêmico, que opera com diferentes matizes ideológicas. Com esse entendimento empenhado, a gestão se encontra em diversas esferas da educação: a função social da escola e dos processos educativos, a gestão da escola e as ferramentas de organização administrativa e pedagógica, os ideais de qualidade perseguidos, o direito à educação, o acesso, a permanência, o alargamento dos direitos, entre outras.

Outro debate fundante dentro dessa temática é o de gestão democrática. Esta deve estar centrada em processos de divisão de poder. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), aprovada em 1996, lista dois princípios para a gestão democrática das escolas: a participação dos profissionais da educação na elaboração dos projetos pedagógicos das escolas em que trabalham e a participação da comunidade em conselhos escolares. Ambos os princípios apontam para uma maior intervenção direta da comunidade nos processos decisórios, participando ativamente das decisões, de forma coletiva e colegiada. A consulta pública para gestores não consta textualmente entre os princípios, mas figura como matéria socialmente aceita quando se trata de democratização da educação pública. O combate a mecanismos de perpetuação de pessoas, ao patrimonialismo da coisa pública e ao autoritarismo dizem respeito a esse novo modelo de escola.

O primeiro artigo, intitulado “Gestão escolar democrática: desafios e perspectivas”, de autoria de Dirléia Fanfa Sarmento e Jardelino Menegat, traz reflexões sobre o princípio constitucional da gestão democrática, analisando as decorrências de tal princípio para a gestão escolar. Por meio da pesquisa documental, de cunho analítico-discursivo, focalizam o direito à educação de qualidade e seus modos de efetivação em diferentes contextos. Foram definidos quatro eixos temáticos estabelecidos com base na incursão analítica realizada no corpus investigativo, a saber: concepção de gestão democrática, equipe de gestão escolar, instâncias de participação, organização e planejamento da ação gestora. Como conclusão, os autores enfatizam que a gestão democrática pode se constituir numa dimensão mobilizadora das competências dos diversos atores que compõem a comunidade educativa, contribuindo para que haja sinergia entre eles, tendo em vista a consolidação da educação de qualidade.

Em seguida, temos o artigo “Na contramão da gestão democrática: políticas educacionais no Brasil a partir de 2016”. Os autores Karine Vichiett Morgan e Jorge Najjar traçam um panorama sobre como a gestão democrática tornou-se princípio balizador da educação pública no Brasil, desde o fim da Ditadura Militar. O texto traz um recorte contemporâneo, defendendo que após o Golpe Jurídico-Parlamentar de 2016, há o retorno à agenda política de uma discussão sobre uma suposta ineficiência da educação pública, abrindo espaços para novas formas de gestão escolar que divergem frontalmente do princípio constitucional. Por meio de revisão bibliográfica e análise documental, o artigo indica que, embora o País tenha conquistado um alargamento real da democracia na educação nas últimas décadas, tais conquistas permanecem instáveis e à mercê das variações político-partidárias.

Daniela Patti do Amaral e Marcela Moraes de Castro abordam em “Seleção de diretores escolares no Estado do Rio de Janeiro: a participação da comunidade no (con)texto político” como a participação da comunidade para a seleção de diretores está posta nos textos legais dos municípios do Estado do Rio de Janeiro (RJ), analisando como o legislativo e o executivo operam com a significante participação em políticas de caráter democrático. O estudo realizado no período de março de 2018 a fevereiro de 2020 contemplou as formas de participação da comunidade no processo de seleção de diretores. Foram analisados a Lei Orgânica, o Plano Municipal de Educação e a legislação sobre processo de seleção de diretores disponibilizados nos endereços eletrônicos das Prefeituras, Câmaras de Vereadores e Secretarias Municipais de Educação dos 92 municípios do RJ. Os resultados demonstram que os Municípios operam com uma baixa escala de democracia e que oscilam mecanismos de eleição e consulta na seleção de diretores, subtraindo a participação na decisão da comunidade no processo de seleção de diretores, sendo observada uma tensão colocada no campo de estudos sobre gestão democrática entre as categorias eleição e consulta, inscritas desde a produção do texto da política.

O texto “Programa Escola Viva no Estado do Espírito Santo: reflexões acerca da gestão educacional”, escrito por Alzira Batalha Alcântara, Luciane Matos e Roseli Costa debate a gestão educacional no Estado do Espírito Santo a partir de 2015 com a implementação do Programa Escola Viva no âmbito da rede pública de ensino capixaba, estruturado pelo Instituto de Corresponsabilidade Educacional (ICE), entidade privada sem fins lucrativos. Do ponto de vista metodológico, a pesquisa amparou-se na revisão de literatura e na análise de fontes primárias e secundárias atinentes ao Programa Escola Viva. As autoras concluem que o modelo de gestão proposto pelo Programa dialoga com o ideário do neoliberalismo e da Terceira Via. Assim, a gestão democrática, ainda que prescrita legalmente para a rede pública, vem sendo reconfigurada. Naturalizando a ideia de que a escola pública é ineficiente, e, por isso, sua gestão deve ser pautada em princípios norteadores do mundo empresarial, como o utilitarismo, a competição e a meritocracia, sob o mantra de que esse novo modelo assegurará a eficácia na gestão pública.

Na pesquisa “A gestão da rede estadual de ensino da Paraíba por organizações sociais: tensões e desafios”, Ana Cláudia Cavalcanti de Araújo, Felipe Baunilha Tomé de Lima e Luiz Sousa Junior trazem á tona um debate acerca da Nova Gestão Pública e sua relação com as reformas educativas, por meio de instituições “pedagógicas” vinculadas a empresas privadas, seja por meio de Organizações Sociais (OS) constituídas com fins de gerenciamento dos bens públicos. Apontam que no Estado da Paraíba, Nordeste do Brasil, todas as escolas da rede estadual tiveram sua gestão administrativa entregue a duas OS. O artigo, de caráter qualitativo, desenvolvido com base em pesquisa bibliográfica e documental, destaca como se deu o processo de transferência da gestão administrativa dessas escolas e quais as implicações dessa mudança na gestão delas, particularmente na parte pedagógica, buscando perceber as mudanças nos processos de gestão pedagógica a partir das novas exigências constantes no contrato de gestão firmado com as OS e seus possíveis desdobramentos na organização escolar da rede estadual da Paraíba.

Em “Impressões de viagem: olhares sobre a gestão escolar em três instituições de ensino portuguesas”, Diana Mandelert, Lucília Augusta Lino e Marcelo Mocarzel trazem um relato, de inspiração etnográfica, sobre viagem educacional feita à Portugal, no mês de setembro de 2018, para conhecer sete instituições escolares portuguesas consideradas inovadoras. Foram analisados os projetos diferenciados de três instituições visitadas, a fim de contribuir para o debate sobre escolas de prestígio e o papel da gestão na produção dos elevados padrões de qualidade do ensino e do desempenho dos alunos ostentados por essas instituições. É apresentada uma breve contextualização da educação lusitana para que sejam compreendidas as possibilidades que as escolas oferecem, analisando os mecanismos de gestão e de busca da qualidade educacional. Como resultados, foi identificado que as instituições têm em comum o favorecimento da autonomia dos estudantes, o que torna as aprendizagens mais eficazes.

No artigo “A gestão profissional e a natureza de uma universidade católica”, Lúcio Gomes Dantas e Maria Regina Carvalho Teixeira de Oliveira traçam um panorama sobre a mercantilização da Educação Superior brasileira e sobre como as estratégias de mercado das instituições lucrativas têm solapado as Instituições de Ensino Superior (IES), indicando que imperativos mercadológicos têm afetado, sobremaneira, a missão e os valores das IES católicas. O texto, assim, reflete aspectos constitutivos da gestão profissional e o impacto deles na identidade da universidade católica, utilizando-se o método qualitativo, de caráter exploratório, escrito sob a perspectiva de um ensaio teórico, no qual se realiza uma discussão conceitual sobre o modelo de gestão profissional que atende ao mercado atual de Educação Superior. Utilizaram-se, ainda, documentos de uma universidade católica, bem como de sua mantenedora, para fazer interface com as concepções de gestões vigentes no cenário atual das IES. Os autores concluem que é importante preservar a identidade desse tipo de universidade, uma vez que se leva em conta a comunidade de estudiosos que se dedica à investigação, ao ensino e às várias formas de serviço à comunidade como promoção dos saberes e missão cultural.

Por fim, Omar Cabrales Salazar e Vianney Díaz Pérez trazem uma análise do contexto colombiano, no texto “Os efeitos da comercialização do ensino superior sobre trajetórias de trabalho dos professores universitários colombianos”. O artigo é resultado da pesquisa intitulada “Trajetórias trabalhistas intergeracionais e perspectivas do trabalho docente universitário na Colômbia” e foi desenvolvida com uma abordagem qualitativa, apoiada principalmente no método biográfico de pesquisa social, método este centrado em trajetórias de trabalho. O estudo investiga as consequências que a comercialização da educação superior deixou sobre o trabalho de professores universitários de quatro cidades da Colômbia. Por meio de entrevistas semiestruturadas, professores foram questionados sobre as consequências geradas pela comercialização do ensino superior em seu trabalho. Como resultados, os autores indicam que tais políticas vêm gerando um aumento da carga horária docente, o que leva ao aumento da precariedade do trabalho, promovendo a competitividade, a deterioração da qualidade de vida e a diluição de sua identidade profissional docente.

Encerrando a seção, com autoria de João Carlos de Souza Anhaia Gino, temos a resenha da obra “Gestão escolar e qualidade da Educação: caminhos e horizontes de pesquisa”, organizada pelas professoras doutoras Cynthia Paes de Carvalho (PUC-Rio), Ana Cristina Prado de Oliveira (UNIRIO) e Maria Luiza Canedo (PUC-Rio). O livro é resultado do acúmulo de estudos desenvolvidos no Grupo de Pesquisas Gestão e Qualidade da Educação (GESQ/PUC-Rio), fundado em 2010 e liderado pela Prof.ª Dra. Cynthia Paes de Carvalho (PUC-Rio).

Assim, a ideia deste dossiê temático é debater a gestão a partir de múltiplos enfoques: desde a gestão educacional dos sistemas até a gestão escolar, sob o prisma do cotidiano escolar, trazendo experiências brasileiras e internacionais. Especialistas de realidades distintas irão contribuir para este número temático, atualizando o debate acerca da gestão, que por vezes parecer ter parado no tempo. Para tanto, o objetivo principal deste conjunto de artigos é refletir sobre a educação a partir do prisma da gestão, trazendo luz para debates da atualidade e sobre como a gestão interfere na realidade concreta.

Referências

BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm Acesos em 10 out. 2020.

HARVEY, D. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2013.

Endereços para contato: R. Gastão Gonçalves, 79 - Santa Rosa, Niterói - RJ, 24240-030, marcelomocarzel@gmail.com


1 Pós-doutor em educação pela Universidade Federal Fluminense, Doutor em educação  pela Universidade La Salle - Canoas. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Petrópolis e reitor do Centro Universitário La Salle do Rio de Janeiro; jardelino.menegat@lasalle.org.br

2 Doutor em Comunicação pela PUC-Rio, com pós-doutorado em educação pela Universidade Federal Fluminense. Professor do Centro Universitário La Salle do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-graduação em da Universidade Católica de Petrópolis; marcelomocarzel@gmail.com