http://dx.doi.org/10.18593/r.v43i2.19062

APRESENTAÇÃO

DOSSIÊ VIOLÊNCIA E EDUCAÇÃO

Mauricio João Farinon1

Universidade do Oeste de Santa Catarina

Clenio Lago2

Universidade do Oeste de Santa Catarina

A presença do ser humano no mundo da vida deriva significativos aspectos antropológicos: constituímos cultura; coabitamos com a diversidade simultaneamente à dificuldade de aceitar as diferenças; ansiamos por domínio, posse, controle; criamos e inovamos modos de transmitir ou construir valores e conhecimentos; propomos meios de educação e formação; instrumentalizamo-nos e evoluímos tecnologicamente; capacitamo-nos e conseguimos valorar, decidir e agir de modo razoado; estabelecemos o modo especificamente humano de viver em sociedade: fundamos a política.

Talvez seja isso que torne o ser humano tão complexo e, ao mesmo tempo, remeta ao elemento histórico originante: somos inacabados, incompletos. Eis a fonte da angústia e da perplexidade, pois no encontro com o rosto de outrem, nossa compreensão é sempre limitada às experiências possíveis, gerando a incerteza daquilo que vem e a insegurança sobre o modo como devemos agir. Estamos diante do estranhamento, que pode originar a evolução ético-moral ou a tentativa de dominação e/ou destruição que se traduz em atos de violência.

Diante do problema da violência, normalmente causada pelos reducionismos e supervalorização de algumas de nossas filiações, sentimo-nos desafiados a pensar os processos educativos em seu potencial de respostas a tais atos, as quais podem vir em afirmação ou em negação da cultura da violência. Assim se originou o I Colóquio de Filosofia e Educação, como iniciativa do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia e Educação (GEPeFE), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade do Oeste de Santa Catarina. O objetivo é promover o debate em torno do tema da violência em sua relação com a educação, sob diferentes perspectivas teóricas e considerando os desafios formativos próprios da sociedade complexa. Esta primeira edição do evento visa, também, a consolidar o debate em torno da Filosofia e Educação na Universidade do Oeste de Santa Catarina, cientes da importância da reflexão filosófica para as pesquisas em Educação, para as ações pedagógicas e para as diversas experiências formativas que se desenvolvem no interior das instituições de ensino e pesquisa.

Este dossiê temático é composto por 11 artigos e uma resenha oriundos dos conferencistas presentes no Colóquio, somados a outros de convidados externos ao evento. Sob o título Violência sistêmica e educação, Pedro Goergen questiona a educação, em seu atrelamento com o sistema econômico neoliberal, como sendo corresponsável pela disseminação sistêmica da violência. É necessário defender a tarefa formativa humanista da educação, ao mesmo tempo que se faz necessário preparar as novas gerações para um mundo com traços anti-humanistas. Goergen parte de observações sobre a violência com base em autores clássicos, em seguida realiza reflexões na perspectiva da relação entre pessoas e sistemas econômicos e conclui afirmando que o tema da violência se encontra no centro das preocupações e debates a respeito dos caminhos da educação.

Violência da positividade e educação – da cultura do tédio à promoção da cultura do sentido é o texto de Altair Fávero. O autor toma como base a ideia de violência do filósofo Byung-Chul Han e analisa a tensão da cultura do tédio no cenário educacional. Contrapondo tal cultura, apresenta a ideia de cultura do sentido como um indicativo educacional promissor para enfrentar a violência da positividade.

Hans-Georg Flickinger assume o desafio, em seu texto Johan Galtung e a violência escolar, de contextualizar Johan Galtung no cenário educacional brasileiro, apresentando as coordenadas principais dos conceitos de violência direta, estrutural e cultural. Com essa base conceitual, reflete sobre a violência nas instituições da educação e propõe algumas diretrizes para o trabalho a ser realizado em relação à violência nas escolas. A defesa é que a incapacidade para o diálogo, o desrespeito, a autoridade profissional, a transferência dos problemas familiares para a escola, a excessiva presença de regras burocrático-formais, tudo isso faz com que a violência seja um recurso comum nas relações educacionais.

Formação para a vida democrática em John Dewey – alternativa contra a violência humana e política intitula o texto de Claudio Dalbosco, no qual é defendida a ideia de que corrupção como forma de violência política encontra seu principal antídoto na oportunidade de as novas gerações realizarem experiências formativas democráticas. Com base em John Dewey e na filosofia como crítica social, Dalbosco reconstrói o ideal de formação democrática a partir da importância de experiências comunitárias locais.

Em sua original trajetória envolvendo estética e educação, no debate sobre a possiblidade de a estética iluminar a ética, Nadja Hermann defende, em seu Violência, estética e educação – o caso do jovem Törless, o sensível (aisthesis) como mobilizador dos afetos e das emoções, sendo uma estratégia para articular o saber ético-filosófico e o saber proveniente da literatura e das artes. Inspirada em Robert Musil, Hermann defende que a obra do poeta expõe “o avesso da educação, uma vez que a ordem da instituição educacional é subvertida pela desordem violenta que, trabalhada no processo interno dos sentimentos, provoca o próprio da estética: ‘emoção extrema’.” A relação entre filosofia, educação e literatura também é tema do texto de Bruno Pucci, intitulado Violência e educação – intervenções reflexivas de Walter Benjamin, Theodor Adorno e Guimarães Rosa. A perspectiva é de problematizar e enfrentar a violência como barbárie, a qual perpassa as relações sociais e educacionais, principalmente quando nos deparamos com a realidade de dominação e de hegemonia do sistema capitalista neoliberal. Vanderlei Carbonara tece Reflexões sobre educação, alteridade e violência a partir da concepção de constituição subjetiva em Emmanuel Levinas. Nas trilhas levinasianas de que a sensibilidade está associada ao despertar ético da humanidade, Carbonara reflete sobre a possível manifestação da violência nas primeiras manifestações da formação do Eu, quando se ocupa do mundo como posse e satisfação, impedindo a percepção da presença de Outrem como alteridade.

As relações entre epistemologia, violência e educação são as preocupações de Roque Strieder e Clenio Lago no texto Sombras de violência – premissas ocultas em epistemologias. O desafio é refletir sobre a epistemologia em meio às emergências de diferentes emocionalidades e racionalidades, preocupados em como a epistemologia pode se constituir para além de ser expressão violenta e da violência. A tarefa da formação é profanar as epistemologias que fazem pervagar violências, ancorada em um conhecer para além da fragmentação e dos mecanismos sistemáticos. Amarildo Trevisan também nos oferece um texto direcionado à epistemologia, com o título Epistemologias da violência na educação no contexto da biopolítica contemporânea. Analisa a violência pela perspectiva da ausência de preocupação, na formação de professores, em trabalhar com situações de conflito. A preocupação está em descobrir como a temática da violência aparece e se constitui como referência às ações educativas e como é possível fazer frente a ela pela aproximação entre racionalidade e historicidade.

Direcionando a atenção à Violencia política, derechos humanos y educación, Margarita Sgró reflete sobre a responsabilidade e os condicionantes próprios dos sistemas de educação diante da cultura política, principalmente quando tal cultura põe entre parênteses princípios elementares da democracia. A análise está delimitada a partir da complexa relação entre educação, violência política e direitos humanos.

Ao final do bloco de artigos temos o tema da Violência, razão e cultura de paz, que intitula o texto de Paulo Nodari. Primeiramente, o autor assume a base conceitual de Eric Weil e mostra que o ser humano livre e racional tem a responsabilidade de escolher entre razão e violência. A vida humana livre e feliz é resultado dessa escolha pela razão. Após, e com referência nas mensagens para a paz mundial, apresenta algumas proposições para oferecer pistas de reflexão para o desenvolvimento de uma cultura de paz e não violência.

Alcemira Fávero e Camila Fávero apresentam, em forma de resenha, a obra do filósofo Byung-Chul Han intitulada Topologia da violência. A partir da leitura da obra, as autoras destacam a possibilidade de compreendermos as múltiplas faces pelas quais a violência se constitui, não somente para fazer dela nosso objeto de estudo, mas para mudar os contornos da vida. A obra é destacada como um “rico arsenal para pensar os dilemas e conflitos vivenciados na sociedade contemporânea. Além de dialogar com diversos autores de distintas áreas, Han apresenta um amplo e complexo panorama do lugar da violência no cenário da sociedade atual. Uma boa leitura para educadores, pesquisadores, profissionais de diferentes áreas e principalmente para todos aqueles que buscam compreender as novas e distintas patologias provocadas pela violência que se faz sentir nos micro e nos macros espaços da globalização.”

Roteiro, Joaçaba, v. 43, n. 2, p. 379-384, maio/ago. 2018 | E-ISSN 2177-6059


1 Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; mauricio.farinon@unoesc.edu.br

2 Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria; clenio.lago@unoesc.edu.br