http://dx.doi.org/10.18593/r.v43i2.19063

Editorial

“Estou convencido de que nossos melhores pensamentos são sempre aqueles que não podemos pensar plenamente”, disse Theodor W. Adorno a seu fiel interlocutor Walter Benjamin, em carta datada de 29 de fevereiro de 1940 (ADORNO, 2012, p. 451). De modo semelhante ocorre com a escrita de pesquisa, sobretudo no campo educacional-filosófico, em que as contribuições já nascem cientes de sua insuficiência ao mesmo tempo que sua necessidade permanece sendo estridulosa.

Neste dossiê, organizado por Mauricio João Farinon e Clenio Lago, aspectos aparentemente disjuntos entre si são estreitamente aproximados na formação de um todo, um todo que coloca no centro da discussão a relação estabelecida entre Violência e Educação. Não se trata, portanto, de procurar atrás dos fenômenos um mundo em si para a temática, pois quem escolhe, hoje, por ofício, o trabalho filosófico aliado à educação renuncia a uma das ilusões com a qual partiam os projetos filosóficos muito anteriores: a de que seria possível compreender a totalidade do real por intermédio somente da força do pensamento (ADORNO, 2003). A interpretação filosófica exposta pelos textos que compõem este dossiê não propõe à temática um sentido a priorístico, mas busca considerar aspectos históricos, literários, sociológicos e epistemológicos atinentes à relação estabelecida entre ambas as bases da temática supracitada.

Por vezes, o texto filosófico provoca resistência justamente porque evoca aquela abertura do espírito da qual falou Evangelista (2018) ao se referir à capa desta edição, sem dar primazia à subordinação a uma ou a outra instância qualquer. Os esforços empregados nos textos que estão sendo aqui apresentados, ainda, espelham a disponibilidade de autores, professores e conferencistas que se entusiasmam com esse modo de operar a temática, tanto por meio de reflexões bastante criativas quanto por meio daquilo que outros já disseram, com a escrita que trata hermeneuticamente de reorganizar o que já foi pensado (ADORNO, 1991). Nesse sentido, provocamos nossos leitores a se envolverem com textos que fogem um tanto do padrão acadêmico-formal mais rigoroso e já legitimado, mas que operam como um exercício de estranhamento, como prática de transformação tanto de quem os propõe quanto daqueles que com tais escritos dialogam.

Além do dossiê temático, o número também é composto por seis artigos de demanda contínua, que abordam distintas temáticas do campo educacional. O primeiro deles dialoga com um conjunto de pesquisas em História da Educação, tanto no que compete às políticas públicas de educação quanto às diferentes experiências de formação docente. O foco de José Cláudio Sooma Silva e Andréa Miguel Abrantes Ferreira foi o Instituto de Educação, localizado no município de Belford Roxo, RJ, tendo como recorte temporal os anos 1996 a 2006. Nesse sentido, os autores problematizam algumas das dimensões que teriam impulsionado a inauguração dessa Instituição de Ensino voltada para trabalhar a formação docente em Nível Médio no mesmo período em que tanto o Município se emancipava quanto era promulgada a LDB n. 9.394/96, que enfatizava a necessidade de que os professores que fossem atuar (ou já atuassem) na Educação Básica tivessem curso superior.

O segundo texto da mesma seção é proposto por José Wnilson Figueiredo e Walter Frantz e apresenta reflexões acerca da relevância da educação popular, propugnada por Paulo Freire, visando à abertura de sendas possíveis para a instauração da interculturalidade crítica, no mundo das escolas e demais organizações sociais. Para tanto, os autores fundamentam-se nas categorias da ética do reconhecimento e do diálogo intercultural, presentes nas obras de Freire, como princípios fundantes para a emergência e a efetivação de processos político-pedagógicos. Engendrado em relações inter-humanas, o texto propõe ser possível, a partir da denúncia do colonialismo e da colonialidade do ser, dos saberes e do poder, o anúncio de uma educação intercultural crítica, forjada na igualdade associada ao respeito às diferenças de classe, etnia, sexo, gênero, nacionalidade, língua e religião existentes entre as pessoas.

Vanessa Denardi e Gladys Teive são as autoras do terceiro artigo, intitulado Semeando entusiasmos: a Reforma Orestes Guimarães em Santa Catarina (1910-1918). O texto em questão tem como foco compreender tal Reforma efetivada dos anos 1910 até 1918. Para tanto, elas privilegiam como fonte artigos do professor paranaense Raul Rodrigues Gomes, publicados no jornal curitibano Diário da Tarde em ١٩٢١, em uma interlocução com os estudos sobre o “bandeirante paulista do ensino” propostos por Teive. Esses documentos possibilitaram perceber que a criação dos grupos escolares e a remodelação das demais instituições de ensino em razão da Reforma elevaram o Estado de Santa Catarina ao nível de modernização almejado pelos governantes e intelectuais no início do século XX.

O ProEMI e o Ensino Médio em tempo integral no Brasil é o título do nosso quarto artigo de demanda contínua. Nesse estudo, Andréa da Silva apresenta a trajetória histórica e político-ideológica do Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), que, desde 2009, tem se caracterizado como a principal política federal de implantação do Ensino Médio em tempo integral no Brasil. A autora utiliza os documentos orientadores do Programa como fontes de pesquisa para identificar as diferentes perspectivas ideológicas e os objetivos políticos delineados para ele no período de 2009 a 2017. Por conseguinte, ela apresenta o cenário de disputa ideológica em que são formatadas e implantadas as políticas de Ensino Médio no Brasil desde a década de 1990 e o significado do termo reestruturação como eixo estruturador inicial das práticas pedagógicas do ProEMI como ação política indutora da melhoria da qualidade do Ensino Médio no Brasil.

Tratando ainda da mesma temática central, Paoline Bresolin, Chaiane Bukowski e Roberto Dias da Silva propõem uma reflexão de caráter empírico sobre as orientações legais e propostas educacionais para o Ensino Médio do Campo, considerando as políticas públicas que fazem parte do quadro governamental atual. Os autores elencam como foco analítico da pesquisa as teorizações sobre a constituição do conhecimento escolar na referida etapa da Educação Básica. Com base nas dimensões atuais que vêm caracterizando o Ensino Médio, em aproximação à Educação do Campo, Bresolin, Bokowski e Silva compõem um diagnóstico sobre os princípios e fundamentos que norteiam o processo pedagógico e conduzem o sistema escolar no âmbito em questão. Para tanto, descrevem, examinam e problematizam as concepções de conhecimento escolar em documentos de caráter nacional, a fim de verificar os sentidos e as tendências que influenciam os rumos do processo de decisão curricular nas escolas. A investigação revela que, mesmo considerando os avanços que promoveram melhorias no Ensino Médio do Campo, as estratégias para a democratização e a qualificação do ensino são limitadas e insuficientes, já que as teorizações dos Estudos Curriculares indicam para uma educação comprometida com o conhecimento escolar e a consequente possibilidade de os estudantes intervirem no mundo de forma qualificada e crítica.

O texto de Flavia de Figueiredo de Lamare fecha o presente número, com o texto A obrigatoriedade da pré-escola no contexto das parcerias público-privadas. A autora analisa a obrigatoriedade da pré-escola no Brasil (Lei n. 12.796/2013) e a sua relação com o aprofundamento da participação dos organismos internacionais e do empresariado “socialmente responsável” como formulador de estratégias de implementação de políticas educacionais na Educação Infantil. Diferentes instituições privadas e organismos internacionais têm disseminado a ideia de que é necessário aumentar a eficiência com os gastos sociais investindo na primeira infância. Com isso, ampliam-se as “parcerias” privado-públicas, em que diversas entidades mantidas por setores empresariais intensificam a formulação e a execução de políticas públicas, em inúmeros casos com recursos públicos. A documentação analisada foi discutida de modo a evidenciar as articulações existentes entre a política brasileira para a Educação Infantil, as diretrizes dos organismos internacionais e de estudos que relacionam linearmente essa etapa da educação com inclusão e coesão social. Lamare ratifica que os organismos internacionais têm influenciado significativamente na pactuação de metas e ações voltadas às políticas sociais — incluindo a Educação Infantil — como forma de se obter um suposto desenvolvimento sustentado com equidade social, com argumentos advindos da economia e da neurociência, passando para o indivíduo a responsabilidade da desigualdade e não evidenciando suas origens sociais e históricas.

Resta aqui o convite à leitura, bem como o desejo de que o conjunto de discussões que integra este número seja motivador de diferentes reflexões na comunidade acadêmica.

Marilda Pasqual Schneider

Nadiane Feldkercher

Priscila Monteiro Chaves

REFERÊNCIAS

ADORNO, T. W. Actualidad de la filosofia. Barcelona: Paidós, 1991.

ADORNO, T. W.; BENJAMIM, W. Correspondência: 1928-1940. Tradução José Marcos Mariani de Macedo. 2. ed. São Paulo: Ed. Unesp, 2012.

ADORNO, T. W. O Ensaio como forma. In: ADORNO, T. W. (Org.). Notas de Literatura I. São Paulo: Ed. 34, 2003. p. 15-45.

EVANGELISTA, O. Sobre a capa. Roteiro, v. 43, n. 2, 2018.

Roteiro, Joaçaba, v. 43, n. 2, p. 373-378, maio/ago. 2018 | E-ISSN 2177-6059