https://doi.org/10.18593/race.22099

OS SIGNIFICADOS DO CRÉDITO PARA AS FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA

The meanings of credit for low-income families

Gilberto Venâncio Luiz

E-mail: gilberto.luiz@ufv.br

Doutor em Economia Doméstica – UFV

Endereço para contato: Instituto de Ciências Humanas e Sociais – UFV/CRP, Km 7 – Zona Rural, MG-230, Rodoviário – Rio Paranaíba – MG

https://orcid.org/0000-0003-4826-2571

Neuza Maria da Silva

E-mail: neuzams@ufv.br

Doutora em Economia da Família e do Consumidor – Purdue University

Endereço para contato: Av. Peter Henry Rolfs – Campus Universitário – Viçosa – MG

https://orcid.org/0000-0002-4318-1628

Marcelo de Rezende Pinto

E-mail: marcrez@hotmail.com

Doutor em Administração pela UFMG

Endereço para contato: Av. Itaú, 525 – Bairro Dom Cabral – Belo Horizonte – MG

https://orcid.org/0000-0002-3251-2460

Artigo recebido em 28 de agosto de 2021. Aceito em 07 de abril de 2022.

RESUMO

Esse artigo relata resultados de uma pesquisa cujo objetivo foi compreender os significados do crédito pelas famílias de baixa renda. Na pesquisa, com abordagem qualitativa e baseada na grounded theory, foram investigadas famílias de baixa renda de uma cidade do interior de Minas Gerais. O corpus da pesquisa foi de 13 entrevistas e os dados coletados foram examinados com base na Análise de Conteúdo e nos procedimentos de codificação propostos na grounded theory. Os resultados permitem afirmar que o crédito tem uma conotação positiva e outra negativa. As positivas envolvem os significados do crédito como poder de compra, facilitador da vida das famílias, credibilidade pessoal e segurança. As negativas dizem respeito ao entendimento do crédito como uma ferramenta perigosa que envolve risco, dívida e problemas financeiros. O significado ambivalente advém das experiências negativas e positivas em relação ao uso do crédito vivenciadas pelas famílias, pelos seus familiares e pelos seus amigos. Conclui-se, dessa forma, que a interação entre as vivências dos indivíduos com parentes próximos e amigos é algo fundamental na construção do significado ambivalente do crédito.

Palavras-Chaves: Família, Baixa Renda, Crédito, Consumo.

ABSTRACT

This paper reports results of a research that aimed to understand the meanings of credit by low-income families. In the research, with a qualitative approach based on grounded theory, it investigated low-income families from a city in the interior of Minas Gerais. The research corpus was 13 interviews and the collected data were examined based on the Content Analysis and coding procedures proposed in the grounded theory. Results show that credit has a positive and negative connotation. Positive ones involve the meanings of credit such as purchasing power, facilitator of family life, personal credibility and security. Negatives concern the understanding of credit as a dangerous tool involving risk, debt and financial problems. The ambivalent meaning comes from the negative and positive experiences regarding credit use experienced by families, their families and friends. Thus, it is concluded that the interaction between the experiences of individuals with close relatives and friends is fundamental in the construction of the ambivalent meaning of credit.

Keywords: Family, Low Income, Credit, Consumption.

1 INTRODUÇÃO

Na sociedade contemporânea o crédito ao consumidor possui uma importante função ao facilitar a aquisição de bens e serviços pelas pessoas. Vários são os reflexos do crédito sobre a economia, tanto que este é estimulado em vários países como forma de melhorar o seu desempenho econômico. A expansão do crédito é um fenômeno mundial cujo crescimento teve o início a partir da segunda guerra mundial e uma acentuada aceleração a partir da década de 1990. Além disso, o crédito oferece contribuição vital para as economias, visto que influencia as atividades econômicas das empresas e dá aos consumidores acesso ao mercado de consumo (McHugh et al., 2011).

No Brasil, no período compreendido entre os anos 2002 e 2013 houve expansão significativa do crédito para pessoas físicas. Pela análise dos dados do Banco Central, verificou-se que do ano 2002 até 2013 houve aumento significativo do percentual do montante de crédito para pessoas físicas em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), passando de 9,3% em 2002 para 26% do PIB em 2013 (Bancen, 2017). Esse crescimento se deu pela influência de alguns fatores: aumento da renda, inflação baixa, elevada taxa de juros e estabilidade macroeconômica (Mora, 2015).

Nesse contexto de crescimento do uso do crédito no Brasil, um grupo que chamou a atenção foi a dos consumidores de baixa renda. Segundo Santana et al. (2012) o acesso ao crédito modificou a forma dessa classe consumir, pois alguns bens e serviços antes difíceis de serem adquiridos passaram a fazer parte do orçamento dessa classe. Além disso, as empresas de crédito diversificaram seu portfólio facilitando a concessão do crédito para essa classe e modificando seus hábitos de compra.

O aumento do consumo e do uso do crédito constitui as principais marcas da baixa renda referenciada por diversos estudos (Almeida et al., 2018; Almeida et al., 2021; Fleming, 2008; Mora, 2015; Neri, 2008, 2010; SAE, 2014; Santana et al., 2012; Vieira et al., 2018; Yaccoub, 2011). Embora alguns desses trabalhos já caminhem no sentido de se entender os aspectos mais subjetivos envolvidos no consumo do crédito, ainda prevalece entre nas discussões uma tendência de se privilegiar as questões mais objetivas da obtenção do crédito.

Contudo, ao se verificar essa literatura relacionada ao crédito, pode-se indicar que ainda existem lacunas no tocante ao melhor entendimento tanto dos aspectos simbólicos do uso do crédito pelas famílias como dos efeitos do crédito como fenômeno social interativo e seu uso entendido como reflexo de processos interpessoais e interacionais. Nesse sentido o objetivo desse artigo foi investigar os significados do crédito pela família de baixa renda e como esses significados são construídos por essas famílias.

A proposta desta pesquisa tem como orientação principal a crença de que a razão para o uso do crédito para as famílias de baixa renda vai além da mera limitação de renda, mas que os bens e serviços adquiridos e o próprio crédito têm significado para essas famílias que vai além de suas funções básicas. Berquó (2013) afirma que o crédito é passível de manipulação simbólica pelas pessoas, pois pode ser considerado uma mercadoria desejada e consumida como qualquer outro objeto. Corroborando com essa visão, Kamleitner et al. (2012) abordam a necessidade de estudar os significados e conotações associadas ao crédito construído pelas famílias no seu cotidiano. Assim, entender o crédito somente como fonte de dinheiro para essa escassez, ou como um mecanismo econômico usado por governos e empresas para aquecer uma economia é ter uma visão estreita de sua importância para as famílias de baixa renda.

Nesse sentido, cabe enfatizar que os resultados da pesquisa jogam luz sobre uma temática que tem aderência a diversos áreas do conhecimento, incluindo os estudos do consumo, de finanças pessoais, da relação entre marketing e sociedade, bem como das políticas públicas. A contribuição do trabalho vai no sentido de reforçar a ideia de que o crédito é permeado por questões simbólicas e não meramente objetivas e funcionais que precisam ser levadas em conta pelos gestores de organizações privadas, assim como pelos formuladores e gestores de políticas públicas.

Complementarmente, também vale realçar a proposta do trabalho que consiste em ir além de considerar apenas o tomador de crédito em uma perspectiva individual, mas sim o papel do crédito no âmbito familiar. Essa questão parece se constituir em um avanço para a literatura de consumo de crédito no Brasil, principalmente quando se leva em consideração os chamados de Epp e Price (2018) e Epp e Thomas (2018) para se dedicar espaço para as pesquisas sobre o consumo familiar.

2 SIGNIFICADO DO CRÉDITO

O reconhecimento do valor simbólico de bens e serviços é o caminho para a criação de atitudes positivas em relação a produtos, a marcas e lojas que expressam os valores individuais das pessoas. Todo o objeto comercial tem caráter simbólico: o ato de comprar envolve a avaliação do seu simbolismo, para decidir se é ou não adequado ao seu comprador (Leão et al., 2001).

Douglas e Isherwood (2006) afirmam que os bens são como sistemas de comunicação, ou seja, formam um conjunto de elementos que dão significado à vida cotidiana das famílias. Nesse sentido, a diferença está na atribuição de valor simbólico aos diferentes objetos, que não tem relação propriamente com a utilidade destes em si, mas, principalmente com aquilo que o item adquirido representa para quem o adquiriu.

Para McCracken (2003), o significado dos bens e sua criação são elementos essenciais para a estruturação da realidade das pessoas. Pelas proposições de McCraken (2003), a origem dos significados é o mundo culturalmente constituído, sendo este o mundo da experiência cotidiana onde os acontecimentos se relacionam aos sentidos dos indivíduos. A passagem dos significados do mundo culturalmente constituído para os bens de consumo se dá pela publicidade e pelo sistema moda. Já a passagem do significado dos bens de consumo para os consumidores se dá pelos rituais de posse, de troca, de arrumação e de despojamento.

Com o crescimento do uso do crédito ocorrido em anos anteriores, este se transformou em mercadoria como outra qualquer, tornando-se visto e demandado como mercadoria. O modo como as pessoas se relacionam com o crédito sofre influências de fatores econômicos, sociais e culturais e pode ter significados diferentes, a depender do modo como e para que as pessoas usam essa modalidade de compra (Berquó, 2013).

Kamleitner et al. (2012) sugerem mais investigações sobre o uso do crédito em uma perspectiva social, pois existem evidências de que o crédito pode ser usado para fins sociais, principalmente como pista (caminho) social ou como forma de se chegar a uma indepêndencia ou coesão social.

O uso de crédito muda comportamentos socialmente relevantes e pode influenciar as relações na família, em se tratando das oportunidades de gastos futuros. Há pouca evidência de como e que tipo de despesas os consumidores comprometem, a fim de pagar suas dívidas e quais implicações sociais desses compromissos para as famílias. Esses autores afirmam ainda que, na maioria das vezes, as atividades sociais são cortadas em primeiro lugar. Os custos sociais indiretos decorrentes do uso do crédito ainda não são contabilizados, e as possíveis variações interculturais também não (Kamleitner et al., 2012).

Utilizando a perspectiva da significação do crédito para as famílias, Viaud e Roland-Lévy (2000) examinaram as relações entre o comportamento financeiro e as representações sociais em relação ao consumo das famílias, revelando semelhanças importantes. Em suas análises, Viaud e Roland-Lévy (2000) identificaram quatro tipos de famílias em relação às variáveis crédito e poupança. O primeiro foi denominado Devedores Frágeis (Fragile Borrowers) – situação financeira frágil e alto grau de endividamento em relação à renda e sem conta de poupança. O segundo são os Poupadores Acumuladores (Accumulating Savers) – alto grau de acumulação de capital, sendo a poupança a principal característica. O terceiro foi chamado de Famílias Prudentes (Prudent Households) – a poupança neste grupo antecede a compra e geralmente é usada para projetos de longo prazo. O último foi denominado Famílias Pródigas (Prodigal Households) – usam o crédito para aquisição de bens domésticos e poupam parte da renda.

Na análise das representações sociais dessas famílias, grupos de palavras evocadas geraram significados sobre o papel dos bancos, vistos como essenciais na recepção e distribuição do salário e necessários à obtenção do crédito. Outra classe de palavras trazia uma concepção ambivalente do crédito: de um lado, este parece ser uma necessidade e do outro, uma situação de risco. O crédito também foi ligado ao consumo, sendo o verbo comprar sempre associado à palavra crédito e à ampla variedade de razões para sua obtenção pelo consumidor. A última classe de representações abrangeu uma gama de palavras relacionadas ao ato de tomar empréstimo para comprar uma casa, apartamento ou carro, todas ligadas à ideia de tempo, projetos e satisfação da família (Viaud & Roland-Lévy, 2000).

Para Viaud e Roland-Lévy (2000) existem dois diferentes significados associados ao crédito: os tipos de empréstimos e as conotações associadas (positivas ou negativas). Quando o empréstimo se refere à compra de imóveis ou de um carro, ele é chamado de crédito e é percebido como uma necessidade. Se o empréstimo está associado ao consumo de outros bens, ele é visto como dívida e tem conotações ambivalentes.

As relações dos quatro tipos de famílias com a poupança e o crédito devem ser consideradas como princípio de diferenciação social, uma vez que correspondem a diferentes estilos de vida. O comportamento financeiro das famílias indica que o consumo depende das relações entre crédito e poupança. O consumo é um critério de exclusão ou inclusão de classe. Já o crédito representa simbolicamente um jogo de conflitos entre grupos sociais à medida que a luta de classes se dá na arena do consumo, uma vez que o recurso ao crédito para muitos é o único meio de atingir o status de uma classe mais alta, como se a identidade social também pudesse ser adquirida a crédito. O consumo e o local de aquisição de bens envolvem as mesmas funções simbólicas: o acesso a uma identidade valorizada e distinta de outros grupos sociais. Para alcançar esse objetivo social, o crédito torna-se ferramenta essencial, visto que, por ele, as famílias podem adquirir bens e serviços ligados à construção dessa identidade (Viaud & Roland-Lévy, 2000).

Em complemento aos resultados de Viaud e Roland-Lévy (2000), Ribeiro et al. (2009) relatam que as representações sociais de crédito e poupança caminham em direções distintas, sendo a poupança considerada obrigação moral das pessoas e motivo de orgulho, assim como pode ser associada a um processo de privação, visto que, para poupar, a pessoa tem que deixar de consumir algumas coisas. Por vezes, a poupança associa-se à ideia de estabilidade no fim da vida ou como contingência em períodos difíceis. O crédito, por sua vez, pode ser entendido como consumo financeiramente sustentável, que pressupõe manter um endividamento sustentável, isto é, obter crédito sem comprometer a capacidade de reembolsar os valores devidos. Essa visão pressupõe os conceitos de literacia financeira. O consumo sustentável está ligado à tentativa das pessoas de sustentar gastos controlados (Ribeiro et al., 2009).

Mattoso e Rocha (2009), estudando o significado do crédito para os consumidores pobres, identificaram que o crédito é um elemento de hierarquização dentro da localidade estudada, em que “o ter crédito” distingue as pessoas e é um símbolo de status. O ter crédito está associado a ter “um nome” e funciona como passaporte para um mundo onde se têm direitos e privilégios ligados a ele. O ter crédito distingue as pessoas das outras que não o têm e evidencia quem são, forma a identidade e demonstra que elas dispõem de uma situação financeira equilibrada e são honradas, pois têm o “nome limpo” na praça. Nesse sentido, o crédito funciona como demarcador social e símbolo de status.

Os serviços financeiros comunicam a posição dos indivíduos dentro da comunidade onde residem, por meio da qual criam uma distinção entre os que são mais ou menos pobres. O ter conta em banco e, ou, cartão de crédito dá acesso aos seus portadores ao crédito, que se torna elemento desejado dentro da comunidade e separa os indivíduos entre os que têm e os que não têm crédito. Um ponto interessante destacado por esses autores é o crédito como símbolo de status, que se dá pela disponibilização de quem tem o crédito a outros, sejam estes parentes ou amigos. A pessoa que repassa o crédito se coloca e é vista em uma posição superior à de quem o recebe. O crédito é uma maneira de expressar identidade e possuir crédito quem a pessoa é e como ela está inserida na hierarquia social. Assim, perder o crédito significa perder a identidade. Nessa visão, quem não paga os débitos fica conhecido como mau pagador e, tendo o “nome sujo”, perde a identidade. Para a restituição desta, a pessoa necessita “limpar o nome”, para voltar a existir como pessoa (Mattoso & Rocha, 2009).

Os estudos de Ássimos, Almeida, Batinga e Pinto (2018) e Mattoso e Rocha (2009) apontam também para o crédito como dádiva, em que no ato de “emprestar o nome” o indivíduo transfere sua identidade para o outro, e esse ato é visto como obrigação para com os parentes e amigos. A negação do emprestar o nome é o mesmo que negar o vínculo entre eles. O repassar o crédito é uma obrigação de reciprocidade da qual os detentores não se podem eximir, no entanto é uma forma de dominação. Assim, a dádiva (o crédito) cria uma relação hierarquizante, visto que quem recebe o crédito recebe a dádiva do nome e torna-se um devedor não pelo benefício recebido, mas pelas obrigações e favores recíprocos (Mattoso & Rocha, 2009).

Esses resultados parecem ser corroborados por outros estudos no Brasil. Medeiros et al. (2018) demonstraram a relevância da concessão de crédito, especialmente do consignado, tendo em vista que esse instrumento atua como um mecanismo impulsionador do consumo doméstico no curto prazo, ao ampliar a renda disponível e o poder de compra. Mostrando um lado mais nocivo do crédito, e portanto, em uma perspectiva mais crítica, Almeida et al. (2021) se debruçaram sobre o consumo de crédito para idosos de baixa renda identificando formas de violência financeira sobre esse público.

Em um estudo realizado com idosos para verificar como eles se inseriam na sociedade de consumo e como o crédito se relacionava com as estratégias por eles adotadas nessa inserção, Berquó (2013) relata que o modo como esse público age em relação ao uso do crédito é orientado por valores morais, como o prestígio, o status, a honra, a vergonha e a culpa. Segundo essa autora, apesar de o uso do crédito estar associado à confiança depositada no outro, as pessoas não são vítimas manipuladas de uma sociedade capitalista e, sim, agem orientadas por aspectos morais.

Uma conduta predominante dos participantes da pesquisa em suas primeiras experiências com o crédito se refere ao valor dado ao reconhecimento social. O ter crédito disponível e a confiança depositada pelo credor geravam prestígio social ao tomador e lhe asseguravam o poder de usar ou não o crédito, pois o fato de obter do comerciante credibilidade distinguia o tomador das outras pessoas que não tinham o mesmo tratamento (Berquó, 2013). Porém, com o passar dos anos e a mudança na forma de ofertar o crédito (menos personalizada), a conduta adotada pelos pesquisados passou a ser a valorização do pagamento à vista em detrimento do crédito. Essa mudança revela também preocupação com valores como honra, prestígio e status, visto que o uso do crédito está associado à falta de dinheiro (condição de pobreza). Assim, segundo a citada autora, o não uso do crédito evidência a prática de evitar dever aos outros, com o intuito de manter a honra, a reputação e o prestígio.

Outro ponto citado por Berquó (2013) é o fato de o crédito, na sociedade contemporânea, ser ofertado a todo tipo de pessoa, não sendo mais fator de distinção. Agora, o que distingue é a capacidade de pagar à vista. Além disso, quando tomam a decisão de usar o crédito, os indivíduos assumem uma postura de defesa em relação ao seu uso. Utilizam os discursos do crédito como poupança ou do aproveitar o benefício advindo do seu uso (como milhas de viagens de empresas aéreas).

Para aquela autora, o crédito como objeto de consumo é passível de manipulação quanto ao seu significado. A existência da possibilidade de realizar associações simbólicas em relação ao crédito enquanto mercadoria não se diferencia da compreensão sobre a manipulação simbólica de outros objetos pelos indivíduos. Berquó (2013) verificou que os participantes de sua pesquisa manipularam o significado do crédito ao longo dos anos. Ela ainda argumenta que os indivíduos deixaram de ver o crédito como ferramenta de intermediação financeira, alterando o seu uso para um mecanismo de distinção social, por meio da credibilidade e do poder atrelado ao seu uso. Essa distinção pode ser para o estabelecimento de um estilo de vida ou para a negação do seu uso por significar desprestígio.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este artigo é parte de uma pesquisa que teve o objetivo de estudar as experiências de uso de crédito pelas famílias de baixa renda. A abordagem metodológica utilizada foi a Grounded Theory com base nas proposições de Charmaz (2009) e Strauss e Corbin (2008). A pesquisa foi de natureza qualitativa e com um recorte transversal quanto à dimensão temporal. Dado o objetivo de compreender os significados em relação ao uso do crédito para compra de bens duráveis por parte das famílias de baixa renda, a pesquisa de abordagem qualitativa mostrou-se metodologicamente mais ajustada.

A população alvo da pesquisa foram famílias nucleares (Esposa e Esposo, com ou sem filhos) de baixa renda. Os critérios utilizados para a classificação e escolha das famílias foram a renda média mensal entre R$ 1.446,01 e R$ 2.409,01, segundo os critérios da Abep (2015) e para participar da pesquisa a família tinha que estar fazendo uso do crédito.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas em profundidade com os cônjuges das famílias. As entrevistas em profundidade se mostraram adequadas para atingir os resultados propostos tendo em vista que buscou-se entender a construção de significados por parte dos integrantes das famílias pesquisadas (Bauer & Gaskell, 2008).

O locus da pesquisa foi a cidade de Viçosa, Estado de Minas Gerais, sendo obtido um corpus de 13 entrevistas. Nas entrevistas utilizou-se de um roteiro semiestruturado com questões chaves relativas à proposta do trabalho e durante as entrevistas outras questões pertinentes eram realizadas de acordo com o julgamento do pesquisador. Em relação à amostragem, seguiram-se as orientações de Charmaz (2009) e Strauss e Corbin (2008), e o corpus deste estudo foi construído durante a pesquisa, concomitantemente com a coleta e análise dos dados, até que se chegou a um conjunto de categorias com os conteúdos relevantes. Strauss e Corbin (2008) defendem, nesse tipo de estudo, o que eles denominam amostragem teórica, ou seja, não se utiliza critérios estatísticos para a escolha dos respondentes, mas sim a própria percepção do pesquisador.

Para a análise e interpretação dos dados foi utilizada a análise de conteúdo dos textos transcritos e os procedimentos de codificação da grounded theory¸ com base nas orientações de Charmaz (2009) e Strauss e Corbin (2008). O processo de codificação foi realizado em três etapas: codificação aberta, codificação axial e codificação seletiva. A coleta e análise dos dados foram procedidas durante a pesquisa de maneira concomitante conforme as propostas da grounded theory. A grounded theory mostrou-se adequada, não somente para o processo de codificação, mas principalmente para orientar todo o trabalho de análise dos dados e a construção dos diversos diagramas para a apresentação dos resultados.

Em todo o processo de análise dos dados, foi utilizado um software de tratamento de dados qualitativos, o ATLAS/ti 8.0, desenvolvido pela Scientific Software Development. Este software foi criado, principalmente, visando à construção de teorias a partir da grounded theory e tem como principal função o gerenciamento de dados textuais. Cabe ressaltar que os nomes constantes nas citações das falas dos entrevistados não correspondem aos seus verdadeiros nomes, para preservar a identidade dos mesmos.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 PERFIL DAS FAMÍLIAS

Das 13 famílias entrevistadas 8 tinham filhos. O tempo de união dos cônjuges variou de 1 ano a 38 anos, sendo 8 variando entre 1 e 7 anos, 4 entre 15 e 20 anos e uma 38 anos de união. Todas relataram terem usado o crédito e as opções mais utilizadas foram o cartão de crédito, o financiamento imobiliário e o crediário em loja. A maioria das famílias (8) morava em casa própria adquirida por meio de financiamento imobiliário. Todas declararam terem feito uso do crédito para comprarem bens duráveis (Veículos, Eletrônicos, Eletrodomésticos, Móveis). Quatro famílias disseram terem tido problemas com cartão de crédito, cheque especial e atraso no pagamento de parcela de financiamento, mas no geral as famílias tinham uma visão positiva em relação ao crédito.

4.2 SIGNIFICADO DO CRÉDITO PARA AS FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA

Durante todo o processo de coleta e análise dos dados, foi possível compreender pelo conteúdo das falas das famílias entrevistadas que o uso do crédito não é apenas uma questão financeira da família e que esse uso é carregado de aspectos simbólicos decorrentes, principalmente, das experiências das famílias e de pessoas próximas a elas. O crédito possui significados que vão além da sua função econômico-financeira na vida das famílias, que tinham duas representações sobre o crédito, uma positiva e outra negativa, conforme demonstrado na Figura 1.

Figura 1

Esquema básico dos significados do crédito pelas famílias

Conforme a figura, na representação positiva, o crédito era entendido como facilitador da vida, tornando mais fácil o acesso a bens e serviços necessários e sonhados. Era visto também como incrementador do poder de compra, dando acesso a bens que as famílias não tinham e liberdade de compra e escolha desses bens. O crédito era visto também como uma segurança, pois possibilitava às famílias comprarem bens e serviços em situações de necessidade ou de urgência. Ter crédito era percebido também como símbolo de credibilidade pessoal, uma vez que era entendido como confiança depositada pelas instituições que ofertam crédito. Na representação negativa, o crédito tinha significado de algo perigoso, comparado a ferramentas perigosas, e que se as pessoas não tiverem cuidado poderão ter problemas com seu uso.

No decorrer das análises, pode-se perceber que os participantes sempre enfatizavam esses dois lados do crédito. Exaltavam os seus benefícios, mas sempre chamavam atenção para a possibilidade de malefícios. Palavras como “se”, “mas”, “cuidado” eram sempre evocadas quando falavam sobre crédito. Nessa dualidade, o crédito era percebido como algo útil que facilita o acesso a bens e à realização dos sonhos de consumo, mas ao mesmo tempo é perigoso, pois se não souber usá-lo pode-se incorrer em problemas sérios financeiramente. As falas a seguir ressaltam os dois lados do crédito:

Crédito é uma faca de dois gumes: pode ser um facilitador ou pode ser um opressor. Eu vivi os dois lados do crédito (Entrevistada Família 9).

Eu acho que o crédito, ele tem os dois lados. É bom e ruim. Tudo tem limite nessa vida. Tem o lado bom e o lado ruim. A gente tem que ter sensibilidade para perceber esse momento aí, e essa sensibilidade vem da sua formação, formação de base, formação de tudo. Se você não tem. ... Então ele é facilitador, mas ao mesmo tempo ele é enforcador se você não tiver cuidado. Ele vai te enforcar. Tem que tomar cuidado com isso. (Entrevistada Família 10).

Ao analisar os significados do crédito, verifica-se que essa ambivalência faz parte das representações sociais das famílias. Essa ambivalência é o significado central do crédito e pode ser entendida como um significado mais amplo que abarca os positivos e negativos. Esse significado ambivalente estava presente em todo o processo de uso do crédito pelas famílias, que sempre a ressaltavam quando descreviam suas experiências.

A representação dos dois lados do crédito é construída a partir das vivências das famílias. As experiências pessoais, assim como a de parentes, amigos e pessoas próximas, sendo elas negativas ou positivas, criam no imaginário das pessoas a dualidade do crédito. A Figura 1 evidencia que o significado do crédito advém do processo de interação entre essas vivências. Esse processo interativo auxilia na construção do significado e influenciará a maneira como as famílias percebem e usam o crédito.

A primeira coisa que me vem, quando não é bem usado. Não sei se ficou um trauma, alguma coisa assim. É uma coisa que facilita a vida da gente e muito, mas tem que saber muito administrar, porque a gente perde a ponta da corda mesmo. Eu falo isso porque eu já passei por isso (Entrevistada Família 1).

Igual eu vejo muitos colegas. Exemplo do cartão de crédito e do cheque especial. Então se você se deixar tornar escravo do cheque especial uma vez, acabou: você está enrolado e fica escravo, paga um juro altíssimo e você não consegue se livrar (Entrevistado Família 7).

No contexto da ambivalência do crédito, os significados positivos estavam relacionados ao poder de compra, a credibilidade e a segurança família e eram reforçados pelo significado de não ter crédito, que dizia respeito a não poder comprar, a falta de credibilidade ou ficar sem proteção. Os significados negativos eram reforçados pelo significado de dívida, que para as famílias estava relacionado à vergonha, à desonra e a falta de honestidade em não pagar uma dívida. Nesse sentido, esses dois valores o poder comprar e a vergonha de ser um devedor são os valores que fazem parte do significado do crédito ambivalente do crédito.

4.2.1 Significados Positivos

Verificou-se que, de acordo com a percepção dos entrevistados, o crédito aumenta o poder de compra com base em dois pontos: a liberdade de escolha e o acesso a bens e serviços e a de alto custo e melhor qualidade. A liberdade de escolha diz respeito à ampliação do número de alternativas entre as quais se pode selecionar a mais satisfatória. Já o acesso a bens e serviços de alto custo se refere à capacidade do crédito de possibilitar a aquisição de bens e serviços que seriam inacessíveis às famílias ou indivíduos na ausência dessa forma de pagamento. A fala seguinte ilustra esse aspecto:

Só que a gente via que o poder de compra da gente, com o que a gente tinha em mãos, a gente sempre comprava carro muito ruim. Então um dia nós chegamos a conclusão que não adiantava a gente ficar correndo das dívidas, porque o carro estava dando mais dívida do que se a gente tivesse pagando um financiamento. Se a gente tivesse pagando um financiamento a gente teria um caro bom nas mãos e não teria tanto gasto extra como a gente estava tendo, porque aí o gasto seria fixo (Entrevistada Família 5).

Pelas análises das falas dos entrevistados, percebeu-se que a restrição da renda da família acarreta, até certo ponto, a perda da liberdade de compra e escolha desses bens e serviços. O crédito resgata essa liberdade, dando às famílias a possibilidade de comprar, inclusive, maior quantidade de bens. Esse argumento pode ser observado nos relatos a seguir: “Para facilitar. E outra coisa, você vai comprar no crédito, no caso, dividido, você tem a possibilidade de ter mais coisas. Às vezes você vai comprar uma, você compra duas, três e divide de mais vezes” (Entrevistada Família 13).

O crédito era entendido também como segurança, pois com ele se podem comprar produtos e serviços necessários à família, mesmo não tendo dinheiro no momento da compra. A representação de segurança está relacionada à necessidade de compra de bens em caso de defeito, à possibilidade de doença na família e à falta de dinheiro para custear as despesas do cotidiano da família, entre algumas. O relato a seguir ilustra essa situação:

Você ter crédito, você ter liberdade para usar um crédito é uma segurança que você tem. Então eu considero que é uma segurança... é o caso, por exemplo, de uma cirurgia do ‘José’. Eu não tinha como adiar a cirurgia dele, então eu usei o crédito, usei o consignado e paguei. Entendeu? Não tinha como. Eu estou pagando. Está quase terminando de pagar já (Entrevistada Família 6).

A palavra segurança nas falas dos entrevistados remete a alguns pontos como estar seguro, garantia de que algo ruim não irá acontecer, estabilidade e tranquilidade, proteção ou amparo em relação a alguma coisa. Assim, pode-se verificar que o crédito dá às famílias a sensação de estarem seguras, protegidas e amparadas financeiramente. Além disso, o crédito proporciona segurança material, devido ao fato de possibilitar a aquisição de bens que darão estabilidade material futura para todos, conforme relatado a seguir:

O poder de ter alguma coisa que a gente às vezes não esperava. Igual essa questão que eu falei, do carro, de um apartamento, de uma coisa que vá dar estabilidade depois, tanto para nós, quando a gente ficar mais velho, quanto para os nossos filhos. Tudo que a gente alcança agora (Entrevistada Família 5).

As famílias também representavam o crédito como facilitador da vida, no sentido de tornar as coisas mais fáceis em se tratando do consumo. Mais fáceis devido ao fato de que, com o crédito, se podem comprar um ou mais produtos e pagar parceladamente sem impactar no orçamento familiar. Situação essa que não seria possível caso tivessem que poupar. O crédito facilita o acesso a bens/serviços e o pagamento da compra de forma a ajudar as famílias na realização dos sonhos de consumo.

A dificuldade de poupar era uma característica das famílias pesquisadas, visto que exige esforço financeiro e disciplina para conseguir chegar a um montante de dinheiro, em determinado período de tempo. Outro ponto relacionado ao poupar para comprar é o tempo de espera para usufruir do bem a ser adquirido. Nesse sentido, o crédito é um facilitador da vida, permitindo que uma família adquira um bem/serviço e suavize o pagamento em parcelas adequadas ao orçamento familiar. Forçando uma disciplina financeira para pagar o parcelamento, pode-se usufruir do bem imediatamente após a compra. A seguir, o relato que embasam essa análise.

É uma facilidade para a gente comprar. As vezes a gente não tem o dinheiro ali na hora para pagar à vista, facilita. Às vezes sai até mais caro. Se a gente for olhar, sai mais caro, mas dividindo, para nós já é uma maneira fácil de comprar. Porque nem sempre a gente tem dinheiro para pagar à vista na hora ali, a gente divide. É mais fácil (Entrevistado Família 13).

A importância do crédito está na capacidade de auxiliar as famílias para alcançar seus objetivos de consumo. Ao comparar o crédito com uma alavanca, reforça-se o significado do crédito como facilitador, pois a alavanca é ferramenta que auxilia as pessoas a erguer objetos (geralmente pesados) com menor esforço físico. Nesse sentido, o crédito é essa ferramenta que auxilia as famílias a se erguerem materialmente. O crescimento material que exigirá esforço financeiro maior das famílias, caso não usassem o crédito, é realizado de forma mais suavizada com o uso do crédito.

O crédito é considerado necessário e essencial na vida das famílias pesquisadas, no que tange ao atingimento de seus objetivos de consumo e à credibilidade, que é uma qualidade que indica o grau de confiabilidade de alguém, é o requisito para se obter crédito. Nesse sentido, aquele que possui crédito é porque conquistou a confiança de alguém. Assim, só as pessoas que têm credibilidade podem comprar algo para pagar depois, conforme os relatos seguintes:

Então quando eu ouço a palavra crédito eu entendo como isso. Hoje, por exemplo, eu vivo numa cidade do interior, aonde eu vou lá eles falam assim comigo: ‘Pode levar que você tem crédito aqui’. Então te traz algo de confiança. Então o crédito para mim me remete isso, ele só vai ter sentido se você tiver sabendo o que que você está fazendo e assumindo a responsabilidade de pagar (Entrevistada Família 10).

Uma pessoa que tem credibilidade em relação ao uso do crédito é considerada confiável, de caráter e honesta, transmitindo a certeza de que irá cumprir com os compromissos financeiros assumidos. Nesse sentido, o “ter crédito” dá ao tomador prestígio perante as outras pessoas e até distinção entre quem tem crédito e quem não tem. Esse prestígio traz certos benefícios que o indivíduo que não tem crédito não usufrui. Isso demonstra essa distinção social, que é possibilitada pelo crédito. A seguir, o relato sobre esse ponto:

Eu fui ontem num cartório para saber quanto que custava reconhecer firma e se a pessoa tinha firma lá. Mas eu estava sem dinheiro nenhum na carteira. ... Ele falou: ‘Não, reconhece a sua firma, depois você vem cá e paga’. É crédito. Eu falei: ‘Não, depois eu volto’. ‘Não! Leva já reconhecido’. ‘Então tá’. Reconheceu firma e eu fui embora. Eu não tinha seis reais trocados. (risos). (Entrevistada Família 6).

A credibilidade está relacionada a uma questão moral e, para mantê-la, a pessoa tem que conservar o seu “nome limpo”. Não ter o “nome limpo”, em se tratando do uso do crédito, dá ideia de que algo está sujo e a sujeira não é boa. Nesse sentido, a falta de crédito é como uma mancha, uma sujeira, que marca a vida da pessoa. Além disso, a credibilidade envolve um processo de acreditação, sendo este processo construído ao longo do tempo. A seguir, alguns relatos das famílias: “Para mim, tipo assim, é gratificante eu conseguir crédito a hora que eu quiser. Ou seja, o meu nome não tá sujo” (Entrevistado Família 8) e “Se for pensar você ter crédito, assim, se você tem crédito é porque você é uma pessoa creditada. Se você não tem crédito, você é desacreditada. Então ninguém confia em você” (Entrevistada Família 12).

Nesse sentido, ter crédito é ser reconhecido como uma pessoa responsável, honesta e digna de confiança. Por isso, as pessoas devem manter a sua credibilidade, sendo responsáveis pelos seus compromissos financeiros para que não perder o nome, o que acarretará perda do acesso ao crédito e aos benefícios proporcionados por ele.

Outro significado, dentro do conjunto de dados da pesquisa, foi o crédito como investimento. O bem adquirido é o resultado antecipado desse investimento e as parcelas mensais, o valor do depósito, caso estivesse juntando para comprar futuramente. O relato seguinte ilustra essa situação:

A nossa experiência foi essa, juntar a gente conseguiu juntar, mas nunca juntava o suficiente. Agora, quando você tem o financiamento e aquele compromisso ‘preciso pagar todo mês mil reais’ você vai fazer suas contas de acordo que aqueles mil reais vão ficar ali. Agora, se você não tem essa dívida, você gasta esses mil reais sem nem perceber. Eu acho que a forma, para nós, que a gente conseguiu ver o dinheiro realmente transformando num bem foi essa forma (Entrevistado Família 5).

É uma percepção semelhante ao que Baudrillard (1995) chamou de poupança forçada. Devido à dificuldade de poupar para comprar, o crédito força as pessoas a destinarem parte da renda para atingir seus objetivos de consumo, o que teria dificuldade caso fossem fazer poupança.

4.2.2 Significados Negativos

Quanto ao significado negativo do crédito, as famílias tinham representação deste como ferramenta perigosa. Essa representação se deu a partir da comparação feita por uma das famílias do crédito como uma serra elétrica. A serra elétrica facilita o trabalho do carpinteiro, que consegue realizar seus serviços mais rapidamente do que se não a tivesse e teria que se esforçar mais, visto que teria de cortar as madeiras com um serrote de mão. O carpinteiro poderia ficar sem a serra elétrica, mas exigiria dele mais força e tempo para execução de suas atividades. Em contrapartida, do mesmo modo que a serra facilita o trabalho, ela é uma ferramenta perigosa, e qualquer descuido no seu manuseio pode gerar problemas de variadas dimensões, desde um pequeno corte até a perda de um membro. A seguir, relatos que corroboram esse argumento:

Então uma ferramenta perigosa. Vamos colocar uma makita, por exemplo, uma serra elétrica, qualquer coisa nesse sentido. Serra elétrica é a mesma coisa que eu estou te falando, tem a substituição dela. Vai demorar mais? Vai, mas você consegue. Do outro lado, a serra elétrica você faz com mais agilidade e com mais risco (Entrevistado Família 8).

O crédito facilita a vida das famílias, dá acesso a bens e serviços, auxilia na realização de sonhos de consumo em tempo menor e com menos esforço do que teriam se tivessem que poupar para comprar. Contudo, se não for usado de forma adequada, pode levar a famílias a problemas financeiros, que vão desde o atraso de pagamento do compromisso assumido até um problema grave de insolvência financeira, acarretando diversas consequências para a família. A representação da faca também reflete a percepção do crédito como algo perigoso. Não sendo usada de maneira adequada e tomando os devidos cuidados, podem-se ter problemas com seu uso.

O que se percebe nas representações negativas sobre o crédito é que as famílias têm receio de usá-lo devido aos riscos envolvidos, mesmo aquelas em que ambos os cônjuges, ou um deles, são servidores públicos e têm estabilidade no emprego e temem os imprevistos que podem acontecer durante o período de pagamento.

4.3 DISCUSSÃO

O crédito pode ser considerado uma mercadoria, que é demandada pelos consumidores e por isso, pode ter significados diferentes a depender da maneira como as pessoas utilizam da finalidade do uso (Berquó, 2013). A manipulação simbólica do crédito enquanto uma mercadoria, não se diferencia da manipulação simbólica de outros objetos pelos indivíduos. Outros autores como Mattoso e Rocha (2009), Oliveira e Jesus (2013), Ribeiro et al. (2009) e Viaud e Roland-Lévy (2000), também corroboram com a perspectiva da significação do crédito para as famílias, como algo além da sua função principal.

Consoante o que está descrito nos resultados, pode-se verificar que para as famílias de baixa renda pesquisadas o crédito assume vários significados, corroborando as proposições dos autores citados neste trabalho. O crédito assume significado de “ter o nome limpo”, em concordância com o que descreveram Mattoso e Rocha (2009) e Pinto (2013). Contudo, constata-se uma ampliação dessa visão, em que ter o nome limpo retrata a credibilidade da pessoa, dando aos membros familiares o reconhecimento de que são bons pagadores e, por isso, dignos de confiança. Nesse sentido, existe o cuidado para manter a credibilidade, pois ter o nome sujo é motivo de vergonha e indica falta de caráter. Essa discussão parece estar em linha com a ideia de crédito como dádiva, algo que foi explorado no trabalho de Ássimos et al. (2018), ainda que no contexto de idosos.

A credibilidade pessoal pode ser considerada como distinção entre aqueles que têm o crédito e os que não o possuem. Quem tem crédito é diferente de quem não tem e pode usufruir dos benefícios de tê-lo e poder comprar e pagar depois, sendo a confiança a garantia do pagamento em dia. O sentimento de ter crédito aufere ao tomador status (Mattoso & Rocha, 2009) e prestígio social (Berquó, 2013), pois o fato de obter confiança do credor distingue o tomador das outras pessoas que não têm o mesmo tratamento.

O significado do crédito como poder de compra refere-se ao poder e liberdade de escolher e comprar bens que não teriam condições sem o uso do crédito. Esse poder é evidenciado nos estudos de Oliveira (2012) e Santana et al. (2012) e a liberdade de compra, no trabalho de Yaccoub (2011). Segundo esta última autora, o conceito de consumo restritivo não pode ser aplicado à nova classe média, visto que o acesso ao crédito possibilitou a compra de diversos produtos sem que o orçamento familiar fosse afetado.

Em relação ao significado do crédito como facilitador da vida das famílias, no sentido de tornar as coisas mais fáceis em se tratando do consumo, pouco se encontrou na literatura. Com relação a esse ponto, Oliveira (2012) relata que o uso do crédito é um facilitador da ascensão social, pois as famílias da baixa renda conseguem parcelar a compra em valores que cabem no orçamento familiar.

Quanto ao significado do crédito como segurança para as famílias, não foram encontrados autores que fizessem referência a esse achado. Isso indica mais uma contribuição deste trabalho para o entendimento do significado do crédito para famílias de baixa renda, que percebem no crédito uma forma de segurança para momentos de necessidades ou de imprevistos.

Os significados descritos fazem alusão a uma conotação positiva do crédito e de sua importância na vida das famílias. Porém, nas análises também foram identificados significados que representam conotação negativa do crédito, como: risco, dívida, ilusão e ferramenta perigosa. Na literatura sobre os significados, pouco se encontra sobre essa conotação negativa.

Os autores apresentados neste estudo chamam atenção para o cuidado de que se deve ter ao usar o crédito. Para Campbell (2001) e Milnitzky (2003), deve-se ter esse cuidado, pois as necessidades e desejos são ilimitados, já os recursos financeiros são limitados e o uso indiscriminado pode levar os consumidores ao endividamento constante, pelo uso do crédito para atender a essas necessidades e desejos. Complementando, Hennigen et al. (2015) chamam atenção para o fato de que, apesar de o crédito potencializar o poder de compra, ele não potencializa o rendimento dos indivíduos, o que pode ocasionar problemas financeiros. Ao chamar atenção para o cuidado com o crédito, os autores implicitamente evidenciam que ele tem um lado bom, mas também o ruim, o que confirma a categoria central da teoria proposta.

Essa percepção dos dois lados do crédito foi encontrada também no trabalho de Viaud e Roland-Lévy (2000). Estes autores, ao pesquisarem sobre as representações sociais de crédito e dívida, por meio da técnica de análise lexical, encontraram uma classe de palavras que demonstravam concepção ambivalente do crédito: de um lado, este parecia ser uma necessidade e, por outro, uma situação de risco. Segundo esses autores, as relações das famílias com o crédito podem ser explicadas mais detalhadamente por essas imagens contrastadas e ambivalentes e, algumas vezes, extremamente negativas.

É nesse ponto que se encontra a principal contribuição da teoria substantiva proposta. A representação da ambivalência do crédito é o que mais se destacou nas falas dos entrevistados e, pelas análises, pode-se verificar que esse significado advém das experiências positivas e negativas, pessoais, de parentes e amigos, com o crédito. Essa constatação também parece estar convergente com os resultados das pesquisas de Almeida et al. (2018) e Vieira et al. (2018).

Nesse sentido, o significado é construído a partir da interação das experiências das famílias, de seus parentes e de seus amigos e de pessoas próximas, mesmo não havendo ligação de parentesco ou de amizade.

O trabalho de Viaud e Roland-Lévy (2000) somente demonstra que existe essa ambivalência em relação ao uso do crédito, mas não explica como se constrói essa significação. Em contrapartida, os resultados aqui apresentados auxiliam no entendimento de como é construído esse significado, como se dá a relação com os outros significados e como esse significado influencia as decisões sobre o uso do crédito pelas famílias.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Resgatando o objetivo colocado para esse trabalho que foi investigar os significados do crédito pela família de baixa renda e como esses significados são construídos por essas famílias, tendo em vista as análises dos resultados apresentados anteriormente, algumas conclusões podem ser ressaltadas.

Em primeiro lugar, deve-se assinalar que o uso do crédito tem assumido um importante papel na sociedade contemporânea tanto para economia quanto para realização dos anseios de consumo das famílias. Nesse sentido, as famílias pesquisadas tinham uma intensa relação com o crédito, sendo o cartão de crédito o tipo mais utilizado por elas. O crédito possibilitou o acesso a bens que não teriam caso não tivessem essa opção de pagamentos e a importância do crédito para as famílias estava na possiblidade de realização dos sonhos de consumo. Isso parece estar em linha com a literatura mais tradicional sobre o tema. No entanto, o que pode ser considerado interessante é que emergiu das análises a noção de que o uso do crédito pode ser entendido como um universo carregado de significados. Esses significados assumem duas conotações uma positiva e a outra negativa. As positivas dizem respeito aos significados do crédito como poder de compra, facilitador do consumo, credibilidade pessoal e segurança. As negativas dizem respeito ao entendimento do crédito como uma ferramenta perigosa, que facilita a vida do usuário em relação aos seus objetivos, mas pode causar problemas se não for usado corretamente.

Nesse ponto que se encontra a principal contribuição da teoria substantiva proposta. A representação da ambivalência do crédito é o que mais se destacava nas falas dos entrevistados e pelas análises pode-se verificar que este significado advém das experiências positivas e negativas com crédito, sendo estas construídas no cotidiano por meio da interação entre parentes e amigos. Nesse sentido, o significado é construído a partir da interação das experiências das famílias, de seus parentes e de seus amigos e de pessoas próximos mesmo não tendo ligação de parentesco ou amizade.

As experiências dos familiares e de amigos influenciam a percepção das famílias em relação ao crédito. As experiências funcionam como elementos influenciadores para que as famílias comecem a usar o crédito ou o usem de forma mais consciente e acertada, pois aprendem com as experiências positivas e com as negativas. Com base nas positivas as famílias tentam seguir o caminho trilhado pelos parentes e amigos, procurando manter as ações assertivas usadas por eles; e com as negativas buscam fazer escolhas melhores para não cometerem os mesmos erros deles.

Não se pode deixar de mencionar que os resultados parecem contribuir também para uma melhor compreensão de como as famílias tomam suas decisões sobre o uso do crédito para atingir seus objetivos de consumo. As famílias alimentam sonhos de consumo na busca por melhoria do bem-estar dos membros familiares e, para a concretização dos sonhos, despendem esforços financeiros e psicológicos. Essa compreensão passa pelo entendimento dos fatores que influenciam esse uso e os problemas a que as famílias estão sujeitas. Pode-se mencionar também a contribuição no âmbito da administração do orçamento familiar. As famílias pesquisadas demonstraram fazer o controle das finanças, com o objetivo de não perderem o controle do dinheiro e incorrerem em problemas. Porém, pode-se concluir que falta às famílias a percepção de que o orçamento familiar vai além do controle de seus rendimentos e de seus gastos.

Cabe ressaltar ainda a importância desta pesquisa para o campo de estudos da família, demonstrando a complexidade que envolve as pesquisas com esse intuito. Em suma, compreender o uso do crédito pelas famílias de baixa renda como simples instrumento de intermediação financeira pode levar a uma visão míope de que o crédito seja apenas uma questão financeira. No entanto, como evidenciado pelos resultados, o uso do crédito perpassa por aspectos simbólicos, psicológicos e sociais, além dos econômicos.

Por fim, vale assinalar algumas possibilidades de novos estudos focados em pontos que ainda necessitam de maior aprofundamento. Assim, estudos relacionados à socialização financeira para uso do crédito, com o intuito de verificar como se dá esse processo e a importância dos pais, parentes e amigos nessa socialização. Outro ponto é considerar as diferenças intergeracionais, buscando entender como acontece a socialização financeira entre gerações. A relação entre comprador e vendedor pode ser mais explorada nos estudos sobre crédito, tentando identificar o papel dos vendedores como influenciadores do uso dessa forma de pagamento e para a socialização financeira dos membros familiares. Como o estudo também foca sua atenção nos estudos de família, sugestões para investigações poderiam seguir em direção ao melhor entendimento do consumo de crédito para novas configurações advindas que passam a compor a sociedade contemporânea, as quais, podem ter novas formas de (re) significação do uso do crédito.

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