https://doi.org/10.18593/evid.34518

Artrocentese da Articulação Temporomandibular como tratamento na dor e limitação de abertura bucal: Relato de caso

Laís Inês Silva Cardoso1, Palena Araújo Pinto2, Sérgio Éberson da Silva Maia3, Ingrid Araújo Oliveira Consolaro4, Thalita Santana Conceição5

Resumo: As desordens temporomandibulares abrangem as alterações articulares que ocorrem dentro da articulação temporomandibular, inclusive aquelas que envolvem o deslocamento do disco articular, que resulta em dor e limitação de abertura de boca. A técnica de artrocentese tem se mostrado eficaz em tratar esses sintomas, além de ser uma técnica simples, de baixo custo, e alta previsibilidade. O objetivo deste trabalho é relatar o caso de uma paciente deslocamento anterior do disco sem redução, associada a dor e limitação de abertura de boca, tratada com técnica de artrocentese. Paciente gênero feminino, 28 anos, com padrão facial II, mordida aberta anterior e queixa de “dor e dificuldade em abrir a boca”. Sua abertura de boca inicial era de 20mm, e sua queixa álgica estava entre 7 e 8 na Escala Visual de Dor (EVD). Foi realizada técnica de artrocentese isolada de maneira bilateral, sob anestesia local associada à sedação venosa em centro cirúrgico. Em acompanhamento pós-operatório de três meses, a paciente apresentava abertura de boca em 30mm e sua dor estava próxima de 1 na EVD. Sendo assim, a técnica isolada de artrocentese se mostrou eficaz em tratar os sintomas de dor e limitação de abertura de boca em pacientes com diagnóstico de deslocamento anterior de disco articular sem redução.

Palavras-chave: Articulação temporomandibular; Artrocentese; Disco da articulação temporomandibular; Transtornos da articulação temporomandibular.

Recebido em 15 de janeiro de 2024

Aceito em 27 de março de 2024

INTRODUÇÃO

As desordens temporomandibulares (DTMs) são um grupo heterogêneo de doenças que acometem o funcionamento da articulação temporomandibular (ATM) podendo ter origem muscular, quando a causa dos sintomas está relacionada a alterações nos músculos da mastigação que trabalham em conjunto com a ATM, ou podem ter origem intra-articular, quando algum componente da articulação propriamente dita é a origem dos sintomas relatados pelo paciente. (AK,2020)

As patologias intra-articulares da ATM atingem cerca de 10% da população mundial, e podem ser caracterizadas por dor, principalmente ao falar e mastigar, além da limitação de abertura de boca, e estalidos associados, que podem ocorrer na abertura, fechamento ou em ambos os movimentos. (BRIGGS, 2019)

As patologias da articulação temporomandibular podem ser subdivididas em patologias discais (deslocamentos do disco articular) e patologias intra-articulares da ATM (capsulite, sinovite, retrodiscite, osteoartrite, osteoartrose, corpos livres intraarticulares). Em pacientes com dor ou limitação na abertura oral por causas articulares, artrocentese é a técnica mais comumente usada, independentemente do tipo de patologia e do estágio clínico da disfunção temporomandibular. É uma técnica simples, econômica e básica, com um custo não muito alto, baixa curva de aprendizado para cirurgiões bucomaxilofaciais, pouco feitos colaterais, e significativa melhora da qualidade de vida dos pacientes. (CLAVERO, 2021).

A artrocentese da articulação temporomandibular (ATM) ganhou popularidade como uma técnica minimamente invasiva, efetiva em controlar a dor intracapsular da ATM e melhorar a mobilidade mandibular em casos de restrição secundária da abertura bucal resultante de distúrbios internos da ATM, como na ocorrência de deslocamento anterior de disco sem redução. (DOLWICK, 2020).

O artigo original de Nitzen e colaboradores de 1991, descreveu a técnica inicialmente e da maneira que é preconizada até hoje. Os autores relataram a colocação de duas agulhas no espaço articular superior da ATM, sob anestesia local, seguida da lavagem da articulação com solução de ringer com lactato para normalizar a translação do disco e do côndilo em pacientes com condição travamento, dificuldade de abertura de boca e dor. Sabe-se que a ação de lavagem diminui mediadores inflamatórios e citocinas responsáveis pela dor, além de lubrificar o espaço articular superior para permitir que o disco se mova sem restrições. Em associação, distensão do côndilo da eminência durante o procedimento pode efetivamente aliviar pequenas aderências que podem ter se formado melhorando também a mobilidade mandibular. (NITZEN, 1991; DOLWICK 2020)

Sendo assim, o objetivo deste trabalho é fazer um relato de caso de uma paciente com desordem temporomandibular articular, tratada inicialmente com artrocentese, demonstrando a eficácia do tratamento em reduzir a dor articular do paciente além de trazer melhora na magnitude da abertura de boca.

RELATO DE CASO

Paciente gênero feminino, 28 anos, apresentou-se ao ambulatório da Cirurgia Bucomaxilofacial de um hospital de referência com queixa de “não consigo abrir muito a boca e minha articulação dói”. Ao exame físico inicial, pudemos perceber que se tratava de uma paciente com padrão facial II (retrognatia) associada a mordida aberta anterior (Figura 01.) Com uma régua, pudemos mensurar a abertura bucal inicial em 20mm, a qual a paciente relatava ser sua abertura máxima no momento. A dor foi mensurada com uma Escala Visual de Dor, a qual a paciente referiu ser “entre 7 e 8” sua dor ao mastigar e abrir a boca.

Uma imagem contendo comida

Descrição gerada automaticamente

Figura 01. Aspecto clínico da paciente apresentando padrão facial II (retrognatismo) associado à mordida aberta anterior.

O exame de ressonância magnética, evidenciou deslocamento anterior do disco articular, sem recaptura após a manobra de abertura bucal, em ambos os discos articulares, além de alteração morfológica deste, com sinais sugestivos de degeneração. Os tecidos retrodiscais estavam normais e os côndilos apresentaram hiperexcussão em manobra de abertura bucal. (Figura 02)


Figura 02. Imagens de ressonância magnética evidenciando deslocamento anterior do disco sem redução em abertura de boca. A figura A, em corte sagital, evidencia o disco articular (hipodenso, em formato que lembra uma “gravata” em posição anterior em relação ao côndilo mandibular (hiperdenso) com o paciente com a boca fechada. Na figura B, mesmo com o paciente com a boca aberta, o disco não acompanha sua posição fisiológica sobre o côndilo articular. De maneira que podemos concluir como um deslocamento anterior de disco sem redução.

Foi decidido pela artrocentese como tratamento inicial para dor e limitação de abertura bucal. Por se tratar de uma paciente com padrão facial II e mordida aberta anterior, há uma associação entre degeneração articular e pacientes que apresentam esse tipo de perfil. Sendo a artrocentese o primeiro passo de um plano de tratamento que inclui preparo orto-cirúrgico para cirurgia ortognática, associada a tratamento clínico das alterações articulares com uso de placa oclusal.

O procedimento de artrocentese foi realizado em centro cirúrgico, sob anestesia local associada à sedação venosa, para garantir mais conforto para a paciente e facilitar as manobras de manipulação de abertura de boca durante o procedimento.

Seguindo a técnica descrita na literatura, foi realizada a demarcação dos pontos de referência bilateralmente. É realizada uma linha reta desde o ponto médio do trágus da orelha até o canto externo do olho. Nessa linha são marcados dois pontos para a inserção das agulhas. O primeiro ponto fica mais perto do trágus, a uma distância de 10 mm deste e 2 mm abaixo dessa linha cantotragal; o segundo ponto será 20 mm à frente do trágus e a 10 mm abaixo dessa mesma linha. É realizada a inserção de duas agulhas 40x12mm, uma em cada ponto, de maneira que ambas devem acessar o compartimento articular superior. Deve ser possível sentir que as pontas das duas agulhas se encontram na cavidade articular superior. (Figura 03)

Rosto de pessoa com tatuagem no braço

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa

Figura 03. Demarcação dos pontos de referência para inserção das agulhas durante a artrocentese, como descrito no texto.

Em seguida, com o auxílio de um extensor, deve-se conectar uma das agulhas a uma seringa de 20ml, preenchida com solução de ringer lactato. Seguimos então com a lavagem intra-articular, de maneira de o fluxo inserido será forte o suficiente para remover pequenas aderências intra-articulares, além de mediadores inflamatórios, e o jato deve sair quase que simultaneamente pela outra agulha. Podemos repetir esse passo mais uma vez.

Para facilitar que a lavagem alcance diferentes áreas articulares do compartimento superior, podemos abrir e fechar a boca do paciente algumas vezes, tentando aumentar a amplitude de sua abertura de boca enquanto fazemos isso. O procedimento de artrocentese foi realizado de maneira bilateral.

No acompanhamento pós-operatório, a paciente relatou que sua dor caiu para “próximo de 1” tendo como referência a Escala Analógica de Dor. E a amplitude de sua abertura bucal foi de 30mm, quando mensurada com uma régua. Sendo assim, a artrocentese da articulação temporomandibular se mostrou um tratamento eficaz para dor da articulação e melhora da abertura de boca. (Figura 04)


Figura 04. Imagem comparativa com régua da amplitude de abertura de boca. Na figura A. a distância interincisal da paciente era de aproximadamente 19mm, sendo sua limitação de abertura principalmente relacionada à dor. Na figura B, após o tratamento com artrocentese, a amplitude de abertura de boca alcançou aproximadamente 30mm, devido melhora do quadro de dor.

DISCUSSÃO

Descrita em 1991 por Nitzan e colaboradores (NITZAN et al, 1991), a artrocentese da articulação temporomandibular desde então tem sido amplamente estudar, por se tratar de um tratamento pouco invasivo, de baixo custo, mas que tem mostrado excelentes resultados quando se espera melhorar dores localizadas na articulação associada a limitação de abertura de boca.

Grossman e colaboradores em estudo retrospectivo de 2019 (GROSSMAN et al, 2019) buscaram esclarecer se a artrocentese pode ser considerada um tratamento eficiente nas desordens articulares com deslocamento anterior do disco sem redução. A amostra foi composta com 234 pacientes, com o diagnóstico articular confirmado por imagens de ressonância magnética, e previamente foram tomadas as medidas de distância interincisal (para abertura de boca) e queixa álgica com a Escala Visual de Dor, um mês antes do procedimento, e três meses após o procedimento. Os pesquisadores concluíram que em 93,88% dos pacientes houve melhora significativa dos sintomas avaliados.

Buscando aprimorar a técnica, muitos autores sugeriram o uso de anti-inflamatório esteroidal aplicado intra-articular após a conclusão da técnica clássica de artrocentese. No entanto, em revisão sistemática de Davoudi e colaboradores (DAVOUDI et al, 2018) os autores concluíram que a aplicação de medicação corticóide intra-articular não melhora os resultados dos parâmetros avaliados, que foram dor e distância interincisal. Em revisão sistemática de Gopalakrishnan e colaboradores de 2018 (GOPALAKRISHNAN, 2018) os autores também reafirmaram que não há benefício em injetar qualquer outra medicação analgésica intra-articular após a conclusão da técnica clássica de artrocentese. No entanto, Dolwick e colaboradores em revisão sistemática de 2020 (DOLWICK et al, 2020) discordam desses autores, e defendem que a associação artrocentese e corticóide intra-articular trás resultados superiores em comparação com o tratamento isolado.

A associação entre artrocentese e placa oclusal miorrelaxante tem se mostrado promissora. Em estudo retrospectivo de Heo e colaboradores (HEO et al, 2019), os autores buscaram mostrar o benefício da associação entre os dois tratamentos. A amostra foi composta por 44 pacientes com diagnóstico de deslocamento anterior de disco sem redução, associado a degeneração articular. Todos foram tratados com artrocentese unilateral no lado com pior prognóstico associada ao uso de placa miorrelaxante durante 6 meses. As mensurações pré e pós-tratamento foram realizadas (abertura de boca e queixa álgica) e a análise estatística demonstrou que houve diferença estatisticamente significante.

CONSIDERAÇÕS FINAIS

A técnica clássica de artrocentese demonstrou ser eficaz no tratamento dos sintomas de dor e limitação de abertura de boca em paciente com diagnóstico de deslocamento anterior de disco sem redução. A associação da técnica com medicação intra-articular ainda é controversa. A associação da técnica com placa miorrelaxante carece de mais estudos. No entanto, a técnica isolada tem se mostrado ainda ser eficaz.

REFERÊNCIAS

AK, KB. Complications Of Temporomandibular Joint Arthrocentesis. Sanamed. 2020; 15(1): 65–69

KA Briggs, O Breik, K Ito, AN Goss. Arthrocentesis in the management of internal derangement of the temporomandibular joint. Australian Dental Journal 2019; 64: 90–95.

CLAVERO MAG, et al. Influence of the type of anesthesia on 111 arthrocentesis in temporomandibular joint disorders: results of a prospective study. J Oral Med Oral Surg 2022; 28:3.

DOLWICK MF, WIDMER CG. Temporomandibular joint arthrocentesis: an evidence-based review. Front Oral Maxillofac Med 2020; 2:26

NITZAN DW, DOLWICK MF, MARTINEZ GA. Temporomandibular joint arthrocentesis: a simplified treatment for severe, limited mouth opening. J Oral Maxillofac Surg 1991; 49:1163-7.

GROSSMAN E, et al. The use of arthrocentesis in patients with temporomandibular joint disc displacement without reduction. Plos One. 2019; 14(2): e0212307.

DAVOUDI A, et al. Is arthrocentesis of temporomandibular joint with corticosteroids beneficial? A systematic review. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2018 May 1;23 (3):e367-75.

GOPALAKRISHNAN V, et al. The use of intra-articular analgesics to improve outcomes after temporomandibular joint arthrocentesis: a review. Oral and Maxillofacial Surgery (2018) 22:357–364

HEO HA, YUNG HJ. Clinical outcomes of patients with bilateral anterior disc displacement without reduction and erosive change of the temporomandibular joint after performance of unilateral arthrocentesis and stabilisation splint therapy. J Oral Rehabil . 2020 Mar;47(3):307-312


  1. 1 Cirurgiã Bucomaxilofacial, São Luís, MA; Mestranda em Odontologia na Universidade CEUMA; laisinescardoso@gmail.com; https://orcid.org/0000-0002-6478-5439. Autora correspondente: laisinescardoso@gmail.com

  2. 2 Cirurgiã-dentista, São Luís, MA; Mestranda em Odontologia na Universidade CEUMA; palenapinto@gmail.com; https://orcid.org/0000-0002-5729-3495

  3. 3 Cirurgião Bucomaxilofacial, Araripina, PE; Mestrado no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo – HRAC USP; sergioeberson@gmail.com; https://orcid.org/0000-0002-6609-1078

  4. 4 Cirurgiã Bucomaxilofacial, São Luís, MA; Doutora em Estomatologia pela Universidade de São Paulo – USP; Ingrid_ctbmf@yahoo.com.br; ingrid araujo oliveira (0000-0002-4663-6405) - ORCID

  5. 5 Patologista Oral e Maxilofacial, São Luís, MA; Doutora em Patologia Oral e Maxilofacial pela Universidade de São Paulo – USP; thalitasantanac@gmail.com; https://orcid.org/0000-0002-2172-9031