http://dx.doi.org/10.18593/r.v42i2.12535

GESTÃO ESCOLAR NO CONTEXTO GERENCIALISTA: O PAPEL DO DIRETOR ESCOLAR

SCHOOL MANAGEMENT IN THE MANAGERIALISM CONTEXT: THE ROLE OF THE PRINCIPAL

GESTIÓN DE LA ESCUELA EN EL CONTEXTO DEL GERENCIALISMO: EL PAPEL DEL DIRECTOR DE LA ESCUELA

Juliano Mota Parente1

Universidade Estadual de Maringá (UEM), Professor do Departamento de Teoria e Prática da Educação

Resumo: Neste artigo teve-se como objetivo analisar a influência do gerencialismo na gestão das escolas públicas brasileiras, verificando-se em que medida essa nova tendência modificou a organização da escola e o trabalho do diretor. A gestão das escolas públicas no Brasil vem se modificando nas últimas décadas em decorrência da implantação de modelos gerenciais na administração pública. Foi realizada pesquisa bibliográfica sobre a gestão escolar no Brasil. A pesquisa empírica foi realizada por meio de entrevistas com diretores de escolas públicas de um município no interior de São Paulo, com o objetivo de captar informações referentes à organização da escola e ao trabalho do diretor. Os dados da pesquisa demonstraram uma grande influência do gerencialismo na gestão das escolas públicas brasileiras.

Palavras-chave: Educação. Gestão escolar. Gerencialismo. Diretor escolar.

Abstract: In this article it was aimed to analyze the influence of the managerialist in the management of Brazilian public schools, verifying to what extent this new tendency has modified the organization of the school and the work of the director. The management of public schools in Brazil has been changing in recent decades due to the implementation of management models in public administration. A bibliographic research was conducted on school management in Brazil. The empirical research was carried out through interviews with directors of public schools in the interior São Paulo, in order to obtain information regarding the organization of the school and the work of the director. The research data showed a great influence of managerialism in the management of Brazilian public schools.

Keywords: Education. School management. Managerialism. Principal.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo estudiar la influencia del gerencialismo en la gestión de las escuelas públicas brasileñas, verificando en qué medida esta nueva tendencia modifica la organización de la escuela y el trabajo del director. Una gestión de las escuelas públicas no Brasil se ha modificado en las últimas décadas en la elaboración de los modelos gerenciales en la administración pública. Fue realizada búsqueda bibliográfica sobre una gestión escolar no Brasil. Una investigación empírica fue realizada por medio de entrevistas con directores de escuelas públicas de un municipio en São Paulo con el objetivo de captar información referente a la organización de la escuela y el trabajo del director. Los datos de la investigación demuestran una gran influencia sobre el manejo de la gestión de las escuelas públicas brasileñas.

Palabras clave: Educación. Gestión escolar. Gerencialismo. Director de la escuela.

1 INTRODUÇÃO

Os estudos sobre gestão escolar no Brasil têm demonstrado com certa frequência que, a partir da década de 1980, em virtude da Reforma do Estado, a gestão das escolas públicas brasileiras vem se modificando, influenciada por políticas gerenciais, com implicações profundas na organização da escola e no trabalho do diretor (KRAWCZYK, 1999; MARQUES, 2006; HYPÓLITO, 2008).

Na maioria das vezes, esses estudos apontam para a necessidade de refletir acerca da dimensão política e econômica, demonstrando que essas duas variáveis ganharam notoriedade no contexto das políticas gerencialistas. Nesse sentido, a gestão escolar abarca elementos que se coadunam com a atual conjuntura política e econômica, reproduzindo as macropolíticas educacionais que se utilizam dos preceitos de mercado para legitimar suas ações.

No presente trabalho teve-se como objetivo analisar a influência do gerencialismo na gestão das escolas públicas brasileiras, verificando em que medida essa nova tendência modificou a organização da escola e o trabalho do diretor.

2 A INFLUÊNCIA DO GERENCIALISMO NA GESTÃO ESCOLAR

Os modelos de gestão escolar embasados na racionalidade técnico-burocrática evidenciam uma concepção de educação centralizadora, “numa visão instrumental centrada na orientação para a tarefa e na importância das estruturas organizacionais.” (LIMA, 2011, p. 23-24). Essa tendência de operacionalização da gestão induz os sistemas de ensino e as escolas a eles vinculadas a reproduzirem esse modelo de regras formais-legais e normativistas fundamentadas no gerencialismo.

Associadas a essa tendência, as instâncias educacionais centrais têm adotado uma postura de responsabilização das instituições escolares, por meio de medidas que estimulam o “ranqueamento” das escolas, mediante a avaliação de desempenho dos alunos, “consideram-se os gestores e outros membros da equipe escolar como co-responsáveis pelo nível de desempenho alcançado pela instituição.” (BROOKE, 2006, p. 378).

Os trabalhos de Gentilini (2001), Oliveira e Souza (2003) e Ferreira (2004) enfatizam a influência de uma nova cultura educacional contemporânea, a qual interfere na adoção dos modelos de gestão apropriados pelas escolas, embasados em uma perspectiva de racionalidade organizacional, tendo como foco as questões políticas e econômicas do mundo globalizado.

Krawczyk (1999, p. 112), ao investigar a gestão escolar tomando como referência 11 municípios brasileiros, refere-se ao lócus da pesquisa como um “campo minado”, sujeito a todo tipo de diversidade. Segundo a autora, as reformas educacionais brasileiras instigaram “o início de uma mudança radical na maneira de pensar e implementar a gestão dos sistemas educativos concentrada, principalmente, na instituição escolar e sua autonomia.”

A mesma autora complementa que não se deve pensar na gestão apenas como uma forma de atingir os objetivos da escola, correndo o risco de fragmentar um processo que é muito mais amplo e complexo. “Portanto, é possível pensar a gestão escolar como um espaço privilegiado de encontro entre o Estado e a sociedade civil na escola.” (KRAWCZYK, 1999, p. 117).

No que se refere à relação do diretor com a secretaria de educação, o que se verifica na prática, entre outros aspectos, é uma descontinuidade das políticas que, em decorrência da mudança de governo, não são reaproveitadas ou reformuladas de forma a se articularem às reais necessidades da escola. A escolha da proposta pedagógica ou das práticas inovadoras nem sempre é debatida no âmbito da escola, ficando concentrada no nível macro da política educacional, excluindo os atores que compõem a dimensão sociocultural da escola (TORRES; GARSKE, 2000).

Essa falta de sintonia entre os sujeitos que participam da gestão escolar promove um descompasso tanto na escola quanto no sistema de ensino, dificultando o encaminhamento de ações que poderiam servir para várias escolas, considerando que muitas delas têm problemas semelhantes e poderiam utilizar as mesmas orientações para a sua resolução. É nesse sentido que o diretor assume um papel de fundamental importância na gestão da escola. “Queremos chamar a atenção para o importante papel articulador da gestão escolar entre as metas e os delineamentos político-educacionais e sua concretização na atividade escolar.” (KRAWCZYK, 1999, p. 117).

A articulação entre a escola e o órgão gestor local depende da disposição de ambas as partes em promover um diálogo constante e uma troca de informações, bem como da capacidade de negociação e habilidade pessoal tanto do diretor quanto do secretário de educação. Podemos dizer, em âmbito geral, que a gestão escolar se fundamenta na manutenção da relação entre a escola e o órgão gestor. “Portanto, é possível pensar a gestão escolar como um espaço privilegiado de encontro entre o Estado e a sociedade civil na escola.” (KRAWCZYK, 1999, p. 117).

Como essa relação se materializa por meio de aspectos muito particulares, seria imprudente estabelecer um parâmetro de comparação entre a gestão das escolas brasileiras, considerando-se os regionalismos e as especificidades comuns aos países com dimensões continentais, como é o caso do Brasil. Porém, as pesquisas sobre gestão escolar apontam uma forte influência das políticas de gestão desencadeadas pelos órgãos centrais “no contexto da reestruturação produtiva capitalista e das orientações políticas, econômicas e educacionais de inspiração neoliberal.” (FONSECA; OLIVEIRA, 2009, p. 234). Nesse sentido, verificamos que, muitas vezes, o diretor submete-se a um modelo de gestão voltado a interesses políticos, manipulando ações que não corroboram o desenvolvimento da escola e o alcance dos seus objetivos.

Essa relação de dependência entre o diretor e a instância superior, muitas vezes, limita o processo organizacional da escola, dificultando o trabalho do diretor e o seu poder de decisão. Isso demonstra que a “gestão escolar não se esgota no âmbito da escola. Ela está estreitamente vinculada à gestão do sistema educativo” (KRAWCZYK, 1999, p. 118), reforçando a hipótese de que, apesar da aparente autonomia da escola, o trabalho do diretor ainda está fortemente atrelado aos mecanismos de controle do Poder Público, pautados nos interesses políticos locais e na manutenção do poder como forma de enfraquecimento e desvalorização da escola.

No que se refere às formas de implementação de políticas relacionadas à gestão escolar, Gracindo (2009, p. 2) destaca duas vertentes que são verificadas com frequência no atual panorama brasileiro: “uma, que reflete a visão predominantemente econômica da gestão e, outra, que revela a supremacia da visão socioantropológica dessa prática.” A primeira conotação resgata o ideário “neotecnicista”, que se embasa no modelo de escola mercantilista, no qual o diretor assume a função de “gerente”, desempenhando um papel meramente burocrático e operacional. A visão socioantropológica tem seu foco no processo educacional, considerando os sujeitos envolvidos em uma concepção de gestão democrática da escola. Segundo a autora, a concepção socioantropológica favorece a implantação de uma gestão democrática, pois “desvelam-se as dimensões política e pedagógica da gestão escolar, intrinsecamente ligadas à prática educativa e com um forte compromisso com a transformação social.” (GRACINDO, 2009, p. 2).

Segundo Wittmann (2000, p. 89), é preciso promover uma mudança na perspectiva da gestão escolar, pois “vivemos em tempos de novas rupturas e de novas configurações”, que mudam radicalmente o cenário da gestão da escola e do diretor por meio do aumento progressivo das suas demandas de trabalho. O autor complementa que não basta melhorar ou reformular o que já existe, mas é necessário desencadear novos processos que possibilitem a abertura para a apropriação de novas práticas educativas, mais condizentes com o momento atual em que vivemos.

A legitimação dessas novas práticas perpassa, impreterivelmente, estrutura administrativa e os modelos organizacionais da escola que se materializam por meio dos procedimentos de gestão desencadeados pelos diretores. A estrutura administrativa da escola, geralmente, é imposta pelos órgãos centrais, demonstrando a pouca interferência do diretor nesse quesito.

A consequência desse processo é a ampliação das atribuições do diretor escolar, por meio do aumento das demandas e responsabilidades assumidas pela escola, que vem ocorrendo em um contexto de reforma da educação brasileira (OLIVEIRA, 2003). As escolas são orientadas a adequar-se a essa nova realidade, a qual se baseia em uma concepção de educação pragmática, que emerge de um cenário marcado pelo colapso do sistema público e pela crise econômica mundial. Vários autores têm discutido as implicações desse panorama na educação mundial (GÁLVEZ, 2007; ÁLVAREZ, 2003; POGGI, 2001), analisando o impacto das reformas e das políticas educacionais que vêm sendo implementadas nas instituições escolares nas últimas décadas em todo o mundo.

Em relação à ampliação das atribuições do diretor, Luck (2011) afirma que o diretor escolar tem assumido um papel cada vez mais complexo em razão de alguns fatores, como: mudança na dinâmica da escola em virtude da globalização e do desenvolvimento tecnológico; democratização da escola, por meio da ampliação do acesso e atendimento que abarque e considere as diversidades culturais; mudança no papel social da escola, a qual vem assumindo responsabilidades que eram da família e da sociedade.

Nesse sentido, verificamos uma nova configuração da escola contemporânea, alicerçada nos pressupostos de racionalidade técnico-burocrática, imputando ao diretor novas atribuições relacionadas ao novo contexto em que a escola se insere. Corroborando essa lógica, os documentos internacionais norteadores de políticas relacionadas à gestão pública são elaborados a partir de um novo paradigma, deixando transparecer a tendência à adoção de modelos de gestão gerencialistas. “No rol das tarefas do gestor educacional publicados em documentos oficiais e reproduzidos pela mídia ficam explícitas as ênfases nos aspectos gerenciais.” (SHIROMA, 2006, p. 9).

A Organisation for Economic Cooperation and Development (OECD), instituição internacional que congrega os 34 países mais ricos do mundo, discute o desenvolvimento econômico por meio da produtividade e dos fluxos globais do comércio e de investimentos. Nos relatórios elaborados pela instituição, oriundos dos fóruns realizados entre os países membros, percebe-se claramente as marcas da incorporação dos preceitos gerencialistas na gestão pública, como forma de vincular o desenvolvimento econômico à qualidade de vida da população. “Atenção mais focada nos resultados, em termos de eficiência, eficácia e qualidade dos serviços [...]; criação de ambientes competitivos dentro e entre as organizações do setor público [...]; maior ênfase na eficiência dos serviços prestados” (ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT, 1995).

Da mesma forma, os documentos de orientação aos diretores das escolas brasileiras também seguem essa tendência mundial, estimulando que a escola introduza mecanismos de modernização baseados em políticas de racionalização da educação. É nesse contexto performático que ocorre a ampliação significativa das atribuições do diretor escolar. Verificamos a ampliação das atribuições dos diretores escolares em documentos de orientação disponibilizados pelas secretarias de educação.

Os estudos sobre o diretor escolar confirmam o aumento e a complexificação das atribuições requeridas pelo gestor escolar. Castro (2000) desenvolveu uma pesquisa na qual analisa as práticas cotidianas dos diretores de escolas municipais do Estado do Rio Grande do Sul, registrando o aumento excessivo de atribuições e relações inerentes ao cargo de gestor escolar. “Sua realidade de trabalho é bastante complexa, pois ela se desdobra na dimensão de uma ação individual da diretora no coletivo da escola inserido num contexto sócio-educacional mais amplo.” (CASTRO, 2000, p. 72).

A autora identifica na sua pesquisa a amplitude de correlações associadas à gestão escolar, sob a responsabilidade do diretor, e os seus desdobramentos no que se refere às relações institucionais, relações pessoais, planejamento, articulações, conhecimentos específicos, entre outros.

Em relação aos modelos organizacionais adotados pela escola, Lima (2011) analisa as diversas concepções de organização escolar, utilizando uma abordagem sociológica, enfatizando a influência do Poder Público na configuração da escola e os caminhos que ela tem seguido no desenvolvimento de suas ações. O autor faz referência a dois modelos organizacionais da escola: os modelos como construção teórica e os modelos como configuração socialmente construída ou em construção. Os modelos como construção teórica servem como referenciais analíticos conceituais, que, explícita ou implicitamente, dão embasamento à elaboração dos modelos e à orientação das ações administrativas. Já os modelos como configuração socialmente construída ou em construção consideram o contexto de racionalidade das instituições escolares, em uma abordagem normativista com caráter formal e técnico-burocrático (LIMA, 2011).

A partir dessa concepção dos modelos organizacionais da escola, verificamos o dualismo teoria-prática que se constitui no arcabouço institucional que norteia a ação do diretor. A construção do modelo de organização da escola é regida, portanto, pelo embasamento teórico-conceitual disponibilizado por meio de estudos e pesquisas realizados no meio acadêmico, vivenciados pelos gestores mediante formação específica e sintonia estabelecida entre o diretor e a secretaria de educação, na medida em que ambos, em regime de colaboração, deveriam planejar o formato de organização da escola.

Nesse contexto, reforçamos a necessidade de compreender como a educação brasileira se organiza a partir de uma dualidade teórico-prática. Por um lado, a parte teórica se estabelece por meio das discussões relativas à incorporação de modelos de gestão baseados na administração empresarial e à mudança paradigmática embasada na crítica aos modelos de gestão utilizados atualmente, por não atenderem às necessidades da escola, visto que são originários de empresas que têm como objetivo o lucro. Por outro lado, a parte prática confronta a perspectiva de implantação da gestão democrática nas escolas públicas em um sistema de educação com características tecnicistas que se legitima a partir de políticas gerencialistas de gestão educacional.

Retomando os modelos organizacionais da escola pública descritos por Lima (2011), verificamos que o dualismo teoria-prática na gestão da educação se constitui em um campo em construção. Primeiro porque o referencial teórico que embasa a administração escolar não acompanhou o desenvolvimento da sociedade e as transformações ocorridas no âmbito da escola, necessitando de modelos de gestão mais adequados à nova realidade. Segundo porque as políticas formuladas a partir desse referencial teórico também necessitam de reformulação, gerando práticas igualmente obsoletas. E, por fim, a própria concepção de educação foi ampliada e modificada, abarcando novos paradigmas e abordagens que questionam os métodos e práticas utilizados nas instituições escolares de hoje.

No que se refere às concepções de organização da escola e aos modelos de gestão, Libâneo (2004) destaca que existem duas concepções antagônicas relacionadas à finalidade social e política da escola: a científico-racional e a sociocrítica. Para o autor, a concepção científico-racional baseia-se na burocracia e no tecnicismo, ao passo que na sociocrítica “A organização escolar é concebida como um sistema que agrega pessoas, destacando-se o caráter intencional de suas ações, a importância das interações sociais no seio do grupo e as relações da escola com um contexto sociocultural e político.” (LIBÂNEO, 2004, p. 120).

A partir dessa concepção, Libâneo (2004) identifica quatro modelos de gestão que podem ser encontrados nas escolas brasileiras, descritos no Quadro 1.

Quadro 1 – Modelos de gestão escolar

Modelos de gestão

Ênfase

Características

Técnico-científico

Hierarquia de cargos e funções;

Racionalidade do trabalho;

Eficiência dos serviços escolares.

Divisão técnica do trabalho;

Poder centralizado no diretor;

Administração regulada.

Autogestionário

Responsabilidade coletiva;

Ausência de direção centralizada;

Participação igualitária.

Gestão social;

Decisões coletivas;

Auto-organização.

Interpretativo

Gestão de significados subjetivos;

A escola como uma realidade social;

Interação entre pessoas.

Baseado em valores;

Ação organizadora;

Práticas compartilhadas.

Democrático-participativo

Baseado na relação orgânica;

Forma coletiva de tomada de decisão;

Busca por objetivos comuns.

Articulação entre atividade e direção;

Participação de todos no processo de gestão;

Acompanhamento e avaliação sistemáticos.

Fonte: adaptado de Libâneo (2004).

Com base nos modelos apresentados no Quadro 1, podemos inferir que o modelo de gestão técnico-científico retratado pelo autor, apresenta características similares ao atual modelo gerencialista, destacando-se que a diretriz que embasa os dois modelos é a mesma: a burocracia.

Buscando atender a essas novas demandas, as discussões acerca da gestão da educação nos últimos 10 anos concentram-se na busca por “novos modelos de gestão das escolas“, menos tecnicistas e burocráticos que os atuais, permitindo maior flexibilidade e autonomia às escolas, mais condizente com a perspectiva de gestão democrática estabelecida pela legislação em vigor. “[...] entendo que se torna indispensável problematizar esta questão, desafiar a noção de ‘modelo organizacional’ na sua aparente unidade e singularidade, desconstruí-la a partir de uma focalização que privilegie o estudo da ação.” (LIMA, 2011, p. 106, grifo do autor).

O problema é que pouco se avançou na construção de novos modelos de gestão, seja pela estrutura institucional arraigada que inibe o surgimento de novas propostas, seja pela dificuldade em modificar o pensamento coletivo. Não se trata apenas de uma mudança terminológica, é necessário abandonar velhos conceitos de produção e reprodução do conhecimento, para que, revestidos do desejo de mudança, possam surgir novas concepções de educação.

Além dos modelos de gestão como construção teórica, que podem ser analíticos ou normativistas, Lima (2011) esclarece que os modelos como configuração socialmente construída se subdividem em modelos organizacionais de orientação para a ação e praticados ou em ação. Embora as duas pareçam iguais, relacionadas à ação da gestão escolar (política, administrativa e organizacional), há uma distinção analítica que as torna diferentes. Os modelos orientados para a ação se formalizam na produção de regras formais: legislação, orientações por documentos, e não formais e informais: quando são recriadas a partir de orientações formais, mas interpretadas de forma diferente, produzem novas regras. Já nos modelos praticados ou em ação as regras, formais ou não, são efetivamente atualizadas, ou seja, a prática é avaliada e reformulada quando necessário.

Quadro 2 – Análise reduzida dos modelos organizacionais da escola

Como construções teóricas

modelos analíticos;

modelos normativistas.

Como configurações socialmente construídas

orientados para a ação; praticados ou em ação.

Fonte: adaptado de Lima (2011, p. 122).

Entretanto todos esses modelos de gestão da escola são “por natureza plurais e diversificados, em graus variáveis“ (LIMA, 2011, p. 122), ou seja, dependem de uma série de condicionantes que se modificam de acordo com o contexto de cada escola. Mesmo as regras formais, que na sua essência são rígidas e inflexíveis, podem sofrer variações quando implementadas, e não são, necessariamente, as únicas responsáveis pela dinâmica da escola, nem pela sua organização.

As mudanças sociais e escolares, sendo influenciadas pelas mudanças ocorridas ao nível das decisões políticas centrais e dos modelos decretados, não seguem apenas as regras impostas por estes, nem se subordinam necessariamente aos mesmos ritmos e condições. Não basta alterar as regras formais para mudar as realidades escolares, e estas mudam, com frequência, mesmo quando as primeiras se mantém inalteradas. (LIMA, 2011, p. 124).

Conforme o autor esclarece, os modelos de gestão influenciam a organização da escola, porém esta não se limita a eles. Se isso ocorresse de forma linear e mecânica, não teríamos escolas tão diferentes em municípios que adotam o mesmo sistema de ensino e o mesmo modelo de gestão para todas elas. A forma de administrar a escola, oriunda da capacidade de gestão do diretor, amplia a “margem de autonomia relativa”, que faz da escola única e exclusiva.

Dessa forma, a base teórica da Administração Escolar passa a ter uma importância significativa ao discutir os elementos que subsidiarão a prática do diretor escolar. É necessário “concentrar o esforço teórico no desvelamento das complexas, amplas e profundas relações entre escola e sociedade” (MACHADO, 2008, p. 51), considerando não apenas os aspectos relativos à adoção de modelos de gestão, mas, sobretudo, fundamentando a organização da escola a partir das concepções de educação, das propostas pedagógicas, da escolha das metodologias, do processo de ensino e aprendizagem, da disseminação do conhecimento, entre outros.

Segundo Machado (2008, p. 50, grifo do autor),

Os estudos recentes sobre Administração Escolar têm privilegiado a abordagem da questão, sob o ponto de vista da organização do trabalho na sociedade capitalista. Assim, se constitui o tripé que dá sustentação a tal organização: dividir o trabalho; racionalizar o processo e desqualificar o trabalhador, transposto para a realidade escolar, seria o responsável pelas mazelas do ensino e de sua gestão, bem como pelo “engessamento“ da escola.

A autora esclarece que os estudos em Administração Escolar têm enfatizado a organização do trabalho e, dessa forma, desenvolvem-se a partir da lógica capitalista, tornando a escola um espaço de preparação para o mercado de trabalho, ao invés de se empenhar em desenvolver estratégias que garantam a formação integral do ser humano. Nessa perspectiva, a escola busca adequar-se à sociedade, reproduzindo um modelo de desigualdade e injustiça social, “pois a administração (escolar), em sua prática e em sua teoria, é tradicionalmente identificada como instrumento posto a serviço do segmento dominante da sociedade.” (MACHADO, 2008, p. 51, grifo nosso).

Machado (2008) complementa ao dizer que a organização do trabalho na escola, relacionada às formas de gestão a ela atribuídas, necessita de uma reflexão acerca da “materialidade da educação“, conceituando a administração escolar como um “conjunto de atividades voltado para a materialidade da Educação, criando as condições necessárias para que a ação pedagógica se realize.“ (MACHADO, 2008, p. 54).

A autora deixa claro na sua abordagem que a escola precisa romper com os modelos tradicionais que “engessaram” a educação ao longo de toda a sua história. Essa concepção tecnicista e autoritária de gestão da educação, que vigorou no Brasil até a década de 1980, foi criticada pelos autores contemporâneos da Administração da Educação, abrindo precedente para o surgimento de uma nova perspectiva de organização da educação denominada de gestão democrática que coincide com um período da história brasileira de lutas em prol de um país politicamente democrático em todas as suas esferas.

Nesse contexto de reformulação é fundamental que se estabeleçam os parâmetros que contemplarão essas mudanças, analisando de que forma elas serão implementadas, bem como quais as novas diretrizes que nortearão essa nova abordagem educacional. É preciso também colocar em pauta o que se entende por educação, qual o conceito de gestão nessa nova dimensão e quais os objetivos a serem alcançados por meio dessas medidas transformadoras.

3 PESQUISA DE CAMPO: ENTREVISTA COM DIRETORES DE ESCOLAS PÚBLICAS MUNICIPAIS

Além da pesquisa bibliográfica em que se buscou identificar o referencial teórico que embasa o presente trabalho, foi realizada uma pesquisa de campo, tendo como instrumento de coleta de dados a entrevista. A aplicação desse instrumento objetivou aprofundar algumas questões no que se refere à organização da escola e aos processos administrativos desencadeados pelo diretor. Foram entrevistados cinco diretores de escolas públicas municipais de um município no interior do Estado de São Paulo. Optou-se por visitar cinco escolas do município, que dispõe de um total de 50 escolas, por considerarmos que o percentual de 10% seria suficiente para captar a forma de organização e a atuação do diretor da unidade escolar.

As entrevistas ocorreram nas escolas, na maioria das vezes na sala do diretor ou na sala dos professores, e continham questões semiestruturadas possibilitando investigar questões centrais relativas à organização da escola, bem como permitindo-nos aprofundar aspectos que julgássemos necessários, a partir da observação da escola e do contexto da entrevista. As questões da entrevista foram elaboradas a partir de três aspectos. No primeiro grupo de questões tratamos do perfil do diretor, no segundo abordamos questões referentes à organização do trabalho e no terceiro grupo de questões enfocamos os processos de gestão e as principais dificuldades na administração da escola.

Em relação à formação inicial, identificamos que todas as diretoras entrevistadas eram pedagogas, duas delas fizeram magistério e duas são pós-graduadas. Todas as diretoras foram professoras na rede municipal, variando de nove a 26 anos de experiência docente. Das cinco diretoras entrevistadas, duas têm mais de 15 anos de experiência na gestão da escola, duas têm dois anos de experiência e uma está na gestão da escola há um ano.

Todas as escolas da rede pública municipal têm uma diretora e uma auxiliar de direção, seja EMEIs (Educação Infantil), seja EMEFs (Ensino Fundamental), independentemente do porte da escola ou do número de alunos. As escolas com maior quantidade de alunos são administradas por uma equipe gestora composta por uma diretora, duas auxiliares de direção e duas coordenadoras pedagógicas.

Tabela 1 – Quantidade de alunos e quantidade de funcionários da escola

Escola

Quantidade de alunos

Quantidade de funcionários

A

326

31

B

440

33

C

656

65

D

741

72

E

372

37

Fonte: o autor.

A Tabela 1 demonstra uma quantidade satisfatória de funcionários nas escolas, mesmo para aquelas consideradas de médio porte (com mais de 500 alunos). Na média das escolas pesquisadas, existe um funcionário para cada 10 alunos.

Podemos verificar por meio dos dados empíricos que as diretoras possuem uma vivência no magistério relativamente grande. Essa característica se justifica na medida em que o processo de escolha dos diretores no município ocorre por meio de concurso público. A exigência para os candidatos ao cargo de diretor escolar é formação em Pedagogia e experiência docente na Educação Básica de no mínimo cinco anos. Essa realidade pode ser verificada historicamente ao analisarmos o surgimento do cargo de diretor escolar, que era ocupado, inicialmente, pelo professor que tivesse maior experiência na escola (SILVA JÚNIOR, 2002).

A equipe gestora das escolas públicas municipais, composta pelo diretor, auxiliar de direção e coordenador pedagógico, articula-se na administração da escola por meio da divisão de atribuições, em que o diretor e o auxiliar se concentram nas atividades administrativas, enquanto o coordenador desenvolve as atividades pedagógicas.

Esse formato assemelha-se ao modelo de gestão utilizado nas empresas privadas, nas quais a principal característica é a divisão do trabalho, compartimentando as ações e desarticulando o processo administrativo do pedagógico. A partir do momento em que o diretor se concentra quase que exclusivamente nas questões burocráticas da escola, ele assume uma postura de executor das orientações da Secretaria de Educação, perdendo um pouco da dimensão pedagógica da escola.

Por assumir uma maior responsabilidade na escola, é o diretor que assina os documentos, preenche os formulários, realiza a prestação de contas e outros processos administrativos no âmbito da gestão escolar. Analogicamente, essa é a descrição das atribuições de um gerente em uma empresa privada, que, muitas vezes, está desvinculado da atividade-fim da empresa (venda de produtos, prestação de serviços), para se concentrar nos procedimentos burocráticos, reproduzindo a lógica da linha de produção, na qual cada um assume a responsabilidade de uma parte do processo (Fordismo).

Para Brooke (2006, p. 399), “a escola não pode ser responsabilizada por seus resultados se as secretarias não assegurarem as condições indispensáveis para um trabalho de qualidade.” Segundo o autor, o processo de descentralização da educação no Brasil assemelha-se mais ao processo de “desconcentração“, no qual a escola assume uma autonomia limitada que não lhe proporciona condições efetivas de organização e gestão.

O segundo bloco de questões refere-se à organização da escola. Em relação ao planejamento escolar, os diretores responderam que fazem um planejamento anual, em consonância às determinações da Secretaria de Educação. O planejamento é feito pela equipe gestora e, em alguns casos, com a participação dos professores, respeitando também as demandas recorrentes que tradicionalmente são incorporadas ao cotidiano das escolas.

No que se refere à organização das demandas houve um consenso de que o excesso de atribuições sobrecarrega o diretor prejudicando seu trabalho, principalmente em relação às demandas externas, que exigem que ele se ausente da escola. Apesar de haver uma alternância na administração da escola, que possibilita que a equipe gestora se articule diante das demandas que se ampliam cada vez mais, os entrevistados destacaram que o diretor assume uma carga de trabalho excessiva, tornando-se a figura central na escola, que, muitas vezes, centraliza algumas ações de maior relevância no contexto da gestão.

No quesito demandas internas e externas da escola identificamos características de modelos de gestão influenciadas pelo gerencialismo, que concentram uma sobrecarga de atribuições relativas aos processos burocráticos de gestão, prejudicando o encaminhamento das atividades escolares. O diretor, muitas vezes, precisa eleger prioridades, concentrando-se nas questões que ele julgar essenciais, pois se torna praticamente impossível integrar tantas ações que ocorrem concomitantemente no âmbito da administração da escola.

Outra questão que caracteriza a influência do gerencialismo na gestão da escola se refere ao tempo gasto com questões de ordem racional legal. A maioria dos entrevistados destaca que passa praticamente o dia todo resolvendo questões de cunho operacional, como: manutenção predial, problemas com a merenda, controle de frequência dos professores, preenchimento de relatórios, entre outros.

A existência de auxiliares e do coordenador pedagógico minimiza o problema da priorização do tempo nas atividades-meio da escola, porém cria uma situação de fragmentação na gestão, pois em alguns casos o diretor acaba se concentrando nas questões administrativas e o coordenador nas questões pedagógicas. Isso gera uma situação de desconforto, pois, conforme relato de alguns diretores, eles não se identificam com a dimensão administrativa da escola, principalmente em razão da sua formação na área de educação. Além disso, sentem-se desmotivados para desenvolver tais práticas.

Quando perguntados como é a relação da escola (e do diretor) com as instâncias locais de gestão, nesse caso, a Secretaria Municipal de Educação, as respostas foram unânimes. Todos os diretores afirmaram ter uma relação muito boa com o órgão gestor, tanto no que se refere ao assessoramento, no caso de alguma necessidade específica da escola, quanto às orientações padronizadas para todas as escolas. Alguns destacaram até certa autonomia da escola, construída em virtude de uma relação saudável que se desenvolveu ao longo dos anos.

No que se refere à avaliação da gestão, os diretores relataram que a Secretaria de Educação possui um instrumento formal de averiguação do rendimento da escola que é aplicado anualmente. Em relação à avaliação dos alunos, o município aplica os testes de avaliação em larga escala do governo federal (Prova Brasil) e do governo estadual, o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). Além disso, o município aplica o seu próprio teste de avaliação dos alunos, intercalado com o do governo estadual.

A utilização de mecanismos de avaliação em larga escala desenvolvidos pelo governo federal e estadual, bem como a elaboração de uma avaliação municipal, nos mesmos moldes das elaboradas em outras esferas públicas, deixa transparecer a preocupação da gestão local com a avaliação de desempenho dos alunos, medida por meio dos testes padronizados. Nesse sentido, há uma tendência de preparar os alunos para que obtenham bom resultados nos testes, de forma a legitimar o sucesso da escola e, no caso do município, continuar mantendo os índices elevados, denotando o sucesso na gestão escolar.

Outro elemento que demonstra a influência das esferas públicas na gestão da escola se relaciona à insuficiência no repasse dos recursos financeiros o que inviabiliza a descentralização, pois faltam condições objetivas para a sua efetivação. Estudos mostram que em 65% dos municípios brasileiros, a arrecadação total de impostos é menos de 5% da receita orçamentária municipal (PINTO; ALVES, 2011). Esse dado demonstra a incapacidade financeira municipal e a enorme dependência do repasse dos recursos da União. Isso demonstra que mais da metade dos municípios brasileiros não possui condições de romper os modelos de gestão impostos pelas instâncias centrais, ficando à mercê de políticas gerencialistas, em razão da fragilidade de seus sistemas de ensino.

Dessa forma o diretor assume um papel meramente burocrático de executor de tarefas. Ao transformar a escola em uma instituição gerencialista, o diretor reproduz um modelo tecnicista, a partir das concepções por ela impregnadas nas práticas gestoras. Conforme Shiroma (2003, p. 2), os diretores tornaram-se “agentes hierárquicos tanto do controle quanto da implementação de mudanças e são elementos cruciais a serem responsabilizados pela prestação de contas.”

Uma característica frequentemente observada nas escolas públicas brasileiras na atualidade é a preocupação com os resultados das avaliações em larga escala, que, em um contexto gerencialista, são instrumentos utilizados pelos órgãos centrais de gestão educacional para mensurar a qualidade da escola e, consequentemente, o trabalho do diretor.

Nesse sentido, destacamos o caráter indutor das políticas públicas, que estabelecem os parâmetros que devem ser utilizados como referência na avaliação da qualidade da escola. Freitas (2007) esclarece que estratégia utilizada nas avaliações em larga escala é gerencial e que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) tem sido utilizado como mecanismo regulatório com o objetivo de ranquear os sistemas de ensino.

A questão seguinte a ser considerada refere-se ao tratamento dado aos índices estatísticos de avaliação da escola, mais especificamente o IDEB. De acordo com nossas observações, nessa questão concentram-se fortes indícios da influência do gerencialismo na gestão escolar, principal argumento defendido nesse trabalho. Mais da metade dos diretores entrevistados demonstraram uma grande preocupação com os índices estatísticos como mecanismo de avaliação do desempenho da escola.

Segundo os diretores entrevistados, mesmo se tratando de dados estatísticos que nem sempre refletem o real desenvolvimento dos alunos e o rendimento da escola, pois não conseguem captar as subjetividades da escola, o IDEB tem uma força muito grande, associando-se ao fato de que se a escola não obteve bons resultados significa que ela não vai bem, e se ela não vai bem, o diretor não está cumprindo bem o seu papel.

Essa evidência retratada na entrevista com os diretores acentua a conotação de responsabilização do gestor pelo sucesso ou pelo fracasso da escola, já discutida de forma abrangente na seção 2 desse artigo, que trata do referencial teórico que embasa o gerencialismo, bem como do posicionamento dos autores que abordam a temática. Conforme estabelecem os documentos norteadores de gestão educacional da OCDE, a orientação é de “encorajar os gestores a centrarem a sua ação nos resultados.“ (ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT, 1995, p. 8).

Essa máxima também se consolida no argumento de que o gerencialismo foi incorporado à administração pública mundial, estendendo-se ao setor educacional, conforme defendem vários autores (BALL, 2005; DEEM, 1998; NEWMAN; CLARKE, 2012). Nesse sentido, a influência da concepção gerencialista na gestão da educação brasileira está intrinsecamente relacionada aos processos de gestão e às políticas desencadeadas em todas as instâncias.

Corroborando essa tendência, a questão seguinte aborda as principais dificuldades encontradas pelo diretor na gestão da escola. Segundo os diretores entrevistados, os principais problemas concentram-se no excesso de atribuições relacionadas à gestão da escola e na necessidade de privilegiar as questões administrativas em detrimento das questões pedagógicas.

Em razão da expansão das práticas de gestão embasadas no gerencialismo, o que está relacionado ao aumento na quantidade de atividades da escola, visando a um aumento no quantitativo de atendimentos, a consequência natural foi o aumento da atribuição dos diretores escolares. O diretor passa a assumir um papel de gerente que monitora todas as ações da escola.

Uma das principais ações do diretor é controlar e monitorar o desempenho dos professores. De acordo com as entrevistas realizadas nas escolas do município, essa atribuição foi pontuada como a que demanda mais tempo do trabalho do diretor. Controle da frequência, monitoramento das constantes faltas do professor às aulas são mecanismos marcadamente gerencialistas que induzem uma relação de desconfiança no trabalho do professor, atribuindo essa tarefa ao gestor escolar.

O acompanhamento dos índices estatísticos comprova novamente que os mecanismos gerencialistas influenciam profundamente a gestão da escola. O ranqueamento das escolas é frequentemente abordado pela grande mídia que busca constantemente culpados para o baixo desempenho das escolas públicas brasileiras. Vinculados a esses índices estão critérios tecnicistas de gestão, que são acompanhados com preocupação pelos diretores escolares, gerando ainda mais atribuições burocráticas, como preenchimento de dados em sistemas e consolidação de informações da escola.

Fortemente associada aos índices estatísticos, a escola cria mecanismos de estabelecimento de metas para que sejam cumpridos os objetivos gerencialistas estabelecidos pelas instâncias públicas educacionais. O respeito ao amadurecimento espontâneo do aluno, a absorção dos conhecimentos e valores disseminados por meio do processo de aprendizagem desencadeado na escola são deixados de lado, em busca de acelerar o processo e obter resultados mais eficazes em um curto espaço de tempo. O que se observa é que as escolas não estão respeitando o “tempo“ do aluno no processo de aprendizagem, em razão das demandas gerencialistas que se sobrepõem à sua formação.

A administração de projetos e a prestação de contas também contribuem para o fortalecimento do gerencialismo na escola, na medida em que ocupam grande parte do tempo do gestor com tarefas burocráticas. A necessidade de incorporar à escola vários projetos, o gerenciamento de procedimentos administrativos complexos associados a sistemas automatizados que nem sempre funcionam adequadamente e o controle de várias contas bancárias para justificar os recursos utilizados são alguns dos mecanismos que burocratizam profundamente a gestão da escola, além de ocupar um tempo excessivo do diretor, que deixa de realizar outras tarefas para cumprir prazos e apresentar documentos necessários para a regularização dos projetos desenvolvidos e implementados na escola.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inserção dos preceitos gerencialistas na gestão pública brasileira tem se efetivado por meio de políticas públicas centradas no racionalismo e na produtividade. Assim como em outros países, a adoção dessas medidas baseia-se nos princípios de mercado, influenciando as relações público-privadas e o modo de organização do Estado, que deixa de ser provedor para assumir uma postura de regulador.

Os três critérios utilizados como referência na pesquisa de campo (perfil do diretor, organização do trabalho e processos de gestão) nos possibilitaram algumas inferências. Verificamos que os diretores das escolas pesquisadas possuem uma boa formação inicial e as escolas possuem uma equipe gestora que auxilia o diretor nas atividades do cotidiano escolar. Esses dois fatores contribuem para o bom andamento das atividades, entretanto estão alinhados à lógica gerencialista.

No que se refere à organização do trabalho do gestor, novamente identificamos elementos gerencialistas, como: ampliação das atribuições, excesso de formalismo e influência das instâncias superiores. A padronização dos procedimentos em uma rede de ensino é fundamental para a consolidação do modelo gerencialista, baseada em uma relação de controle das ações e monitoramento do desempenho, fortalecendo a centralidade do poder.

Da mesma forma, o desencadeamento dos processos de gestão da escola, seguindo a tendência gerencialista, estão fundamentados na avaliação de desempenho medida por meio de índices estatísticos. A utilização desses dados como única forma de análise do desenvolvimento da escola desconsidera os elementos subjetivos de uma instituição educacional, que não conseguem ser captados por um processo tão técnico e racional.

Dessa forma, tanto no referencial teórico quanto nos dados empíricos da presente pesquisa identificamos características significativas do gerencialismo, seja como modelo de gestão, que desencadeia processos administrativos que privilegiam o racionalismo e a produtividade, seja como concepção ideológica, disseminando uma postura neoliberal que estimula a privatização da educação.

Do nosso ponto de vista, as escolas brasileiras estão inseridas nesse contexto de racionalidade educacional incorporando à escola elementos que corroboram as leis de mercado e a administração empresarial. Essa racionalidade influencia de forma negativa o cotidiano da escola, privilegiando a competição e o aumento da produtividade em detrimento do desenvolvimento integral da criança que não pode ser aferido por meio de índices estatísticos e avaliações em larga escala.

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Recebido em: 01 de novembro de 2016

Aceito em: 08 de fevereiro de 2017

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Roteiro, Joaçaba, v. 42, n. 2, p. 259-280, maio./ago. 2017 | E-ISSN 2177-6059


1 Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista; Mestre em Educação pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo.