http://dx.doi.org/10.18593/r.v41i1.10117

APRESENTAÇÃO

A NARRATIVA NA PESQUISA E NA FORMAÇÃO DOCENTE

O Dossiê A narrativa na pesquisa e na formação docente, apresentado neste volume da Revista Roteiro, é fruto da interlocução entre investigadores e grupos de pesquisa que vêm apostando na narrativa, em suas diferentes possibilidades, como potencialidade de modos outros de investigar o(s) fenômeno(s) educativo(s) e de viver o processo de formação pautados na horizontalidade, na alteridade, na solidariedade e no diálogo com o outro.

Por se tratar de uma dimensão constitutiva do humano, presente em diferentes situações e relações sociais, a narrativa vem sendo, cada vez mais, foco de investigação no campo das ciências sociais e humanas. Por meio dela, busca-se compreender, atribuir sentido, desvelar, legitimar e desinvisibilizar diferentes lógicas, culturas, ações e processos vividos por diferentes grupos sociais. Todavia, a narrativa não é apenas o fenômeno investigado, isto é, o que se investiga, mas é, também, o “método de análise”, o como se investiga.

Na Rede de Formação Docente: Narrativas e Experiências1, à qual estamos vinculados, temos investido nessa opção epistemo-político-metodológica. Compreendemos que a narrativa está presente em todas as instâncias cotidianas de nossa vida, pois o modo como a vivemos e a maneira como atribuímos sentido aos acontecimentos e às experiências, recuperando-as e partilhando-as, é realizado narrativamente. Narrar é constitutivo do humano.

Nesse sentido, o Dossiê aqui proposto busca partilhar diferentes usos e experiências envolvendo a narrativa em ações investigativo-formativas realizadas por distintos grupos de estudos e pesquisas em variados estados e regiões do Brasil, além de Argentina e Espanha.

José Contreras Domingo abre o dossiê com o texto Tener histórias que contar: profundizar narrativamente la educación, no qual partilha histórias vividas por professores e estudantes e sublinha a narrativa como uma possibilidade de adentrar, compreender e melhor perceber o “mundo da educação”. Defende a experiência educativa como um ato sensível de aprendizagem e formação.

A seguir, no artigo “Fazer” (e narrar) experiência na pesquisa e na formação de professores, Carmen Lúcia Vidal Pérez e Aline Cântia Corrêa Miguel articulam criativamente conceitos de Walter Benjamin e Jorge Larrosa, a fim de pensar outros possíveis para a pesquisa em educação e para a formação de professores. Problematizam, nesse sentido, a narrativa como dispositivo de formação e de investigação.

Em Narrativas da experiência: do sujeito epistêmico ao sujeito biográfico, Maria da Conceição Passeggi tematiza narrativas da experiência como dispositivos de pesquisa-formação e defende o processo formativo como um contínuo. Por meio do trabalho com memoriais autobiográficos e entrevistas narrativas, sugere uma “epistemologia do sujeito biográfico” interrogando binômios clássicos da ciência moderna, como razão/emoção, público/privado, padecer/empoderamento.

No diálogo com diferentes narrativas de professores e estudantes, Maria Luiza Süssekind e Viviane Lontra, no artigo Narrativas como travessias curriculares: sobre alguns usos da pesquisa na formação de professores, defendem os currículos como “conversas complicadas” e apostam na reinvenção do trabalho de campo frente à multiplicidade dos espaços-tempos de formação e autoformação docente constituídos por redes de conhecimentos e subjetividades.

A potencialidade da narrativa em processos de formação inicial de professores é o foco de A pesquisa narrativa na formação de professores: aproximações que se potencializam, de autoria de Fábio Mariani e Fabiana Maria de Arruda Monteiro. Os autores compartilham os resultados de uma investigação narrativa desenvolvida no grupo de pesquisa ao qual se vinculam. Sublinham que o exercício narrativo-investigativo, vivenciado pelos docentes, abre possibilidades de reflexão e ressignificação da prática pedagógica.

Os princípios éticos, políticos e teóricos de experiência, alteridade, igualdade e horizontalidade são constitutivos da ação de investigação-formação socializada no artigo de Tiago Ribeiro, Carmen Sanches Sampaio e Rafael de Souza - Investigar narrativamente a formação docente: no encontro com o outro, experiências... Por meio de reflexões acerca de encontros de filosofia com crianças de 5 anos, estudantes da Educação Infantil, e quatorze bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Incentivo à Docência (PIBID), vinculados ao subprojeto PIBID/Educação Infantil/Pedagogia/Unirio, os autores buscam “compartilhar maneiras possíveis de pensar, viver e fazer a pesquisa narrativa”.

Já Danise Grangeiro Gondim, uma brasileira-argentina, reflete sobre o papel da escrita narrativa de docentes argentinos aposentados, como uma forma de ócio produtivo, no contexto do dispositivo da documentação narrativa de experiências pedagógicas. A autora, em seu artigo La relación entre la documentación narrativa de experiencias pedagógicas y el ocio productivo de docentes jubilados, destaca que repensar, escrever e partilhar experiências pedagógicas é um exercício que “põe em questão o sentimento de vazio, silêncio e solidão vivido por esses sujeitos”, professores e professoras aposentados/as.

O artigo Investigação narrativa na formação de professores de Química, de Aline Machado Dorneles e Maria do Carmo Galiazzi, destaca a importância da pesquisa e da escrita narrativa para a autoria docente, na formação de professores de Química. Enfatiza que documentar narrativamente a experiência vem potencializando a conversa e processos colaborativos de leitura e escrita na formação dos licenciandos de Química na Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

Por sua vez, em Relatos de professoras, andanças de sentidos, Mitsi Pinheiro de Lacerda e Annete Montes Lanzaroti Hosken trazem “histórias de escolas, narradas por professoras”. São narrativas orais, posteriormente transcritas, fruto de encontros atravessados pelo acontecimento, pela indignação, pela postura política. Relatos, historicamente deslegitimados, que dão a ver potencialidades dos saberes docentes tecidos cotidianamente na escola.

Investigar ritos de passagem de estudantes de escolas rurais para as escolas da cidade é o foco do artigo Ritos de passagem de estudantes de classes multisseriadas rurais nas escolas da cidade, de Elizeu Clementino de Souza, Nanci Rodrigues Orrico, Fábio Josué Souza Santos e Ana Sueli Teixeira de Pinho. Os autores buscam apreender modos como os estudantes vivenciam essa transição, por meio do trabalho com suas narrativas autobiográficas, entrevistas narrativas e análise documental.

Das narrativas de estudantes de classes multisseriadas rurais concluintes do quinto ano do ensino fundamental passamos a narrativas de crianças da Educação Infantil, com o texto Pipocas pedagógicas na educação infantil: As conversas entre as crianças dizem muito aos educadores, de Guilherme do Val Toledo Prado e Juliana Terra. O artigo nos ajuda a compreender que conversa de criança é coisa séria e muito nos ensina. Falas que provocam a pensar sobre relações de gênero, étnico-raciais, religiosidade, drogas e temas outros, muitas vezes invisibilizados no cotidiano escolar.

Encerrando este dossiê, Renata Cristina da Cunha e Rosa Maria Moraes Anunciato de Oliveira, por meio do artigo Diálogos autobiográficos: Possibilidades formativas do conhecimento de si no início da docência superior, transportam-nos do universo da escola de crianças pequenas para a universidade. Narrativas autobiográficas de três professores iniciantes no ensino superior revelam o processo formativo vivenciado por esses sujeitos. Ademais, as autoras ressaltam as narrativas autobiográficas como estratégias formativo-investigativas potentes, sobretudo, por possibilitar que o professor compartilhe “suas experiências e aprendizagens consigo e com seus pares”.

O nosso desejo é que os textos deste Dossiê possam nos instigar a “ir contra o curso natural das coisas”, como nos propõe o pedagogo Joseph Jacotot. Pensar e praticar ações de investigação-formação apostando nas narrativas, verbais e não verbais, cria espaços de visibilidade de saberes e fazeres cuja legitimidade é tão comumente negada. O que, afinal, têm a dizer docentes, jovens e crianças que movem os cotidianos com a miudeza de suas ações?

Carmen Sanches Sampaio

Tiago Ribeiro

Rafael de Souza

(Organizadores)

Roteiro, Joaçaba, v. 41, n. 1, p. 11-14, jan./abr. 2016


1 Rede Formad. Disponível em: <https://sites.google.com/site/redeformad/>.