Saúde

Avaliação da qualidade de vida do corpo de bombeiros militares

Assessment of the quality of life of the military fireman department

Brenda Machado Siqueira1, Carine Silva Santos1, Geovana Fernanda Silva1, Beatriz Rocha Rizzo1 e Constanza Thaise Xavier Silva1

1 Curso de Medicina, Universidade Evangélica de Goiás (UniEVANGÉLICA), Anápolis - GO, Brasil.

Como citar: Siqueira, B. M., Santos, C. S., Silva, G. F., Rizzo, B. R., & Silva, C. T. X. Avaliação da qualidade de vida do corpo de bombeiros militares . Evidência, 24. https://doi.org/10.18593/evid.34017.

Siqueira B. M.

machadosbrenda@gmail.com

https://orcid.org/0009-0001-8965-2106

Santos, C. S.

carinesilvasantos1@gmail.com

https://orcid.org/0009-0002-8085-6863

Silva, G. F.

geovanafernanda1999@gmail.com

https://orcid.org/0009-0007-3186-8442

Rizzo, B. R.

beatrizrocharizzo@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-8990-1889

Silva, C. T. X.*

constanzathaise@yahoo.com.br

https://orcid.org/0000-0003-0980-9343

* Autora correspondente: Universidade Evangélica de Goiás – UniEVANGÉLICA. Curso de medicina. Av. Universitária Km. 3,5 - Cidade Universitária - Anápolis – Goiás, Brasil, CEP: 75083-515. E-mail: constanzathaise@yahoo.com.br

RESUMO: As rotinas e as peculiaridades do trabalho de bombeiros militares englobam uma exposição excessiva a fatores físicos, químicos, biológicos, mentais e sociais que podem impactar negativamente na sua qualidade de vida. Este estudo teve como objetivo avaliar a qualidade de vida do corpo de bombeiros militares. Trata-se de um estudo descritivo, transversal e quantitativo, realizado no período de abril a maio de 2023, com bombeiros militares da cidade de Anápolis, Goiás. Utilizaram-se dois instrumentos, um para levantamento de dados sociodemográficos e outro sobre avaliação da qualidade de vida (WHOQOL-Bref). Calculou-se a média dos escores do WHOQOL-Bref conforme modelo estatístico disponibilizado pelo Grupo WHOQOL. Entre 56 bombeiros, prevaleceu o sexo masculino (92,9%), na faixa etária de 40 a 49 anos (69,7%). Os bombeiros militares avaliaram sua qualidade de vida como boa (68%) e se mostraram satisfeitos (45%) com sua própria saúde. O domínio meio ambiente apresentou o menor escore (64,3%), enquanto àquele referente à saúde física se destacou como o maior escore (71,4%). As facetas dor e desconforto (27,7%), dependência de medicação ou de tratamentos (26,8%) e sintomas negativos (25%) foram as com menores escores, sendo que as facetas com maiores escores foram a mobilidade (90,6%) e espiritualidade/religião/crenças pessoais (80,4%). Os bombeiros militares avaliados consideram a qualidade de vida boa e estão satisfeitos com a saúde. Porém, foram identificadas fragilidades na qualidade de vida da população do estudo.

Palavras-chave: Qualidade de Vida; Promoção da Saúde; Bombeiros; Saúde do trabalhador.

ABSTRACT: The routines and particularities of the work of military firemen encompass an excessive exposition to physical, chemical, biological, mental, and social factors that can negatively impact their quality of life. This study aimed to evaluate the quality of life of the military fire department. This is a descriptive, cross-sectional, and quantitative study, carried out from April to May 2023, with military firefighters from the city of Anápolis, Goiás. Two instruments were used, one to collect sociodemographic data and the other to assess quality of life (WHOQOL-Bref). The mean WHOQOL-Bref scores were calculated according to the statistical model provided by the WHOQOL Group. Among 56 firefighters, males prevailed (92.9%), aged between 40 and 49 years (69.7%). Military firefighters rated their quality of life as good (68%) and were satisfied (45%) with their own health. The environment domain had the lowest score (64.3%), while that relating to physical health stood out as the highest score (71.4%). The facets pain and discomfort (27.7%), dependence on medication or treatments (26.8%) and negative symptoms (25%) were those with the lowest scores, and the facets with the highest scores were mobility (90. 6%) and spirituality/religion/personal beliefs (80.4%). The military firefighters evaluated consider their quality of life to be good and are satisfied with their health. However, weaknesses in the quality of life of the study population were identified.

Keywords: Quality of Life; Health promotion; Firefighters; Worker’s health.

INTRODUÇÃO

Os bombeiros militares são profissionais que atuam em diversas circunstâncias, programadas ou não, simples e complexas, que abrangem desde vistorias e análises de projetos, até ações de prevenção e combate às catástrofes, incêndio, atendimentos pré-hospitalares, buscas e salvamentos e em calamidades públicas (Santos et al., 2018). Suas rotinas e as peculiaridades do trabalho englobam uma exposição excessiva no que tange a fatores físicos, químicos, biológicos, mentais e sociais, impactando negativamente sua qualidade de vida (QV) (Marconato & Monteiro, 2015; M. A. de Oliveira & Oliveira, 2020).

O termo QV tem várias definições, a mais utilizada, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS) (1998), é a percepção do indivíduo sobre sua posição na vida, no contexto da cultura, nos sistemas de valores nos quais ele vive, e em relação aos seus padrões, suas preocupações e expectativas. Desse modo, sua definição é ampla, variável e individual, construída por cada indivíduo de acordo com seus próprios objetivos, perspectivas, ambições de vida, satisfação profissional e bem-estar físico, social e psicológico (Marques et al., 2020; Santos et al., 2018). Dentro desse panorama, pode-se concluir que a ocupação de uma pessoa pode influenciar sua QV (Marconato & Monteiro, 2015).

Isso representa uma problemática, visto que o bombeiro é um exemplo dos profissionais facilmente expostos a situações que propiciam algum tipo de sofrimento, prejudicando sua QV (Vidotti et al., 2015). Suas condições de trabalho exigem grande esforço físico, precisão técnica e atuação instantânea quando são solicitados em ocorrências. Tais condições os levam a um elevado estado de alerta, que muitas vezes, por desconhecerem a gravidade da situação, aumenta-lhes o estado de estresse e ansiedade, submetendo-os a elevado nível de desgaste físico e psicológico, que poderá comprometer diretamente a QV e o desempenho profissional (A. C. M. de Jr. Oliveira et al., 2018; B. G. de Oliveira et al., 2018).

Neste cenário, a saúde do trabalhador pode se mostrar como um importante instrumento de estudo, ao otimizar a QV dos funcionários, possibilitando detectar os fatores influenciadores na saúde dessa população e sua função ocupacional. Dessa forma, poderá colaborar para a prevenção, para que se tenha um menor risco de lesões e estresse, e por fim garantir a satisfação profissional, consequentemente, melhorando a QV (J. P. A. Barbosa, 2020).

Logo, a QV dos bombeiros deixa de ser somente um aspecto de âmbito individual e particular do militar, e convoca a responsabilidade estatal na atenção à saúde desse trabalhador (B. G. de Oliveira et al., 2018). Dessa forma, esses militares necessitam de assistência específica em saúde, respeitando as suas necessidades que não são comuns a todos os trabalhadores, devido à especificidade de seu ofício. Tornam-se imprescindíveis, para a QV desses trabalhadores, a orientação, atendimento especializado e direcionado, promoção e manutenção da saúde, para que se obtenha um efetivo saudável e em condições plenas de realizar suas funções na corporação (Araújo et al., 2021).

Em face do problema exposto, o presente estudo visou responder à seguinte questão: “A qualidade de vida do corpo de bombeiros militares em Anápolis-GO está comprometida”? Para responder a esse questionamento, o objetivo do estudo foi avaliar a qualidade de vida do corpo de bombeiros militares.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo, transversal e quantitativo, com amostragem não probabilística, por conveniência, composta por bombeiros militares. Foram incluídos todos os itens recomendáveis do protocolo Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).

O local da realização do estudo ocorreu no 3.º Batalhão Bombeiro Militar, subordinado ao 3.º Comando Regional Bombeiro Militar — CRBM, de Anápolis-Goiás, sendo uma corporação independente e autônoma. Esse comando atende à cidade de Anápolis e presta apoio quando necessário às seguintes cidades goianas: Alexânia, Ceres, Jaraguá, Pirenópolis e Silvânia.

A escolha do local foi feita em razão de se tratar da terceira maior cidade do estado de Goiás, em nível populacional, ficando atrás de Goiânia (capital) e Aparecida de Goiânia; a companhia é referência na cidade no combate a incêndios, situações de busca e salvamento, atividades de defesa civil, análise de projetos e inspeções de instalações para fins de funcionamento.

A população foi constituída por todos os 120 bombeiros militares que, voluntariamente, consentiram em participar do estudo. Todos os bombeiros presentes no quadro de funcionários ativos foram incluídos no estudo. Excluíram-se os profissionais que estavam de férias (n = 30) ou afastados das atividades profissionais e questionários incompletos, os quais apresentaram mais de quatro perguntas em branco (n = 5).

A coleta dos dados ocorreu no período de abril a maio de 2023, sendo utilizados dois instrumentos: o primeiro elaborado pelos próprios autores para coletar informações sobre o perfil sociodemográfico dos bombeiros (sexo, faixa etária e graduação hierárquica); e a versão validada abreviada do Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (WHOQOL-Bref) (Fleck et al., 2000).

O WHOQOL-Bref é composto por 26 questões, das quais somente duas são gerais: uma se refere à QV e a outra, à saúde. As demais 24 perguntas são relativas a quatro domínios da QV, os quais são constituídos por suas facetas, como, por exemplo: 1-Domínio Físico: dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso, mobilidade, atividades da vida cotidiana, dependência de medicação ou de tratamentos e capacidade de trabalho; 2-Domínio Psicológico: sentimentos positivos, pensar, aprender, memória e concentração, autoestima, imagem corporal e aparência, sentimentos negativos, espiritualidade, religião/ crenças pessoais; 3-Domínio Relações Sociais: relações pessoais, suporte e apoio pessoal e atividade sexual; 4-Domínio Meio Ambiente: segurança física e proteção, ambiente do lar, recursos financeiros, cuidados de saúde, novas informações e habilidades, recreação e lazer, ambiente físico e transporte, sendo composto por questões cujas pontuações das respostas variam entre 1 e 5. Os escores de QV são uma escala positiva, ou seja, quanto maior o escore, melhor a QV (Pedroso et al., 2010).

Os pesquisadores foram presencialmente ao batalhão, primeiramente para realizar o convite aos bombeiros para que estes participassem da pesquisa, posteriormente, para a coleta de dados, para a qual foi disponibilizada uma sala reservada, onde os militares foram abordados individualmente, utilizando-se os dois instrumentos descritos acima. 

Foi, então, entregue aos militares um formulário da plataforma Google Forms® e acessado pelos participantes do estudo por meio de QR Code®, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). 

Ademais, foram disponibilizados de dez a quinze minutos para resposta destes instrumentos, e as pesquisadoras se colocaram à disposição para esclarecimento de dúvidas, bem como para resolução de qualquer dificuldade. Por vezes, durante o preenchimento dos questionários, os militares eram acionados para alguma ocorrência, assim, para solucionar esta questão, o questionário continuou disponível, para que pudessem concluí-lo em seu retorno, ou posteriormente.

Os dados foram lançados duplamente em planilhas do Microsoft Excel 2019, e conferidos na sequência. Posteriormente, os cálculos dos escores do WHOQOL-Bref foram realizados conforme modelo estatístico disponibilizado pelo Grupo WHOQOL, que calcula os escores e determina os escores transformados na escala de 4 a 20 para cada faceta e cada domínio do questionário. Para favorecer a comparação com outros estudos, converteram-se os escores obtidos na escala de 4 a 20 para uma escala de 0 a 100 por meio da fórmula [(Média-4)x100/16], na qual a média corresponde aos escores de 0 a 20 calculados anteriormente para cada domínio (Pedroso et al., 2010; Trindade et al., 2016).

Utilizaram-se os seguintes procedimentos para o cálculo da análise da QV: a) frequências e medidas estatísticas descritivas para as questões gerais referentes à “vida” e à “saúde” dos bombeiros (Como você avaliaria sua QV? Quão satisfeito (a) você está com a sua saúde?); b) escores médios para cada domínio.

O estudo iniciou após a autorização do coronel responsável pelo batalhão Anápolis–GO e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa. O estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Evangélica de Goiás (CEP/UniEVANGÉLICA), com o Certificado de Apresentação para a Apreciação Ética (CAAE): n.º 67733023.3.0000.5076 e parecer n.º 6.009.334.

RESULTADOS

Participaram do estudo 56 bombeiros militares, com prevalência do sexo masculino (92,9%). A idade variou de 30 a 62 anos, com uma média de 42,7 anos (DP ± 5,8), sendo a faixa etária mais prevalente entre 40 - 49 anos (69,7%), com relação ao grau hierárquico, a maioria era sargentos (60,7%) e quanto ao turno de trabalho, prevaleceu a carga horária de 24 × 72 horas semanais (66,1%), como evidenciado na tabela 1.

Tabela 1

Distribuição do grupo de bombeiros militares de acordo com sexo, faixa etária, graduação hierárquica e turno de trabalho. Anápolis–GO, Brasil. (n=56)

VARIÁVEIS

n

%

Sexo

Masculino

52

92,9

Feminino

4

7,1

Faixa etária

30-39 anos

13

23,2

40-49 anos

39

69,7

50 anos ou mais

4

7,1

Graduação hierárquica

Soldado – SD

3

5,4

Cabo – CB

5

8,9

Sargento – SGT

34

60,7

Subtenente – S TEN

8

14,3

Tenente – TN

4

7,1

Capitão – CAP

1

1,8

Major – MAJ

1

1,8

Turno de trabalho*

24x72 horas semanais

37

66,1

40 horas semanais

19

33,9

*Turno de trabalho: 24×72 horas – bombeiros operacionais; 40 horas semanais – 8 horas diárias - bombeiros da área administrativa.

Os resultados da avaliação da QV geral são expostos pela distribuição da frequência de respostas, o escore médio e o desvio-padrão para as duas questões gerais sobre QV aplicadas através do questionário. Quando questionados sobre sua QV (questão 1), 16,0% dos bombeiros avaliaram em “muito boa” e 67,8% consideraram “boa”. Quando interrogados quanto à satisfação com a saúde (questão 2), 21,4% informaram estarem “muito satisfeitos”, enquanto 44,6% informaram estarem “satisfeitos” (Tabela 2).

Tabela 2

Distribuição das frequências de respostas, escore médio e desvio-padrão das questões gerais sobre qualidade de vida. Anápolis–GO, Brasil. (n=56)

Questão

Opções de resposta

n (%)

Como você avaliaria sua qualidade de vida?

1 – Muito ruim

-

2 – Ruim

-

3 – Nem ruim, nem boa

9 (16,0)

4 – Boa

38 (67,8)

5 – Muito boa

9 (16,0)

Escore médio da questão

4,0

Desvio padrão

0,6

Quão satisfeito(a) você está com a sua saúde?

3 –Nem satisfeito, nem insatisfeito

10 (17,8)

4 – Satisfeito

25 (44,6)

5 – Muito satisfeito

12 (21,4)

Escore médio da questão

3,7

Desvio-padrão

1,0

Em relação ao domínio, o maior escore foi obtido no domínio saúde física (71,43%) e o menor escore foi para o domínio meio ambiente (64,34%); seguido pelo domínio relações sociais (67,11) e como evidenciado na figura 1.

Os bombeiros apresentaram comprometi-mento nas facetas: dor e desconforto (27,7); dependência de medicação ou de tratamentos (26,8); sintomas negativos (25%), e as facetas com maiores escores foram: mobilidade (90,6); espirituali-dade/religião/crenças pessoais (80,4); imagem corporal e aparência (77,23); ambiente do lar (75,89); capacidade de trabalho (70,09) e atividade sexual (70,09) como evidenciado na figura 2.

Figura 1

Distribuição dos escores médios para os domínios do WHOQOL- Bref.

Figura 2

Distribuição dos escores médios para as facetas do WHOQOL- Bref.

DISCUSSÃO

Os resultados encontrados no estudo apontaram uma maior predominância de homens entre a faixa etária de 40 e 49 anos. Notadamente, que o serviço militar é um ambiente naturalmente masculino e que existe baixa representatividade das mulheres nesses serviços, principalmente, nas funções de comando ou supervisores no serviço administrativo, ou operacional, refletindo a dificuldade enfrentada pelas mulheres para entrar no universo militar, ocasionado pelo machismo cravado na sociedade brasileira (Araújo et al., 2021; Marconato & Monteiro, 2015).

O presente estudo demonstra ainda que a maioria dos bombeiros autorrelatou possuir boa QV e estão satisfeitos com a saúde. Estudos evidenciam que os bombeiros têm uma boa percepção de sua QV, por estar relacionada com a aceitabilidade da família e da sociedade ao cargo escolhido, uma vez que são considerados heróis e têm grande satisfação de ter auxiliado o próximo (Silva, 2017; Trindade et al., 2016).

O maior escore obtido foi no domínio físico, que está aliado à capacidade funcional dos militares, sendo esse achado também em outros estudos (Morais et al., 2021; Silva, 2017; Vidotti et al., 2015). Ainda nesta perspectiva o vigor físico é considerado um dos elementos fundamentais para a prontidão no cumprimento das obrigações militares, sendo a saúde física à garantia de um de desempenho adequado as atividades, garantindo a integridade psicológica, o apoio social e a satisfação com o trabalho (Almeida et al., 2012). Portanto, foi possível verificar no presente estudo que os bombeiros em questão avaliam sua capacidade funcional de forma positiva, justificando os altos escores encontrados no estudo em relação à faceta mobilidade (90,63) e à capacidade de trabalho (70,09).

O domínio psicológico apresentou o segundo melhor escore nesta pesquisa, enfatizando uma boa relação dos bombeiros quanto às facetas, espiritualidade/religião/crenças pessoais (80,4); imagem corporal e aparência (77,23); ambiente do lar (75,89) e atividade sexual (70,09) reforçando a relevância social do trabalho para a vida do profissional, no qual demonstra que a QV do indivíduo precisa estar em equilíbrio com o bem-estar físico, mental, familiar, psicológico e até mesmo espiritual para uma vida saudável (Silva, 2017).

Estudos evidenciam também que a QV está relacionada com a motivação que o profissional bombeiro atuante dispõe, sendo diretamente proporcional ao bom desempenho e à autoestima elevada, resultando em melhor disposição para executar seu exercício profissional. Isto se deve pelo fato de a QV laboral ser muito influenciada pelos desempenhos individuais no ambiente de trabalho e êxito nos resultados obtidos em cada operação (B. G. de Oliveira et al., 2018; Vidotti et al., 2015).

Já o menor escore obtido foi para o domínio meio ambiente, com as menores facetas relacionadas aos recursos financeiros (53,13), recreação e lazer (57,14) e ambiente físico (58,04). Tal domínio relaciona o ambiente de trabalho, onde pode ser encontrada uma infinidade de estressores, como hostilidade entre os profissionais; baixos salários; sobrecarga; chefia autoritária; falta de equipamentos de segurança; prazo insuficiente para o cumprimento das tarefas; falta de liderança dos gestores; pouca perspectiva de ascensão na carreira e falta de oportunidade de tomada de decisões (Almeida et al., 2012), pois a QV está diretamente associada a diversos fatores como: estado de saúde, satisfação no trabalho, salário, lazer, relações familiares, disposição, prazer e espiritualidade (R. A. Barbosa & Vasconcelos, 2018; R. C. Batista et al., 2016).

É importante ressaltar, ainda, que um ambiente familiar saudável e horas de repouso podem contribuir para a melhoria deste domínio e facetas, tendo em vista que a maioria dos bombeiros deste estudo relatou ter uma jornada de trabalho de 12 horas/dia, considerando a jornada de trabalho no Batalhão 12/72 horas. Nos dias de folgas, fazem serviços fora do batalhão para complementar a renda familiar, reduzindo o tempo livre e momentos de lazer com a família, justificando o baixo escore encontrado no estudo, nas facetas, recursos financeiros e na recreação e lazer. Tal situação compromete a QV, impactando diversos aspectos de vida, como sono, saúde mental, disposição física, capacidade de trabalho e vários outros (Marconato & Monteiro, 2015; A. C. M. de Jr. Oliveira et al., 2018; Vidotti et al., 2015).

Os bombeiros apresentam no presente estudo comprometimento nas seguintes facetas: sintomas negativos (25%); dependência de medicação ou de tratamentos (26,8); dor e desconforto (27,7). Em relação à faceta sentimentos negativos, é possível que um número considerável de profissionais esteja com possíveis problemas emocionais (ansiedade, depressão, estresse), necessitando de assistência integral a saúde mental desses bombeiros, considerando o impacto negativo que essas questões psíquicas podem gerar no ambiente de trabalho e, consequentemente na QV do profissional (I. A. M. Batista, 2022; R. C. Batista et al., 2016).

O baixo escore na faceta: dor e desconforto, demostra que as atividades exercidas por esses profissionais podem causar repercussões físicas negativas, como a que investigou a incidência de Dores Musculares Relacionadas ao Trabalho (DORT) em bombeiros da Coreia, na qual 11% dos sujeitos eram portadores de dor, além da relação de seu desenvolvimento com o estresse (Kim et al., 2013). E, em um estudo brasileiro, realizado com bombeiros/profissionais do resgate, identificaram que a presença de dor estava relacionada à diminuição da capacidade para trabalho e 20,2% relataram dor na última semana, demonstrando que o atendimento em emergências pode ser importante fator no desenvolvimento desse sintoma (Marconato & Monteiro, 2015).

Já em relação ao baixo escore relacionado à faceta dependência de medicação ou de tratamentos, pode ser justificada pela tentativa de o profissional mascarar os problemas de saúde usando os medicamentos indiscriminadamente. Estudo realizado com 711 bombeiros de Belo Horizonte, Minas Gerais, por meio de autorrelato, identificou uma prevalência do uso de ansiolíticos em 9,9% dos casos, sendo que 7,5% dos bombeiros o consumo ocorreu sem indicação e/ou controle terapêutico especializado. Vale a pena advertir que a possibilidade da ocorrência de efeitos colaterais pelo uso indiscriminado pode interferir diretamente na QV do indivíduo, ainda que sua intenção ao utilizar esse tipo de medicação seja de melhorá-la (Azevedo et al., 2019).

As principais limitações do estudo foram o perfil da amostra, tipo (conveniência) e tamanho, e a ausência de aplicação de teste estatístico específico que poderia afirmar/confirmar a ocorrência de prejuízos na QV dos participantes. Sabe-se, também, que qualquer estratégia de coleta de dados usada isoladamente, tais como: as escalas e os questionários possui limitações, sendo particularmente susceptíveis aos efeitos da desejabilidade social (o respondente tende a dar a resposta que seria socialmente aprovada) e distorções de memória (por exemplo, o respondente pode não se lembrar com exatidão do seu real desempenho em uma dada situação). Todavia, um dos pontos positivos mais notáveis do trabalho foi evidenciar um tema pouco explorado na literatura nacional, especialmente na região Centro-Oeste.

CONCLUSÃO

A pesquisa mostrou que os bombeiros militares avaliados consideram a QV boa ou muito boa e estão satisfeitos com a saúde. O maior escore observado entre os bombeiros participantes deste estudo foi relacionado ao domínio físico e às facetas mobilidade, espiritualidade/reli-gião/crenças pessoais, imagem corporal e aparência, e ambiente do lar. Contudo, ainda foi possível identificar fragilidades na QV dos profissionais, principalmente relacionadas com o domínio do meio ambiente e com as facetas sentimentos negativos, dependência de medicação ou de tratamentos, e dor e desconforto.

Dessa forma, reconhecendo os fatores em que esses profissionais têm menor sucesso no que tange à QV, possibilita-se o aprimoramento de políticas públicas que sejam eficazes para solucionar os problemas enfrentados pelos bombeiros militares e que afetam sua saúde e QV. Assim, sugere-se às futuras pesquisas, longitudinais, que acompanhem possíveis mudanças na QV dos avaliados. Ademais, deve-se inferir um olhar holístico no âmbito físico, mental e social sobre essa população, a fim de proporcionar uma assistência integral à saúde do trabalhador.

AGRADECIMENTOS

A autora Brenda Machado Siqueira agradece ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/UniEVANGÉLICA.

REFERÊNCIAS

Almeida, M. A. B. de, Gutierrez, G. L., & Marques, R. F. R. (2012). Qualidade de vida: Definição, conceitos e interfaces com outras áreas de pesquisa (Vol. 7). Escola de Artes, Ciências e Humanidades - EACH/USP. https://www5.each.usp.br/wp-content/uploads/2019/01/qualidade_vida.pdf

Araújo, W. F., Santos, G. R., & Sales, D. R. (2021). O teto de vidro e as instituições militares: Um estudo de caso no 7o batalhão de bombeiros militar de Minas Gerais. Brazilian Journal of Development, 7(1), 7961–7979. https://doi.org/10.34117/bjdv7n1-541

Azevedo, D. S. da S. de, Lima, E. de P., & Assunção, A. Á. (2019). Fatores associados ao uso de medicamentos ansiolíticos entre bombeiros militares. Revista Brasileira de Epidemiologia, 22, e190021. https://doi.org/10.1590/1980-549720190021

Barbosa, J. P. A. (2020). Qualidade de vida de bombeiros militares do Distrito Federal e sua associação com a aptidão cardiorrespiratória, o perfil de risco cardiovascular e a qualidade do sono [Dissertação (Mestrado em Educação Física), Universidade de Brasília (UnB)]. https://repositorio.unb.br/handle/10482/40777

Barbosa, R. A., & Vasconcelos, A. G. (2018). Qualidade de vida e suas relações com o absenteísmo em bombeiro. Vigiles, 1(1). https://doi.org/10.17648/revistavigiles-2595-4229-1-1-32

Batista, I. A. M. (2022). Literacia em saúde mental sobre psicose: Uma intervenção integrada de base comunitária para bombeiros [Dissertação (Mestrado em Psiquiatria e Saúde Mental), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra]. http://web.esenfc.pt/?url=cWvvWro3

Batista, R. C., Magalhães, Á. R., & Leite, D. B. (2016). Estresse e qualidade de vida de profissionais bombeiros militares do município de Primavera do Leste – Mato Grosso. Revista Eletrônica Gestão e Serviços, 7(2), Artigo 2. https://doi.org/10.15603/2177-7284/regs.v7n2p1671-1691

Fleck, M. P., Louzada, S., Xavier, M., Chachamovich, E., Vieira, G., Santos, L., & Pinzon, V. (2000). Aplicação da versão em português do instrumento abreviado de avaliação da qualidade de vida “WHOQOL-bref”. Revista de Saúde Pública, 34, 178–183. https://doi.org/10.1590/S0034-89102000000200012

Kim, M. G., Kim, K.-S., Ryoo, J.-H., & Yoo, S.-W. (2013). Relationship between occupational stress and work-related musculoskeletal disorders in Korean male firefighters. Annals of Occupational and Environmental Medicine, 25(1), 9. https://doi.org/10.1186/2052-4374-25-9

Marconato, R. S., & Monteiro, M. I. (2015). Pain, health perception and sleep: Impact on the quality of life of firefighters/rescue professionals. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 23(6), 991–999. https://doi.org/10.1590/0104-1169.0563.2641

Marques, C. S., Maggioni, M. B. L., Rodrigues, A. M., Costa, V. M. F., & Gai, M. J. P. (2020). Qualidade de Vida no Trabalho: Um estudo de caso em uma organização militar da região central do RS. Revista Interdisciplinar de Gestão Social, 9(1), Artigo 1. https://periodicos.ufba.br/index.php/rigs/article/view/30400

Morais, K. C. P. D., Silva, R. M. D., Beck, C. L. C., Camponogara, S., Dalmolin, G. D. L., & Tavares, J. P. (2021). Correlation between quality of life and sleep quality of military firefighters. ABCS Health Sciences, 46, e021221. https://doi.org/10.7322/abcshs.2020105.1559

Oliveira, A. C. M. de Jr., Werneck, F. Z., Ferreira, R. M., Soares, E. R., & Coelho, E. F. (2018). Padrões de aptidão física e qualidade de vida de bombeiros militares. Revista de Educação Física / Journal of Physical Education, 87(1). https://doi.org/10.37310/ref.v87i1.508

Oliveira, B. G. de, Bomfim, E. dos S., Ribeiro, Í. J. S., Almeida, P. H. R. F., Boery, R. N. S. de O., & Boery, E. N. (2018). Influência da capacidade para o trabalho na qualidade de vida de bombeiros militares. Cogit. Enferm. (Online), e55419–e55419. http://www.revenf.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-85362018000400307

Oliveira, M. A. de, & Oliveira, S. S. (2020). A face humana do herói: Análise do processo saúde-doença de bombeiros a partir de comunidades virtuais. Interface (Botucatu, Online), e190252–e190252. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832020000100207

Organização Mundial da Saúde. (1998). Promoção da Saúde: Glossário. OMS.

Pedroso, B., Pilatti, L. A., Gutierrez, G. L., & Picinin, C. T. (2010). Cálculo dos escores e estatística descritiva do WHOQOL-bref através do Microsoft Excel. Revista Brasileira de Qualidade de Vida, 2(1), Artigo 1. https://doi.org/10.3895/S2175-08582010000100004

Santos, L. N. dos, Ascari, T. M., Sá, C. A. de, & Ascari, R. A. (2018). Qualidade de vida de bombeiros militares atuantes nos serviços operacional e administrativo. Rev. enferm. UFSM, 1–14. https://periodicos.ufsm.br/reufsm/article/view/30564/pdf

Silva, J. T. (2017). A qualidade de vida dos bombeiros militares: Um estudo de caso no comando geral de Cuiabá – MT. Homens do Mato - Revista Científica de Pesquisa em Segurança Pública, 17(3), Artigo 3. http://revistacientifica.pm.mt.gov.br/ojs/index.php/semanal/article/view/335

Trindade, A. P. N. T. da, Gomes, T. C. dos R., Castro, L. F. A. de, Balieiro, L. C., & Bittar, C. M. L. (2016). Relação de dor osteomuscular e a qualidade de vida dos militares do batalhão do corpo de bombeiros de Araxá – MG. Cinergis, 17(4), Artigo 4. https://doi.org/10.17058/cinergis.v17i3.8068

Vidotti, H. G. M., Coelho, V. H. M., Bertoncello, D., & Walsh, I. A. P. de. (2015). Qualidade de vida e capacidade para o trabalho de bombeiros. Fisioterapia e Pesquisa, 22, 231–238. https://doi.org/10.590/1809-2950/13125822032015