http://dx.doi.org/10.18593/r.v42i3.10722

INDÍCIOS DO CIVISMO NA CULTURA DO GRUPO ESCOLAR COSTA CARNEIRO: O JORNAL O ESTUDANTE ORLEANENSE (1949-1973)

CIVISM CULTURE IN GRUPO ESCOLAR COSTA CARNEIRO: THE NEWSPAPER O ESTUDANTE ORLEANENSE (1949-1973)

CIVILIDAD EN LA CULTURA GRUPO ESCOLAR COSTA CARNEIRO: EL DIARIO O ESTUDANTE ORLEANENSE (1949-1973)

Giani Rabelo1

Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), Professora do Programa de Pós-graduação em Educação, Professora do Curso de Pedagogia

Vanessa Massiroli2

Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), Membro do Grupo de Pesquisa História e Memória da Educação (GRUPEHME)

Resumo: Este artigo é resultado de uma pesquisa realizada no campo da História da Educação, em que se teve como objetivo analisar os ideais de civismo disseminados por meio do jornal O Estudante Orleanense, e que fizeram parte da cultura do Grupo Escolar Costa Carneiro (Orleans, SC) entre os anos 1949 e 1973. De modo específico, buscou-se demonstrar de que forma esse civismo foi divulgado antes e durante a Ditadura Civil-Militar. Os resultados demonstraram que a produção do jornal resistiu a diversas reformas políticas, reproduzindo em suas páginas ações e intenções que colaboravam para a formação de cidadãos patriotas, sendo um instrumento importante no processo de construção da cultura escolar do educandário.

Palavras-chave: Jornal escolar. Civismo. Associações Auxiliares da Escola. Cultura escolar.

Abstract: This article is the result of an investigation of History of Education that aimed to analyze the civism published in the newspaper O Estudante Orleanense owned by Grupo Escolar Costa Carneiro (Orleans, SC) between the years 1949 to 1973. The objectives demonstrate how civism was released before and during the Military Dictatorship. The results demonstrated that the newspaper resisted several political reforms, reproducing the actions and intentions that collaborated to form patriotic citizens. The newspaper was an important tool for the construction of school culture Grupo Escolar Costa Carneiro.

Keywords: Official school. Civism. School Auxiliary Associations. School culture.

Resumen: Este artículo es el resultado de una investigación de la Historia de la Educación que se há tenido como objetivo analizar el civismo publicado em el diario El Estudiante Orleanense, propiedad de Grupo Escolar Costa Carneiro (Orleans, SC) entre los años 1949 a 1973. El objetivo es demostrar cómo lo civismo se publicó antes y durante la Dictadura Militar. Los resultados mostraron que el periódico resistió varias reformas políticas, la reproducción de la sacciones e intenciones que colaboraron para formar ciudadanos patriotas. El periódico es una herramienta importante para la construcción de la cultura de lo Grupo Escolar Costa Carneiro.

Palabras clave: Escuela oficial. Civismo. Asociaciones de Auxiliares Escolares. Cultura escolar.

1 INTRODUÇÃO

Nesta pesquisa desenvolvida no campo da História da Educação buscou-se analisar os ideais de civismo disseminados por meio do jornal O Estudante Orleanense na cultura do Grupo Escolar Costa Carneiro (Orleans, SC) entre os anos 1949 e 1973. De modo mais específico, buscou-se demonstrar de que forma esse civismo foi disseminado antes e durante a Ditadura Civil-Militar.

Os jornais escolares foram acionados por meio de um conjunto de práticas educativas instituídas no Estado de Santa Catarina e que se convencionou chamar de Associações Auxiliares da Escola (AAEs). Essas associações eram asseguradas pela legislação estadual em cumprimento às diretrizes traçadas nos planos nacionais (OTTO, 2012). De acordo com a legislação publicada na década de 1940, foram instituídas 14 distintas associações, nomeadas da seguinte forma: Liga Pró-Língua Nacional, Biblioteca Escolar, Jornal Escolar, Clube Agrícola, Círculo de Pais e Professores, Museu Escolar, Centros de Interesse, Liga da Bondade, Clube de Leitura, Pelotão de Saúde Orfeão Escolar, Sopa Escolar, Cooperativa Escolar e Caixa Escolar (SANTA CATARINA, 1945a; SANTA CATARINA, 1944b; SANTA CATARINA, 1946a).

As fontes para a pesquisa foram acessadas por meio do Centro de Memória da Educação do Sul de Santa Catarina (CEMESSC),3 implantado em meio virtual pelos membros do Grupo de Pesquisa História da Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense (GRUPEHME/UNESC). O CEMESSC contém uma base de dados digital, disponível em meio virtual, que salvaguarda o patrimônio documental de 27 escolas estaduais da região Sul de Santa Catarina, disponibilizando inúmeras fontes para pesquisas.

Primeiramente, foram analisadas as legislações federal e estadual da década de 1940, que instituiam as AAEs enquanto práticas educativas. Nesse momento, buscou-se entender no discurso da lei quais eram as regulamentações destinadas à escola para o funcionamento das AAEs, bem como do Jornal Escolar. Importante ressaltar que essas fontes foram disponibilizadas pelo acervo do GRUPEHME.

Em seguida, foram coletados na página do CEMESSC os exemplares do jornal O Estudante Orleanense, os quais totalizaram 57 unidades datadas de 1951 a 1973. Em seguida, esse material foi analisado de modo a perceber: conteúdos relacionados ao civismo, período de produção dos jornais, técnica utilizada para confecção, edições e nome atribuído ao jornal e ao órgão emissor.

Por último, o livro de atas da Associação foi analisado objetivando o entendimento acerca da dinâmica de organização do jornal pelos membros de sua diretoria. Esse documento data de 1949 a 1972, e foi acessado, também, por meio do CEMESSC.

No cruzamento entre essas fontes, assim como com o referencial teórico, buscou-se compreender a contribuição que o Jornal trouxe para a cultura escolar do educandário pesquisado, mais especificamente no que se refere aos ideais de civismo que se pretendiam propagar no seu cotidiano, antes e durante a Ditadura Civil-Militar.

2 AS ASSOCIAÇÕES AUXILIARES DA ESCOLA NO BRASIL E EM SANTA CATARINA

O jornal escolar O Estudante Orleanense, objeto deste estudo, foi acionado por meio de um conjunto de práticas educativas instituídas no Estado de Santa Catarina, e que se convencionou chamar de Associações Auxiliares da Escola (AAEs).4 Essas associações foram práticas escolares instituídas pela legislação educacional do Estado de Santa Catarina em cumprimento às diretrizes traçadas nos planos nacionais (OTTO, 2012). De acordo com a legislação publicada na década de 1940, foram instituídas 14 associações, com as seguintes denominações: Liga Pró-Língua Nacional, Biblioteca Escolar, Jornal Escolar, Clube Agrícola, Círculo de Pais e Professores, Museu Escolar, Centros de Interesse, Liga da Bondade, Clube de Leitura, Pelotão de Saúde Orfeão Escolar, Sopa Escolar, Cooperativa Escolar e Caixa Escolar5 (SANTA CATARINA, 1945a; SANTA CATARINA, 1944b; SANTA CATARINA, 1946a).

Essas associações podem ser definidas como um conjunto de pequenas organizações que existiam no interior das instituições de ensino públicas e particulares, principalmente no ensino primário. Eram integradas e dirigidas por alunos de diferentes séries, sob a orientação de um professor responsável (OTTO, 2012). Seu propósito era estimular uma formação visando à socialização, moralização e civilização dos estudantes por meio de atividades práticas condizentes aos mecanismos da vida em sociedade (PETRY, 2013).

Enquanto prática educativa, essas associações ajudaram a construir e fizeram parte da cultura escolar de muitas escolas. Por cultura escolar, Viñao Frago (2002) entende que esta seja formada por um conjunto de maneiras de fazer e pensar que, ao longo do tempo, torna-se arbitrariedade e passa a ser compartilhado e legitimado entre seus atores no interior das instituições educativas. Nas palavras do autor:

La cultura escolar [...] estaría constituida por un conjunto de teorías, ideas, principios, normas, pautas, rituales, inercias, hábitos, y práticas (formas de hacer e pensar, mentalidades y comportamientos) sedimentadas a lo largo del tiempo em forma de tradiciones, regularidades y reglas de juego no puestas em entredicho, y compartidas por sus actores, em el seno de las instituciones educativas. (VIÑAO FRAGO, 2002, p. 73).

Essa cultura escolar foi em algum sentido afetada por um conjunto de normatizações criado para conferir regras e dar os contornos em relação ao desenvolvimento das AAEs nas escolas. Ao mesmo tempo em que essa cultura escolar era modificada, também modificava aquilo que lhe era sobreposto, considerando que “a escola não se limita a reproduzir o que está fora dela, mas se adapta, se transforma e cria um saber e uma cultura própria.” (VIÑAO FRAGO, 2002, p. 72, tradução nossa).6

O regulamento federal que supostamente embasou a criação de práticas educativas dessa natureza nos estados brasileiros foi o Decreto-lei n. 8.529, de 02 de janeiro de 1946, o qual recebeu o nome de Lei Orgânica do Ensino Primário. Esse Decreto dispõe em seu capítulo II, no art. 25 que uma das providências que os Estados, os Territórios e o Distrito Federal deveriam tomar “no sentido da mais perfeita organização do respectivo sistema de ensino primário [...] [seria a] organização das instituições complementares da escola.” (BRASIL, 1946). Adiante, um capítulo destinado às Instituições Complementares da Escola procura alargar o entendimento da questão:

Art. 37. Os estabelecimentos de ensino primário deverão promover, entre os alunos, a organização e o desenvolvimento de instituições que tenham por fim a prática de atividades educativas; e, assim, também, entre as famílias dos alunos, e pessoas de boa vontade, instituições de caráter assistencial e cultural, que estendam sobre o meio a influência educativa da escola. (BRASIL, 1946).

De acordo com Otto (2012), as características organizacionais da educação no Estado de Santa Catarina seguiam a dinâmica prescrita pelos órgãos federais. Nesse sentido, para se adequar à exigência colocada pelo Decreto-lei destacado em relação às AAEs, Santa Catarina publicou o Decreto n. 3.735, de 17 de dezembro de 1946. Esse Decreto expediu o regulamento para os estabelecimentos de ensino primário que passaria a vigorar no Estado a partir de 1947.

No que diz respeito às Instituições Complementares da Escola, o Decreto estadual n. 3.735/46 reproduz de maneira similar o texto transcrito no regulamento federal já citado e cria novas instruções. O art. 461 diz que por meio da

organização de associações escolares, estudos em comum, campanhas em prol das aspirações sociais e outras formas de atividade social próprias da infância [...] [a escola buscaria] oferecer aos alunos oportunidade de exercitar atividades de sociabilidade, responsabilidade e cooperação. (SANTA CATARINA, 1946b).

Além disso, fica estabelecido no art. 463 que “as instituições deveriam ser criadas de acordo com as necessidades do ensino e do meio em que funciona a escola.” E mais, o art. 464 destaca em negrito que seria “desaconselhável a existência de qualquer instituição, senão bem cuidada, embora modesta.” (SANTA CATARINA, 1946b, p. 65).

Na sequência, o Decreto apresenta quais seriam essas instituições, nomeando-as e descrevendo os pormenores para a sua instalação e seu desenvolvimento nas escolas primárias. São designadas as seguintes AAEs: Liga Pró-Língua Nacional, Biblioteca, Jornal Escolar, Clube Agrícola, Círculo de Pais e Professores, Museus Escolares, Centros de Interesse, Liga de Bondade, Clube de Leitura e Pelotão de Saúde (SANTA CATARINA, 1946b).

É preciso esclarecer que, em anos anteriores, outras normatizações já haviam sido publicadas em Santa Catarina tratando das AAEs, fato que nos mostra que neste Estado a prática das AAEs já estava em vigor em período anterior à publicação do Decreto federal n. 8.529, de 02 de janeiro de 1946, o qual, segundo o pensamento de Otto (2012), fundamentou a elaboração do Decreto estadual n. 3.735/46. Tem-se o conhecimento de que em 1943 já se estimulava a criação de algumas dessas associações em escolas catarinenses.

Nesse caso, a Circular n. 32, de 02 de abril de 1943, destinada aos inspetores escolares e diretores de estabelecimento de ensino dizia que deveria funcionar de maneira gradativa nos grupos escolares e cursos complementares particulares as seguintes AAEs: Biblioteca, Liga Pró-Língua Nacional, Pelotão de Saúde, Clube de Leitura, Círculo de Pais e Professores, Jornal, Liga da Bondade, Orfeão (quando possível), Museu, Clube Agrícola (quando possível) (SANTA CATARINA, 1945a).

Outra circular foi publicada no mesmo ano (Circular n. 76, de 16 de agosto de 1943). Esse documento encaminhado aos inspetores escolares, auxiliares de inspeção, professores e diretores vem responder a uma possível crítica do professorado catarinense em relação às AAEs (SANTA CATARINA, 1945b).

Um ano depois, foi publicado o Decreto-lei estadual n. 2.991, de 28 de abril de 1944, que aprovou as instruções para as AAEs nos estabelecimentos de ensino estaduais, municipais e particulares. Essa regulamentação foi encaminhada aos inspetores escolares, auxiliares de inspeção, diretores e professores por meio da Circular n. 42, de 10 de maio de 1944, subscrita pelo então diretor do departamento de educação da época, Sr. Elpídio Barbosa, que explica o propósito das AAEs. Estas deveriam funcionar como “meio disciplinar” e de evolução, considerando os princípios sociais fundamentais na formação do sujeito moderno. O trecho a seguir, retirado da circular, mostra a forma como o diretor se expressou:

O nosso mais acendrado empenho é no sentido de que se procure penetrar o espírito dessa organização sondando o seu valor como meio disciplinar e como evolução da escola de ontem, quando os princípios sociais não mereciam os cuidados tão necessários à preparação do homem de amanhã. Por intermédio das associações bem orientadas, colocaremos a escola nos moldes compatíveis à evolução que a vida experimenta de espaço em espaço, e para a qual a escola não pode ficar indiferente, visto ser a fonte preparadora das gerações em caminho de um plano melhor condizente com a nossa civilização. (SANTA CATARINA, 1944a).

Anexo a essa circular segue o Decreto n. 2.991, de 28 de abril de 1944, o qual apresenta as minúcias para a implantação das AAEs em conformidade com as instruções reapresentadas dois anos depois, pelo Decreto n. 3.735/46.

Nessa lógica, o Decreto estadual de 1946 e este, de 1944, muito se assemelham em suas redações no que se refere às regras para a organização das associações. Zen (2007, p. 61), ao realizar um estudo comparativo sobre os dois decretos, declara que:

Nos dois decretos, as regras para organização das Associações são praticamente idênticas. As diferenças encontradas na escrita de um ou outro artigo são poucas e sutis. Algumas vezes não chegam a alterar os objetivos ou finalidades das instituições, mas há inserções ou alterações de termos que mudam significativamente a proposta de uma ou outra Associação. Pode-se considerar, então, que o Decreto-lei 3.735 de 1946 seria uma versão reformulada do Decreto 2.991 de 1944.

Na ocasião da publicação desses Decretos estaduais (n. 2.991/44 e n. 3.735/46), uma série de instruções foi dada para cada uma das associações. Ainda que ligadas por um mesmo princípio, cada associação possuía finalidades específicas que seriam alcançadas pelo desenvolvimento das atividades projetadas nas letras da lei. Praticamente tudo foi definido de antemão: os princípios e finalidades de cada associação, o número de integrantes e os cargos da diretoria, os deveres de cada membro, o processo de eleição, as ações a serem executadas, alguns discursos a serem proferidos pelos membros, modelos de atas e tabelas, enfim, um verdadeiro passo a passo.

As AAEs não fugiram ao controle do Governo e foram objeto de supervisão dos inspetores escolares em Santa Catarina. Tal afirmação se explica com base no Decreto estadual n. 3.733, de 12 de dezembro de 1946, o qual expediu o regulamento para o serviço de inspeção escolar. Fica determinado, a partir desse Decreto, que os inspetores de escolas particulares e nacionalização do ensino deveriam, além de outras atribuições, exercer, sob a orientação do inspetor geral de ensino, serviços a respeito das AAEs (SANTA CATARINA, 1946a).

Para se ter uma ideia do mérito que essas associações adquiriram em Santa Catarina, por meio da Lei n. 40, de 12 de dezembro de 1947, foi criado no cargo único do Estado um cargo isolado de provimento efetivo de inspetor das Associações Auxiliares da Escola (SANTA CATARINA, 1947). Basicamente, as mesmas instruções para o desempenho do cargo estão de acordo com aquelas baixadas um ano antes pelo Decreto estadual n. 3.733 (referenciado anteriormente).

Diante do que foi exposto até o momento, é possível observar que a culminância da prática das AAEs em Santa Catarina ocorreu na década de 1940, considerando o grande número de leis e decretos publicados no período. No entanto, cabe ressaltar que organizações dessa natureza já operavam sobre as práticas escolares anteriormente ao período anunciado. 7 (PETRY, 2013).

3 AS ASSOCIAÇÕES AUXILIARES DA ESCOLA NO CONTEXTO POLÍTICO DE EDUCAÇÃO NACIONAL E ESTADUAL

Conforme mencionado anteriormente, a década de 1940 parece ter sido o momento de maior evidência das AAEs em Santa Catarina, considerando a atenção dispensada pela legislação educacional em torno da iniciativa de implantá-las efetivamente nas escolas. Contudo, é importante observar o período de produção dos Jornais Escolares pesquisados (1951-1973), pois ele mostra como essa prática educativa se perpetuou e sobreviveu a diversos regimes políticos.

O período inicial de instauração das AAEs na legislação remonta o Estado Novo (1937-1945), época que marcou demasiadamente a educação brasileira, visto que nessa ocasião começou a ser delineado “um sistema educacional para o país, até então inexistente.” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1994, p. 83).

Em meio a isso existia, ainda, um movimento de nacionalização que vinha se constituindo no Brasil desde o final do século XIX, acompanhando o movimento que acontecia em nível mundial. Seus princípios estavam pautados na construção de uma identidade nacional. Quando Vargas assume o Governo brasileiro isso se fortalece, e a escola é tomada como uma verdadeira aliada na construção e propagação dessa nacionalidade, especialmente no Estado Novo. E foi por meio do que se habituou chamar de nacionalização do ensino que Vargas buscou concretizar esse objetivo (ROSSATO, 2014; ALAMINO, 2014).

É preciso esclarecer que em alguns estados, como no caso de Santa Catarina, algumas medidas visando à nacionalização começaram em tempos anteriores ao Governo Varguista. Isso se explica uma vez que Santa Catarina foi um dos estados brasileiros que recebeu grande leva de imigrantes a partir de 1829.

Quando aqui chegaram, por razões diversas, esses imigrantes logo formavam suas comunidades. Sem o apoio do Governo e preocupados com a educação formal de seus filhos fundavam suas próprias escolas, as chamadas escolas étnicas. Diante disso, a cultura, as tradições, os costumes e a língua passada para as novas gerações se mantinham as mesmas herdadas da “Pátria-mãe”, ainda que os filhos nascessem em terras brasileiras. O processo de aculturação se tornava mais difícil ainda pelo fato de as colônias dos imigrantes se localizarem distantes dos núcleos de população brasileira, impedindo o contato entre as culturas (MONTEIRO, 1984).

Por essa razão, começou a existir uma preocupação por parte do Governo brasileiro que lançou mão de algumas medidas na tentativa de nacionalizar essas áreas de colonização. Assim, o processo de nacionalização do ensino nesse Estado já começa a ser aplicado na primeira década do século XX. Contudo, as estratégias lançadas nessa ocasião foram menos rigorosas se comparadas àquelas que seriam postas em prática a partir dos anos 1930 (MONTEIRO, 1984).

O regime político instaurado em 1930, especialmente entre 1937 e 1945 quando se estabeleceu a ditadura estadonovista, foi o momento nevrálgico da nacionalização. Na época instituiu-se no campo educacional um sistema com base na centralização e padronização do ensino, consubstanciado por uma vasta publicação de decretos-leis que buscavam combater qualquer tipo de influência estrangeira dentro das escolas. A partir daí, iniciou-se um processo coercitivo que juntou o autoritarismo dessa nova ordem com a ideia de se construir um País de identidade nacional homogênea (MONTEIRO, 1984; ALAMINO, 2014).

Diante desse cenário Ferreira (2008, p. 22) explica que:

Ao uniformizar o ensino oficial e particular, o Estado pretendia padronizar comportamentos, atividades e interesses da juventude brasileira. O conhecimento do idioma, noções básicas de Geografia e História da Pátria, arte popular e folclore, formação cívica, moral e a consciência do bem coletivo sobreposto ao individual seriam a base da formação do cidadão político.

Nesse sentido, uma das estratégias do Governo para colocar em prática o seu projeto nacionalista consistiu em fortalecer o sentimento de pertencimento à nação por meio da escolarização de determinados conteúdos que visavam a uma (con)formação cívica. Dialogando com esse pensamento Alves (2010, p. 71) diz que:

Com vistas à formação patriótica dos cidadãos brasileiros, estabeleceu-se como conteúdo geral do ensino a Instrução Moral e Cívica, divulgadora de conteúdos que deveriam enfatizar as tradições de um passado homogêneo, com feitos gloriosos de célebres personagens históricos nas lutas pela defesa do território e da unidade nacional. Tais conteúdos não estariam circunscritos a uma disciplina específica, mas deveriam perpassar todos os demais, devendo abranger o estudo dos deveres do homem, como cidadão, nas suas relações com a pátria e a humanidade.

Com o fim da era Vargas e a ascensão do governo populista, essa ideologia nacionalista acabou enfraquecendo e, aos poucos, foi cedendo lugar a uma nova forma de pensar a educação. Ao contrário do que vinha se perpetuando, buscou-se “forjar uma nova mentalidade, trabalhar para a ‘conscientização do homem’ brasileiro frente aos problemas nacionais e engajá-lo na luta política.” (GHIRALDELLI, 1994, p. 126, grifo do autor). Entretanto, esse movimento durou pouco menos de 10 anos, pois, novamente, foi instaurado no País um regime ditatorial.

O Golpe ocorreu em março de 1964 encabeçado pelos militares e outros segmentos da sociedade como, por exemplo, a igreja católica. Sua justificativa recaiu sob a defesa do País aos supostos ataques comunistas. Nessa ordem, novamente o civismo foi tomado como um aliado na formação do cidadão almejado, só que agora sob princípios que diferiam daqueles que o precederam. Para Abreu (2008, p. 7)

No período republicano, a formação cívica foi relacionada ao valor do trabalho para o engrandecimento do cidadão e da Pátria. Durante a ditadura militar, a Educação Moral e Cívica esteve relacionada aos valores de Segurança Nacional, fortalecimento do Estado e desenvolvimento econômico do país.

Portanto, pode-se dizer de modo bruto, que o civismo republicano perpetuado por Vargas consistiu em criar um sentimento de pertencimento à nação visando à formação de uma identidade própria para a nação brasileira, isto é, homogênea nos seus aspectos étnicos e culturais. Por outro lado, o civismo acionado durante a Ditadura Civil-Militar buscou forjar mentalidades para legitimar os preceitos anticomunistas defendidos pelo regime instituído.

Até este momento, buscou-se apresentar uma visão ampla do contexto político em que as AAEs se inseriram, desde sua criação em Vargas até o momento de instauração da Ditadura Civil-Militar quando os jornais escolares ainda eram produzidos no âmbito da escola pesquisada. Diante disso, tem-se uma ideia dos interesses políticos que norteavam a educação brasileira e que foram, sem dúvida, incorporados à prática das AAEs, bem como do jornal escolar, na tentativa de inculcar nos alunos certas condutas almejadas para o perfil do cidadão brasileiro.

4 A ASSOCIAÇÃO JORNAL ESCOLAR NA LEGISLAÇÃO CATARINENSE

Conforme o exposto, as atividades com os jornais escolares foram acionadas no Estado de Santa Catarina quando, na ocasião, foi baixado o Decreto-lei n. 2.991, de 28 de abril de 1944. Para implantar um jornal escolar conforme proposto por esse Decreto-lei, o professor deveria introduzir o assunto dotado de um discurso que pudesse despertar nos alunos, de maneira espontânea, natural e positiva, a vontade de criar o jornal na escola. Na ocasião alguns tópicos deveriam ser evidenciados, entre os quais: que o jornal escolar representaria uma coleção de trabalhos que oportunizariam às gerações futuras de alunos tomarem conhecimento das realizações do passado; que o jornal escolar funcionaria como um meio para as crianças expandirem suas capacidades nos diferentes gêneros textuais, na caligrafia e no desenho; que o jornal escolar serviria como um material valioso que guardaria a história da região; que serviria, ainda, como um espelho da vida escolar, podendo os pais tomar conhecimento das realizações de seus filhos e de outras crianças; deveria o jornal escolar ter um nome e quatro dirigentes, ambas as situações escolhidas por votação entre os alunos (SANTA CATARINA, 1944b).

A primeira coisa a ser feita era dar um nome ao jornal, o qual seria escolhido a partir de uma lista com 10 sugestões elaboradas pelo professor em colaboração com as crianças. Cada aluno deveria escrever o seu voto em um pedaço de papel distribuído pelo professor, que, na sequência, conduziria a apuração. Feito isso, o próximo passo seria a votação para eleger os dirigentes da associação, considerando a recomendação dada de eleger quatro alunos entre os mais capazes da escola. A estrutura e os cargos a serem ocupados em escolas isoladas8 seriam: um diretor, um gerente e dois repórteres, os quais em “ato contínuo à sua proclamação seriam empossados, nos cargos, lavrando-se uma ata.” (SANTA CATARINA, 1944b, p. 10).

Já em grupos escolares9 o número de repórteres poderia ser aumentado considerando o número de classes e a exigência de um bom trabalho, isto é, nessa situação dois repórteres não conseguiriam realizar com excelência o seu trabalho em razão do número de classes e de alunos que era superior aos das escolas isoladas. Nesse caso, “os repórteres acrescidos seriam auxiliares, e escolhidos por designação, por isso, não aparecem no cabeçalho do jornal. Essa designação será proposta em sessão, constando, na ata respectiva, os seus nomes.” (SANTA CATARINA, 1944b, p. 10).

O corpo do jornal deveria obedecer a seguinte estrutura: “o título, a localidade, o município, a data, o número, o ano e os nomes dos dirigentes.” (SANTA CATARINA, 1944b, p. 10).

As publicações do jornal escolar deveriam constar de trabalhos escritos nas aulas pelos alunos, além de notas sociais obtidas pelos repórteres, como, por exemplo, aniversários, casamentos e afins. A orientação era a de que, embora todos os trabalhos destinados ao jornal escolar necessitassem passar pelo olhar crítico do professor, ainda assim não poderiam perder seu “cunho de ‘originalidade’.” Caso contrário, não se estaria cumprindo com o “trabalho de cooperação”, característico do jornal escolar. Além disso, não se deveria dar preferência para os melhores trabalhos, uma vez que tal atitude não atenderia à finalidade de possibilitar que o maior número de crianças pudesse contribuir, ainda que dentro das suas limitações, com suas produções (SANTA CATARINA, 1944b, p. 11).

Traçando uma linha ao meio da página, a qual deveria estar com uma margem de um ou dois centímetros, seriam reproduzidos primeiramente os artigos e, em sequência, os demais trabalhos de títulos diversos que melhor satisfizessem a orientação do professor (SANTA CATARINA, 1944b).

O jornal poderia ser: “impresso, mimeografado, dactilografado, manuscrito e falado.” (SANTA CATARINA, 1944b, p. 11). Pela carência de recursos, o Departamento de Educação reconhecia que os jornais impresso e mimeografado seriam de difícil execução. A datilografia também apresentava dificuldades, pois os alunos não possuíam a técnica, e submeter a tiragem a terceiros não era aconselhável. Portanto, o jornal manuscrito era o mais indicado, e os alunos de “boa letra” eram os focalizados para tal função.

Cada número do jornal escolar teria que ser reproduzido, no mínimo, em três vias. Essa reprodução deveria proceder no momento em que o diretor (da associação) entregasse o material, ficando os “demais membros da direção incumbidos de auxiliar nessa reprodução.” (SANTA CATARINA, 1944b, p. 11). Uma via seria encaminhada ao Departamento de Educação, o qual procederia com o seu fichamento. Outra deveria permanecer no arquivo da escola. As demais seriam destinadas aos leitores, isto é, a alunos e assinantes.

Analisando a legislação, em determinados momentos é possível inferir que outro estatuto existia no sentido de dar diretrizes para a instalação e desenvolvimento dos jornais escolares nas escolas catarinenses, anterior ao ano 1944. Em algumas passagens do referido Decreto isso fica claro. Nas orientações sobre o município que deveria aparecer nos exemplares dos jornais é dito o seguinte:

[...] temos encontrado muita dificuldade em fichar alguns jornais, só pelo fato de faltar esse esclarecimento. É fácil qualquer professor compreender o desperdício de tempo empregado no fichamento dos jornais e outros papéis que nos vem do interior, quando há omissão do município a que pertencem. É, portanto, elemento indispensável o nome do município. (SANTA CATARINA, 1944b, p. 10).

O documento finaliza as instruções destinadas ao jornal escolar pronunciando que todas as escolas deveriam “organizar o seu jornal dentro dos princípios acima expostos.” E que, quando há colaboração de todos os professores nos grupos escolares, isso se refletiria sobre os jornais que certamente teriam “material para muitas páginas, além das quatro que devem possuir o jornal comum.” Enfim, seguindo as diretrizes traçadas, esperava-se o melhor resultado de tal associação escolar (SANTA CATARINA, 1944b, p. 12).

Diante disso, nota-se o peso e a responsabilidade que os grupos escolares tinham para com o jornal escolar, uma vez que a produção de um maior número de páginas era sinônimo de desempenho e cumprimento dos objetivos propostos.

Portanto, subentende-se que o Grupo Escolar Costa Carneiro, lugar onde foram produzidos os exemplares do jornal escolar O Estudante Orleanense, teria uma responsabilidade maior, por ser visto pelas autoridades educacionais como um lugar privilegiado e que servia de exemplo para as demais escolas da comunidade.

5 O JORNAL ESCOLAR O ESTUDANTE ORLEANENSE

No âmbito do Grupo Escolar Costa Carneiro, localizado na Cidade de Orleans, SC, foi lançado o jornal O Estudante Orleanense, instrumento produzido pela associação Jornal Escolar em atividade no educandário. Certamente, sua existência ocorreu visando ao cumprimento da legislação educacional vigente na década de 1940, a qual previa a organização e o desenvolvimento das AAEs nas instituições de ensino.

Os exemplares do jornal escolar O Estudante Orleanense, encontrados no acervo do CEMESSC, datam de 1951 a 1973,10 totalizando 57 unidades. Além dos jornais foi encontrado um livro de atas contendo os registros das reuniões da referida associação, datado de 1949 a 1972.11

Um estudo precursor sobre o jornal escolar O Estudante Orleanense foi realizado por Rabelo (2013), e alguns levantamentos produzidos pela autora contribuem para o desenvolvimento das discussões do presente trabalho. O quadro a seguir, reproduzido na íntegra, demonstra, a partir do cruzamento entre o caderno de atas e os 57 exemplares do jornal, a periodicidade das reuniões da associação, bem como da produção dos jornais.

Tabela 1 – Reuniões da Associação do Jornal Escolar O Estudante Orleanense e os números do jornal escolar (1949-1973)

Anos

Número de reuniões

Número de exemplares

1949

5

-

1950

9

-

1951

3

1

1955

3

-

1956

3

-

1957

3

1

1958

3

2

1959

6

-

1960

3

6

1961

3

7

1962

3

2

1963

3

6

1964

3

-

1965

3

-

1966

3

-

1967

3

-

1968

3

-

1969

3

-

1970

3

8

1971

3

9

1972

2

8

1973

-

7

Total

73

57

Fonte: Rabelo (2013, p. 208).

Essas informações nos ajudam a pensar sobre o dinamismo do jornal escolar O Estudante Orleanense, ou seja, como e com que frequência ele era organizado, produzido e veiculado.

Poderíamos sugerir que a associação jornal escolar teria inaugurado suas atividades no Grupo Escolar Costa Carneiro no ano 1949, se considerarmos a data de abertura do caderno de atas. Contudo, o primeiro registro desse documento revela que a associação já existia, uma vez que os escritos se referem a uma reunião que teve como objetivo maior a reorganização do jornal escolar, isto é, a eleição de nova diretoria para a associação (RABELO, 2013).

Diante do exposto, supõe-se que a circulação do jornal já acontecia antes de 1951, ano que data o primeiro exemplar encontrado, uma vez que o livro de atas sugere que nos anos de 1949 e 1950 ocorreram reuniões da associação para a organização do periódico (RABELO, 2013).

Acerca da regularidade das reuniões, a Tabela 1 indica que, na maior parte das vezes, os membros da diretoria e a professora orientadora se reuniam três vezes no decorrer do ano letivo. A finalidade dessas reuniões era no sentido de dar encaminhamentos aos trabalhos da associação, bem como à elaboração do jornal (RABELO, 2013).

Importante destacar que essas reuniões ocorriam na própria instituição em diferentes salas, as quais foram batizadas com nomes que homenageavam os vultos nacionais, tais quais: Carlos Gomes, Duque de Caxias, Machado de Assis e Tiradentes. Diante disso, Rabelo (2013, p. 210) diz que “a prática de nomear as salas homenageando os vultos da história do Brasil assinala a importância em instigar, naqueles que nelas circulavam, a devoção aos heróis brasileiros e o sentimento de patriotismo.”

Com base no levantamento feito a partir da análise do conteúdo dos jornais, foi possível observar a frequência com que as notas alusivas ao civismo aparecem nos jornais. Verificou-se que nem todos os exemplares trazem o tema proposto por esta investigação. No entanto, esses casos são inferiores se comparados àqueles que remetem, de alguma forma, ao tema investigado. De modo mais específico, em 70% dos casos averiguou-se algum conteúdo relacionado ao civismo, enquanto apenas 30% não apresentaram nenhuma pista.

Outra consideração diz respeito ao total de notas de fundo cívico identificadas. Foram encontradas aproximadamente 81 notas, as quais correspondem aos 70% dos jornais que publicaram conteúdos relativos ao tema. Se fôssemos distribuir esse número entre os 57 exemplares encontrados, cada um teria publicado em média uma ou duas vezes esses conteúdos. Diante disso, tem-se uma ideia da relevância com que temas dessa natureza pretendiam ser disseminados pelo jornal.

Seguindo ainda uma linha quantitativa, buscou-se agrupar as informações com o objetivo de observar a preponderância de determinadas categorias que aludem ao tema proposto por este estudo, ou seja, o civismo. Vejamos:

Tabela 2 – Categorias de análise do civismo nos exemplares do Jornal Escolar O Estudante Orleanense (1951-1973)

Categorias

Quantidade de notas publicadas

Comemorações Cívicas

40

Cidades e Grandezas do Brasil

11

Personalidades da História

12

Símbolos da Pátria

4

Outros

14

Total

81

Fonte: elaborado pelos autores com base em CEMESSC.

É importante destacar que para agrupar esses dados, considerou-se a intenção e não o argumento das publicações, uma vez que os argumentos são os meios utilizados para expressar uma determinada intenção. Em alguns casos, por exemplo, uma biografia de determinada personalidade histórica foi o argumento utilizado com a intenção de informar sobre uma comemoração cívica; em outros, uma biografia foi o argumento usado com a intenção de fazer referência, propriamente, a certas personalidades atribuindo méritos à sua imagem.

Ampliando o olhar sobre os dados da Tabela 2, percebe-se que a maior parte das notas com fundo cívico estão incluídas na categoria Comemorações Cívicas. Essas publicações fazem referência às datas nacionais, as quais são lembradas, na maior parte das vezes, por intermédio de personalidades históricas. Esses textos estão em tom de exaltação a esses vultos. São exemplos a figura de Duque de Caxias, rememorada no dia do soldado, Tiradentes, lembrado como o mártir da Independência do Brasil, e tantos outros.

Nesse sentido, para a formação de um cidadão patriota era preciso tornar conhecidos os triunfos da nação e seus “heróis” protagonistas (SOUZA, 1998). Portanto, supõe-se que as celebrações estampadas nas páginas dos jornais, protagonizadas pelos “heróis” da história, serviam como exemplo de patriotismo, tanto para os produtores, quanto para o público leitor do periódico.

Ao observar o período anterior e durante a Ditadura Civil-Militar, notou-se que as notas referentes às Comemorações Cívicas parecem perder a intensidade no período do regime militar, principalmente se observarmos o número de vezes que conteúdos dessa natureza foram publicados nos exemplares que correspondem ao ano 1970. Na ocasião, a única data nacional rememorada foi a de sete de setembro, ou seja, a Independência do Brasil.

O mesmo aconteceu na categoria Personalidades da História. Apenas para que fique claro, nesta estão focalizadas as publicações que, mesmo fora do contexto das comemorações cívicas, fazem referência aos “grandes” nomes consagrados pela história. Por vezes, poetas, pintores, padres, fossem estes brasileiros ou não, recebiam homenagens e tinham suas biografias estampadas nas páginas dos jornais. Esses homens, por suas virtudes, inspiravam, ou pelo menos buscavam inspirar, um modelo de cidadão exemplar, sinônimo de orgulho para o País (SOUZA, 1998). Assim como na categoria Comemorações Cívicas, observou-se que durante o período em que o País estava sendo governado pelos militares o jornal escolar O Estudante Orleanense publicou uma única nota dentro da categoria Personalidades da História, em contrapartida, anterior ao contexto da Ditadura, foram publicadas 11 notas.

Ao que tudo indica, durante a Ditadura Civil-Militar esses aspectos relacionados ao culto à nação, aos símbolos nacionais e aos vultos da história deveriam se fortalecer, uma vez que se constituíam como uma das finalidades da disciplina de Educação Moral e Cívica, instituída como de caráter obrigatório em todas as modalidades de ensino (PLÁCIDO, 2015). Diante disso, o que teria levado a esse estranhamento em um período em que se esperava justamente o contrário, ou seja, o fortalecimento desses aspectos?

Essa colocação sugere que a escola e, consequentemente, o jornal escolar O Estudante Orleanense tenham sofrido algum tipo de censura e fiscalização. Talvez, o desconhecimento em torno daquilo que seria aceitável e aquilo que poderia ser considerado subversivo pelo Governo Militar tenha motivado a supressão desses conteúdos das páginas dos jornais.

Na categoria Cidades e Grandezas do Brasil focalizam-se produções acerca da história de algumas cidades e das nobrezas de nossa terra. Pressupõe-se que o objetivo consistia em elevar as características geográficas do País, cuja finalidade era despertar o orgulho e, consequentemente, o sentimento de pertencimento à nação (SOUZA, 1998). Nessa categoria, chama a atenção uma notícia publicada no jornal escolar do mês de agosto de 1971, anunciada da seguinte forma: “‘Tranzsamazônica’ (sic): Grande desenvolvimento do Brasil.” (GRUPO ESCOLAR COSTA CARNEIRO, 1971). Logo abaixo da chamada segue um recorte de jornal com a imagem de um trecho da estrada, e, na sequência, a notícia segue manuscrita com palavras que entoam exaltação e regozijo ao governo e às suas ações. Tal feito foi tratado com ênfase pelo Jornal, que reservou duas (ou mais)12 páginas para explorar o assunto.

Apesar de o Jornal em questão ter apresentado outras publicações dentro da categoria Cidades e Grandezas do Brasil em anos anteriores ao Regime Civil-Militar, nenhuma parece representar tão explicitamente as ações e intenções de um governo. Isso não quer dizer que as notas de fundo cívico veiculadas em anos anteriores ao Golpe de 1964 não estejam, da mesma forma, dotadas de ideologias políticas dos governos vigentes. Contudo, a leitura que se faz é que, antes do Golpe, essas ideologias parecem ter sido reproduzidas no Jornal de maneira mais tácita se comparadas aos excessos evidenciados na mensagem citada anteriormente.

Acerca disso vale comentar que, enquanto o olhar da população (nesse caso os envolvidos com o jornal escolar O Estudante Orleanense, ou seja, alunos, professores e comunidade escolar em geral) era direcionado intencionalmente para a “evolução”, “desenvolvimento” e “progresso” do País, popularizava-se uma imagem positiva da administração militar. Porém, o que ocorria nos bastidores era a efetivação de um plano de governo autoritário, pautado na supressão da democracia, bem como dos direitos dos cidadãos.

Diante do que foi reproduzido na notícia em questão se torna possível idealizar a função da escola e a concepção de educação que estava em curso naquele período. Em nenhum momento a construção da estrada foi colocada em questão, problematizando, por exemplo, o desmatamento gerado e os impactos causados na natureza. Nesse sentido, é provável que a notícia tenha sido escrita de modo a conduzir para a construção de um pensamento acrítico, tanto nos leitores quanto nos produtores do jornal.

Os símbolos da Pátria, como a bandeira e o hino nacional são temas que também apareceram nos jornais. Esses símbolos representam a nação brasileira e buscavam incutir certa dose de patriotismo. De acordo com Hobsbawm (2008, p. 19):

A Bandeira Nacional, o Hino Nacional e as Armas Nacionais são os três símbolos através dos quais um país independente proclama sua identidade e soberania. Por isso, eles fazem jus a um respeito e a uma lealdade imediata. Em si já revelam todo o passado, pensamento e toda cultura de uma nação.

Em tempos anteriores à Ditadura Civil-Militar, esses símbolos aparecem em notas isoladas a respeito do hino ou da bandeira nacional. Uma nota publicada no exemplar do mês de novembro de 1971 chamou a atenção por reunir, de maneira única, os quatro símbolos nacionais (Bandeira Nacional, Hino Nacional, Armas Nacionais e Selo Nacional), conforme disposto no Decreto n. 5.700/1971, que “dispõe sobre a forma e a apresentação dos Símbolos Nacionais [...]”, baixada no Governo do Gen. Emílio Garrastazu Médici, em 01 de setembro de 1971 (BRASIL, 1971).

Existem duas aproximações que nos indicam que essa nota tenha sido publicada em função do Decreto n. 5.700/71. A primeira seria a proximidade entre datas, ou seja, uma diferença de apenas dois meses entre a promulgação do Decreto e a publicação da nota no jornal. E a segunda consiste na semelhança entre um trecho da nota e da Lei. Essas aproximações parecem querer demonstrar que a escola, por meio do jornal O Estudante Orleanense buscava tornar evidente que estava em sintonia e que a sua prática era condizente aos preceitos do Governo Militar.

As intenções e/ou ideologias por detrás das expressões de civismo presentes no jornal O Estudante Orleanense podem ser mais bem compreendidas a partir do conceito de “tradição inventada”, do autor Hobsbawm (2008, p. 9). Segundo o autor, essas tradições constituem-se como:

[...] um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamentos através da repetição, o que implica, automaticamente: uma continuidade em relação ao passado.

A invenção dessas tradições são reações acionadas no momento em que ocorrem transformações na vida social. Nesse caso, o passado pode tanto servir de referência quanto pode ser reinventado. Em ambos os casos as justificativas serão sempre ideológicas (HOBSBAWM, 2008).

6 CONCLUSÃO

O jornal escolar O Estudante Orleanense foi um instrumento e também uma prática educativa que fez parte da cultura do Grupo Escolar Costa Carneiro. Ao que tudo indica, essa atividade foi desenvolvida pela instituição escolar entre os anos 1949 e 1973 em cumprimento à legislação educacional vigente na década de 1940, a qual previa a organização e o desenvolvimento das AAEs nas instituições de ensino.

O período inicial de instauração das AAEs na legislação catarinense remonta ao Estado Novo (1937-1945), momento da política brasileira marcado pela execução de um intenso projeto de nacionalização. O objetivo maior desse projeto consistia em construir uma identidade nacional para o País, tornando-o o mais homogêneo possível em seus aspectos étnicos e culturais.

A legislação catarinense nesse período não foi modesta ao estabelecer diretrizes para o desenvolvimento das AAEs, bem como do jornal escolar. Uma série de instruções foi dada de maneira detalhada para que as escolas introduzissem no seu cotidiano tais práticas educativas. Acerca das prescrições para o jornal escolar as orientações contemplavam sobre a escolha do nome para o periódico, a eleição e a composição da diretoria da associação, a estrutura do corpo do jornal, as publicações, a forma e a técnica de impressão.

Apesar das AAEs terem suas diretrizes instituídas no contexto do Governo Varguista, pode-se observar que as atividades do jornal escolar O Estudante Orleanense se perpetuaram por anos no Grupo Escolar Costa Carneiro, resistindo a diversas reformas políticas e a diferentes estilos de governo.

Tanto no período anterior quanto durante a Ditadura Civil-Militar o jornal escolar O Estudante Orleanense demonstrou ter sido tanto um instrumento quanto uma prática de disseminação do civismo. O Jornal, em sua materialidade, constituía-se como um instrumento produzido por intermédio da prática da associação Jornal Escolar. Nesse sentido, podemos inferir que os ideais de civismo atingiam tanto aqueles que estavam envolvidos com a sua produção, ou seja, os alunos membros da diretoria da associação, quanto os demais leitores do jornal.

De modo mais específico em relação ao período da Ditadura Civil-Militar, podemos dizer que a respeito do civismo os exemplares do jornal O Estudante Orleanense refletiram nas entrelinhas os excessos desse Regime autoritário. Quanto aos conteúdos publicados, se comparados ao período anterior ao Golpe, é evidente que a escola suprimiu algumas publicações, levando a entender que sofria ou tinha medo de sofrer com as medidas impetuosas dos militares. Além disso, o jornal reproduziu em suas páginas as ações e intenções de um governo que buscava formar cidadãos ordeiros por meio de uma educação acrítica e conformadora, sendo um instrumento importante no processo de construção da cultura escolar do educandário.

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Recebido em: 19 de julho de 2016

Aceito em: 14 de agosto de 2017

Endereço para correspondência: Avenida Universitária, 115, Bairro Universitário, 88806-000, Criciúma, Santa Catarina, Brasil; gra@unesc.net

Roteiro, Joaçaba, v. 42, n. 3, p. 563-586, set./dez. 2017 | E-ISSN 2177-6059


1 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina.

2 Graduada em Pedagogia pela Universidade do Extremo Sul Catarinense.

3 O acervo do CEMESSC está disponível no endereço eletrônico <http://www.unesc.net/cemessc>.

4 No conjunto da legislação analisada, as Associações Auxiliares da Escola aparecem sob diferentes nomenclaturas. Elas também são chamadas de associações escolares, instituições escolares, instituições complementares, associações pré, peri, post ou intra-escolares. Neste trabalho a nomenclatura pode variar, contudo, trata-se da mesma modalidade.

5 As Caixas Escolares também eram consideradas pela legislação catarinense de 1940 como Associações Auxiliares da Escola. Porém, sua dinâmica difere um pouco das demais associações, visto que não ficava sob a responsabilidade dos alunos, mas, sim, de professores e da comunidade escolar. Não foram realizados estudos a respeito do Orfeão, da Sopa e da Cooperativa; as demais sabemos que ficavam a cargo dos alunos.

6 La escuela no se limita a reproducir lo que esta fuera de ella, sino que lo adapta, lo Transforma y crea un saber y una cultura propia [...]” (VIÑAO FRAGO, 2002, p. 72).

7 O objetivo deste estudo se encerra na prática das AAEs conforme o que prescreveu a legislação educacional da década de 1940. Não foram realizados estudos para entender essa prática fora desse contexto.

8 As escolas isoladas foram o sistema de educação pública mais comum no século XIX e parte do século XX. Constituíam-se por aulas independentes ministradas na casa dos professores ou em salas arranjadas (VIEGA; GALVÃO, 2012).

99 Os Grupos Escolares foram amplamente difundidos pela República, inaugurando um novo modelo de educação. Essa escola renovou o currículo, os métodos e os processos de ensino para se adequar às novas exigências dos modernos tempos que emergiam (SOUZA, 1998).

10 Entre o período anunciado (1951-1972) não foram encontrados exemplares do Jornal Escolar O Estudante Orleanense nos anos de 1952 a 1956, 1959 e 1964 a 1969.

11 Entre o período anunciado (1949 a 1972) não há registros das reuniões nos anos 1952 a 1954.

12 Fala-se duas ou mais páginas, pois a escrita da notícia parece não ter sido finalizada na segunda página. Como se está trabalhando com recursos digitais, possivelmente isso se explique por um equívoco cometido no momento de digitalização do documento.