http://dx.doi.org/10.18593/r.v41i3.10268

RE(LEITURAS): NOVOS CAMINHOS PARA A POLÍTICA EDUCACIONAL

Sandra Fernandes Leite*

Professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas 

Andressa Luiza de Souza Mafra**

Tayná Victória de Lima Mesquita***

TELLO, C.; ALMEIDA, M. de L. P. de. (Org.). Estudos Epistemológicos no campo da pesquisa em política educacional. 1. ed. Campinas: Mercado das Letras, 2013.

O livro Estudos Epistemológicos no campo da pesquisa em política educacional, organizado pelos professores César Tello e Maria de Lourdes Pinto de Almeida e lançado em 2013, é resultado de uma compilação de artigos que realizam um debate ontoepistemológico, isto é, de sentido e de finalidade (ontologias) e de construção (epistemologias) para alcançar determinado fim (TELLO; ALMEIDA, 2013, p. 12); tem o enfoque na divulgação de reflexões acadêmicas relativas aos temas atuais e polêmicos próprios da pesquisa e ensino em Política Educacional. O livro discute as perspectivas metodológicas e os desafios no âmbito da formação acadêmica e do desenvolvimento de políticas públicas, e auxilia, efetivamente, os educadores acerca desse campo de pesquisa ainda emergente. Assim, os textos apresentados discutem os caminhos já percorridos por pesquisadores e estudiosos dos domínios das Ciências Sociais, Política e Educação e como essas construções de saberes influenciaram, e ainda influenciam, as políticas educacionais no século XX. Permeados por reflexões, os textos aproximam o leitor à construção das políticas públicas no auge do neoliberalismo.

O livro está dividido em sete capítulos subdivididos em duas partes: a primeira, Perspectivas Epistemológicas para a análise de políticas educativas, tem quatro capítulos, e a segunda, Perspectivas Epistemetodológicas para a análise de políticas educativas, possui três capítulos.

Os autores discutem o papel da Globalização, da individualidade dentro da competição capitalista e do mercado de trabalho e como esses “olhares” influenciam na construção das políticas públicas para a educação, na ótica mercadológica e neoliberal.

A educação, enquanto ferramenta de inserção do sujeito no mundo, pode ser libertária ou opressora. Na adoção do neoliberalismo, que estimula a competitividade e a desigualdade social, o conhecimento é visto como uma maneira de melhorar o desempenho dos sujeitos em uma economia cada vez mais concorrida, ou seja, as políticas educacionais e as práticas educativas caminham segundo a ordem do mercado.

O poder emancipatório do desenvolvimento científico, que tem como pressuposto o retorno dos resultados para a sociedade civil, é apropriado em detrimento de ser socializado. Sobre esse assunto, os organizadores do livro, na Apresentação, ressaltam: “A apropriação ocorre na medida em que o sistema de patentes e convênios confere a alguns grupos o direito exclusivo sobre os saberes produzidos na universidade pública.” (TELLO; ALMEIDA, 2013, p. 11).

Os conhecimentos produzidos nas universidades sempre tiveram seus destinos nos interesses privados (TELLO; ALMEIDA, 2013). A globalização do acesso, dos avanços tecnológicos e a disseminação do conhecimento imprimiram uma diferença crucial na apropriação do saber. Os autores completam:

O conhecimento produzido pela universidade diz-se público pelo fato de se engendrar dentro de instituição não privada. Contudo, dentro do novo ethos acadêmico, o conhecimento já em sua origem e destino tende a trazer a marca do interesse privado. Os interesses privados referem-se às forças do mercado, representadas pela demanda das empresas. Nesse sentido não se poderia falar de uma socialização do saber, mas de uma apropriação. A apropriação ocorre na medida em que o sistema de patentes e os convênios conferem a alguns grupos o direito exclusivo sobre os saberes produzidos na universidade pública. (TELLO; ALMEIDA, 2013, p. 11).

O que define as relações entre os “produtores de conhecimento” (universidades) e os seus consumidores (sociedade civil) são os interesses do mercado (TELLO; ALMEIDA, 2013). Um debate ideológico é travado: quão legítimo é o agenciamento da produção científica pelos interesses neoliberais capitalistas? Qual o lugar do imperialismo nesse processo?

O livro, por meio do debate ontoepistemológico, frente aos modos de produção científica no campo das Políticas Educacionais, busca responder aos seguintes questionamentos: De onde se produz conhecimento? E para quem? Propõe, assim, um esquema flexível para a reflexão do leitor sobre os processos de pesquisa científica em Política Educacional a partir de discussões epistemológicas e epistemetodológicas.

No primeiro capítulo, A perspectiva epistemológica de Gramsci e a pesquisa de políticas educacionais, escrito por Maria de Lourdes Pinto de Almeida e Sidney Reinaldo da Silva, destaca-se a (re)apropriação do marxismo por Gramsci enquanto filosofia da práxis, aplicando-a à análise das políticas educacionais como enfoque, método e reflexão sistemática.

Gramsci retoma o princípio marxista da totalidade para se compreender a atividade intelectual e lê as relações pedagógicas enquanto práticas hegemônicas. Neste capítulo, os autores defendem a perspectiva de que o trabalho investigativo em educação se estabeleça em uma relação pedagógica hegemônica e produtora de cultura.

No segundo capítulo, Orientações para o desenvolvimento de investigação em políticas educativas a partir da Teoria Marxista, a autora Gisele Masson apresenta algumas contribuições para a pesquisa em Política Educacional do ponto de vista marxiano. Nessa perspectiva, o materialismo histórico e dialético enquanto postura, método e práxis. A atividade intelectual está ancorada no social independentemente de sua falsidade ou veracidade ideológicas.

O sistema capitalista impõe limites e contradições à educação. Por esse motivo, compreender o sistema capitalista e o papel do Estado em sua manutenção é imprescindível para a análise de Política Educacional.

O terceiro capítulo, escrito pelos autores Xavier Bonal, Antoni Verger e Aina Tarabini, aborda as principais dimensões da ruptura epistemológica de Roger Dale, destacando a aplicabilidade de suas teses como chave interpretativa para relações entre educação, política e sociedade.

O artigo Superando limites disciplinares e territoriais: a Ruptura epistemológica de Roger Dale na pesquisa em política educativa apresenta e discute, ao longo do capítulo, a Teoria da Ausência do Estado proposta por Roger Dale.

Os autores Nicolas José Isola e Hermán Mariano Amar escreveram o quarto capítulo, A perspectiva epistemológica de Pierre Bourdieu: as apropriações no campo acadêmico da educação na Argentina (1971-1989). O texto propõe compreender a produção de conhecimento científico no contexto argentino, desde o início dos anos 1970 até o final dos anos 1980, enquanto campo em disputa, apoiando-se na teoria social de Pierre Bourdieu.

No período pós-ditadura militar, as apropriações intelectuais de Bourdieu embasaram reflexões sobre a reprodução de desigualdades sociais e a não integração dos setores dominados na Argentina e na América Latina como um todo.

O quinto capítulo, A abordagem do ciclo de políticas como epistemetodologia: usos no Brasil e contribuições para a pesquisa sobre políticas educacionais, abre a segunda parte do livro, descrevendo e discutindo a abordagem “ciclo de políticas” proposta por Stephen J. Ball.

Os autores Jefferson Mainardes e Luís Armando Gandin fazem uma análise quantitativa do ciclo de política no Brasil. Foram publicados um livro, 10 capítulos, 36 artigos, 24 teses e 43 dissertações que tratam ou utilizam o ciclo de políticas como referencial metodológico em pesquisas que abordam políticas educacionais. Tal abordagem contribuiu para a visibilização das reinterpretações, ajustes e adaptações dos quais as políticas são alvo quando aplicadas à realidade, em uma perspectiva de totalidade, articulando contextos de influência ideológica, a produção do texto legislativo em si e a prática.

O sexto capítulo, escrito por César Tello e Jorge M. Gorostiaga, trata da metodologia cartografia social. O texto Aportes da cartografia social para uma epistemetodologia do visual na pesquisa sobre política educativa descreve o enfoque metodológico da cartografia social, baseado na análise textual que busca a representação de fenômenos.

Enquanto enfoque epistemetodológico, a cartografia social configura preciosa ferramenta para a caracterização e identificação de argumentos e perspectivas diversas. A metodologia se constitui como uma importante ferramenta de pesquisa que pode ser combinada com outros métodos e técnicas para um estudo crítico das políticas educacionais.

O livro é finalizado com o sétimo capítulo, (Des)construindo caminhos: propostas para uma análise política dos textos jurídicos educativos, com autoria de Renata Giovine e Juan Suásnabar. O artigo traz uma descrição das contribuições da neoinstitucionalização para o campo das políticas educacionais, permitindo investigar relações de poder entre os diferentes níveis e setores governamentais em torno da regulação e definição das institucionalizações. Propõe uma análise das constituições e leis, a reinstalação da agenda política e a necessidade de uma reconstrução histórica das políticas públicas.

O Posfácio, escrito também pelos organizadores do livro, César Tello e Maria de Lourdes Pinto de Almeida, retoma a questão inicial e reflete sobre os desafios da ordem competitiva capitalista para as políticas educacionais: o que, por que e para quem se investiga? Qual o vínculo entre as Políticas Educacionais e a promoção de justiça educativa? Abordando a questão de um ponto de vista materialista, histórico e dialético, compreendendo a produção de conhecimento enquanto prática política não mecanizada, o texto mostra que se torna impossível determinar instrumentos prescritivos completamente fechados para a compreensão. Nesse sentido, a questão permanece aberta, embora clarificada pelas diferentes abordagens apresentadas.

O livro apresenta ao leitor diversas perspectivas epistemológicas e epistemetodológicas nas pesquisas em Política Educacional, contribuindo para a compreensão e o fortalecimento do campo de investigação. A obra se converte em bibliografia necessária para a formação de todas as categorias de acadêmicos interessados em se apropriarem de um leque teórico abrangente relativo à pesquisa em política educacional, desde estudantes de graduação até estudantes dos diferentes níveis de pós-graduação e professores da academia. Considerando a dinamicidade do campo e a pluralidade de concepções sobre o que é produção de conhecimento em política educativa, este livro cumpre bem o desafio de produzir, a partir de diferentes referenciais, um pano teórico sólido e convergente.

REFERÊNCIA

TELLO, C.; ALMEIDA, M. de L. P. de. (Org.). Estudos Epistemológicos no campo da pesquisa em política educacional. 1. ed. Campinas: Mercado das Letras, 2013.

Recebido em: 14 de abril de 2016

Aceito em: 15 de agosto de 2016

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Roteiro, Joaçaba, v. 41, n. 3, p. 743-748, set./dez. 2016