GLOBAL MINDSET DE EMPRESAS DE PAÍSES EMERGENTES: COMPARAÇÕES COM AS FIRST MOVERS E O IMPACTO DA INTERNACIONALIZAÇÃO
Germano Glufke Reis*
Felipe Borini**
Resumo
Este trabalho investigou o global mindset (mentalidade global) das empresas inter- nacionalizadas de países emergentes (late movers). Por serem novatas na compe- tição internacional, elas podem apresentar menor mentalidade global do que as multinacionais de países desenvolvidos (first movers). Assim, esta pesquisa testou se a origem em um país emergente pode, efetivamente, influenciar a mentalidade global das empresas. Os resultados indicaram que o fato de ser late mover não é o principal fator impactante, mas sim o grau de internacionalização. Dessa forma, independente de sua origem – se em países emergentes ou desenvolvidos – quanto mais internacionalizada é a empresa, maior tenderá a ser a sua mentalidade global.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho investiga o global mindset – ou mentalidade global
– das empresas internacionalizadas de países emergentes, as late movers (BAR- TLETT; GHOSHAL, 2000). Por serem novatas na competição internacional, elas podem apresentar menor mentalidade global do que as multinacionais de países desenvolvidos (first movers). Assim, esta pesquisa testou se a origem em um país emergente pode, efetivamente, influenciar a mentalidade global (MG) das empresas.
*Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo e University of Cambridge (Sanduiche); Mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas; Professor e pesquisador do Programa de
**Doutor em administração pela Universidade Federal de São Paulo; Mestre em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Professor e pesquisador do Programa de Pós Graduação em Administração - Gestão Internacional da ESPM; Professor da Universidade Federal de São Paulo na área de Administração Geral; fborini8@gmail.com
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A MG tem merecido atenção crescente na literatura de negócios inter- nacionais
Além disso, o conceito de MG também emerge como uma resposta a questões que já são debatidas há algum tempo no campo de estratégias interna- cionais, como as tensões entre alinhamento global e resposta local ou sobre os desafios para as organizações transnacionais (BARTLETT; GHOSHAL, 1998). À medida que operam internacionalmente, as empresas (e seus gestores) devem ser capazes de identificar negócios globais, integrar operações internacionais (o que envolve relacionamentos interculturais com múltiplos players) e, simultaneamen- te, devem ter a capacidade de responder a contextos locais (que têm mercados, culturas e regulamentações específicos). O nível de MG da empresa influencia na sua capacidade de coordenar tais aspectos (GUPTA; GOVINDARAJAN, 2002). Nesse sentido, vários autores sugerem que a MG impacta não só o desenho de estratégias internacionais, mas, também, as suas possibilidades de sucesso (BOU- QUET, 2005; JAVIDAN, et al., 2011; LEVY, 2005; LEVY et al., 2007), o que estimula a atração pelo tema.
No caso das empresas emergentes, o debate sobre a MG apresenta peculiaridades.
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Global Mindset de empresas de países emergentes...
et al., 2010; BORINI et al., 2007; RAGHAVAN, 2008; SRINIVAS, 1995; YIN; JOHNSON; BAO, 2008). A melhor compreensão desse aspecto poderia trazer benefícios bastante práticos, indicando necessidades, caminhos e maneiras de as empresas emergentes fortalecerem a sua MG. Os estudos empíricos sobre MG envolvendo empresas late movers são, contudo, escassos (ANANTHRAM et al., 2010; YIN; JOHNSON; BAO, 2008).
Por outro lado, a literatura também tem debatido quais seriam as carac- terísticas que diferenciam as empresas dos países emergentes no seu processo de internacionalização, se comparadas às empresas de países desenvolvidos. Embora alguns autores sejam céticos em relação a esse tema (RUGMAN, 2009), colocando que a teoria existente, que explica o processo das first movers, seja suficiente para que se compreenda as late movers, outros têm enfatizado a importância de se de- senvolver teorias e evidências empíricas específicas, para que se possa compreen- der melhor a expansão das emergentes (MATHEWS, 2006; FLEURY; FLEURY, 2009, 2011; GOLDSTEIN, 2007; GUILLEN;
Assim, dois dos aspectos que motivaram este estudo são: a necessidade de se compreender melhor as especificidades da MG nas late movers (em relação às first movers) e a lacuna
Contudo, também se deve levar em conta que a internacionalização tem sido um processo real e consistente para muitas dessas organizações pois, nos úl- timos anos, têm aprendido a competir e crescer em mercados globais, elaborando operações cada vez mais complexas (WILLIAMSON et al., 2013). Consideramos que a exposição a novos mercados, o aprendizado na expansão global, o contato crescente com novas culturas, poderia levar a um aumento de MG nessas empre- sas. De fato, a relação positiva entre a exposição internacional da empresa (e dos seus gestores) e o desenvolvimento dessa dimensão encontra respaldo em pesqui- sas anteriores (ANANTHRAM et al., 2012; MURTHA et al., 1998; NUMMELA et al., 2004). Por essa razão, a segunda questão de pesquisa é: qual é o impacto do grau de internacionalização sobre a MG das empresas late movers?
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O artigo está estruturado em cinco seções: a primeira é esta introdu- ção; a seguir, é apresentado o referencial teórico sobre MG, no qual são colocadas implicações para as empresas late movers e os possíveis impactos da internaciona- lização sobre a MG. Na segunda seção, são propostas as hipóteses da pesquisa; a terceira descreve a metodologia e a amostra. A quarta e a quinta seções apresen- tam, respectivamente, os resultados do estudo e as considerações finais.
2 MENTALIDADE GLOBAL
O trabalho seminal de Perlmutter (1969) é uma referência importan- te nesta área e influenciou muitos dos autores posteriores; as ideias centrais de Perlmutter ainda têm muito vigor. Embora utilize a expressão “perspectiva geo- cêntrica” em vez de mentalidade global (MG), a literatura tem interpretado estes termos como análogos (LEVY et al., 2007). Assim, em um extremo, o geocentrismo implica uma abordagem global tanto na matriz como em unidades estrangeiras da multinacional; no outro extremo, o etnocentrismo (baixo MG) acarreta que a visão de mundo e os padrões do país de origem direcionam a gestão das operações em outras partes do mundo. No etnocentrismo, a perspectiva do país de origem é incor- porada como a mais adequada para todos os casos. Ela se desdobra na forma como são interpretados, por exemplo, outras culturas e mercados.
Essa análise destaca a relação existente entre a mentalidade da gestão organizacional (mindset gerencial) e estratégias internacionais, na qual a primeira é antecedente da segunda: a estratégia global depende em boa parte da visão de mun- do dos executivos. Esse aspecto é recorrente em artigos tanto da área de estratégia (BARTLETT; GHOSHAL, 1990, 2000), como em artigos diretamente ligados ao debate sobre MG (ARORA et al., 2004; BOUQUET, 2005; GUPTA; GOVINDA- RAJAN, 2002; KOBRIN, 1994; LEVY et al., 2007; MURTHA et al., 1998). Além disso, encontra suporte em um campo específico, o da perspectiva cognitiva em estratégia (NARAYAN et al., 2011).
Esses trabalhos sobre MG enfocam, sobretudo, o nível organizacional de análise, procurando entender como essa dimensão impacta o comportamento estratégico das organizações.
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Global Mindset de empresas de países emergentes...
eles
Neste estudo adotamos a primeira abordagem – a que enfoca o nível or- ganizacional de análise – por
Embora não haja uma definição consensual para MG,
Quadro 1 – As dimensões da mentalidade global
Dimensões |
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Operacionalização |
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Conexões com a |
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literatura |
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- Apresentar comprometimento e esforço para com- |
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preender os mercados estrangeiros, incluindo clien- |
Arora et al., 2004; |
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tes, competidores e a situação geral dos mercados; |
Bartlett; |
Ghoshal, |
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Orientação global |
- Estar comprometido com investimentos (atuais e |
2000; |
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Bouquet, |
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futuros) no exterior; |
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2005; |
Gupta; |
Go- |
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- Estar desenvolvendo uma rede mundial de relacio- |
vindarajan, |
2002; |
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namentos envolvendo fornecedores, distribuidores, |
Levy, 2005. |
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firmas parceiras e clientes. |
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- Conhecer culturas, sistemas sociopolíticos, econômicos, |
Arora |
et |
al., |
2004; |
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Conhecimento |
financeiros e legais dos países em que atua; |
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Bartlett; |
Ghoshal, |
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global |
- Conhecer o mercado de atuação, a nível global; |
2000; Harveston et |
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- Ter conhecimento suficiente a respeito dos merca- |
al., 2000; Numme- |
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dos- chave e sobre a indústria, em uma escala global. |
la et al., 2005. |
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trabalhar, |
de |
forma |
efi- |
Gupta; |
Govinda- |
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ciente, |
com |
pessoas |
de diferentes culturas; |
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rajan, |
2002; |
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Har- |
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- Ter |
profissionais com domínio |
em línguas |
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Habilidades globais |
veston et al., 2000; |
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faladas |
nos |
mercados/países |
em |
que |
atua; |
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Nummela et |
al., |
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- Apresentar habilidade de comunicação com pesso- |
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2005; |
Maznevski; |
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as de outros países, empregando sistemas de infor- |
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Lane, 2004. |
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mação e de telecomunicações. |
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Fonte: os autores. |
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Assim, por exemplo, autores como Arora et al. (2004) investigaram a MG de empresas de tecido e vestuário dos Estados Unidos, analisando aspectos associados à orientação global e ao conhecimento global. Observaram que, nessas organizações, a primeira dimensão
Já Gupta e Govindarajan (2002) enfatizam, além da orientação global, a necessidade das empresas saberem lidar com outras culturas (habilidades glo- bais). Maznevski e Lane (2004) enfatizam a importância do desenvolvimento de habilidades interculturais (habilidades globais) entre os gestores, para que as em- presas sejam capazes de responder às demandas locais e propiciar a atuação de equipes multiculturais. A mesma perspectiva é compartilhada por Nummela et al. (2005), que identificaram que experiências internacionais (dos gestores) propi- ciam o fortalecimento da MG. Por outro lado, Harveston et al. (2000) colocam que dimensões como conhecimentos sobre outros países e capacidades de adaptação no exterior (conhecimentos e habilidades globais) contribuem para acelerar a ex- pansão global de pequenas empresas,
2.1 IMPLICAÇÕES PARA AS LATE MOVERS
Bartlett e Ghoshal (2000) enfatizam que uma grande barreira a ser su- perada pelas empresas de países emergentes
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Global Mindset de empresas de países emergentes...
competitivas já existentes na empresa. A questão da MG
Em boa parte, a visão de mundo dessas organizações pode ser atribuída à sua história e ao ambiente em que se desenvolveram. As emergentes apresen- tam algumas características marcantes: uma delas é que demoraram a internacio-
Esse é o caso, por exemplo, das empresas brasileiras. É possível que o cenário que predominou até o final de 1980, caracterizado por um mercado inter- no protegido, pela economia fechada e pela dependência do governo (FLEURY; FLEURY, 2011), tenha contribuído para a criação de uma mentalidade “paro- quial”, provinciana, em alguns setores da indústria, ou seja, para a configuração de um estilo empreendedor e de gestão excessivamente direcionado para dentro do país, para o mercado doméstico, perdendo de vista os mercados globais. A pre- sença dessa postura direcionada para o ambiente interno (etnocêntrica) e os de- safios que ela impõe para a internacionalização de empresas brasileiras, têm sido mencionados na literatura (CYRINO; BARCELLOS, 2006; ROCHA; SILVA; CARNEIRO, 2007; TANURE; CYRINO; PENIDO, 2007). Cyrino e Barcellos (2006, p. 244), em especial, explicam que as empresas brasileiras ainda veem o mundo segundo uma “ótica brasileira”, e que executivos, proprietários e conse- lheiros ainda têm pouca experiência internacional.
Aspectos análogos têm sido associados a late movers de outros países. Yin, Johnson e Bao (2008) encontraram, em empresas chinesas, um baixo grau de MG; eles relacionam esse resultado a características do país: apesar de sua progressiva presença na economia global nas últimas duas décadas, boa parte do seu crescimento econômico é direcionado para o mercado interno. Além disso, a maioria das empresas tem operado, há anos, de acordo com os planos do regime comunista e ainda tem pouca experiência nos mercados internacionais. Desse modo, tudo indica que o ambiente social, econômico e institucional nos países em que as emergentes foram criadas influencia a formatação da sua MG, carac- terizando o que Berger (2005) considera como um “legado” do contexto em que essas empresas evoluíram no passado.
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Logo, essas considerações levam a propor que:
a)H1a: As empresas de países emergentes, late movers, têm global mindset menor do que as empresas de países desenvolvidos, first movers.
b)H1b: A MG das empresas late movers está associada ao fato de sua origem ser em um país emergente.
2.2IMPACTOS DA EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL
Sullivan (1994) e, também, Cavusgil e Kirpalani (1993) empregam a aná- lise do grau de internacionalização das empresas como forma de caracterizar e ex- plicar a sua internacionalização. Sullivan (1994) e Ruigrok e Wagner (2003) expli- cam que o grau de internacionalização pode ser medido por meio de indicadores de desempenho, estruturais e/ou atitudinais. Na ótica dos indicadores de desempenho, o grau de internacionalização de uma empresa aumenta conforme crescem as suas vendas (ou exportações) no exterior, em relação às vendas totais ou, ainda, confor- me aumentam os lucros no exterior, em relação aos lucros totais. Os indicadores es- truturais, por sua vez, medem o grau de internacionalização em função do número de filiais no exterior, por exemplo, de acordo com o número de ativos no exterior em relação aos ativos totais ou, alternativamente, pela proporção de pessoas da em- presa trabalhando em outros países, em relação ao total de colaboradores da mesma. Por fim, os indicadores atitudinais medem quanto o alto escalão da empresa tem de experiência em negócios internacionais, bem como a dispersão psíquica para as operações internacionais. Esse último aspecto tem uma relação muito alta com o mindset global das empresas que o presente artigo aborda. Contudo, não é certo que, quanto maiores forem os indicadores de desempenho e estruturais, maior será o indicador atitudinal, ou seja, a MG será maior, por exemplo. Assim, é importante verificar se o grau de internacionalização, em termos de desempenho e estrutura, tem relação com o grau de MG existente nas empresas.
Ananthram et al. (2010), ao estudarem late movers indianas e chinesas, observaram que, à medida que se internacionalizam e
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Global Mindset de empresas de países emergentes...
De fato, embora o ambiente local (contexto histórico, institucional, cultural, etc.) desempenhe um papel relevante na constituição do estilo de gestão de empresas (e no seu nível de MG), é esperado que a exposição gradativa ao cená- rio competitivo internacional exerça um processo de transformação continuada nessa configuração (FLEURY; FLEURY; REIS; BORINI, 2010). Experiências internacionais de executivos, interações com redes globais, com novos mercados e clientes, com novas culturas, etc. favorecem o desenvolvimento da MG. Assim, é possível que haja diferenças entre as empresas emergentes quanto à MG, em função do estágio em que se encontram em seu processo de expansão global e do seu grau de internacionalização.
Portanto,
3 METODOLOGIA
Foi realizado um survey com executivos de empresas que atuam no Bra- sil. A coleta de dados replicou os procedimentos adotados por Yin, Johnson e Bao (2008). Eles envolveram respondentes de programas Master of Business Administra- tion (MBA); a escolha por esse procedimento também foi motivada pelo interesse em incluir, na pesquisa, empresas com características e graus de internacionaliza- ção diversos. Nesse caso, foram selecionados apenas programas MPA (Mestrado Profissionalizante em Administração) e MBAs executivos, frequentados por ges- tores seniores, de duas escolas de gestão de primeira linha: uma em São Paulo e outra em Minas Gerais. Foram respondidos questionários compostos de questões do tipo likert (com 7 opções de concordância). Desses, foram excluídos aqueles que continham erros de preenchimento, foram respondidos por gestores de esta- tais e aqueles que se relacionam a empresas que atuam apenas no mercado interno (não internacionalizadas). Ao todo, restaram 66 questionários válidos (n = 66).
As limitações do survey empregado residem no fato de se tratar de uma pesquisa com uma amostra não probabilística e acessada por conveniência. Com esses aspectos, e
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3.1 AMOSTRA
Com relação ao perfil dos respondentes, 11,4% são do sexo feminino e 88,6% do sexo masculino. A idade média dos respondentes é de 36,8 anos (d.p.= 7.6; máx = 55; mín. = 25). Por outro lado, 58,5% dos respondentes têm mais de 3 anos de empresa. Quanto ao nível hierárquico dos respondentes, 32,3% são diretores e 67,7% gerentes seniores.
As empresas representadas na amostra têm suas matrizes em diferentes países. O grupo de empresas de países emergentes, late movers, é discretamente maior, com 53% das empresas da amostra. Ele é constituído de 29 empresas bra- sileiras, 4 mexicanas, uma argentina e uma chinesa. Por outro lado, o grupo de empresas de países desenvolvidos, multinacionais first movers, representou 47% da amostra. Engloba 15 empresas dos EUA, 3 da Inglaterra, 2 da Alemanha, 2 da França, 2 do Canadá; os demais países deste grupo tiveram um representante cada (Finlândia, Espanha, Holanda, Suécia). Todas as empresas da amostra têm operações internacionais (de exportações a plantas produtivas).
As empresas atuam, em sua maioria, na indústria automobilística (11%), comercializam commodities (9%), atuam no setor de telecomunicações (8%) e na indústria de eletroeletrônicos (8%); tais setores são representados tanto no grupo das empresas first movers como no das late movers. A amostra também com- preende empresas que atuam em: serviços técnicos especializados (consultoria, engenharia), alimentos, indústria financeira, indústrias química e petroquímica, tecnologia de informação, bebidas, cimento, embalagens, farmacêutica, bens de capital, siderurgia, construção civil, celulose e papel, entre outras. O número mé- dio de colaboradores nas empresas representadas é de 46.498,55 (d.p.= 77.649,61; máx = 360.000; mín = 130).
3.2 CONSTRUCTOS
O constructo mentalidade global resultou da adaptação do construto adotado por Yin, Johnson e Bao (2008), envolvendo as dimensões orientação glo- bal, conhecimento global e habilidades globais (ver Quadro 1). Além dos itens já enumerados no Quadro 1, foram adicionados os seguintes, com base em Gupta e Govindarajan (2002): ter capacidade para identificar novas oportunidades globais para o negócio, os gestores das subsidiárias terem capacidade para adaptarem-
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Global Mindset de empresas de países emergentes...
as subsidiárias. Um dos itens do questionário original foi excluído em razão da dificuldade de interpretação dos respondentes nos
A análise do grau de internacionalização das empresas adotou parâ- metros baseados na literatura (SULLIVAN, 1994; UNCTAD, 2008): vendas no exterior em relação a vendas totais; exportações sobre vendas totais; lucros no ex- terior em relação a lucros totais; ativos no exterior (unidades, escritórios e outros investimentos) em relação aos ativos totais e à proporção de pessoas da empresa trabalhando em outros países, em relação ao total de colaboradores da empresa. Para a análise do grau de internacionalização foi utilizado um composto a partir da seguinte escala, constante no questionário de pesquisa: 1 = menos de 1%; 2 = 1 a 10%; 3 = 10,1 a 20%; 4 = 20,1% a 30%; 5 = 30,1% a 40%; 6 = 40,1% a 50%; 7 = acima de 50,1%; 0 = não se aplica.
Quanto ao fato da empresa ser late mover ou first mover foi medido por meio de uma variável dummy que assinalava 0 para as empresas brasileiras e 1 para as estrangeiras.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Assumida a normalidade dos constructos da MG das empresas estuda- das (teste Kolmogorov), foram comparadas as médias das empresas, o que indicou haver diferenças significantes (teste t) entre os escores médios das organizações emergentes e estrangeiras para as dimensões orientação global, conhecimento glo- bal e habilidades globais. As empresas de países desenvolvidos têm orientação, co- nhecimento e habilidade global superior às emergentes (ver Tabela 1). Tal resultado suporta H1a: As empresas late movers têm MG menor do que as estrangeiras.
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Tabela 1 – Comparação de médias para a MG de empresas late movers versus first movers
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Tipo |
Média |
Desvio |
t |
sig |
|
|
padrão |
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||
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|
Orientação global |
late |
5,0128 |
1,08965 |
,000 |
||
first |
5,9643 |
,81852 |
||||
|
|
|
||||
Conhecimento global |
late |
4,7158 |
1,01356 |
,000 |
||
first |
5,8571 |
1,05941 |
||||
|
|
|
||||
Habilidade global |
late |
4,5736 |
1,38980 |
,000 |
||
first |
5,8661 |
,93165 |
||||
|
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|
Fonte: os autores.
A Tabela 2 permite que se tenha uma noção geral sobre o grau de in- ternacionalização das empresas estudadas. Evidencia que, segundo os parâmetros utilizados (comparação das médias), as multinacionais de países desenvolvidos
Tabela 2 – Diferenças no grau de internacionalização das empresas brasileiras e estrangeiras estudadas Group Statistics
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Tipo |
Média |
Desvio |
t |
sig |
|
|
padrão |
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|
|
|
|
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||
Vendas no exterior em relação a vendas to- |
late |
3,66 |
2,06 |
,000 |
||
tais |
first |
6,54 |
,86 |
|
||
|
|
|||||
Exportações sobre vendas totais |
late |
3,68 |
1,94 |
,002 |
||
first |
5,53 |
1,90 |
|
|||
|
|
|
||||
Lucros no exterior em relação a lucros totais |
late |
3,67 |
2,20 |
,000 |
||
first |
6,22 |
1,31 |
|
|||
|
|
|
||||
Ativos no exterior (unidades, escritórios e |
late |
2,69 |
1,87 |
,000 |
||
outros) |
||||||
|
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|
|
|
Fonte: os autores.
Em princípio, o resultado expressa, então, uma associação entre os graus de internacionalização estrutural e de desempenho com a MG. Contudo, dado que as first movers têm maior grau de internacionalização e maior MG, torna-
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Para tanto, a Tabela 3 apresenta os modelos de regressão linear múltipla para as variáveis dependentes: conhecimento global, orientação global e habili- dade global. As variáveis independentes são o tipo (first versus late mover) e o grau de internacionalização.
Tabela 3 – Modelos de Regressão
|
OG |
CG |
HG |
VIF |
|
|
|
|
|
Constante |
3,893 |
3,416 |
3,638 |
|
Grau de internacionalização |
0,319** |
0,370** |
0,266* |
2,122 |
Tipo |
0,162 |
0,225 |
0,633 |
2,122 |
R2 ajustado |
0,284 |
0,349 |
0,240 |
|
F |
14.086** |
18.726** |
11.858** |
|
1,980 |
1,838 |
1,917 |
|
Fonte: os autores.
Nota: ** <0.01; * 0.05
OG = Orientação Global; CG = Conhecimento Global; HG = Habilidade Global
Os resultados mostram que o grau de internacionalização tem maior impacto para explicar as dimensões da MG: orientação global (OG), conhecimen- to global (CG) e habilidades globais (HG). Os resultados dos modelos mostram uma associação significativa entre as variáveis grau de internacionalização e MG, em depreciação da relação com o tipo de empresa. Desse modo, não é possível suportar H1b: A MG das empresas late movers está associada à sua origem em um país emergente. Por sua vez, os resultados suportam a relação estabelecida em H2: A MG das late movers está associada ao seu grau de internacionalização.
Esse resultado é sugestivo, pois indica que, à parte de possíveis influ- ências do local de origem, ou de se a empresa é first mover ou late mover, o grau de internacionalização da empresa tem impacto na MG. Isso mostra que existe uma associação entre o MG das empresas e o grau de internacionalização estrutural e de desempenho. É possível que haja, nessa relação, uma influência em duplo sentido: por um lado, empresas com maior MG comprometem maiores recursos no exterior; por outro, é possível que a MG se amplie ao longo do processo de
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expansão no exterior. Contudo, a linha de raciocínio que foi traçada no presente artigo defende a segunda visão, ou seja, o grau de internacionalização estrutural e de desempenho antecede a formação do MG, uma vez que depende de uma rela- ção mais complexa de ativos e comportamentos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A temática da MG é de relevância para empresas com internacionali- zação recente, as late movers. Especialmente para aquelas que, como as brasileiras, vieram de ambientes de negócios que só intensificaram a sua integração à eco- nomia global a partir de 1990. Esse é o caso de diversas multilatinas (CUERVO-
De fato, este trabalho evidenciou que, no geral, a MG das empresas internacionalizadas de países emergentes ainda é mais baixa do que a de organi- zações de países desenvolvidos. Os resultados aqui apresentados não são, entre- tanto, passíveis de generalização (em função da composição da amostra e do fato de ela ter sido formada por conveniência). Novos estudos são necessários para que se proponham respostas conclusivas às questões propostas.
Embora possa haver uma associação entre o país de origem e a MG – com as emergentes tendendo a apresentar, comparativamente, uma MG menor do que as first movers – o ambiente institucional, o país de origem, não parece ser, contudo, o determinante central da MG. De fato, os resultados deste traba- lho indicaram que o fato de ser late mover não é o principal fator impactante na MG, mas o grau de internacionalização da empresa. Assim, independente de sua
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origem, se em países emergentes ou desenvolvidos, organizações mais interna- cionalizadas tendem a apresentar maior MG. Esse aspecto reforça que a expansão global e a exposição a novos mercados, envolvendo o comprometimento crescente de ativos no exterior, leva à ampliação da MG da empresa. Ainda que originada em um país emergente, à medida que desenvolve suas operações no exterior e se expõe internacionalmente, uma empresa tende a desenvolver a sua MG. Esse fato é condizente com as análises de Bartlett e Ghoshal (2000) que mostram que, uma vez superado o mindset provinciano e a falta de perspectiva global, as late movers podem
Assim, abordagens longitudinais seriam indicadas em futuras pesqui- sas, pois permitiriam observar como evolui a MG, no processo de internacio- nalização de empresas emergentes. Outros estudos, também, poderiam observar como a MG influencia a internacionalização e quais são, efetivamente, os seus impactos sobre estratégias e performance.
Global mindset of emerging countries firms: comparisons with first movers and the internationalization impact
Abstract
This article investigates the global mindset of internationalized emerging countries´ companies (late movers). Because they are newcomers in the international arena and in global competition they may have lower global mindset than multinationals from devel- oped countries (fist movers). Therefore, the study tested whether the origin in an emerging country may indeed influence the global mindset of companies. Results indicate that the fact of being a late mover is not the main impacting factor on global mindset, but rather the company´s degree of internationalization. Thus, regardless of its origin – whether in emerging or developed countries – the more internationalized are firms, the higher tend to be their global mindset.
Keywords: Global mindset. Internationalization. Emerging countries. Late movers.
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Recebido em 30 de janeiro de 2013
Aceito em 20 de agosto de 2013
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