https://doi.org/10.18593/r.v44i3.20920
Avaliação externa na rede municipal de Florianópolis: amestramento do trabalho docente pelo capital
Evaluación externa en la red municipal de Florianópolis: amistad del trabajo docente por el capital
External evaluation in the municipal network of Florianópolis: amendment of teaching work by capital work
Thiago Salgado Vaz de Lima1
Centro de Educação Municipal Lucia Mayvorne, Professor; Grupo de Investigação sobre Política Educacional da Universidade Federal de Santa Catarina (GIPR-Marx/UFSC), Pesquisador.
https://orcid.org/0000-0002-9740-4110
Adriana D’Agostini2
Centro de Ciências da Educação/UFSC, Professora; Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Transformações no Mundo do Trabalho da Universidade Federal de Santa Catarina (TMT/UFSC) Pesquisadora
https://orcid.org/0000-0002-1347-4198
Resumo: Este artigo analisa as implicações para o trabalho docente advindas da política de avaliação externa na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (RME) em razão de seu financiamento pelo Banco Interamericano De Desenvolvimento (BID), a partir de 2012. Demostra-se uma rede de relações a partir da contratação do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF) para formulação, análise e devolutivas dos resultados da avaliação e a participação ativa de seus formuladores junto ao aparelho do Estado. Suas atuações em organizações privadas articulam-se com frações do capital, esclarecendo-se o caráter da classe burguesa dessa política. Evidencia-se, como desdobramento e consequência dessa lógica, que as recomendações expressas ao trabalho do professor da rede apresentam-se como uma pretensa forma humanizada de responsabilizar, intensificar e controlar o trabalho docente em consonância com o movimento atual do capitalismo.
Palavras-chave: Prova Floripa. Avaliação em Larga Escala. Banco Interamericano de Desenvolvimento. CAEd. Rede Municipal de Ensino de Florianópolis.
Resumen: Este artículo analiza las implicaciones para el trabajo docente derivadas de la política de evaluación externa en la Red Municipal de Enseñanza de Florianópolis (RME) en razón de su financiamiento por el Banco Interamericano de Desarrollo (BID), a partir de 2012. Se demuestra una red de relaciones a a partir de la contratación del Centro de Políticas Públicas y Evaluación de la Educación de la Universidad Federal de Juiz de Fora (CAEd / UFJF) para formulación, análisis y devolutivos de los resultados de la evaluación; la participación activa de sus formuladores ante el aparato de Estado; sus actuaciones en organizaciones privadas se articulan con fracciones del capital, esclareciendo el carácter de clase burgués de esa política. Se evidencia, como desdoblamiento y consecuencia de esa lógica, que las recomendaciones expresadas al trabajo del profesor de la red se presentan como una pretendida forma humanizada de responsabilizar, intensificar y controlar el trabajo docente en consonancia con el movimiento actual del capitalismo.
Palabras clave: Prueba Floripa. Evaluación en Larga Escala. Banco Interamericano de Desarrollo. CAEd. Red Municipal de Enseñanza de Florianópolis.
Abstract: This article analyzes the implications for the teaching work coming from the policy of external evaluation in the Municipal Network of Education of Florianópolis (RME) due to its financing by the Inter-American Development Bank (BID), from 2012. A network of relations is presented to from the contracting of the Center for Public Policies and Education Evaluation of the Federal University of Juiz de Fora (CAEd / UFJF) to formulate, analyze and devolve the results of the evaluation; the active participation of its formulators in the State apparatus; his performances in private organizations are articulated with fractions of capital, clarifying the bourgeois class character of this policy. As a consequence of this logic, it is evident that the recommendations expressed to the work of the teacher of the network are presented as a pretended humanized way to hold, intensify and control the teaching work in line with the current movement of capitalism.
Keywords: Floripa test. Evaluation in Large Scale. Inter-American Development Bank. CAEd. Municipal Network of Education of Florianópolis.
Recebido em 30 de maio de 2019
Aceito em 18 de setembrode 2019
Publicado em 04 de dezembro de 2019
1 INTRODUÇÃO
A Prova Floripa foi criada em 2007 na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (RME) e apresentou variações com relação ao seu formato no decorrer de suas edições, apresentando desde questões abertas e correção das mesmas sendo feita internamente por comissões de professores até assumir a característica de uma avaliação externa ao ser elaborada por agentes externos à RME e aplicada a todos seus alunos. Em 2014, em razão do contrato de empréstimo da Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF) com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)3, a Prova Floripa aprofundou e ampliou a contratação de serviços externos referentes à elaboração, aplicação, processamento, análise e devolutivas da avaliação em larga escala. Isso teve implicações diretas na formação e no trabalho docente, bem como na participação ativa de seus formuladores e de organizações privadas intervindo na educação estatal.
O contrato de empréstimo da PMF com o BID4 foi sancionado pela Lei Complementar 433/2012 (FLORIANÓPOLIS, 2012) e teve no Proyecto de Expansión y Mejoramiento de la Educación Infantil y la Enseñanza Fundamental em Florianópolis (PEA) o detalhamento de suas intenções, condições e contrapartidas que foram negociadas desde o ano de 2010. Em um contexto de aprofundamento das parcerias público-privadas na educação municipal5, o PEA caracterizou-se como instrumento que consubstancia as negociações entre o Estado e a burguesia financeira. As justificativas que fundamentam o contrato são a expansão e melhoria da qualidade da educação municipal, porém o processo resultou na abertura de novos nichos de mercado para a burguesia interna e externa a partir da captura do recurso público da educação.
Sobre o significado atribuído para a melhora da qualidade da educação trata-se do aumento dos indicadores de desempenho escolar por meio do IDEB6 e do PISA7. E justamente a partir desses indicadores e pelos problemas advindos dos baixos níveis de proficiência aferidos pelos mesmos verificamos rebatimentos no trabalho e na formação docente. De acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (2012b, p. 4):
[...] embora haja um corpo de professores com um bom nível de formação, 68,7% com alguma especialização, além da formação inicial, e 10% com mestrado, os dados mascaram problemas de desempenho: apenas 22,4% e 14,2% dos alunos alcançaram um nível adequado de aprendizagem em português e em matemática de acordo com a Prova Brasil de 2010. Ao analisarmos por escola, 91% dos mesmos alunos apresentam pontuações médias em português inferiores às consideradas adequadas.
Além de uma conotação limitadora e de indução ao estreitamento curricular (FREITAS, 2014) quando referencia apenas as disciplinas de Português e Matemática como fonte para verificar a qualidade da educação, percebemos a presença de um discurso consonante com o prosseguimento de novas expropriações ao trabalho docente. Ao trazer informações que o nível de formação docente não possui relação direta com o que se atribui ser a qualidade da educação, o PEA traz para o debate a possibilidade de retirada da licença para formação8, uma vez que a mesma não estaria apresentando resultados satisfatórios. Ora, se em Marx (2017, p. 245) temos que “O valor da força de trabalho, como o de todas as outras mercadorias, é determinado pelo tempo de trabalho necessário para a produção – e, consequentemente, também para a reprodução – desse artigo específico [...]” é lógico supor que a solução a ser engendrada para os baixos resultados não passem pela possibilidade de formação em pós-graduação, mas sim uma formação que seja aligeirada e em serviço, inclusive como forma de reduzir o valor pago pela força de trabalho dos professores da RME. Nessa direção, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (2012b, p. 4) aponta que
[...] é necessário reforçar os insumos críticos para melhorar a qualidade de aprendizagens: (i) professores: reconhecido como o recurso mais importante, é preciso melhorar a seleção, contratação e treinamento para atender a essa nova demanda, além da necessidade de fortalecer os processos de acompanhamento (coaching) de todo o corpo docente [...].
Como se não bastasse ser problemática a conotação do professor como insumo dessa apregoada qualidade da educação, a questão aponta para substanciais mudanças no processo de seleção e contratação de professores, sinalizando para futuros ataques à carreira docente que viriam a ocorrer seis anos mais tarde, em 2018, com a aprovação da lei que autorizou o município a contratar Organizações Sociais (OS) para gerir creches escolares9. Particularmente com relação às OS no município, constatamos um processo de transformar a educação em mercadoria e, assim, transformar o trabalho do professor em trabalho produtivo de valor. Outra situação controversa foi a indicação de treinamento para o professor, relacionando o trabalho docente com uma técnica de alto rendimento, o que se relaciona intimamente com a figura do coach, instruindo para a competição, a meritocracia e as competências socioemocionais entre os valores e atributos desejáveis ao docente da rede10. Cabe destacar ainda que, ao sistematizar de forma mais detida a implementação do treinamento e do coach, foi indicado que tais modelos deveriam ser utilizados, prioritariamente, para aqueles professores que estão no estágio probatório11, trazendo uma forma velada de coerção ao trabalho do professor, dada a possibilidade de demissão nesse período de contrato, ferindo o princípio de isonomia do serviço público.
Nesse sentido, organizamos o presente artigo em três partes com o objetivo de analisar as implicações advindas da política de avaliação externa na RME para o trabalho docente. Na primeira, situamos a Prova Floripa no contrato do BID com a PMF; na segunda, tratamos especificamente da contratação do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF) pela PMF e discutimos como seus elementos pedagógicos determinaram o trabalho do professor na RME; na terceira parte, abrimos o debate sobre a (im)possibilidade de amestrar o trabalho docente por meio da Prova Floripa.
2 PARCERIA BID-PMF: PORTA DE ENTRADA PARA UMA NOVA FORMA DE ATAQUE AO TRABALHO DOCENTE
No que tange a Prova Floripa, objeto deste artigo, é mencionada pela primeira vez no item de diagnóstico intitulado “Gestão, Monitoramento e Avaliação” pertencente ao Componente 3 do PEA a partir das seguintes funcionalidades:
O Ensino Fundamental, além da prova Brasil, conta com uma poderosa ferramenta para avaliar o desempenho dos estudantes: a Prova Floripa, que acontece anualmente, abrange todos os anos do nível de ensino com foco em português e matemática, mas também abrangendo temas de outras disciplinas. (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2012b, p. 6).
Entretanto, na sequência de argumentos acerca desse instrumento avaliativo é apresentada uma das principais justificativas para a contratação de assessorias externa. Alegando a ineficiência dos processos internos e indicando que a Prova Floripa era mal aproveitada pela rede, tanto com relação à gestão quanto ao trabalho docente em sala de aula. Assim, o PEA desenvolve seus argumentos em torno da noção de accountability12 ao indicar que
Dado o desenho e estratégia de auto-aplicação, os resultados não permitem comparação entre escolas [...] trazendo um baixo aproveitamento das potencialidades que tem para orientar ações de monitoramento, apoio à rede e na capacitação de professores: a SME concentrou esforços no desenho e aplicação da prova, em detrimento de ações mais estratégicas mencionadas acima para melhoria da gestão nos níveis da escola e da sala de aula. (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2012b, p. 6).
Em razão de apresentar o argumento de que a Prova Floripa demandava um sobretrabalho ao professor na medida que o mesmo, antes das reformulações advindas do contrato com o BID, era o responsável pela sua formulação e correção, o PEA subliminarmente apresentou a defesa da contratação de um serviço externo para essas funções. Assim, os “treinamentos” capacitação dos professores seriam feitos pela contratação desse serviço externo à rede que, por sua vez, focalizaria os esforços sobre o monitoramento e análise dos resultados da avaliação, ou seja, seria uma empresa a responsável por diagnosticar e formar esse professor, com um caráter muito mais instrumental e utilitarista aos interesses capitalistas e contribuindo para um processo de desintelectualização do docente.
O professor, assessorado pelo coach, será monitorado mediante resultados da Prova Floripa. O PEA indicou que
[…] dessa avaliação aproveitará a necessidade da implementação em fases da iniciativa de assessoria de professores. A ordem em que as escolas serão interpostas será aleatória. Todos os docentes pertencentes a uma mesma escola receberão a assessoria, ao qual em princípio, estará baseado na informação proveniente da primeira etapa do ciclo escolar da Prova Floripa. Instrumentos adicionais de diagnóstico de alfabetização e matemática serão considerados, assim como instrumentos diagnósticos de práticas de aula. Adicionalmente, se explorará a possibilidade de incluir nas análises escolas com características similares, ainda que pertencentes a outros municípios, com o objetivo de utilizá-las como grupo de comparação, não experimentais, quando a etapa experimental houver concluído. (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2012b, p.15, grifo nosso).
No excerto do PEA ficou evidenciado que os professores da rede ficariam submetidos não somente à figura do coach, mas também sob a vigilância desses “novos instrumentos de práticas de aula”, deixando em aberto possíveis políticas de punição e de responsabilização para o trabalho docente. Em outro documento, o Regulamento Operativo do PEA (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2012a), foi detalhado esse processo ao prever que os professores da rede fossem avaliados em seus desempenhos em sala de aula “[…] a partir da observação in loco ou de gravações (vídeo) feitas nas unidades educativas e enviadas para a SME” (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2012a, p. 14).
O projeto do BID para o município de Florianópolis abriu a possibilidade para um conjunto de ataques aos trabalhadores da RME, cujos desdobramentos nos anos subsequentes perpassam a contratação, formação em serviço e até o cotidiano das atividades pedagógicas de sala de aula. No que diz respeito à política de avaliação em larga escala, vimos que para abrir brecha para a criação de um novo nicho de mercado fez-se uso de argumentos palatáveis aos professores, desobrigando-os das tarefas que anteriormente lhes eram incumbidas. O monitoramento aliado a uma forte política de responsabilização com relação aos docentes da rede passou a ser a norma e a conexão para a efetivação do projeto do capital financeiro nas escolas da RME que, em última instância, dar-se-ia para criar as condições necessárias para que o investimento inicial aplicado pelo BID tivesse suas condições, objetivas e subjetivas, de retorno acrescido de seus rendimentos ao final do contrato.
3 A CONTRATAÇÃO DO CAEd, A PROVA FLORIPA E SEUS ELEMENTOS PEDAGÓGICOS PARA A FORMAÇÃO DE UM PROFESSOR DE NOVO TIPO
Depois do PEA outros documentos foram negociados entre a PMF e o BID, detalhando com maior organicidade as operacionalizações das condições e contrapartidas apontadas. Um desses documentos, conforme indicado, foi o Regulamento Operativo do PEA (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2012a), no qual retomou-se a discussão, agora de forma mais explícita, acerca da contratação de um serviço externo para formulação e análise da Prova Floripa.
O Programa permitirá à SME contratar externamente a revisão, a elaboração, a aplicação e análise das provas do sistema municipal de avaliação do desempenho escolar no Ensino Fundamental, chamado de Prova Floripa. Atualmente, essas provas são elaboradas e aplicadas por servidores da própria SME e, como são realizadas duas vezes por ano, acabam tomando praticamente todo o tempo da equipe responsável pela supervisão e avaliação da rede. Com a contratação externa desses serviços, essa equipe poderá se concentrar mais na avaliação dos resultados da Prova e na implantação de uma devolutiva mais eficaz às escolas – gestores e docentes, permitindo, assim, uma utilização também mais eficaz desse instrumento. Para tanto, o componente financiará também uma capacitação em Monitoramento e Avaliação, incluindo Análise de Dados, para ao menos 10 profissionais da SME. (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2012a, p. 18).
Retomando a justificativa de que a contratação desse serviço externo serviria para “aliviar” o professor da rede, deixando-o mais “livre” para pensar nas devolutivas da prova, verificamos que este foi o argumento central para a abertura do nicho de mercado de um serviço externo de avaliação em larga escala na RME. Pelo processo licitatório, n. 006/2014 do BID foi aberta a contratação do CAEd/UFJF13, contrato n. 146/EDUC/BID/2015.
A UFJF, via CAEd, foi contratada conforme publicação no diário Oficial Eletrônico do Município em 1 de abril de 2015 pelo valor de R$ 3.603.173,59 (três milhões, seiscentos e três mil, cento e setenta e três reais e cinquenta e nove centavos). Com duração estipulada para 51 meses, previa-se que o CAEd prestasse o serviço de elaboração, aplicação, processamento, análise e devolutivas da Prova Floripa com enfoque nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática para todos os anos escolares do Ensino Fundamental durante os anos de 2014 a 2018.
Sobre esse contrato dois pontos centrais despertaram nossa atenção: o expresso estreitamento curricular ao enfocar exclusivamente nas disciplinas de Português e Matemática como as únicas necessárias para que os filhos da classe trabalhadora possam se inserir nas novas formas de organização da produção capitalista, sobretudo devido à posição do Brasil na divisão internacional do trabalho, como produtor e exportador de commodities; ser assinado pelo então Secretário Municipal de Educação, Rodolfo Pinto da Luz e Júlio Maria Fonseca Chebli, então reitor da UFJF14.
Entendemos ser bastante elucidativo a presença de Rodolfo Pinto da Luz, para além de sua vida pregressa, devido à sua manutenção como Secretário de Educação do município durante a transição da gestão de Dário Berger (PMDB) para o seu suposto oposicionista César Souza Jr (PSD) e, assim, caracterizando-o como expressão de um interesse de classe, independente da legenda partidária. Com relação a essa questão, Seki et al. (2017, p. 37) desenvolvem a seguinte argumentação:
Contudo, outra hipótese coloca no centro das negociações o Secretário Municipal de Educação. Não é difícil supor que sua permanência no cargo pode ter a ver com suas vinculações ao BID, à União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), ademais de uma história pregressa como Reitor da UFSC, Secretário Executivo do Ministério da Educação, entre outras posições políticas. Pinto da Luz teria reunido condições para ser um articulador dos interesses do capital de tal maneira que sua permanência no cargo transcendeu as disputas políticas mais imediatas, como as legendas partidárias.
Ainda sobre o Secretário de Educação do Município, à época, uma carta de sua autoria era recorrente em boa parte dos materiais que chegavam do CAEd para as escolas da RME, como as Revistas do Sistema, a qual reconhecia o instrumento da Prova Floripa como condição para alcançar uma pretensa qualidade e equidade da educação no município:
[…] a Prova Floripa desempenha um papel muito importante sobre os rumos do sistema de ensino. Através dela, é possível coletar dados fidedignos e, então, garantir a reflexão sobre os resultados alcançados pela Rede, auxiliando o planejamento de ações em diferentes níveis e momentos, que objetivam a qualidade e a equidade nas escolas públicas municipais […]Nosso convite é para que você continue colaborando para qualificar a educação da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis. (PROVA FLORIPA, 2015d, p. 4, grifo nosso).
A referida carta apresentou indícios importantes de que o instrumento da avaliação externa assumiu considerável protagonismo no que diz respeito ao efetivo trabalho do professor da rede. Um primeiro ponto diz respeito ao aproveitamento dos resultados da avaliação uma vez que seus resultados influenciariam diretamente no planejamento didático e este, por sua vez, permitiria alcançar uma determinada qualidade e a equidade nas escolas públicas do município. Como segundo ponto relevante, compreendemos que a finalização da carta, apontando para a colaboração de professores e gestores (a quem a mesma se endereça), indica um esvaziamento da condição de pertencimento de classe do professor que, ao fim e ao cabo, foi o responsável por implementar essa política pública. Com um discurso mais palatável, implicitamente, trabalha-se com o empoderamento docente, particularizando e individualizando as saídas indicadas.
Dentro do ordenamento jurídico, a Revista do Sistema da Prova Floripa 2015 apontou para o Plano Nacional de Educação (PNE) e para o Plano Municipal de Educação (PME) como um dos argumentos para que o município adotasse (ou mantivesse, no caso da RME) a política de avaliação externa.
No que concerne à avaliação educacional e ao seu uso para o alcance das metas propostas pelo PNE, há um conjunto de expressões que sugere tanto o uso das avaliações periódicas de âmbito nacional, quanto a criação e o fortalecimento dos sistemas próprios de avaliação. Por exemplo, dentre as estratégias para a melhoria da qualidade da educação, expressas na meta 7 do plano e reiterada na meta 3.7 do Plano Municipal de Educação de Florianópolis (PME), está o fortalecimento e a articulação entre o sistema nacional e os sistemas estaduais de avaliação da educação básica, com a participação, por adesão, dos municípios. Percebe-se, nas entrelinhas do texto, uma grande preocupação em garantir o direito a uma educação de qualidade, bem como a produção de maior equidade educacional, valendo-se, para tanto, dos mecanismos de acompanhamento e monitoramento dessa meta por meio de avaliações. (PROVA FLORIPA, 2015d, p. 12).
Com base nas legislações citadas pelo CAEd, temos que ambas apresentam similaridade, uma vez que tratam das médias nacionais para o IDEB a serem alcançadas para melhorar o fluxo escolar e a aprendizagem. Entretanto, nos dois planos de educação as metas são desdobradas em um conjunto de estratégias genéricas que são apresentadas para se obter os índices determinados. Estas vão desde ampliação da educação escolar, mobilização da família acerca da escolarização, promoção de políticas de combate à violência até as de cunho mais infraestruturais como a aquisição de equipamentos para biblioteca escolar. Entretanto, com relação à citada meta 7 do PNE destaca-se as estratégias 7.9 e 7.11 que indicam a necessidade de
7.9 – orientar as políticas das redes e sistemas de ensino, de forma a buscar atingir as metas do Ideb, diminuindo a diferença entre as escolas com os menores índices e a média nacional, garantindo equidade da aprendizagem e reduzindo pela metade, até o último ano de vigência deste PNE, as diferenças entre as médias dos índices dos Estados, inclusive do Distrito Federal, e dos Municípios […]. 7.11 — melhorar o desempenho dos alunos da educação básica nas avaliações da aprendizagem no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – PISA, tomado como instrumento externo de referência, internacionalmente reconhecido […]. (BRASIL, 2014, p. 7-8).
Apresentando a métrica em uma cadeia de controle pelo IDEB e PISA, ambos os documentos indicam que a avaliação em larga escala deve ser fortalecida, enquanto política pública educacional para orientar as práticas pedagógicas, demonstrando, assim, que o trabalho didático-pedagógico do professor deve estar alinhado às mesmas. As generalidades concernentes à qualidade e equidade corroboram os referidos planos como o mais avançado no campo educacional, denotando como o capital age em cadeia no legislativo, executivo e judiciário, entretanto omitindo o caráter empresarial dessas relações. Pioli (2015, p. 486) trata do caráter empresarial do PNE ao afirmar que
[…] os gestores públicos de todos os níveis de governo, consoante ao ideário da nova gestão pública, estão implantando de forma crescente, políticas de responsabilização e de bonificação atreladas a metas e resultados. As políticas de bonificação por resultados, que tem apoio irrestrito do setor empresarial e dos meios de comunicação, estão sendo disseminadas como políticas de valorização da profissão. No entanto, no novo PNE, apesar da oposição do segmento docente, o setor empresarial alinhado em torno do movimento “Todos pela Educação”, obteve uma grande vitória ao garantir que essas práticas meritocráticas e de responsabilização, presentes na meta 7.36, constassem do texto final do Plano. Tal lógica foi reforçada na redação do documento “Pátria Educadora” publicado em abril de 2015 pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). O texto reforça a meritocracia de caráter empresarial ao prever a premiação de escolas e a bonificação para professores e diretores, além de abrir a possibilidade de maior exposição dos profissionais que não cumprem metas.
Nessa direção, ao analisar o Power Point da Oficina Avaliação do Desempenho Escolar – Prova Floripa 2015, ministrada em formação continuada organizada pelo CAEd, verificamos um verdadeiro “receituário” sobre o funcionamento da Prova Floripa. Desde questões mais introdutórias e generalistas sobre o que é avaliar, numa concepção positivista, até o histórico da política de avaliação em larga escala, justificou-se a necessidade do município possuir o seu próprio sistema de avaliação articulado à política em âmbito nacional. Entre as vantagens apresentadas, citou-se a rapidez no acesso às informações e a possibilidade de atendimento às necessidades específicas da rede, levando ao uso dos dois conceitos em voga, qualidade e equidade educacional. Justificava-se a existência de um desenho próprio de avaliação, consequentemente optando-se por omitir qualquer questionamento sobre a existência da política em si ou revelar os interesses econômicos por trás do discurso.
Ainda que tenhamos verificado a presença da resistência à política de avaliação externa por parte da categoria como vimos no boicote de 201615, durante a formação buscou-se obter o consentimento ativo16 dos professores para executar a política ao defender que a centralidade no diagnóstico, acompanhamento e monitoramento da qualidade da educação, por meio da Prova Floripa, permitiria a definição de subsídios para a formulação de políticas educacionais com o enfoque na equidade.
O gerencialismo na política de avaliação em larga escala na RME expressou-se nas 14 etapas apresentadas na formação, que tratou das recomendações e as tecnologias utilizadas nos sistemas de avaliação que serviram de suporte para o remodelamento da Prova Floripa, após a contratação do CAEd. As principais alterações foram: elaboração de matriz de referência; análise estatística e pedagógica dos itens (questões) da avaliação; aplicação dos instrumentos; análise dos resultados, a partir da Teoria Clássica dos Testes (TCT) e/ ou Teoria da Resposta ao Item (TRI); construção e interpretação das Escalas de Proficiência; divulgação dos resultados. Com relação, especificamente, ao modelo de avaliação adotado pela Prova Floripa, a utilização de questionários contextuais traçaria as relações entre o desempenho na avaliação e o contexto intra e extraescolar.
Com relação à análise do desempenho dos estudantes nas avaliações em larga escala, foram apresentadas as seguintes tecnologias na oficina: Teoria Clássica dos Testes (TCT) e Teoria da Resposta ao Item (TRI). Enquanto a TCT, em síntese, usava apenas o percentual de acerto e foi utilizada exclusivamente até a edição de 2014, a TRI passou a ser utilizada nas edições de 2015 e 2016. Entre as vantagens atribuídas, a nova tecnologia destacou a comparação de resultados de diferentes avaliações ao longo do tempo, o alto grau de precisão na avaliação da proficiência dos estudantes em amplas áreas de conhecimento sem que fosse preciso submetê-los a longos testes e à comparação de resultados entre diferentes etapas como início e fim da Educação Básica. A TRI se constitui de modelos matemáticos em que a probabilidade de acerto em cada item é calculada em função da proficiência do estudante. Por sua vez, a mesma é representada pela aptidão de um estudante, procurando estabelecer relações entre a proficiência e a probabilidade do estudante acertar um determinado item. Nesse sentido, poderia ocorrer que dois estudantes tivessem acertado o mesmo número de itens na Prova Floripa, porém apresentarem proficiências diferentes, devido às características dos itens respondidos por cada um deles.
Com relação à correção dos testes da Prova Floripa, a TRI pressupõe a utilização de três parâmetros para essa finalidade: o primeiro, caracterizado pela discriminação, que é a capacidade do item de discriminar alunos que desenvolveram as habilidades esperadas daqueles que não desenvolveram; o segundo, definido pela dificuldade, com base no percentual de alunos que conseguiram responder corretamente o item, definindo que quanto menor o percentual de acerto, maior a dificuldade do item; e o terceiro trata da probabilidade de acerto ao acaso.
Com base nos parâmetros de correção dos testes estipulados pela TRI verificou-se uma condição extremamente limitadora e estanque do conceito de avaliação, entendido pelo CAEd como uma condição métrica e percentual de alcançar determinado índice e enquadrar o estudante em uma determinada régua classificatória tendo em vista a padronização dos estudantes, dos conhecimentos aferidos e dos tipos de resposta alcançados, no qual a flexibilização e a fragmentação do currículo torna-se uma exigência. No que tange ao trabalho do professor, a concepção implícita de uma responsabilização do estudante para alcançar determinadas habilidades e níveis de proficiência acenam para formas silenciosas de monitoramento e controle do trabalho docente lastreados em variáveis externas.
Para além das tecnologias que analisaram o desempenho e auxiliaram na correção das avaliações, a Prova Floripa possuiu uma parte instrumental composta pelas matrizes de referência, escalas de proficiência e pelos padrões de desempenho, que de forma conjunta apresentaram a materialidade dessa avaliação.
Para verificar os conteúdos avaliados na Prova Floripa foi necessário que analisássemos a sua matriz de referência, a qual constituiu-se de um conjunto de habilidades, cujas diretrizes curriculares da SME, expressas no PME, constituíram-se na referência para os itens que compuseram os testes da avaliação. Neste sentido, o CAEd, inclusive, alertou que se tratou de um recorte do currículo e não deve ser confundido com os mesmos.
Os conhecimentos selecionados para composição dos testes são escolhidos por serem considerados essenciais para o período de escolaridade avaliado e por serem passíveis de medição por meio de testes padronizados de desempenho, compostos, na maioria das vezes, apenas por itens de múltipla escolha. Há, entretanto, outros conhecimentos necessários ao pleno desenvolvimento do estudante que não se encontram na Matriz de Referência, por não serem compatíveis com o modelo de teste adotado. (PROVA FLORIPA, 2015a, p. 28).
O excerto selecionado do material da formação do CAEd para os professores, permitiu questionar os critérios de seleção dos conteúdos para a matriz de referência e, por consequência, para o teste da Prova Floripa. Reconheceu-se certa limitação no modelo de teste adotado, levando a um estreitamento curricular no que diz respeito à aprendizagem do aluno e a uma política de controle do trabalho do professor que, no momento de escolha de conteúdo a ser trabalhado, é levado a optar pelos da matriz, afim de alcançar a referida qualidade e equidade da educação, tão apregoada pelo CAEd em seus materiais.
Outro instrumento embutido no pacote da Prova Floripa foi a Escala de Proficiência, que nos materiais do CAEd foi apresentado com a função de traduzir os resultados da mesma em diagnósticos qualitativos do desempenho escolar. Nessa escala foram apresentados os resultados do teste em uma espécie de régua, no qual os valores obtidos são dispostos em determinada ordem e categoria. Com base em faixas que compreendem o grau de desenvolvimento das habilidades, verificava-se os estudantes que alcançavam determinado nível de desempenho. Os valores são gerados sobre cada item do teste e associados à proficiência do estudante, permitindo que seja colocado numa mesma régua a escala e as habilidades.
A respeito das habilidades e competências, vamos verificar em Castro17 (2009, p. 274-275) que não é à toa que essa questão se relacionou diretamente com as políticas de avaliação em larga escala no município, mostrando o caráter de classe dessa política pública e do próprio instrumento:
A experiência internacional, assim como a brasileira, mostra que as ações mais eficazes para a melhoria da qualidade do ensino são as focadas na aprendizagem e na escola. A realização de avaliações em larga escala como forma de conhecer melhor a dinâmica dos processos e resultados dos sistemas educacionais transformou-se em questão estratégica das políticas de diferentes países […]. Segundo Guilherme Ferrer (2003), esta convergência em torno das avaliações “estandarizadas” é derivada de visões, perspectivas e interesses distintos quanto ao papel dos sistemas educativos: melhorar as economias nacionais estabelecendo vínculos mais fortes entre escolarização, emprego, produtividade e mercado; melhorar os resultados de aprendizados relacionados às competências e habilidades exigidas pelo mercado de trabalho; obter um controle mais amplo dos sistemas educativos nacionais, sobre os conteúdos curriculares e sobre a avaliação; reduzir os custos dos governos na educação; e ampliar a contribuição da comunidade para a educação por meio de sua participação na tomada de decisões escolares. Estas tendências vêm sendo incorporadas a novas formas de administração e gestão que defendem a necessidade de melhorar a eficiência dos sistemas educativos e de fomentar a responsabilidade social e profissional pelos resultados da educação.
São cristalinas as evidências do compromisso dessa política pública com os interesses do capital, inclusive por meio de uma de suas intelectuais orgânicas18, como no excerto selecionado. Entretanto, não é somente o estudante que fica com sua aprendizagem limitada aos ditames do mercado, mas também o professor pela retirada da sua autonomia, como pudemos verificar acerca do estreitamento curricular da matriz de referência.
Retornando à Escala de Proficiência, Prova Floripa (2015, p. 44) indicou que a melhor forma de interpretá-la e, por sua vez, analisar os resultados da avaliação se daria por meio dos Padrões de Desempenho. Baseados em classificações Abaixo do Básico, Básico, adequado e Avançado, os Padrões de Desempenho configuraram-se como grandes intervalos de valores dentro da Escala de Proficiência que, segundo o Prova Floripa (2015a, p. 44), possibilitariam “[…] uma interpretação pedagógica mais ampla do resultado dos estudantes, agrupando-os segundo diferenças de aprendizado apresentadas pelos mesmos nos testes”. Entretanto, verifica-se justamente o oposto, uma vez que não possibilita uma interpretação ampla, mas extremamente restrita, engessada e homogenizadora ao ser calcada nos quatro padrões elencados. Além do reforço à estratificação e segregação escolar, constata-se que independente do Padrão de Desempenho em que esteja classificado o estudante, os rebatimentos no trabalho docente perpassam um modus operandi que vai muito além do prescrito em cada “padrão” para que o estudante avance para o “padrão” seguinte. Passam também a ser exigências para o trabalho do professor o manuseio instrumental das tecnologias da Prova Floripa, bem como a capacidade de interpretá-las e relacioná-las com outras dimensões extraescolares.
Na Revista do Sistema sobre a Prova Floripa 2015, há uma seção sobre os “Limites e perspectivas do uso de dados contextuais na autoavaliação da unidade educativa”, com reflexões acerca das possíveis relações existentes entre o desempenho estudantil e o contexto intra e extraescolar. Como indicação, sugeriu-se que as análises contribuíssem
“[…] para que os gestores e demais profissionais da unidade educativa possam apropriar-se, adequadamente, dos resultados da avaliação educacional externa e, de posse dessas informações, tenham elementos que subsidiem suas tomadas de decisão para a melhoria do desempenho do estudante”. (PROVA FLORIPA, 2015b, p. 16).
Na relação com a questão curricular, a Matriz de Referência reduziu o currículo escolar a uma prescrição de habilidades e competências com vistas a atender à política de avaliação externa; também em relação ao contexto intra e extraescolar indicava-se para o professor a necessidade de compreendê-los e dar um fim útil à melhoria do desempenho dos estudantes na avaliação. Atribuindo ao senso comum a relação entre origem social e desempenho estudantil, implicitamente se coloca ao professor o convencimento de que problemas econômicos e sociais surgem no terreno da educação. Por raciocínio análogo, para solucionar tais problemas, apontava-se que os indicadores produzidos pela avaliação externa auxiliariam os processos de gestão e melhorariam a prática docente ao contribuírem com monitoramento da qualidade e da equidade dos estudantes, em razão da apropriação das informações contextuais pela unidade educativa.
Na sequência do material, os trabalhadores da RME tenderiam a sugerir estratégias de autoavaliação conduzidas pela própria unidade educativa no que diz respeito ao uso de dados de desempenho e contextuais da avaliação externa no município. Nesse sentido, o CAEd argumentou ser mais vantajosa a visão sistêmica possibilitada pelas avaliações externas do que a autoavaliação pela unidade escolar, levando em consideração que se a avaliação fosse baseada apenas nas impressões da comunidade escolar, poderia conduzir a “[…] soluções personalistas e discricionárias, impregnadas do senso comum escolar e de difícil utilização para a elaboração dos consensos” (PROVA FLORIPA, 2015B, p.19). Com essa linha de raciocínio, o CAEd justificou a necessidade de seus instrumentos e tecnologias, seja com relação às avaliações de desempenho ou de dados contextuais pela imperícia dos professores em realizar tais procedimentos, entretanto em nenhum momento questionou-se a necessidade dos mesmos serem produzidos. Especificamente com relação aos dados contextuais, o CAEd argumentou que seria por meio de medidas compensatórias que se visaria alcançar a equidade escolar:
É possível, por meio de medidas compensatórias, orientadas para a equidade escolar, tais como apoio pedagógico, o prolongamento da jornada diária do estudante na unidade educativa, atenção individualizada, composição das turmas, tentar minimizar, em alguma medida, as desvantagens familiares expressas pelo indicador de nível sócio econômico. (PROVA FLORIPA, 2015b, p. 20).
Em consonância, Melgarejo (2017) assinalou que o contrato do BID com a PMF foi sustentado pela teoria do capital humano, sendo em Schultz (1973) o seu formulador. É possível verificar a relação com a formação da força de trabalho para o trabalho simples, posto que
Amplamente considerada na literatura pesquisada, a Teoria do Capital Humano é apresentada como um dos principais fundamentos dos projetos de Educação financiados pelo BID e outras OM. O conceito de Schultz (1973) sofre atualizações para se adequar às necessidades da economia após a reestruturação produtiva. Tal teoria propunha que uma maior escolarização contribuía para uma melhor qualificação, que por sua vez levaria a melhores empregos e salários. Ainda que não tenhamos encontrado uma nova definição do conceito capital humano nos documentos do BID, pudemos constatar que a preocupação com a elevação da educação se dá pelo viés da empregabilidade, ou seja, não se trata de ascender socialmente e se tornar um “capitalista” pela aquisição de conhecimentos que possuem valor econômico, como afirmou Schultz (1973), mas de se desenvolver as habilidades e competências básicas para se almejar um posto de trabalho. (MELGAREJO, 2017, p. 142, grifo do autor).
Retornando às características do indicador socioeconômico do CAEd para se alcançar a equidade educacional, verificamos que foi proposta uma análise contextualizada possível de ser realizada entre unidades educativas similares, como verificamos em Prova Floripa (2015b, p. 20):
Dadas as características do indicador de nível socioeconômico, uma das utilidades consagradas para a gestão escolar e da sala de aula reside na análise contextualizada entre unidades educativas similares. Distanciando-se do ranqueamento entre unidades educativas com base no desempenho médio dos estudantes, a análise do desempenho entre estabelecimentos escolares com estudantes de níveis socioeconômicos similares coloca à disposição da unidade educativa uma informação útil, pois permite o estudo das práticas de gestão e estratégias pedagógicas entre estabelecimentos de ensino com limitações semelhantes de caráter econômico e social.
Pelo excerto, podemos constatar um projeto político e pedagógico que reforça a dualidade e a segregação escolar, considerando os instrumentos e tecnologias que conhecemos acerca da avaliação de desempenho. Em Freitas (2002) verificamos as “trilhas de progressão diferenciadas”19 para tratar dos percursos escolares operados a partir do desempenho médio dos alunos de uma escola em momentos sucessivos: ao nível de sala de aula, entre alunos; na escola, entre turmas, ou dentro de uma rede, entre suas escolas. Contudo, no exemplo apregado pelo CAEd, talvez seja ainda mais perverso do que apontado pelo autor, uma vez que o desempenho dos estudantes de uma determinada escola seria comparado com o de estudantes de outras escolas da mesma rede que apresentassem um mesmo nível socioeconômico. Essa forma de avaliação aproxima-se da noção de accountability enquanto condição para prestação de contas acerca do resultado do trabalho desenvolvido e pode conduzir a uma intensificação do trabalho docente que agora passaria a preparar o estudante para determinado nível de proficiência, no âmbito da RME, e também a gerir em seu planejamento pedagógico o componente socioeconômico.
A comparação de resultados entre escolas da rede com níveis socioeconômicos similares apresenta-se como sustentação empírica para a adoção do modelo de avaliação externa e sistêmica frente ao processo de autoavaliação. Nessa direção, sinalizou-se para o trabalho do professor a compreensão que as condições socioeconômicas dos estudantes afetariam o seu desempenho escolar, que esse não seria o único motivo, tendo em vista que as escolas também desempenhariam importante papel na aprendizagem dos estudantes, a despeito de suas origens sociais. Em um misto de responsabilizá-lo pela melhoria das condições socioeconômicas do estudante e obscurecer as relações de classe que produzem as desigualidades, o CAEd intensificou a trabalho docente da rede ao acrescentar esse componente, apresentando-lhe uma face humanizadora.
3 CONDICIONAMENTOS PARA A FORMAÇÃO EM SERVIÇO: NOVOS ELEMENTOS, MESMOS RESULTADOS
Para além das questões, instrumentos e tecnologias postos em torno da qualidade e equidade da educação, adicionamos três novos elementos para exame nesta seção: uma instrução para os professores no dia da prova, uma lista de checagem das atividades para o professor e um estudo de caso que confluiu com as análises anteriores e permitiu uma visão mais ampla acerca da política educacional de avaliação externa e em larga escala na RME.
No que tange à instrução para os professores, referimo-nos ao Manual do Aplicador da Prova Floripa 2016, destinado aos professores que aplicavam a avaliação para estudantes em fase de alfabetização. Portando um conjunto de orientações, conforme Figura 1, o Manual continha a seguinte informação: “[…] no caderno do aplicador, haverá o símbolo de um MEGAFONE. Toda vez que ele aparecer, você deverá ler, em voz alta, a frase para os estudantes.” (PROVA FLORIPA, 2016, p. 9). Ora, ainda que não estejamos questionando que a comunicação oral possa ser um recurso didático do professor em sala de aula, ainda mais tratando-se de alunos em fase de alfabetização, verificamos que a orientação em seu conjunto conduziu o professor em cada um de seus passos, como um mecanismo de controle, retirando qualquer espaço de autonomia para o desenvolvimento das suas atividades pedagógicas.
Figura 1 – Manual do Aplicador
Fonte: Prova Floripa (2016, p. 9).
Neste mesmo Manual (PROVA FLORIPA, 2016), para que o CAEd tivesse ciência de que o professor teria adquirido a capacitação presencial e lido o caderno de teste. Na Figura 2, foi solicitado que os professores marcassem C (certo) ou E (errado) em cada uma das proposições na forma de um checklist, denotando uma outra forma de controle do trabalho docente.
Figura 2 – Questionário acerca das recomendações feitas aos professores
Fonte: Prova Floripa (2016, p. 17)
Na Revista Pedagógica da edição 2015 da Prova Floripa20, apresentou-se um estudo de caso que tratou de situações envolvendo o uso de avaliações externas no cotidiano escolar, bem como a lida dos supostos professores e supervisores da rede diante da estória. Nesse estudo de caso foi construída a figura de uma professora idealizada21, bem como uma narrativa na qual apresentou-se as potencialidades da avaliação externa na condição de resolver os problemas escolares e extraescolares, como baixa participação dos pais e falta de motivação dos professores. Colocando em evidência os atributos e qualificações desejáveis a um professor (inovador, eficiente e responsável), o estudo de caso fetichizou a relação com esse modelo de professor idealizado, tendo-o como um solucionador de problemas para intencionalmente favorecer o obscurecimento da intensificação do trabalho decorrida dessa idealização.
Foi possível verificar, também, sentimentos presentes na professora do estudo de caso como: ser vista como má profissional, possuir angústia, ter responsabilidade, preocupação e desânimo pelos maus resultados. Nesse caso, as potencialidades e recomendações apresentadas em razão da política de avaliação em larga escala agiriam como competências socioemocionais às quais os professores deveriam seguir de modo a poder gerir seus sentimentos e emoções, relacionando-se com uma possível Big Five22 docente.
Em suma, todo arcabouço instrumental da Prova Floripa propagandeado como novas formas para alcançar a almejada qualidade da educação em torno do ideário da pedagogia tecnicista chega na escola por meio de velhas formas de controlar, intensificar e responsabilizar o trabalho do professor. Seria esta uma tentativa de amestrá-lo?
4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A (IM)POSSIBILIDADE DE AMESTRAR O PROFESSOR
Para apresentar as considerações finais retomamos a uma metáfora trabalhada por Evangelista e Shiroma (2015, p. 533) em torno do chamado “professor obstáculo”:
Nessa linha de argumentação, defendemos a ideia de que o professor está sendo constituído como obstáculo à reforma educacional e, mais, à reforma do Estado. Intelectuais ligados ao Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe – PREALC – afirmaram que “o maior obstáculo para a implementação das reformas educativas é o professor” (Puryear, 2003). Um tal raciocínio deve-se, provavelmente, ao reconhecimento do fato de que os professores compõem a maior e mais organizada categoria de funcionários públicos na maioria dos países (Delors, 1998; Tedesco, 1998) e sua ação pode, em tese, configurar-se como obstáculo às propostas de reforma seja por apresentarem uma oposição crítica ou, mesmo, por não entenderem de que trata a reforma.
Com base nessa metáfora, porém em seu sentido análogo, as autoras sintetizam qual seria o professor desejado: “Talvez pudéssemos radicalizar esse raciocínio afirmando que o professor desejado pelos reformadores admitiria ser controlado e perder sua autonomia no que toca aos objetivos e sentido de sua ação” (EVANGELISTA; SHIROMA, 2007, p. 539). Tal professor, desejado pelos chamados reformadores educacionais, entre os quais incluímos o CAEd e o movimento Todos Pela Educação, é o que colocamos em tom de provocação no título desse artigo e retomamos nesta seção em torno do professor amestrado. Como a adjetivação sugere em seu significado, amestrado é aquele que é ensinado a desenvolver certas habilidades; adestrado, treinado. Faz referência ao mundo animal e coloca o sujeito professor e a sua ação pedagógica como mera reificação.
Como desdobramento e consequência dessa lógica, bem como para permitir a entrada do processo de financeirização via rede de empresariamento e assessorias, verificamos que as recomendações para o trabalho do professor da RME trouxeram implicações que buscavam amestrar o trabalho docente, sustentando os slogans de qualidade e equidade educacional, conforme verificamos ao longo do texto: a intensificação do trabalho; os mecanismos de controle; a retirada de sua autonomia e a sua desintelectualização em razão da existência de padronizações expressos na matriz de referência e TRI que foram determinadas externamente e induzem a formas prescritivas para a realização de seu trabalho; a responsabilização e accountability com os padrões de desenvolvimento, as escalas de proficiência, os questionários contextuais e a divulgação dos resultados da prova de modo a identificar o professor responsável pelos resultados da avaliação e pelo percurso extraescolares dos estudantes.
A própria idealização expressa no estudo de caso serve de síntese à materialidade verificada, desde o seu espectro mais amplo até o chão da escola da RME. Pelo PEA do BID e a contratação do CAEd/UFJF verificamos a drenagem do fundo público para a iniciativa privada juntamente com uma participação ativa de seus coordenadores na formulação da política de avaliação junto ao aparelho de Estado e, também, em movimentações políticas em torno da atuação em organizações privadas pactuadas por frações do capital.
Ao responsabilizar os professores, a partir de uma justificativa humanizadora, pelo resultado da avaliação e dos processos extraescolares, a Prova Floripa levou a uma intensificação do trabalho docente em consonância com o movimento atual do capitalismo, visando tornar o professor mais flexível em razão das justificativas econômicas, ainda que o mesmo não produza diretamente valor. Entretanto, a questão posta como título da seção segue sem resposta: é possível amestrar o professor?
A tentativa execrável, e sempre malsucedida, de extinguir o pensamento humano para tornar o homem apenas corpo – quase máquina – foi tratado por Gramsci (1980) nos anos de 1930. O sonho taylorista do ‘gorila amestrado’, da transformação do trabalhador em um sujeito racionalizado incapaz de “filosofar” (Gramsci, 1966), não se revelou factível, embora a alienação humana tenha caminhado a passos largos. À pergunta “seria possível amestrar o professor?”, respondemos: não! Evidentemente, as faces da tragédia docente abordadas, não esgotadas, muito tristemente procuraram evidenciar o que está em jogo: amestrar o professor, instrumentalizando-o e buscando retirar-lhe a consciência de seu próprio trabalho. Isso explicaria, também, a violência simbólica e física contra ele, habitual no país, como o nível elevado de tensão face às perdas intermitentes que vêm sofrendo em termos de carreira, salários e condições de trabalho. A emergência contemporânea de um vigoroso espírito fascista e autoritário agudizou as contradições de classes da sociedade brasileira e se manifesta na violência que circunda os movimentos estudantis e docentes, sem descurar de tantos outros no cenário da luta por direitos políticos, sociais e culturais. (EVANGELISTA, 2016, p. 14).
Especificamente com relação à política de avaliação externa no município de Florianópolis, pudemos verificar a resistência dos professores a essa política em um conjunto de atividades e mobilizações da categoria, pelo sindicato, que culminaria no boicote à Prova Floripa no ano de 2016. Entretanto, não restrito à política educacional pesquisada, mas ao professor na relação com suas determinações, podemos sustentar, pela empiria examinada, que essa política educacional trouxe elementos formativos bastante discricionários para o trabalho docente, inclusive a tentativa de amestramento docente. Agora, afirmarmos que o professor possa ser amestrado nos parece se tratar de um certo determinismo na análise, pelo qual desconsideraríamos os processos de resistência organizada ao nível de suas entidades de luta, bem como a capacidade do professor, como sujeito histórico, de produzir o pensamento crítico acerca da realidade.
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Endereço para correspondência: Universidade Federal de Santa Catarina – Centro de Ciências da Educação; Campus Reitor João David Ferreira Lima, Trindade, 88040-970, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil; thiagosalgadovl@gmail.com
Roteiro, Joaçaba, v. 44, n. 3, p. 1-26, set./dez. 2019 | e20920 |E-ISSN 2177-6059
1 Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Mestre em Educação pela (UFSC).
2 Doutora em Educação na Universidade Federal da Bahia (UFBA); Mestra em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
3 Melgarejo (2017) trabalha de forma muito mais vasta em seu estudo de mestrado o acordo do BID com a PMF.
4 O contrato de empréstimo do BID com a PMF foi no valor de US$ 58.860.220,00 (cinquenta e oito milhões, oitocentos e sessenta mil, duzentos e vinte dólares estadunidenses) e possuiu uma contrapartida de US$ 59.570.000,00 (cinquenta e nove milhões, quinhentos e setenta mil dólares americanos) da PMF.
5 Em especial nas gestões 2005-2008 e 2009-2012 com Dário Berger (PMDB) e 2013-2016 com César Souza Jr (PSD) as parcerias público-privadas na educação municipal aprofundaram-se por meio de parcerias com assessorias educacionais, apostilamento do material didático, formação continuada, além dos contratos do BID e do CAEd/UFJF com a PMF, analisados nesse artigo.
6 O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) é “[…] constituído pelo fluxo (progressão ao longo dos anos) e pelo desenvolvimento dos alunos (aprendizado), verificado por meio de provas elaboradas externamente à escola, mas para a escola” (ANJOS, 2013, p.13). Nesse sentido, quanto maior for a nota do estudante nas avaliações em larga escala, maior será o IDEB, contanto que o mesmo não contenha reprovações. É por conta do IDEB, inclusive, que muitas redes optaram pela Progressão Automática de seus estudantes, mesmo que não tenham conseguido a média escolar de sua determinada rede.
7 De acordo com o site INEP: O PISA, “Programa Internacional de Avaliação de Estudantes — é uma iniciativa de avaliação comparada, aplicada a estudantes na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países. O programa é desenvolvido e coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em cada país participante há uma coordenação nacional. No Brasil, o PISA é coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) [...] As avaliações do PISA acontecem a cada três anos e abrangem três áreas do conhecimento – Leitura, Matemática e Ciências [...].” (BRASIL, 2018).
8 De acordo com o decreto n. 12.674/2014 que regulamenta o artigo 117 da Lei Complementar CMF n. 63/2003, a PMF concede aos professores da rede, “[...]mediante concordância antecipada e expressa da chefia imediata e do titular do órgão ou entidade onde o servidor estiver lotado, licença remunerada para frequentar curso de pós-graduação em nível de mestrado ou doutorado, nas áreas afins ao cargo exercido pelo servidor [...].” (FLORIANÓPOLIS, 2014).
9 Com o pretexto da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a Câmara Municipal de Florianópolis (CMF) aprovou a Lei 10.372/2018 de Gean Loureiro, autorizando o município a contratar Organizações Sociais para gerir creches escolares e Unidades de Pronto Atendimento (UPA), principalmente com relação a contratação dos trabalhadores que teriam contrato de trabalho diferenciado dos demais servidores, em igual função no município. Em resposta e resistência ao ataque ao serviço público, o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis (SINTRASEM) e os trabalhadores municipais (da educação, saúde, coleta de lixo etc.) permaneceram em greve por 30 dias, de 11 de abril a 11 de maio de 2018. O poder executivo não recuou na contratação das OS. Entretanto, até o fechamento desse texto está se buscando outras táticas para reverter a aprovação dessa lei, como a coleta de assinaturas para dar entrada em um projeto de lei de iniciativa popular na CMF.
10 Na pesquisa de Brito (2016) sobre a figura do coach na Secretaria Municipal de Educação de Curitiba, Paraná foi verificado que o intuito era aperfeiçoar e expandir as competências do professor, com especial atenção para as áreas socioemocionais, como atuação motivacional, comunicação, empenho para mudança e proatividade, denotando, assim, uma individualização na responsabilização do docente pelo sucesso ou insucesso escolar.
11 Inicialmente é previsto pelo Regulamento Operativo do PEA que o Sistema de Assistência Técnica a Professores (coach) seja ofertado a 1400 profissionais que atuam em sala de aula, ao longo de três anos do projeto, bem como todos os novos profissionais a serem contratados para ocupar novas vagas de docentes na rede. Entendemos que essa medida é estratégica para permitir a demissão dos professores que não se adaptarem, e sobretudo para evitar que os mesmos se organizem com o coletivo escolar antes de passarem pela formação.
12 Em razão dessa comparação entre escolas, a noção de accountability ganhou protagonismo no invólucro da gestão pública como forma de prestação de conta pelo serviço público feito. Nardi e Schneider (2012, p. 1) assinalam que “O termo accountability, de origem inglesa e sem tradução exata para o português, está presente na literatura americana desde antes da década de 1970. No Brasil, foi introduzido no início dos anos de 1990, justamente quando se instalava no país o regime democrático de administração pública (PINHO; SACRAMENTO, 2009). Assim, seu ingresso no contexto das políticas nacionais coincide com o discurso da descentralização, da desconcentração dos serviços públicos e da autonomia dos entes federados, ainda que com princípios distintos e consequências diversas. Traduzido, muitas vezes, como sinônimo de prestação de contas ou responsabilização, trata-se, na verdade, de um conceito em expansão (MULGAN, 2000 apud AFONSO, 2009), discutido com base numa variedade de abordagens e perspectivas nem sempre convergentes. Na extensa maioria dos casos em que é utilizado, associa-se mais a orientações políticas gerenciais do que a uma lógica progressista e democratizante de gestão educacional”.
13 Para o escopo do trabalho optamos por fazer um recorte acerca das implicações pedagógicas advindas do convênio do CAEd/UFJF com a PMF, todavia trabalhamos suas implicações políticas concernentes às movimentações de seus ideólogos e formuladores junto ao aparelho de Estado em nossa dissertação de mestrado do qual esse trabalho é fruto (LIMA, L., 2018). O mesmo está sendo pesquisado em nosso doutorado de modo a compreender a sua natureza jurídica, política e sua relação econômica com outras instâncias para além do âmbito educacional.
14 Para conhecer a rede de relações e nexos entre estes agentes do capital indicamos nossa dissertação (LIMA, T., 2018, p. 78-80).
15 Na edição de 2016, a Prova Floripa teve o seu boicote deliberado em assembleia do SINTRASEM culminando em uma participação de apenas 42,6% dos estudantes da rede realizando a prova. Ainda que tenhamos verificado uma heterogeneidade nos motivos dos professores que levaram ao “boicote”, inclusive reivindicando uma maior participação docente no processo de elaboração da Prova Floripa, enquanto política pública, foi notória no ano de 2016 a massificação de atividades do sindicato no sentido de problematizar a existência desse modelo de avaliação. Ainda no início do ano letivo, dos seminários “Implicações políticas, econômicas, pedagógicas e culturais das avaliações externas da Prova Floripa”, participaram professores externos e da própria rede levantando questões sobre a avaliação e mostrando como “[...] políticos, mídia, empresários, fundações privadas e seus aliados atuam para adequar a educação à lógica segregadora do mercado privado”. (SINTRASEM, 2016. p.1).
16 O consentimento ativo, para Gramsci (2017), diz respeito aos meios táticos do capital, enquanto classe dominante, de garantir a supremacia sobre a classe trabalhadora pela adesão voluntária à direção intelectual e moral burguesa.
17 Maria Helena G. de Castro é socióloga, mestre em ciência política e professora aposentada pela UNICAMP. Foi responsável, durante os Governos FHC (1995-2002) (PSDB), juntamente com ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza, pela implementação das políticas de avaliação no país, como o SAEB e o ENEM, bem como pela política de bônus aos docentes pelo resultado das avaliações em larga escala em 2008, quando era Secretaria Estadual da Educação de São Paulo de 2007 a 2009 na gestão de José Serra (PSDB). Do início do Governo Temer (2016-2018) (MDB) até o mês de maio de 2018 assumiu como Secretária Executiva do MEC (sendo apontada por muitos analistas políticos como a responsável por todas as ações do MEC, enquanto Mendonça Filho foi Ministro da Educação) em posição estratégica em virtude de sua ativa participação no Comitê Científico do “Todos pela Educação” e pelo Movimento pela Base Nacional Comum Curricular. Foi Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento do Estado de São Paulo na mesma gestão. No período de 1995 a 2002, no Ministério da Educação no Governo Fernando Henrique Cardoso, presidiu o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais/INEP, a Secretaria Nacional de Educação Superior e a Secretaria Executiva do Ministério da Educação. Foi, de 1993 a 1995, Secretária Municipal de Educação de Campinas-SP e Presidente da Undime. Além dos cargos no aparelho de Estado, foi membro do Comitê Científico da Associação Brasileira de Avaliação Educacional/Abave, do Conselho Curador da Fundação Ioschpe, da Associação Parceiros da Educação; do Instituto Natura; do Instituto Braudel; do Conselho da Fundação Padre Anchieta e Presidente do Conselho da Fundação BUNGE.
18 De acordo com Gramsci (2000), o intelectual orgânico é aquele que em sua base formativa incorpora a interconexão de sua posição de classe no mundo do trabalho com a do universo da ciência e da política em conjunto.
19 Freitas (2002) aborda de forma ampla a categoria “trilhas de progressão diferenciadas”, entretanto, em todos os momentos apontam para a responsabilização dos estudantes pelo seu percurso escolar, diferenciando a educação escolar dos filhos da classe trabalhadora (escola pública) e da burguesia (a qual chama de escolas de excelência).
20 As revistas pedagógicas da Prova Floripa eram encartes que chegavam às escolas da RME e traziam textos relacionados à concepção de avaliação e à política de avaliação em larga escala, informações sobre o CAEd e divulgação dos resultados da Prova Floripa.
21 No texto “Mudanças a partir da apropriação dos resultados da avaliação externa”, presente na Revista Pedagógica (PROVA FLORIPA, 2015c), apresentou-se um estudo de caso acerca de uma professora idealizada para trabalhar-se com um exemplo que reforçaria determinados estigmas escolares e colocar no trabalho e na proatividade a condição de superação das adversidades encontradas na sala de aula. A professora chama-se Juliana, é recém formada em Pedagogia e recém começou a atuar na unidade educativa onde ocorre o relato.
22 Segundo Lima, L. (2018, p. 23), a definição das competências socioemocionais “[...] pela OCDE é baseada no Modelo dos Cinco Grandes Fatores, o Big Five, um sistema de classificação de traços da personalidade que distingue cinco categorias de modo abrangente: Extroversão; Amabilidade, Conscientização; Estabilidade emocional; e Abertura a novas experiências”.