http://dx.doi.org/10.18593/r.v42i1.11787

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E PERSPECTIVAS DIDÁTICAS NA DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA

Evandro Consaltér1

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; ODY, Leandro Carlos (Org.). Docência Universitária: pressupostos teóricos e perspectivas didáticas. 1. ed. Campinas: Mercado de Letras, 2015.

Com o contexto atual da expansão da educação superior, a discussão sobre docência universitária tem se projetado como importante temática de debate em congressos e seminários nacionais e internacionais. A importância dessa discussão perpassa não apenas por conceitos teóricos e epistemológicos, mas também por paradigmas constituídos a partir das experiências do senso comum, o que, nos dizeres de Bachelard, citando sua obra A Formação do Espírito Científico, caracterizaria-se como obstáculos epistemológicos a serem superados.

Nesse sentido, as investigações e discussões sobre essa temática, presentes no grupo de pesquisa Improvisação Docente no Contexto da Expansão da Educação Superior, com a coordenação do professor doutor Altair Alberto Fávero e desenvolvido no Programa de Mestrado e Doutorado em Educação e no Curso de Filosofia da Universidade de Passo Fundo, originaram o livro Docência universitária: pressupostos teóricos e perspectivas didáticas, publicado pela Editora Mercado de Letras em outubro de 2015. Além de participantes diretos do grupo, também se somam à obra outros colaboradores, de outras instituições nacionais e internacionais. A organização da coletânea é de competência dos professores Altair Alberto Fávero, Carina Tonieto e Leandro Carlos Ody.

Dividida em 13 capítulos, com a coletânea teve-se o objetivo de socializar e fomentar reflexões para que a docência universitária se torne cada vez mais objeto de estudo, pesquisa e teorização. O primeiro capítulo é intitulado Criatividade não é improvisação: crítica a uma concepção equivocada de docência universitária. A autoria é dos também organizadores da coletânea Altair Alberto Fávero e Carina Tonieto. O texto versa sobre a relação entre improvisação e criatividade, fazendo uma crítica a uma concepção equivocada de docência universitária alicerçada na espontaneidade da improvisação.

Conforme os autores, as práticas pedagógicas conduzidas a partir desse viés sucumbem diante da necessidade de potencialização da criatividade e da inovação, visto serem resultado de um longo e exaustivo processo de formação e não de um planejamento teórico e metodológico fundamentado em sólidas epistemologias da docência universitária. Dessa forma entendida, a improvisação assume mais o caráter depreciativo, limitador, do que cooperador para uma boa prática pedagógica.

O segundo capítulo recebe o nome de La docencia universitaria socialmente responsable desde la práctica educativa emancipadora. Sua autoria é do professor mexicano Edgar Flores Gómez, sociólogo e investigador da Universidade Autônoma Metropolitana. O texto aborda a docência universitária como uma atividade pela qual transcorre o labor do humanismo e da solidariedade. Conforme o autor, essa compreensão se mostraria adequada para encarar um cenário social desolador e decorrente das injustiças e desigualdades sociais. Além disso, a docência universitária assumida de tal forma poderia potencializar-se como uma oportunidade de mudança e renovação social, diminuindo as injustiças e ampliando as oportunidades.

No terceiro capítulo da coletânea, os também organizadores da obra, Altair Alberto Fávero e Leandro Carlos Ody contribuem com o texto intitulado Os (des)caminhos da formação do docente pesquisador no ensino superior: mitos e possibilidades. O objetivo com o estudo foi problematizar as mitificações que perpassam a relação entre ensino e pesquisa no exercício da docência universitária.

Conforme os autores, o ensino e a pesquisa são campos que se complementam; todavia, a efetivação dessa tese depende de um cuidadoso processo de formação do docente pesquisador e da transformação da docência em objeto de estudo. Além disso, atestam que a prática docente é potencializada quando não se dissocia ensino e pesquisa. Por fim, concluem que se o ensino universitário tem a pretensão de produzir conhecimento, mais do que simplesmente reproduzi-lo, deve ser pela pesquisa e pelo entusiasmo do conhecer que acontece a qualificação do ensino.

O quarto capítulo do livro tem a autoria das professoras Daniele Simões Borges, Gionara Tauchen e Neusiane Chaves de Souza. Recebe o título de A inovação no ensino universitário e aborda a ruptura com o paradigma dominante e a reforma do pensamento como os maiores desafios para a mudança do ensino na educação superior. O conjunto de reflexões sobre as possibilidades de se concretizar um ensino realmente inovador permite concluir que os princípios para que se alcance essa proposta se fundamentam, essencialmente, na interação e religação, no planejamento, na ação estratégica e na auto-hetero-avaliação.

Ao chegarmos ao quinto capítulo, deparamo-nos com o texto Os caminhos da docência na educação superior: da mercantilização à acreditação, de autoria de Carmen Lucia Albrecht da Silveira e Tais Maiara Loss Loehder. As autoras tecem uma análise acerca das interferências das políticas mercantilistas inferidas pelo processo de internacionalização econômica da globalização. Além disso, também apontam a necessidade de reflexões sobre a democratização do conhecimento. Por fim, as autoras fazem suas críticas ao processo indutor e mercadológico da educação superior centrada no viés da acreditação em detrimento de uma formação universitária com foco na real aprendizagem do acadêmico e sua formação profissional e humanística.

O sexto capítulo da obra recebe o título de A formação estética para a construção do sensível na docência universitária. A autoria é de Carina Copatti e Débora Oliveira. As autoras partem do pressuposto da necessidade de o ser humano humanizar-se para se constituir integralmente. A partir de tal consideração, abordam a educação estética no contexto moderno e pós-moderno, considerando as atuais definições e as contribuições para a formação humana. Além disso, vislumbram a construção de atitude estética diante dos desafios da educação contemporânea. Por fim, as autoras fazem o apontamento da importância de a educação estética estar presente na formação do professor universitário, a fim de possibilitar que esse profissional possa ampliar suas percepções em torno de uma educação diferenciada, que contemple, compreenda e respeite todas as subjetividades humanas.

Integrando o sétimo capítulo dessa importante obra sobre docência universitária, o texto da professora Renata Confortin, intitulado Transitando entre saberes e não saberes da docência no ensino superior, denuncia por meio de relatos de alunos de cursos de graduação o distanciamento entre teoria e prática no fazer pedagógico de docentes universitários. Para a autora, esse cenário externaliza a necessidade da formação continuada dos professores, amparada em momentos processuais, sistematizados e pontuais de reflexão sobre e na prática. Dessa forma, conclui Confortin, seria possível exercer a docência universitária de forma responsável e reflexiva, alinhada às demandas da sociedade contemporânea, complexa e cambiante.

Com o título Autoavaliação e o desenvolvimento profissional do docente universitário, o oitavo capítulo da coletânea tem autoria de Altair Alberto Fávero, Maria Dinorá Baccin Castelli e Marta Marques. O texto aborda os alcances da autoavaliação no processo de desenvolvimento do trabalho docente dos professores universitários. Os autores evidenciam, por meio dos dados bibliográficos analisados, que a autoavaliação, assim como pode assumir um papel formativo altamente importante, também, dependendo da sua condução, pode revelar-se um processo, muitas vezes, problemático. O caminho apontado pelos autores para a apropriada condução da autoavaliação do professor universitário perpassa pela problematização da formação da identidade docente no contexto da expansão do ensino superior.

Por sua vez, o nono capítulo é intitulado Laboratório didático universitário: compreendendo sua importância no contexto dos cursos de formação de professores na área das ciências da natureza. O texto de autoria de Neuziane Chaves de Souza, Daniele Simões Borges e Gionara Tauchen apresenta de que forma um laboratório didático de ciências é utilizado no contexto de formação de professores de ciências da natureza. Por meio de uma análise da relação entre as diferenças e semelhanças da experimentação científica e didática, as autoras apontam o laboratório didático como um espaço propício e dinâmico para aprendizagens. Além disso, o espaço potencializa a produção de concepções científicas sobre a natureza do conhecimento.

O décimo capítulo tem autoria de Eliara Zavieruka Levinski, Carina Tramontina Correa e Miriam Mattos, o qual recebe o título de Docência Universitária: o planejamento da disciplina e a organização da aula. A discussão que perpassa o estudo tangencia sobre a importância do planejamento e a organização da aula diante da necessidade de conciliamento entre legislação, normas institucionais, questões curriculares e expectativas acadêmicas. Nesse sentido, além de apresentar princípios norteadores do planejamento de ensino na educação superior, as autoras também apontam que o planejamento docente pautado em referenciais pedagógicos pode fortalecer e qualificar o processo de ensino-aprendizagem, contribuindo para a intervenção de perspectivas inovadoras na transversalização do currículo acadêmico.

A discussão sobre a educação superior no contexto global e local, bem como alguns desafios do cotidiano acadêmico centrado na interdisciplinaridade são o foco de abordagem do décimo primeiro capítulo. Com o título A educação superior e a pedagogia universitária, as autoras Eliara Zavieruka Levinski e Luciane Spagnol Bordin apresentam uma discussão acerca da representatividade do Projeto Pedagógico Institucional e dos Cursos de Formação Continuada da uma universidade comunitária dentro dessa perspectiva investigativa e formativa. Ao concluir o capítulo, as autoras apresentam alguns avanços e desafios da docência universitária, contribuindo reflexivamente para a discussão sobre docência no ensino superior nas universidades comunitárias.

Por sua vez, o décimo segundo capítulo recebe o título de A influência do gestor na gestão da formação do professor universitário na percepção de gestores/diretores de uma universidade no norte do Estado do Rio Grande do Sul. O texto é de autoria de Jenifer de Brum Palmeiras, Rosani Sgari e Carlos Leonardo Sgari Szilagyi e aborda os diferentes olhares e percepções dos gestores/diretores na universidade objeto do estudo e a sua relação com a formação do professor da educação superior. Os resultados apresentados pelos autores apontam que a influência do gestor/diretor na formação do professor universitário perpassa por três diferentes âmbitos: o dos conhecimentos, o das habilidades e o das atitudes. Por fim, os autores concluem indicando a necessidade de estudos profundos das organizações complexas e instituições sociais no contexto da gestão universitária. A partir dessa compreensão, seria possível reinventar, ressignificar e qualificar a universidade.

Por fim, o último capítulo da coletânea, Um projeto coletivo em permanente construção: formação docente, das autoras Neusa Maria Henriques Rocha, Cristina Fiorenze, Daniela de David Araújo, Maristela Piva e Rosane Rigo De Marco, apresenta uma discussão reflexiva sobre a concepção e a prática da formação docente na educação superior. As autoras tomam como ponto de partida o Programa de Formação Docente desenvolvido durante a gestão da Vice-Reitoria de Graduação da Universidade de Passo Fundo entre os anos 2010 e 2014. Inicialmente, são apresentados os resultados do Programa a partir das avaliações dos professores e gestores que participaram do processo. Em seguida, as autoras discutem sobre os dados levantados considerando os desafios à qualificação da atividade docente e à formação continuada do professor de ensino superior. Por fim, concluem que o processo de formação constituído coletivamente a partir do cotidiano acadêmico não apenas contribui para a reflexão sobre a dinâmica de sala de aula e sobre as competências e habilidades do gestor, mas também incentiva o protagonismo do professor/gestor no desenvolvimento de suas atividades de forma mais humanizada, potencializando as relações interpessoais e a coletividade.

Dessa forma, ao analisarmos o conjunto da obra Docência universitária: pressupostos teóricos e perspectivas didáticas, concluímos tratar-se de uma importante e significativa coletânea, tanto pela densidade das temáticas abordadas nos capítulos quanto pelo qualificado plantel de autores, de diferentes áreas e instituições de ensino superior. Essa heterogeneidade contribui para a qualificação da discussão proposta pela obra, assegurando sua pluralidade e, ao mesmo tempo, mantendo a coerência discursiva elencada como matriz reflexiva para o desfecho da coletânea.

Além disso, no contexto atual de expansão da educação superior, a obra configura-se uma leitura obrigatória para professores e gestores da educação superior que buscam aprimorar e qualificar suas práticas e, consequentemente, melhorar a qualidade do ensino oferecido por suas instituições. No mesmo sentido, a seleção dos textos também propicia que professores universitários reflitam sobre a necessidade de construção de uma identidade profissional, de formação continuada e da devida relação entre teoria e prática no fazer pedagógico.

Roteiro, Joaçaba, v. 42, n. 1, p. 173-178, jan./abr. 2017 | E-ISSN 2177-6059


1 Especialista em Estratégias de Aprendizagem pela Faculdade da Associação Brasiliense de Educação; Mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Passo Fundo (Bolsista Capes) na linha de pesquisa Políticas Educacionais.