http://dx.doi.org/10.18593/r.v43i1.13177

O processo de Bolonha e a globalização da educação superior: antecedentes, implementação e repercussões no que fazer dos trabalhadores da educação

Simone Van Der Halen de Freitas11

Centro Universitário La Salle, Professora nos cursos de Psicologia e Gestão de RH 

Hildegard Susana Jung22

Centro Universitário La Salle, Professora no curso de Psicologia

BIANCHETTI, Lucídio. O processo de Bolonha e a globalização da educação superior: antecedentes, implementação e repercussões no que fazer dos trabalhadores da educação. Campinas: Mercado de Letras, 2015.

Prefaciada por Jorge Olímpio Bento, Professor e Diretor da Faculdade de Desporto da Universidade de Porto, em Portugal, a obra já inicia com um teor crítico em relação ao Processo de Bolonha, afirmando tratar-se de uma ofensa e traição à ideia e missão da Universidade. Bento ressalta a importância dessa obra, que propõe investigar por detrás das aparências e refletir de forma crítica o Processo de Bolonha, pois em seu entendimento, destrói os ideais e valores humanistas e iluministas ostentados pela denominação de Universidade, sob o rótulo da inovação e a bandeira mercadológica e neoliberal.

Ainda no prefácio, Bento questiona as reais intenções e propósitos do Processo de Bolonha, por detrás das intenções contidas na Declaração de 1999, que germinaram ameaças e transformações, como subjugar a Universidade aos interesses ultraliberais e à lógica de mercado, como a consequente perda de autonomia, proletarização dos docentes, abandono da missão humanista e da reflexão filosófica e degradação dos títulos e graus. Mediante esse viés crítico, compreende-se que o Processo de Bolonha se integra ao modelo de globalização em curso, inserindo-se no ciclo “produção-consumo-destruição”, apesar das ditas inovação e criatividade consistirem nos principais fomentos do dito modelo.

Crítico em relação à apologia da flexibilidade e mobilidade, alerta sobre o convite ao desaprender, já que não é mais importante reter e conservar nada por muito tempo. Mediante uma realidade em que o efêmero, o líquido, o superficial e volátil são a primazia, caminha-se para a produção de identidades instáveis e mutáveis ou, dito de outra forma, para a não identidade.

Finalizando, Jorge Bento refere que o Processo de Bolonha representa a traição à Universidade Moderna, instituída por Humboldt e que deixa um legado de importantes contribuições à história do pensamento e filosofia da linguagem a partir de ilustres estudantes e questiona se a Universidade modelada pelo Processo de Bolonha forma gente com um marco cultural, científico e intelectual, visto que se entregou aos interesses do mercado.

Iniciando-se a obra propriamente, Lucídio Bianchetti procura apresentar-se por intermédio do contexto e das delimitações que o levaram a essa publicação. Pedagogo da Universidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, percorreu sua trajetória acadêmica passando pela Universidade Católica do Rio de Janeiro e São Paulo, Universidade do Porto, em Portugal, tendo atuado como professor e coordenador na Universidade Federal de Santa Catarina. Compõe, ainda, a sua carreira, a participação como membro na Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (Anped) e no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tendo diversas obras e artigos publicados.

O autor apresenta sua trajetória como pesquisador e refere que seu foco de investigação recai sobre como a Capes vem implementando o processo avaliativo/ regulador de financiamento da pós-graduação stricto sensu no Brasil. Para tal, retoma a década de 1990, percorrendo as mudanças que ocorreram na história da pós-graduação (PG) no País, abordando a “quebra de paradigma” que leva à modificação da cultura de PG no Brasil, enfatizando a produtividade em relação à publicação, eventos e formação de professores a partir do início dos anos 2000. Bianchetti investe em projetos de investigação sobre a mudança de cultura dos programas de pós-graduação brasileiros, passando do paradigma de formação de professores ao da formação de investigadores com enfoque na produtividade e incremento da competitividade. Por ocasião de seu projeto de pós-doutorado, realizado na Universidade do Porto, em Portugal, passa a investir em uma investigação sobre as aproximações entre as exigências do modelo Capes e o Processo de Bolonha. Em ambos é possível demarcar diversos pontos de aproximação, como a imposição de um modelo de avaliação, novas formas de financiamento e controle, forte poder indutivo, colocando em questão os princípios centrais da atuação da Universidade: sua autonomia.

Essa obra se apoia, especificamente, em alguns aspectos históricos, sociais, políticos, econômicos, geográficos, culturais e educacionais do Processo de Bolonha (PB), voltando-se a um estudo introdutório e suas implicações para a universidade e para os trabalhadores da educação. O autor também busca enfocar a relação da Universidade com o mundo empresarial, em um contexto de globalização internacional e transnacionalização da Educação.

Adentrando na temática, Lucídio Bianchetti desenvolve um capítulo sobre a emergência do PB, a partir de uma visão desde o contexto político e econômico-financeiro ao contexto cultural e educacional da União Europeia (UE). Desde o pós-guerra, após a metade do século XX, cresce a percepção da perda do eurocentrismo como modelo para o mundo. Outras potências apontam para novos modelos. Buscando-se o fortalecimento e a hegemonia, instaura-se a União Europeia, formada por um bloco de países os quais compartilham um rol de normas, metas comuns no âmbito da Economia e da Política. Em meio a transformações de uma Sociedade Industrial para uma Sociedade do Conhecimento, instaura-se um ambiente propício para que governantes, ministros e empresas se mobilizem para desenvolver a grande mudança também nos campos da Educação e da Cultura. Diante das transformações no mercado de trabalho, influenciadas por formas neoliberais de governar e uma forte flexibilização do mercado de trabalho, privatizações, falta de empregos, descortina-se o pano de fundo para a emergência da Declaração de Bolonha. A proposta consiste em formar profissionais que atendam às demandas do mercado, visando ao potencial da cultura. O autor tem o cuidado de resgatar toda a cronologia dos fatos relevantes, desde a mobilização para a criação da UE até a implementação do PB, ainda em andamento, na atualidade.

A partir dos objetivos explicitados pela Declaração de Bolonha a saber, a convergência dos programas de graduação e pós-graduação, facilitar a mobilidade de estudantes e docentes, um sistema de transferência de créditos, assegurar a qualidade do ensino, a promoção da aprendizagem ao longo da vida e a promoção de um sistema europeu de universidade, o autor promove uma retrospectiva documental e, em paralelo, um olhar reflexivo e crítico em busca da análise das realidades implícitas nesse processo.

No capítulo denominado Emergência do Processo de Bolonha e a Reconstrução da Universidade Europeia encontra-se o resgate detalhado da linha do tempo referente a todas as etapas envolvidas no denominado Processo de Bolonha, mas que também pode ser chamado de declaração, pacto ou acordo, bem como os demais programas e projetos em paralelo, os quais contribuíram e influenciaram todo o processo. Em busca de resgatar a hegemonia perdida, propicia o estabelecimento da União Europeia em 1992, estabelecendo uma moeda única e diversos outros tratados entre os países que a compõem. Melhora da Economia e aumento da competividade são os focos. A partir de 1995, vários programas relacionados à escola e à universidade são lançados, visando à mobilidade, cooperação docente, empregabilidade, educação continuada, entre outras ações, preparando o terreno para a Declaração de Bolonha. O avanço do processo de integração europeia na dimensão educacional contribui para os objetivos econômicos da UE.

No capítulo seguinte, Lucídio Bianchetti procura explorar as contradições ou motivações por detrás dos objetivos explícitos do PB, assim como propõe questões para reflexão. Para o autor, o PB escrito e implementado por Ministros da Educação e Dirigentes de Instituições deixa claros a perda de autonomia da Universidade e o papel dos reitores. Termos como desregulação, flexibilização, neoliberalismo, perda de autonomia são constantes ao longo do texto, esboçando o teor crítico a que se propõe o autor. A descaracterização e o desprestígio da Universidade Pública, a precarização e a mercantilização do Ensino Superior são abordadas como as grandes consequências, não explícitas, do PB. A mudança na relação entre professor e aluno também é abordada, apontando para uma centralidade do aluno e o professor ficando a serviço dele, mas com uma condição mais próxima a de um tutor. O texto, ainda, aborda as estratégias para adesão a esse processo, como a sua expansão para outras culturas, além da internacionalização e globalização do PB, encontrando-se convergência com outros modelos que vêm sendo adotados, como no caso a proximidade com as políticas da Capes para os programas de pós-graduação no Brasil.

Como conclusão, o autor destaca duas questões: Bolonha está se globalizando? A depreciação acelerada da Universidade, o avanço da mercantilização e a privatização das Instituições poderão levar a uma nova identidade ou falta de identidade para as Universidades?

O autor se posiciona, argumentando que é inegável a quebra de paradigma que estamos vivenciando, com a construção de uma Universidade a serviço da sociedade, pragmática e utilitária. Será o fim da Universidade? Sim, de uma determinada Universidade.

Trata-se de uma obra que resgata conceitos primordiais para a discussão sobre o processo de Bolonha. Resgata toda a trajetória ao longo da linha do tempo, contextualizando os antecedentes históricos à implementação do processo de Bolonha. Recorre, também, a um rol de pesquisadores de referência para essa temática, permitindo um olhar para além da superfície e apenas dos fatos históricos. A leitura instiga a reflexão e a crítica aos pressupostos explicitados pelos documentos investigados, abrindo a discussão sobre qual é o papel da atual Universidade.

Recebido em: 24 de março de 2017

Aceito em: 09 de abril de 2017

Endereço para correspondência: Avenida Vítor Barreto, 2288, Centro, 92010-000, Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil; hildegardsjung@gmail.com

Roteiro, Joaçaba, v. 43, n. 1, p. 231-236, jan./abr. 2018 | E-ISSN 2177-6059


1 1 Mestre em Administração com ênfase em Recursos Humanos, pela Escola de Administração (EA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; doutoranda em Educação pelo Centro Universitário La Salle.

2 2 Mestre em Educação pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões de Frederico Westphalen; doutoranda em Educação pelo Centro Universitário La Salle.