http://dx.doi.org/10.18593/r.v43i2.17109

Entrevista com o Professor Doutor Klaus Klattenhoff – Universidade Carl von Ossietzky von Oldenburg – Alemanha

Johann Friedrich Herbart: pedagogia geral e inclusiva

Odair Neitzel1

Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Chapecó, Professor de Filosofia da Educação

A presente entrevista abordou o professor Dr. Klaus Klattenhoff (1943), tendo como tema a Pedagogia Geral (1806) de Johann Friedrich Herbart e sua correlação com a pedagogia inclusiva. O Professor Dr. Klaus Klattenhoff tem como área de investigação a educação especial e a pedagogia inclusiva; atuou no Instituto de Educação Especial e de Reabilitação da Universidade Carl von Ossietzky de Oldenburg até o ano 2008 quando se aposentou. Após seus estudos no programa de formação de professores (1965-1968) e atividades de ensino em várias escolas, Klattenhoff ingressou em 1973 como pesquisador assistente na Escola Superior de Pedagogia de Oldenburg, ano em que a escola passou ao status de Universidade. Em 1980 tornou-se conselheiro acadêmico de pedagogia inclusiva; dois anos depois se tornou doutor. Em 1996 habilitou-se na Faculdade de Educação da Universidade Carl von Ossietzky de Oldenburg, com concentração em pedagogia escolar. Três anos depois foi nomeado professor-associado em pedagogia inclusiva. Além de suas atividades como professor, Klattenhoff desenvolveu várias atividades na Fundação de Histórica Escolar da Associação Distrital Weser-Ems, na Associação de Educação e Ciência (GEW) e no conselho da Sociedade Internacional sobre Herbart do qual é co-fundador. Tem experiência significativa com formação de professores, contribuições em pesquisa sobre a história da educação e da escola, pesquisas na literatura infanto-juvenil e envolvimento em pesquisa sobre a integração de crianças portadoras de necessidades especiais. Como co-fundador da Sociedade Internacional sobre Herbart (International Herbartgesellschaft),2 é responsável pela retomada das pesquisas sobre o pensador e sua pedagogia a partir da década de 1970. A entrevista é parte da atividade do estágio de pesquisa do doutorado na Universidade de Kassel, Alemanha, e busca na releitura da Pedagogia Geral oferecer subsídios para alargar a reflexão sobre sua obra, pouco lida e pouco compreendida na pedagogia brasileira. A metodologia empregou perguntas semiestruturadas.

Palavras-chave: Johann Friedrich Herbart. Pedagogia Geral. Inclusão.

ODAIR NEITZEL (ON): Prof. Klaus Klattenhoff, você poderia nos dizer por que você se interessou pela pedagogia?

KLAUS KLATTENHOFF (KK): Isso provavelmente tem algo a ver com minhas experiências como estudante. Para mim, os professores eram pessoas inspiradoras, com muito conhecimento e que repassavam esse conhecimento para outros (para nós estudantes), conhecimentos que nos esclareciam o mundo. Isso foi um incentivo para eu querer praticar essa atividade.

ON: Como professor e também como pesquisador atuando no espaço pedagógico da escola e da academia, sua área de concentração é a pedagogia inclusiva e especial. Como você combina estas ênfases com Herbart e sua pedagogia?

KK: Herbart sempre me inspirou como pedagogo. Mas a pedagogia de Herbart em relação à pedagogia inclusiva, assim como todo clássico da pedagogia, me parece ser problemática. É algo que diz respeito também a outros clássicos da pedagogia e da educação infantil. Os clássicos pensaram a sua pedagogia como pedagogia de modo geral e não se ocuparam tanto ou pouco com a pedagogia do dia a dia. Os pedagogos em sua atuação prática nem sempre encontravam meios para converter as teorias dos pensadores para suas perspectivas práticas. Por isso eles tentavam, para as situações específicas da prática, construir conceitos a partir de reflexões próprias e reinterpretações dos clássicos. Ao lado da pedagogia geral desenvolveram-se então conceitos para o trabalho pedagógico com crianças com exigências específicas como da pedagogia inclusiva e conceitos para o trabalho pedagógico com crianças que ainda não visitaram a escola: a pedagogia infantil.

Tratando-se da minha experiência como pesquisador e docente, é óbvio que sempre considerei as correlações entre ambos, entre aquilo que eu precisava ensinar na universidade e aquilo que Herbart já fundamentalmente analisara e publicara. Em todas as minhas reflexões sobre a pedagogia, porém eu não me ative somente às reflexões de Herbart, pois também me voltava para outros pedagogos clássicos, que durante séculos tornaram suas teorias conhecidas.

Com Herbart porém já fui confrontado quando da minha licenciatura. Na época um docente ofereceu um evento sobre a pedagogia de Herbart. Eu visitei esse evento e o conteúdo me fascinou profundamente. Não somente porque Herbart tinha nascido em Oldenburg, mas porque ele desenvolvera um olhar sistemático da pedagogia, referindo-se a ela como uma ciência e não como um conjunto de exigências e expectativas da sociedade que a pedagogia deveria dar conta. Herbart inverteu a pergunta: como pode contribuir a pedagogia ou no que ela pode contribuir para que a educação aconteça? E isso penso ser muito interessante e importante. Seu pensamento é apresentado em sua primeira grande obra de 1806, Pedagogia Geral derivada do fim da educação (H2, p 1-139):3 o fim da educação! Os seguidores de Herbart – os herbartianos – também desenvolveram um sistema de estágio para a prática do ensino, que sempre achei e ainda acho extremamente interessante.

Quando após a graduação eu passei a atuar como professor na escola, percebi que era extremamente importante refletir sobre: o que já sabiam os alunos e alunas? O que eles já sabiam fazer? Como eu, enquanto professor, poderia auxiliar naquilo que eles deveriam aprender, para que estes tivessem chance de tornar isso parte de si mesmos? E poderia eu estabelecer, sob qual superfície eles poderiam pensar em um problema? E nesse sentido, eu acredito que aprendi muito com Herbart, e em todo planejamento das minhas aulas, eu novamente refletia sobre aquilo que aprendera de Herbart. Então ingressei na Universidade aqui em Oldenburg em 1973 e participei de outro evento sobre pedagogia de Herbart promovido por um colega com mais tempo de universidade, sobre Herbart e Schleiermacher. A partir desse período a pedagogia inclusiva iria se tornar minha principal área de atuação e conhecimento. Percebi que as reflexões de Herbart e suas ideias em relação à prática do ensino, eram e são muito importantes, exatamente porque se ocupam em refletir sobre como se aprende o que é novo a partir daquilo que já fora aprendido. Eu acredito que as alunas e alunos, em muitas situações na escola, não conseguem alcançar e ter êxito naquilo que deles se espera, porque muito pouco se pensa, do ponto de vista da aprendizagem, como os educandos podem ser levados adiante e por isso fracassam. Fracassam naquilo que se espera e exige como ensino regular.

Nisso estão incluídos os alunos da educação especial, que diante desse aparente fracasso eram encaminhados às escolas para alunos com necessidades especiais. Esses alunos e os professores que atuavam nessas escolas de educação especial constituíram um rico acervo didático e de práticas pedagógicas de formação, levando a desenvolver uma técnica mais acertada e métodos de ensino mais adequados para seus alunos e alunas. Em suas aulas e prática de ensino desenvolvem aquilo que mais ricamente ajuda as alunas e alunos.

Na Alemanha a inclusão, como política de trazer para dentro da escola regular alunas e alunos portadores de necessidades especiais, ainda é um problema. Isso se deve ao fato de que a pedagogia geral e sua reflexão historicamente muito pouco se têm aproximado da educação com crianças portadoras de necessidades especiais, seus problemas de aprendizagem, de comportamento, de linguagem.

Visto historicamente, há por essa razão a necessidade paralela à educação regular de se encontrar uma pedagogia especial. E agora novamente se sente a necessidade de unificar as ideias pedagógicas da pedagogia geral e da pedagogia especial, e isso ainda não aconteceu de modo satisfatório. As estudantes e os estudantes que são formados como professores e professoras, por exemplo, como professores da educação básica ou para o Ensino Médio, estudam muito pouco a pedagogia. Os pedagogos da educação especial estudam muito mais pedagogia para poderem atuar na educação especial. Por isso eles também conseguem trabalhar melhor com os alunos e alunas. A pedagogia geral precisa integrar em si a pedagogia especial. Para isso é necessário o processo de observação e suporte mútuo.

ON: Muitas das publicações atuais sobre Herbart alertam contra mal-entendidos históricos em relação ao trabalho de Herbart. Quais são esses mal-entendidos?

KK: Os mal-entendidos sobre conceitos de Herbart e sobre sua pedagogia têm relação com os herbartianos (escola de seguidores das teorias de Herbart). Não unicamente, pois antes, e acima de tudo, os equívocos estão ligados às gerações de teóricos da pedagogia e professores seguidores dos herbartianos. Herbart propôs em sua Pedagogia Geral (1806) estágios formais de conhecimento, que foram vertidos em estágios formais de planejamento do ensino, o que é uma distorção tremenda de sua teoria. Herbart imaginou nos estágios do conhecimento uma ferramenta de análise dos processos cognitivos, não um instrumento de planejamento. Mas sistematicamente foram convertidos em um planejamento de ensino. Também é de se pensar, que os professores no séc. XIX eram precariamente formados. Para a prática pedagógica era necessário algo que pudesse ser dado em suas mãos e pudesse ser usado como uma receita, e, nesse caso, os estágios formais converteram-se em uma receita interessante. Os professores os usavam como um esquema. A didática mais tarde, como, por exemplo, em Klafki, é bem diferente nesse ponto de vista. Ela parte da concepção de que o professor precisa considerar, qual era o sentido do conteúdo de ensino para o contexto e o futuro da criança, e como esses conteúdos deveriam ser trabalhados para estar dentro do horizonte da criança.

Na escola de educação especial experienciamos das crianças que a escola regular lhes ofertava algo no qual não reconheciam nenhum sentido para si. Quando o que é ofertado pelo ensino para uma aluna ou um aluno não tem perspectiva de sentido, então desse ensino eles nada aprenderão. Nas discussões mais atuais isso fica bem evidente: só é possível aprender aquilo que faz sentido e é compreensível. Com o instrumento de análise de Herbart é possível encontrar indicações para essa perspectiva. Se isso não for observado, haverá dificuldades para esclarecer ao aluno ou aluna sobre como é possível ver o mundo que lhes cerca e em que vivem.

ON: Ao longo da sua vida, você esteve envolvido com a pedagogia, na escola, na faculdade, em eventos. Como você vê o desenvolvimento da pedagogia ao longo desses anos?

KK: A pedagogia como ciência se tornou muito diversa. As diferenças nas questões metodológicas básicas, as ênfases relacionadas aos conteúdos e uma referência diferenciada aos destinatários elevaram as exigências de capacidade pedagógica em vários campos da educação e do ensino, exigindo por parte dos pedagogos um conjunto de competências complexas. Estudar para um campo profissional, como, por exemplo, a formação de professores, precisou ser qualificada. Isso levou a pedagogia como ciência a importar repetidamente conceitos e conteúdos de outras ciências nas últimas décadas – nem sempre para seu próprio benefício. Herbart nesse sentido já apontara para a importância dos “conceitos próprios” (einheimischen Begriffe) da pedagogia (H2, p. 8). Com eles é possível à pedagogia se distinguir como uma ciência.

A formação de professores na Alemanha é altamente estruturada focada no ensino disciplinar, isto é, orientado na formação por áreas de ensino. Na escola primária, pode-se ver nos últimos anos que o ensino realizado pela combinação das diferentes disciplinas, ou seja, a educação interdisciplinar é bem-sucedida. Em outras escolas, parte do ensino é feita em projetos interdisciplinares. Se, e como isso é bem-sucedido, depende de como os professores assumem a tarefa do trabalho interdisciplinar. Se eles se comportarem distanciados desde o início e dizem: “Nós não sabemos fazer isso”, então eles também não vão poder fazer isso. Aliás, isso também se aplica à integração de crianças com necessidades especiais e filhos de famílias que não falam o alemão. Aliás, Herbart também abordou o problema do ensino das diversas ciências e seu significado para a pedagogia.

Existem grandes diferenças no trabalho pedagógico conceitual e as atividades de cada escola. Algumas escolas trabalham fortemente integradas, outras muito pouco. Basicamente há uma falta de pessoal nas escolas. Crianças com dificuldades precisam da atenção individual de um professor. E essa atenção só pode ser dada em pequenas porções, problematicamente feito com pouco recurso humano. Se as turmas são muito grandes, automaticamente cabe ao professor realizar múltiplas tarefas, sobrecarregando o mesmo e o impedindo de desenvolver e dar suporte a cada aluno. Esperamos que em algum momento as escolas tenham professores em geral e professores adicionais de educação especial para tarefas integradoras.

Penso que uma formação docente deve oferecer uma base comum (pedagogia geral e educação especial) para todos os estudantes de licenciatura. Assim a educação especial poderia complementar e aprofundar algo para além da pedagogia geral. Estabelecer-se-ia com isso uma base comum na educação, tornando possível um trabalho conjunto, sendo o que se percebe atualmente. Isso significa que a formação de professores é crucial para essa cooperação que é necessária no espaço escolar, especialmente aos professores das escolas secundárias, que precisam se apropriar mais da pedagogia. Na Alemanha os professores geralmente estudam duas áreas de ensino, como, por exemplo, matemática e música, e pouca pedagogia, psicologia, sociologia e filosofia. Porém são campos de estudo, áreas de conhecimento que estão justapostas, que de alguma forma precisam ser unidas e se encontrar nas mentes dos alunos. Eu acho que isso deve ser oferecido agrupado em estudo, de modo que este chegue como uma unidade para os estudantes.

ON: As teorias de Herbart prepararam o caminho para uma nova compreensão dos processos de ensino e aprendizagem. Portanto, também pode ser considerado um precursor de muitos tópicos relacionados à formação humana. Nesse sentido, seu contributo para a psicologia é significativo. Em 2004, Jürgen Grzesik (2004) mostrou em um artigo como a psicologia de Herbart (estética) antecipa parcialmente os achados neurocientíficos atuais. Em que medida a psicologia de Herbart é relevante hoje para a compreensão dos processos educacionais a partir de uma perspectiva neurocientífica? Como pode ajudar a compreender os processos neurológicos presentes nos processos de ensino e aprendizagem?

KK: Não lidei tão intensamente com a psicologia de Herbart. Basicamente, no entanto, pode-se dizer que a psicologia de Herbart é uma psicologia da apercepção, ou seja, em que se pode presumir que o existente, o qual é apreendido pelas sensações, através da atenção, é elevado ao conhecimento, levado à consciência e encaminhado à memória. Visto desta perspectiva, a psicologia de Herbart ainda é atual. Pode até dizer-se que essa psicologia é semelhante à que a neuropsicologia apresenta hoje como resultado de sua pesquisa. Isso se torna visível quando se analisa como Herbart pensou processos cognitivos, do significado da atividade do ser humano em desenvolvimento como fim da educação. A neurologia sabe hoje que a atividade da criança é crucial para a pergunta sobre o que ela aprende. Por exemplo, dizemos hoje: a criança é o ator em seu próprio desenvolvimento. Já cedo na pedagogia há evidências históricas de que os pedagogos, sempre e novamente, têm pensado dessa forma. Maria Montessori afirmou que a criança é construtora de si mesmo. Isso significa que não desenvolvemos as crianças, mas elas a si mesmas. Devemos dar às crianças o alimento, por assim dizer, o material para se constituírem, para que possam se desenvolver. Essa responsabilidade por si mesma também fica clara quando consideramos hoje as formulações da Herbart sobre a disciplina. Herbart não compreende o termo como algumas pessoas na atualidade, associado à noção de autoritarismo. Herbart entendia por disciplina a autodisciplina em relação ao desenvolvimento da própria vontade: eu quero fazer isso e aquilo. E por isso preciso estar em plena concentração, tenho que me tomar em disciplina, e não ser forçado a fazer a partir de fora. E eu acho que é isso que deixa como legado do seu pensamento psicológico básico.

Um relato de psicologia de Herbart em relação à sua pedagogia geral é o seu texto “Sobre a representação estética do mundo como principal fim da educação” (H1, p. 259-274) uma primeira base para o conjunto da obra de Herbart. A estética não se refere à arte, à beleza das obras de arte, mas perceber o mundo em sua beleza geral, em sua coerência tomada como verdade, um mundo que precisa ser retratado, mesmo pelos professores, porque os aprendizes não encontram o mesmo em seu próprio ambiente. Este mundo, que é tão interessante, coerente e bonito, que, como estudante, também faz pensar sobre si e sua posição neste mundo. E eu posso me tomar pela disciplina e definir, o que é adequado neste mundo para ajustar a mim mesmo, e, por isso, ao que é possível me associar. Isso é diferente de ser disciplinado de fora.

Às vezes, em Oldenburg, recebemos estudantes e pesquisadores interessados na filosofia de Herbart. Uma colega da Itália, Nadja Moro (2006), pesquisou sobre a obra musical de Herbart e fez seu doutorado em Oldenburg e apresentou uma publicação sobre a obra musical Herbart. Herbart sempre foi músico, desde a infância. Ele tocou violoncelo e também era um excelente pianista. E ele também compôs. Em duas conferências sobre Herbart aqui em Oldenburg, tocamos sua sonata. O músico que executou as sonatas disse que as composições de Herbart são comparáveis a de outros músicos de seu tempo. E nesse sentido, a obra de Nadja Moro é um exemplo clássico de como a psicologia de Herbart, em Nadja associada à música, ainda inspira hoje a pesquisa e a reflexão.

ON: De certo ponto de vista, pode-se dizer que a Pedagogia Geral é o trabalho no qual Herbart apresenta seu projeto de pedagogia e sua pesquisa que se segue durante sua vida. E este trabalho tem uma estrutura tripartida: governo das crianças, ensino e disciplina. Qual o papel desses elementos conceituais na educação hoje? Ou quão importantes são estes elementos conceituais para a ação pedagógica?

KK: Os conteúdos mencionados com esses conceitos ainda são muito interessantes e atuais. Mas o significado dos termos mudou ao longo do tempo. E esse é o problema com os textos históricos. O conteúdo desses termos varia ao longo do tempo. Hoje, empregamos os conceitos como de governo das crianças ou disciplina com um significado diferente dos períodos de Herbart, num contexto de pensamento totalmente diferente. O governo das crianças não é um apelo à condução autoritária e ao enquadramento por regulamentos. O governo das crianças é, de acordo com Herbart, a parte da educação que antecede ou é um pré-requisito para a educação. Dessa forma, as crianças possuem uma vontade e não são capazes de tomar decisões refletidas e, portanto, devem ser guiadas em seus percursos para que não se prejudiquem a si ou aos outros. Uma ordem orientadora deve ser dada com o governo das crianças. Deve – como diz Herbart – não penetrar na alma da criança, isto é – para o entendimento atual – afetar a psique e, assim, levar à instabilidade mental. O instrumento do governo das crianças é a vigilância (cuidado), necessária em situações de perigos, mas não de modo permanente, porque os meninos e os jovens devem ser ousados, se quiserem se tornar homens. O termo disciplina está sobrecarregado hoje, porque o disciplinamento ou mesmo uma instituição disciplinadora (presídio, internato) podem ser derivados disso. No caso de Herbart, o termo está relacionado à moralidade (força do caráter moral), à construção do que chamaríamos hoje de uma moral autônoma estável. Por isso a exigência de uma visão compreensível de um mundo interligado, que pode ser alcançado através do interesse múltiplo, da disposição para o bem e da rejeição do mal. Portanto, é menos sobre o disciplinamento (sentido autoritário). Disciplina formativa sem conteúdo é inútil e também hoje (acredito) não tem chance.

ON: Entre muitos dos conceitos e temas de Herbart na Pedagogia Geral, são centrais o conceito de interesse múltiplo e de força do caráter moral. Você poderia falar um pouco desses conceitos e sua relevância? Em que medida são importantes hoje para a educação social e humana?

KK: Para Herbart, a moralidade (capacidade de deliberação moral) é o fim maior da educação. Isso pode ser alcançado, garantindo e desenvolvendo um interesse múltiplo e a força do caráter moral como vontade própria e esclarecida. A multiplicidade do interesse e força do caráter moral são também hoje extremamente atuais, mesmo que não se apresentem sob esses termos. Com a multiplicidade do interesse, é abordada a visão das conexões do mundo e o possível esclarecimento da localização própria nesse contexto. E com a força do caráter moral, a personalidade autêntica é abordada com valores refletidos e estáveis, que vê o bem-estar individual e o bem comum em seus relacionamentos e considera-os em suas próprias ações.

ON: Você é um membro da Sociedade Internacional de Herbart, onde você também faz parte do quadro do conselho. Você poderia nos dizer algo sobre a mesma, sua fundação e sua história? Quão internacional é essa sociedade?

KK: Em 1976 foi o 200º aniversário de Herbart. Aqui existia a seguinte questão: não deveríamos aqui em Oldenburg, recordar de algum modo o fato de que, há 200 anos, um grande filósofo e pedagogo nasceu aqui? Um pequeno grupo de representantes da Universidade, da Cidade de Oldenburg e da Fundação de História da Educação pensou um formato de evento voltado para pessoas da área e também voltado ao público em geral interessado. Estes incluíram palestras sobre temas específicos ligados a obra de Herbart, uma exposição das obras e documentos sobre a história da escola e professores, e ao final uma conferência sobre o significado atual da teoria pedagógica de Herbart. A preparação e organização da exposição foi-me atribuída. Um catálogo (KLATTENHOFF, 1976) da exposição foi publicado e as palestras foram publicadas em uma antologia (BUSCH; RAAPKE, 1976). Após esses eventos de memórias, continuei estudando Herbart de forma relativamente intensa.

Nos anos 90 do século passado, realizamos várias conferências sobre a educação de Herbart em Oldenburg. Para esse fim, convidamos colegas da antiga Alemanha Oriental, onde Herbart também era discutido e pesquisado. Em 1976, no bicentenário de Herbart, também houve eventos comemorativos na Alemanha Oriental. Já as palestras de nossas conferências foram posteriormente publicadas como volumes editados (KLATTENHOFF, 1997, 2004, 2007). Em conexão com as reuniões dos anos 90 do século passado, surgiu a ideia de fundar uma Sociedade Internacional de Herbart. A fundação ocorreu em 2001 e em 2003 obtivemos do Tribunal Distrital de Oldenburg a aprovação necessária do estatuto. Desde 2001, realizamos uma conferência a cada dois anos como a Sociedade Internacional de Herbart.43 O número de membros aumentou gradualmente com a participação internacional. Hoje, a Sociedade internacional de Herbart possui membros da Bélgica, Bulgária, China, Alemanha, França, Itália, Japão, Croácia, Polônia, Romênia, Rússia, Suíça, Eslovênia, Ucrânia e Hungria.

ON: Finalmente, o que você recomendaria para a pedagogia e para os pedagogos em relação à formação humana no contexto atual.

KK: Sempre leiam novamente Herbart! Suas declarações podem ser consideradas em todas as questões pedagógicas. A cada nova leitura se amplia o entendimento sobre o “principal fim” da educação.

Oldenburg, 26 de outubro de 2017.

REFERÊNCIAS

BUSCH, F. W.; RAAPKE, H.-D. Johann Friedrich Herbart: Leben und Wirken in den Widersprüchen seiner Zeit. Oldenburg: Neun Analysen, 1976.

GRZESIK, J. Kompetenzen für das Künftige Handel Neurologische und Psychologische Annahmen über die Von Herbart gemeinte „Aktivität des heranwachsenden Menschen überhaupt“ als Zeil der Erziehung. In: KLATTENHOFF, K. (Org.). Zum aktuelle Erbe HerbartsEin Klassiker der Pädagogik nach der Jahrtausendwender. Oldenburg: BIS - Bibliotheks- und Informationssystem der Universität Oldenburg, 2004. v. 12, p. 13-60.

KEHRBACH, K.; FLÜGE, O.; FRITZSCH, T. (Org.). Johann Friedrich Herbart’s sämtliche Werke in chronologische Reihenfolge. Langensalza: Hermann Beyer & Söhne, 1887. v. 1-19.

KLATTENHOFF, K. Beiträge zu schulpädagogischen Grundsätsen Johann Friedrich Herbarts. Oldenburg: BIS - Bibliotheks- und Informationssystem der Universität Oldenburg, 2007. v. 13.

KLATTENHOFF, K. Herbart-Schulen-Lehrer: Dokumente über Johann Friedrich Herbart und zur Geschichte des Oldenburger Schulwesens. Oldenburg: Verlag Isensee, 1976.

KLATTENHOFF, K. “Knaben müssen gewagt werden”: Johann Friedrich Herbart gestern und heute. Oldenburg: BIS - Bibliotheks- und Informationssystem der Universität Oldenburg, 1997. v. 7.

KLATTENHOFF, K. Zum aktuellen Erbe Herbarts: ein Klassiker der Pädagogik nach der Jahrtausendwende. Oldenburg: BIS - Bibliotheks- und Informationssystem der Universität Oldenburg, 2004. v. 12.

MORO, N. Der musikalische Herbart: Harmonie und Kontrapunk als Gegestände der Psicologie und der Ästhetik. Würzburg: Königshausen & Neumann, 2006.

Recebida em: 04 de maio de 2018

Aceita em: 06 de agosto de 2018

Endereço para correspondência: Rodovia SC 484, Km 02, Sala 112, 89815-899, Chapecó, Santa Catarina, Brasil; odair.neitzel@uffs.edu.br

Roteiro, Joaçaba, v. 43, n. 2, p. 815-828, maio/ago. 2018 | E-ISSN 2177-6059


1 Doutor em Educação pela Universidade de Passo Fundo – UniKassel; Mestre em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul.

2 Para saber mais sobre a Sociedade Internacional sobre Herbart, ver o link <https://www.herbart-gesellschaft.de/?url=/>.

3 Faremos uso da letra H para indicar a obra das coleções completas (1887) seguida pela numeração indicativa do volume e indicação das páginas.

4 Cidades e respectivos anos dos eventos: 2003, Oldenburg; 2005, Sint Niklaas (Belgien); 2007, Halle; 2009, Eichstätt; 2011, Warschau; 2013, Essen; 2015, Karlsruhe; 2017, Paris.